O processo de mortificação do policial militar durante a carreira profissional

July 4, 2017 | Autor: Juracy Espíndola | Categoria: Social Sciences
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JURACY ESPÍNDOLA DE ALMEIDA

O PROCESSO DE MORTIFICAÇÃO DO POLICIAL MILITAR DURANTE A CARREIRA PROFISSIONAL

Trabalho de Conclusão do IV Curso de Especialização em Segurança Pública e Cidadania, ministrado pelo Núcleo de Estudos Sobre Violência e Segurança (NEVIS), do Departamento de Sociologia da Universidade Brasília, como requisito obrigatório para titulação. ORIENTADOR: Prof. Dr. Rodrigo Figueiredo Suassuna

BRASÍLIA, DF 2015

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JURACY ESPÍNDOLA DE ALMEIDA

O PROCESSO DE MORTIFICAÇÃO DO POLICIAL MILITAR DURANTE SUA CARREIRA PROFISSIONAL

Trabalho de Conclusão do IV Curso de Especialização em Segurança Pública e Cidadania, ministrado pelo Núcleo de Estudos Sobre Violência e Segurança (NEVIS), do Departamento de Sociologia da Universidade Brasília, como requisito obrigatório para titulação.

BRASÍLIA, 24 DE JULHO DE 2015

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________ Prof. Dr. Rodrigo Figueiredo Suassuna – Orientador

__________________________________________________ Prof. Dr.ª Haydée Glória Cruz Caruso – Examinadora

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho, especialmente, a meus pais, Dona Inês e Zé Neto (in memorian), a Kesse, esposa maravilhosa, e a Juju, filha amada. Dedico ainda aos meus sogros, Dona Mara e Betão, e aos inominados que colaboram para a realização dessa conquista.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, a Deus pela oportunidade dessa existência, a Jesus Cristo pelos ensinamentos da vida, aos professores Analía Soria, Arthur Trindade e Cristina Zackseski pelos momentos de instigação e, especialmente, ao professor Rodrigo Suassuna pela orientação desse trabalho. Agradeço também aos companheiros de jornada por compartilharem suas experiências de vida.

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[...] E você ainda acredita Que é um doutor Padre ou policial Que está contribuindo Com sua parte Para o nosso belo Quadro social [...] (Ouro de Tolo, Raul Seixas)

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RESUMO Este trabalho tem por objetivo principal discutir a influência das Instituições Policiais Militares na cultura de agressividade policial considerando-se o processo de mortificação de alguns policiais militares do Distrito Federal, durante a carreira profissional destes. Inicialmente, estudaremos os aspectos organizacionais da Polícia Militar do Distrito Federal comparando-a ao conceito de instituição total. As informações que fundamentaram o estudo foram produzidas por meio de entrevistas envolvendo as experiências profissionais de 5 policiais militares, além dos relatos do pesquisador-policial. A análise metodológica foi centrada na análise das entrevistas. Utiliza-se o conceito de mortificação proveniente das instituições totais, que se define como o conjunto de violações e profanações dos internados dessas instituições. Foram analisadas características institucionais da Polícia Militar do Distrito Federal buscando-se semelhanças com as instituições totais, com finalidade de assim caracterizá-la. Do mesmo modo, foram analisadas as características dos policiais militares que evidenciassem o processo de mortificação. O processo mortificação, por meio da carreira profissional dos policiais militares, apresenta-se sobre três aspectos principais neste trabalho: (a) a reprodução da agressividade aprendida no ambiente institucional das instituições policiais militares; (b) elevados índices de morbimortalidade da atividade policial; (c) transformações na carreira moral dos policiais militares, caracterizada pelo sentimento de inferioridade que eles têm em relação à sociedade. Além do processo de mortificação dos policiais militares, foram considerados outros fatores que contribuem na prática da atividade policial, tais como: (a) a cultura organizacional das instituições policiais militares; (b) algumas condicionantes do trabalho policial; (c) a formação da identidade profissional dos policiais; (d) o modelo policial sob os paradigmas burocrático-militar e legalista; (e) e o controle da atividade policial. Já na análise das narrativas dos policiais militares que se veem como vítimas do processo de formação profissional ficou evidenciado o também processo de mortificação. Verificaram-se ainda outras formas de mortificação do policial como: o rígido controle institucional, a despersonificação do policial, o isolamento social, a alienação do policial militar, dentre outras. Finalmente, a pesquisa permitiu a comprovação da hipótese de que as instituições policiais militares fomentam a cultura da agressividade nos seus integrantes pelo processo de mortificação ao longo da carreira profissional destes. Palavras-chave: Agressividade policial. Instituição Total. Mortificação.

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ABSTRACT This work has as main objective to discuss the influence of the institutions Military Police officer in aggressive culture considering the mortification process of some military police of the Federal District, during the professional career of these. Initially, we will study the organizational aspects of the Polícia Militar do Distrito Federal comparing it to the concept of total institution. The information that supported the study were produced through interviews involving the professional experiences of five police officers, in addition to reports of researcher police. The methodological analysis was focused on the analysis of the interviews. It uses the concept of mortification from the total institutions, which is defined as the set of rape and desecration of the inmates of these institutions. Institutional characteristics were analyzed Military Polícia Militar do Distrito Federal is seeking similarities with total institutions in order to so characterize it. Similarly, the characteristics of the military police of showing the mortification process were analyzed. The mortification process, through the professional career of the military police, is presented on three main aspects in this work: (a) the reproduction of learned aggression in the institutional environment of the military police institutions; (B) high levels of morbidity and mortality of police activity; (C) changes in the moral career of the military police, characterized by the feeling of inferiority that they have towards society. In addition to the mortification process of PMs they were considered other factors that contribute to the practice of police activity, such as: (a) the organizational culture of the military police institutions; (B) some conditions of police work; (C) the formation o f the professional identity of the officers; (D) the model police under the military-bureaucratic and legalistic paradigms; (E) and control of the police activity. In the analysis of the narratives of the military police who see themselves as victims of the vocational training process was also evidenced the mortification process. There have also other forms of mortification of the police as the hard institutional control, despersonificação the police, social isolation, alienation of the military police, among others. Finally, the research allowed to prove the hypothesis that the military police institutions foster a culture of aggression in its members the mortification process along these professional career. Keywords: Police aggressiveness. Total Institution. Mortification.

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SÍNTESIS Este trabajo tiene como objetivo principal discutir la influencia de la Policía Militar de las instituciones en la cultura agresiva teniendo en cuenta el proceso de mortificación de algunos policías militares del Distrito Federal, durante la carrera profesional de estos. Inicialmente, vamos a estudiar los aspectos organizativos de la Policía Militar del Distrito Federal comparándolo con el concepto de institución total. La información que apoyó el estudio se produjeron a través de entrevistas que involucran las experiencias profesionales de los cinco agentes de la policía, además de los informes de la policía investigador. El análisis metodológico se centró en el análisis de las entrevistas. Se utiliza el concepto de la mortificación de las instituciones totales, que se define como el conjunto de violación y profanación de los internos de estas instituciones. Policía Militar se analizaron las características institucionales del Distrito Federal está buscando similitudes con las instituciones totales, para lo caracterizarlo. Del mismo modo, se analizaron las características de la policía militar de mostrar el proceso de mortificación. El proceso de la mortificación, a través de la carrera profesional de la policía militar, se presenta en tres aspectos principales en este trabajo: (a) la reproducción de la agresión aprendido en el entorno institucional de las instituciones de la policía militar; (B) los altos niveles de morbilidad y mortalidad de la actividad policial; (C) los cambios en la carrera moral de la policía militar, que se caracteriza por el sentimiento de inferioridad que tienen para con la sociedad. Además del proceso de mortificación de PMs que se consideraron otros factores que contribuyen a la práctica de la actividad policial, tales como: (a) la cultura organizacional de las instituciones de la policía militar; (B) unas condiciones de trabajo de la policía; (C) la formación de la identidad profesional de los oficiales; (D) el modelo de policía bajo los paradigmas militares burocráticos y legalistas; (E) y el control de la actividad de la policía. En el análisis de las narrativas de la policía militar que ven a sí mismos como víctimas del proceso de formación profesional también se puso de manifiesto el proceso de mortificación. También tienen otras formas de mortificación de la policía como el control institucional duro, despersonificação la policía, el aislamiento social, la alienación de la policía militar, entre otros. Por último, la investigación permitió probar la hipótesis de que las instituciones de la policía militar fomentar una cultura de la agresión en sus miembros el proceso de mortificación junto éstos carrera profesional. Palabras clave: La agresividad policial. Institución Total. La mortificación.

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LISTA DE ABREVIATURA E SIGLAS APM-GO – Academia da Polícia Militar do Estado de Goiás BOPE – Batalhão de Operações Especiais CAEP – Curso de Altos Estudos para Praças CAP – Curso de Aperfeiçoamento de Praças CAS – Curso de Aperfeiçoamento de Sargento CBMDF – Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal CFC – Curso de Formação de Cabo CFO – Curso de Formação de Oficiais CFS – Curso de Formação de Sargento CFSd – Curso de Formação de Soldado CFPPM – Curso de Formação de Praças Policiais Militares CFP – Curso de Formação de Praças COL – Curso de Operações Lacustre CPA – Curso de Policiamento Ambiental CPC – Curso de Policiamento Comunitário CNP – Curso de Nivelamento de Praças DF – Distrito Federal GO – Estado de Goiás GOE – Grupo de Operações Especiais IPMs – Instituições Policiais Militares ITs – Instituições Totais PFem – Policial Militar Feminina PMBA – Polícia Militar da Bahia PMDF – Polícia Militar do Distrito Federal PMERJ – Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro PMGO – Polícia Militar do Estado de Goiás PMPB – Polícia Militar da Paraíba PMs – Policiais Militares QPPMC – Quadro de Praças Policial Militar Combatente TecSOP – Curso de Tecnologia em Segurança e Ordem Pública UCB – Universidade Católica de Brasília

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SUMÁRIO 1

INTRODUÇÃO.................................................................................................... 12

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CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS............................................................ 15

2.1

CARACTERIZAÇÃO DO PESQUISADOR-POLICIAL ........................................ 15

2.2

ABORDAGEM QUALITATIVA ......................................................................... 16

2.3

PROCEDIMETOS PARA ANÁLISE DOS DADOS .............................................. 17

3 3.1

CONCEITOS INICIAIS – INSTITUIÇÃO TOTAL, MORTIFICAÇÃO E AGRESSIVIDADE POLICIAL ............................................................................ 18 INSTITUIÇÕES TOTAIS.................................................................................... 18

3.1.1 CARACTERÍSTICAS DAS INSTITUIÇÕES TOTAIS ............................................... 21 3.2

EXPERIÊNCIA DE STANFORD......................................................................... 33

3.3

DIFERENCIAÇÃO ENTRE VIOLÊNCIA E AGRESSIVIDADE POLICIAL .......... 36

4 4.1

CARREIRA POLICIAL – TRABALHO, FORMAÇÃO, CULTURA E CONTROLE DA ATIVIDADE POLICIAL .......................................................... 39 TRABALHO POLICIAL ..................................................................................... 39

4.1.1 MORBIMORTALIDADE DA ATIVIDADE POLICIAL ............................................ 43 4.2

PROFISSIONALIZAÇÃO DA POLÍCIA.............................................................. 47

4.2.1 MODELO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL DA POLÍCIA ................................... 48 4.2.2 CONSTRUÇÃO DA CULTURA NAS INSTITUIÇÕES POLICIAIS MILITARES ........ 51 4.3

CONTROLE DA ATIVIDADE POLICIAL........................................................... 55

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ANÁLISE DAS ENTREVISTAS .......................................................................... 61

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CONCLUSÃO...................................................................................................... 72

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 76 ANEXO A - ROTEIRO DA ENTREVISTA ................................................................ 79

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INTRODUÇÃO O objeto de estudo desse trabalho é entender a influência da Instituição Policial

Militar – IPM1, na cultura de agressividade policial. Inicialmente, estudaremos os aspectos organizacionais da Polícia Militar do Distrito Federal – PMDF, comparando-a ao conceito de Instituição Total – IT, assim como as perspectivas de alguns de seus integrantes entrevistados. Além disso, serão abordados outros assuntos que se relacionam com a agressividade policial, tais como: o processo de mortificação2 dos policiais militares; a cultura institucional das Polícias Militares – PMs; as condicionantes do trabalho policial como, por exemplo, a morbimortalidade3 do trabalho policial; a formação da identidade dos policiais militares e os mecanismo de controle dessa atividade. Assim, o desafio desse trabalho é procurar entender os mecanismos institucionais que fomentam a construção do comportamento agressivo dos PMs no Distrito Federal – DF. Considera-se que esse comportamento é aprendido durante o processo de formação profissional e durante a execução do serviço, em contato com o modus operandi4 dos colegas mais experientes. Outro questionamento que se faz é sobre a influência da formação moral no comportamento do agente, pois: será que ele não traz consigo os mesmos valores da sociedade sedenta de vingança? Por outro lado, percebe-se que a agressividade policial é tolerada por parte da sociedade como, por exemplo, a carioca, destacada por Costa (2008) numa pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas e pelo ISER (Instituto de Estudos da Religião), no ano de 1997, em constatou-se que cerca de 44% da população carioca tolerava o uso de métodos violentos da polícia como forma de repressão aos criminosos. Ademais, em âmbito internacional, o Brasil, dentre várias democracias latinas, é conhecido como uma “democracia sem cidadania” (COSTA, 2004). Esse rótulo é atribuído ao Brasil, devido ao desrespeito às várias garantias constitucionais. Nesse mesmo sentido, Batista (2009) destaca que o Brasil se apresenta como uma República democrática, mas “[...] o déficit de cidadania que feudalizou juridicamente a sociedade brasileira propiciou a proliferação de modos singulares dos não-cidadãos se relacionarem com o poder e com os 1

Essa abreviação é utilizada nas IPMs como Inquérito Policial Militar, não é o nosso caso. Esse tema será explicado ao longo do trabalho. 3 Esse termo representa, segundo Minayo e Souza (2005) as “[...] informações sobre a mortalidade e a morbidade por acidentes e violências que vitimaram os agentes da segurança pública que atuam na Guarda Municipal da cidade e das duas Polícias, a Militar e a Civil do Estado do Rio de Janeiro (MIANYO; SOUZA, 2005, p. 920). 4 Conceito explicado ao longo do trabalho. 2

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poderosos, e vice-versa” (BATISTA, 2009, p. 401). Desta forma, no Brasil existem poderes paralelos – “outras repúblicas”5 – que utilizam o mesmo instrumento do Estado, a força física, para fins de controle de alguns ambientes. Consequentemente, em alguns espaços sociais, o poder do Estado é mitigado ou simplesmente não existe. Nesse contexto de incompletude6 do Estado Brasileiro, em que agressividade policial é tolerada por parte da sociedade e a ausência do poder público permite o surgimento de “outras repúblicas”, surge o questionamento sobre a eficiência das instituições de segurança pública. Assim, um questionamento que se faz necessário é: como as instituições do Estado, que são responsáveis para assegurar os direitos e garantias constitucionais, contribuem com índices expressivos de violência? Isso contraria, na sua essência, a razão de ser das instituições policiais, além de ferir a natureza do pacto social. Como resultado, a legitimidade das ações policiais é mitigada pela falta de confiança e credibilidade da população na polícia. Em face desse cenário caótico pela ausência da tutela estatal, é importante se destacar a contribuição das práticas agressivas institucionalizadas nas polícias brasileiras. No entanto, a agressividade policial aqui mencionada não se refere a uma ação isolada de um sujeito empoderado pelo Estado. Mas sim da agressividade policial habitualmente praticada pelos seus agentes estatais e tida, por várias vezes, como modo natural de execução do trabalho policial. A estratégia metodológica adotada para entender a influência da PMDF na construção da agressividade policial é analisarmos o relato de alguns policiais pertencentes à PMDF, bem como a perspectiva deste autor também pertencente à referida corporação há 15 anos. Além disso, são apreciados estudos sobre a construção da identidade e socialização dos PMs da PMGO, o treinamento militar dos cadetes da PMBA, as taxas de morbimotalidade das Polícias Militar e Civil, da Guarda Municipal do Rio de Janeiro e os índices de adoecimento e afastamento da atividade policial das praças da PMPB. No entanto, uma dificuldade desse estudo é limitar o período e ambiente da formação do PM, pois partindo do pressuposto de que o homem é um ser em constante aprendizado, a formação se dará em diversos momentos e ambientes ao longo de sua carreira profissional. Considerando-se que aprendizado da atividade policial não ocorre somente no período de 5

Essa terminologia é usada por Batista (2009) para caracterizar o empoderamento de facções ou grupos de criminosos que dominam presídios e favelas, por exemplo. 6 Nesse sentido, o Estado se perfaz quando atende a condição de um Estado Democrático de Direito, que por sua vez, também se submete a égide da Lei, ou seja, seus órgãos e representantes também são responsabilizados pelas suas ações ou omissões.

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formação. O foco de estudarmos a formação profissional do policial é compreender os fatores institucionais das IPMs que contribuem para a práxis policial, os quais estão entranhados na cultura institucional e não são facilmente perceptíveis se considerarmos apenas o período de formação curricular (formal) dos policiais militares. Por outro lado, é primordial diferenciar o “uso necessário da força” da “violência policial”. Essa diferenciação não é simples, pois dependem, essencialmente, do momento histórico e da legitimação da ação policial (COSTA, 2004). Além disso, tem-se que fazer uma desambiguação entre “violência policial” e “agressividade policial” 7. À vista dessas observações, se faz necessário investigar em que medida a agressividade policial é uma ação desejada ou tolerada por parte da sociedade, mas principalmente entender como as IPMs podem cooperar ou fomentar essa cultura de agressividade. Para isso, também será analisada a trajetória profissional de alguns policiais militares pertencentes à PMDF, por meio de entrevistas. A carreira profissional dos PMs apresenta a influência de vários fatores que são culturais, políticos, sociais, filosóficos, ideológicos, dentre outros. Assim, o esforço dessa pesquisa é eleger quais podem ser as principais influências na construção do comportamento agressivo dos policiais militares. Porém, esse trabalho se delimitará as experiências profissionais das praças integrantes da PMDF. No primeiro capítulo, são feitas algumas considerações metodológicas sobre o pesquisador (policial militar), a abordagem qualitativa e procedimentos de análise das entrevistas. No segundo capítulo, são abordados o conceito de Instituição Total – IT, e suas características, com o foco no processo de mortificação. Além disso, é apresentado o experimento de Stanford como um exemplo de IT pelos efeitos de mortificação no seus internados. No terceiro capítulo, discutir-se-á sobre a carreira profissional dos PMs, com o enfoque nas condições do trabalho policial, dentre elas os índices de morbimortalidade e formação policial da identidade dos PMs. Além de apresentar o modelo profissional da polícia moderna e o controle da atividade policial. No quarto capítulo, será realizada uma análise das narrativas obtidas pelas entrevistas realizadas. Na conclusão, serão apresentados alguns apontamentos sobre a influência das IPMs sobre a agressividade policial.

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Essa desambiguação é abordada na Seção 3.3.

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CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS Neste capítulo será apresentada a metodologia utilizada no decurso da pesquisa.

Assim, essa descrição metodológica visa a identificação dos elementos, pelas narrativas dos entrevistados, que possam dialogar com a hipótese de: a agressividade policial ser, em alguma medida, fomentada durante a carreira profissional do policial militar, uma vez que esse policial sofre uma formatação da sua identidade para adequar-se a Instituição Policial Militar. 2.1

CARACTERIZAÇÃO DO PESQUISADOR-POLICIAL Em 1º de outubro de 1999, ingressei nas fileiras da PMDF como Soldado 2ª Classe.

Depois de passar pela prova escrita, teste de aptidão física, exames médicos, testes psicológicos e investigação social, iniciei o Curso de Formação de Soldado – CFSd, no antigo Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças – CFAP, atual Escola de Formação de Praças – EFP. O curso teve a duração de 10 meses, finalizando-se dia 28 de julho de 2000, quando, então, fui promovido a Soldado 1ª Classe. O curso tinha instruções8 de segunda a sexta-feira, no período matutino, das 5h45 às 12h00 e dois dias a tarde havia o Treinamento Físico Militar – TFM, o período matutino dos sábados era utilizado, rotineiramente, para realização de prova. Os finais de semana e o restante do dia, de modo geral, eram utilizados, até as 21 horas, para cumprimento de penalidades aos alunos que infringiam regras de conduta. As regras de condutas de um modo geral eram somente verbalizadas pelos instrutores e os outros superiores hierárquicos, pois não havia um manual do aluno para entender a dinâmica de funcionamento da escola. O dia de instrução iniciava e terminava com uma formatura militar 9. Na verdade, o dia tinha horário para começar, mas não para terminar. Depois de formado, escolhi ser lotado no 11º Batalhão de Polícia Militar – 11º BPM, localizado na Região Administrativa de Samambaia, onde trabalhei por 2 anos. Depois fiz permuta com outra praça da Companhia de Policiamento Florestal – CPFLo, atual Batalhão de Policia Militar Ambiental – BPMA, onde permaneci por 10 anos. Depois fui voluntário para trabalhar no Colégio Militar Tiradentes – CMT, onde trabalho há 3 anos. Hoje, estou com 15 anos de trabalho e sou Cabo, pois tive a segunda progressão funcional, em 26 de 8 9

Instrução é a terminologia, utilizada na linguagem militar, que indica aula ou treinamentos diversos. Formatura militar é uma reunião onde a tropa fica enfileirada, disposta em grupos, geralmente, em área aberta.

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dezembro de 2011. Ressalto que fiz o IX Curso de Nivelamento de Praças – CNP10, por 2 semanas para ser promovido a Cabo. Trabalhei por 12 anos na parte operacional do serviço policial. Hoje, exerço uma função técnico-pedagógica11 na área administrativa. Fiz o Curso de Policiamento Ambiental em 2008 e o Curso de Operações Lacustres em 2009.

2.2

ABORDAGEM QUALITATIVA O procedimento de análise qualitativa reportar-se, de modo geral, às respostas das

praças da PMDF entrevistadas. Primeiramente, foi realizada uma primeira entrevista com algumas perguntas de caráter geral sobre a vida do entrevistado e concepção sobre agressividade policial, cursos de formação e operacionais, motivações de ingressos na PMDF, expectativa profissional e outras. Assim, percebeu-se que as respostas não atenderam ao objetivo central da pesquisa. Dessa forma, o questionário foi reestruturado para a realização das outras entrevistas e com o foco na busca por experiências de vida dos policias para contribuir a pesquisa. No entanto, foram percebidas, durante a análise das entrevistas, que as respostas mais proveitosas para a pesquisa foram as descrições do cotidiano dos cursos de formação e a rotina do trabalho. Assim, buscamos compreender qual é a percepção dos PMs do DF sobre a instituição PMDF. Sobretudo, a construção da identidade dos PMs durante sua carreira profissional. Considera-se que a formação profissional dos PMs ocorre durante toda a sua estada na corporação. Além disso, a permanência dos policiais nas IPMs é regida por um conjunto de normas, nas quais se destacam os preceitos militares de hierarquia e disciplina. A carreira dos PMs é construída sob a égide de alguns códigos de conduta e regulamentos disciplinares como, por exemplo, a Lei n. 4.346/2002, Regulamento Disciplinar do Exército - RDE, aplicada à PMDF12. Então, um dos intentos na busca do referencial bibliográfico foi caracterizar a PMDF como uma “instituição total”13.

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O CNP substituiu o CFC e CFS que eram exigidos para serem promovidos a Cabo e 3° Sargento, respectivamente. Essa mudança atendeu as mudanças da progressão funcional realizadas pela Lei n. 12.086/2009 (BRASIL, 2009). 11 Sou professor de Física, licenciado pela Universidade de Brasília, formado desde 2003. 12 Distrito Federal. Decreto n. 23.317, de 25 de outubro de 2002. Diário Oficial do Distrito Federal. Brasília, 25 de outubro de 2002. 13 Esse conceito será abordado na Seção 3.1.

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2.3

PROCEDIMETOS PARA ANÁLISE DOS DADOS Para análise dos dados foram realizadas 5 entrevistas com policiais militares

pertencentes ao Quadro de Praças Policiais Militares Combatentes – QPPMC-PMDF. Todas as entrevistas foram gravadas para serem transcritas e analisadas. Os entrevistados foram selecionados entre pessoas conhecidas do pesquisador, a fim de estabelecer vínculo de confiança para se obter maior cooperação e respostas fidedignas dos entrevistados. Ainda lhes foram esclarecidas à finalidade acadêmica da pesquisa e a preservação da sua identidade. No entanto, identificamos que alguns entrevistados não entendiam algumas perguntas, também se notou que outros, se sentiram desconfortáveis com algumas interpelações. De um modo geral todos colaboraram com a pesquisa. Assim, podemos destacar algumas interferências nas entrevistas como: (a) o receio de responder temas polêmicos como: humilhações, constrangimentos e assédios sofridos durante a carreira profissional; (b) a cautela de alguns entrevistados em responder tecnicamente a “coisa certa” em cooperação com a pesquisa; e (c) o condicionamento institucional em dar respostas “corretas” e “éticas”, devido o controle da IPM, pois fora do momento da entrevistas alguns entrevistados contradisseram algumas de suas respostas. Outro aspecto importante da análise dos dados é a associação que o senso comum faz entre violência e agressividade. Por essa razão, foi pertinente fazer a distinção entre esses conceitos no próximo capítulo. No entanto, essas representações estão profundamente ligadas e, por isso, consideraremos que as perguntas feitas sobre “violência policial” podem ser analisadas também como “agressividade policial”. Neste capítulo, portanto, caracterizamos o pesquisador-policial, descrevendo a sua trajetória profissional. Também foram apresentadas a abordagem qualitativa das entrevistas e o procedimento para análise. Essas considerações metodológicas são importantes para identificar qual é o prisma que o pesquisador está utilizando para a análise da questão da prática habitual da agressividade policial. A seguir será apresentado o conceito de IT.

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3

CONCEITOS INICIAIS – INSTITUIÇÃO TOTAL, MORTIFICAÇÃO E AGRESSIVIDADE POLICIAL Depois de discorrer sobre capítulo metodológico, abordando a caracterização do

observador, a construção do objeto e a forma de abordagem dos dados, iniciaremos a pesquisa sobre a cultura da agressividade nas instituições policiais. Por este caminho, o primeiro empreendimento será a tentativa de caracterizar a PMDF como uma instituição total. Então, descreveremos essa caracterização sobre dois aspectos: primeiro, lançando um olhar sobre a PMDF buscando-se os elementos comuns entre essa organização policial e as Instituições Totais (ITs); segundo, buscando-se caracterizar os PMs como internados14. Além disso, será apresentada a Experiência de Stanford, como um exemplo do processo de mortificação dos internados nas ITs. Por fim, será tratada a desambiguação entre “violência policial” e “agressividade policial”.

3.1

INSTITUIÇÕES TOTAIS Utilizaremos o conceito de Instituição Total – IT, para delinear as práticas

organizacionais da PMDF que possam fomentar a agressividade policial institucionalizada nas Instituições Policiais Militares - IPMs. Enfatizando a atuação agressiva das instituições policiais, Minayo e Adorno (2013) destacam a elevada taxa de letalidade das polícias brasileiras no enfrentamento a criminalidade (MINAYO; ADORNO, 2013). Dessa forma, a agressividade policial pode ser fruto da naturalização de hábitos organizacionais que, dentre várias outras motivações, justifica-se no imaginário dos policiais considerarem o modus operandi15 como a forma legítima da atuação policial. Somado a isso, há uma parcela significativa da população que aceita a agressividade policial, tendo como exemplo, uma amostra dos habitantes da cidade do Rio de Janeiro – RJ: Parte significativa da população do Rio de Janeiro vê na ação enérgica das polícias a solução para o problema de violência urbana. Nesse sentido, a violência policial é tolerada por muitos. Pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas e pelo ISER (Instituto de Estudos da Religião) em 1997, mostrou que cerca de 44% da população da cidade aceitava o uso de métodos violentos pela polícia (COSTA, 2008, p. 417).

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Esse conceito será explicado neste capítulo. É o modo de operação do trabalho policial, que pode ser construído tanto pelas técnicas policiais (com a adoção de manuais como, por exemplo: Procedimento Operacional Padrão – POP), como pela cultura institucional no exercício da profissão. Assim, o modo de agir do policial é um misto entre teoria e prática. 15

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Além disso, destacam-se algumas particularidades das organizações policiais que oportunizam a prática da agressividade policial, tais como: a pouca transparência das ações policiais e o fraco controle externo e interno das atividades e operações de seus membros (MINAYO; ADORNO, 2013). Por essa razão, reitera-se o interesse de explorar os elementos comuns entre a PMDF e as ITs. Assim, Goffman (1971) lança uma primeira descrição: Uma instituição total pode ser definida como um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada formalmente administrada. As prisões servem como exemplo claro disso, desde que consideremos que o aspecto característico de prisões pode ser encontrado em instituições cujos participantes não se comportaram de forma ilegal (GOFFMAN, 1974, p. 11).

Dessa forma, o interesse de entender se as IPMs, em alguma medida, constituem-se em ITs é compreender a construção sociológica do “eu” dos PMs. Goffman (1974) chama essa construção de estruturação do eu, que é resultado do conjunto de ações que o internado sofre durante a sua estada na IT. Por outro lado, a postura do internado pode ser de resistência ou aceitação ao conjunto de regramentos dispensados pela IT. Essa construção sociológica esculpe no comportamento dos policiais um conjunto de valores e regras institucionais que condicionam, mutilam e delimitam o seu “eu” e assim criam a identidade do PM. Durante a formação dos PMs, esse processo de estruturação do eu também é chamado de “mortificação do eu” (GOFFMAN, 1974), como também destaca Albuquerque e Paes-Machado (2001): A Jornada de Instrução Militar se inclui dentro de um leque de experiências psicossociais patrocinadas pela instituição que promete, através da mortificação física e moral do eu, espírito de corpo, força e lugar. Ela se desenvolve [...] dentro de um espaço-tempo marcado pela densidade de significados e intensidade de conteúdos e se utiliza de uma dramaturgia na qual emerge, com ferocidade, a fenomenologia da violência sobre o corpo do iniciado (ALBUQUERQUE; PAESMACHADO, 2001, p. 232).

Neste estudo, Albuquerque e Machado (2001) avaliaram o treinamento militar da Polícia Militar da Bahia – PMBA, ministrado aos alunos do Curso de Formação de Oficias – CFO (ALBUQUERQUE e MACHADO, 2001). Percebe-se pela descrição da JIM16 o ritual de preparação dos cadetes práticas agressivas. No entanto, é importante salientar que o cadete é o futuro dirigente das IPMs e por essa razão continuará a reproduzir esse hábito cultural. Ainda, sob o prisma das ITs, Silva (2002) apresenta outro estudo que avalia a influência da IPM na formação profissional do PM. 16

Denominada como Jornada de Treinamento Militar (JIM), por Albuquerque e Machado (2001).

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Os PMs, ao serem socializados num ambiente de relações hostis, o quartel, acabam reproduzindo tais embates nas suas interações com a sociedade mais ampla. Ou seja, já que, nas relações internas dos PMs entre si, o diálogo é quase inexistente, o clima é de hostilidade e o relacionamento é baseado, muitas vezes, no autoritarismo e no abuso de poder por parte os superiores hierárquicos, o mesmo tenderá a ocorrer no convívio com a comunidade. Dessa forma, o relacionamento precário e autoritário entre policiais militares e comunidade vincula-se ao processo de socialização dos primeiros num mundo onde as relações entre oficiais e praças são hostis (SILVA, 2002, p. 185).

Caracteriza-se, dessa forma, o processo de mortificação 17 do eu nos policiais a partir do conjunto de ações, ritos de iniciação, testes de obediências dentre outros proporcionados pelas IPMs. Essas instituições se aproximam do paradigma de ITs. Nesse sentido, Albuquerque e Machado (2001) destacam, na fala de um entrevistado, o mecanismo de defender-se dessa situação para não reproduzir a violência sofrida no período do treinamento militar. Refletindo sobre esta pedagogia, um dos entrevistados colocou a necessidade de esquecer urgentemente aquelas coisas da JIM, para evitar que elas sejam assimiladas indevidamente por gente sem maturidade e aplicadas no público: imagine só, se a gente aprende lá coisas como espancar pessoas e a gente acha que deve cometer isso por aí, novamente (Lucas, 19 anos), (ALBUQUERQUE; MACHADO, 2001, p. 227, grifo dos autores).

Ficou explícito na entrevista do cadete da PMBA o consciente risco de reprodução da agressividade por parte do futuro policial. Assim, será que não estamos diante de um ciclo contínuo, em que a perpetração da cultura militar na formação policial trás consigo um processo de reprodução de agressividade a partir do processo de “mortificação do eu” do policial? Do mesmo modo, será que esse processo de mortificação acompanha o policial durante toda carreira? Uma dificuldade de responder essas perguntas é considerarmos esse processo como homogêneo e estanque. Quando, na realidade, sabemos que os PMs convivem com várias formas de sociabilidades. Nesse sentido, Goffman (1974) reconhece essa limitação da caracterização do processo de mortificação, pois existem PMs que veem nas abstinências, nos testes de obediência, nas penitências, nas humilhações e nos trabalhos perigosos um conjunto de renúncias para vida uma de heroísmo. Assim, caracteriza-se o processo de automortificação que, por sua vez, também releva os efeitos perversos na vida do internado.

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Esse conceito será explicado neste capítulo.

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3.1.1 Características das Instituições Totais Segundo Goffman (1974), as ITs apresentam características singulares que as definem. Por outro lado, elas também apresentam características comuns a outras instituições sociais. Um exemplo é a definição dos papéis que existe os dirigentes e os internados. Os dirigentes são as pessoas que constroem e aplicam as regras das ITs. Os internados são as pessoas que se submetem ou são submetidos a esse conjunto de regras institucionais em atendimento dos interesses das ITs. A primeira característica que distinguem as ITs é que elas podem ser categorizadas como naturais e produtivas, pois seus integrantes aparentam ter características em comum (GOFFMAN, 1974). Um exemplo muito comum de padronização comportamental nos Cursos de Formação de Soldados – CFSd18 da PMDF, é a obrigatoriedade de andar com as mãos para traz dentro do centro de formação. Essa postura é cobrada do aluno (nesse caso Soldado 2ª classe) em qualquer momento em que ele não esteja em instrução. No entanto, há uma extensão desse adestramento durante toda a sua carreira profissional, pois quando os PMs realiza o policiamento ostensivo, comumente, ele estará adotando a mesma postura corporal. A justificativa desse posicionamento corporal se dá, segundo os comandantes e instrutores (nesse caso, não necessariamente oficiais19, mas podem ser praças graduados20), pela postura marcial que os PMs deve ter durante a atividade policial. Então, quando os PMs não se comporta dessa maneira é visto institucionalmente como “desleixado”, “relaxado” e “mal apresentado”. Logo, percebe-se que os integrantes da PMDF apresentam características em comum tanto pela uniformização e cortes de cabelo, como pelo comportamento aprendido durante a sua formação técnica-profissional. Desta feita, a primeira caracterização das IPMs como ITs pode ser encontrada nos Centros de Formação dessas instituições. Para a nossa pesquisa serão analisadas as experiências narradas pelos entrevistados durante a estada dos PMs nos centros formação da

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Atualmente, não há mais esse curso, ele foi suprimido pelo Curso de Formação de Praças – CFP. Assim, o CFP equivale aos antigos cursos de Formações de Soldados, Cabos e Sargentos, chamados respectivamente de CFSd, CFC e CFS. 19 A PMDF, assim como outras instituições militares estaduais, faz a divisão entre as formas de ingresso e a carreira dos integrantes entre: oficiais e praças. Os policiais militares do quadro de oficiais, de um modo geral, são formados para serem gestores e comandantes de unidades policiais. Enquanto, os policiais militares do quadro de praças são formados para exercerem a atividade fim, ou seja, o policiamento ostensivo e preventivo. 20 São considerados praças graduados os Cabos, os Sargentos e Subtenentes, ou seja, são aquelas praças que tiveram uma progressão funcional depois de promovidos a soldado 1ª classe. No caso da PMDF, a sequência hierárquica progressiva é Aluno CFP (Al CFP) ou Soldado 2ª classe, Soldado 1ª classe (SD) 1ª, Cabo (CB), 3º Sargento (3º SGT), 2º Sargento (2º SGT), 1º Sargento (1º SGT) e Subtenente (ST), (BRASIL, 2009).

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PMDF. Entretanto, o nosso objetivo é estabelecer relações entre a perpetuação da cultura militar e a práticas de agressividade na interação da polícia com a sociedade. Os Centros de Formação são os espaços de iniciação para atividade policial, em que as identidades dos PMs são preliminarmente forjadas. A partir desse contexto, Silva (2002) descreve como ocorre o processo de formação da nova identidade nas IPMs: Na construção da nova identidade dos PMs, o papel de militar sobrepõe-se tanto aos princípios e valores vinculados ao seu “antigo mundo” como também ao próprio papel de policial. Antes de ser um bom policial, é necessário ser um bom militar, saber obedecer, colocar-se no seu lugar. O militarismo deixa de ser apenas um meio, torna-se um fim em si mesmo (SILVA, 2002, p. 188)

Nesse estudo, Silva (2002) teve o objetivo de discutir o processo de socialização dos principiantes na carreira PM, tanto os alunos da Academia da Polícia Militar do Estado de Goiás (APM-GO), como os alunos do Curso de Formação de Praças Policiais Militares (CFPPM), entre os anos 2001 e 2002. Silva (2002) exemplifica um efeito perverso desse tipo de construção de identidade, pois a forja dessa aparente homogeneidade entre os PMs cria uma barreira entre “os militares” e “os civis”. Surge uma visão estereotipada dos civis, ou seja, os não militares, que recebem a denominação pejorativa de “paisanos”. Silva (2002) descreve: [...] o novo integrante da Polícia Militar passa, desde cedo, a representar o civil de forma pejorativa. As constantes interações entre superiores e subordinados fazem com que os policiais construam uma visão hierarquizada das pessoas, estando o civil numa posição inferior à do militar, já que este último é portador de autoridade, enquanto aquele não. Essa visão hierarquizada, colocando o civil em desvantagem em relação ao militar, é o primeiro passo para a truculência policial militar, isto porque eles esperam que os civis se comportem como se fossem seus subordinados (SILVA, 2002, p. 190).

Os integrantes das ITs passam por um processo de caracterização que vai desde ao atendimento de padrões estéticos (tipos de vestimentas e cortes de cabelos) até o atendimento de padrões comportamentais (postura corporal e entonação de voz). Em contrapartida, as IPMs são aceitas naturalmente, pois se justificam sua necessidade para a manutenção da coesão social. Porém, o objetivo de utilizar o doutrinamento militar, em uma das polícias estaduais, é ter a mão um mecanismo eficaz de controle social, devido à rigidez das normas e dos regulamentos aos quais os PMs são submetidos. Desta forma, a utilização desse conjunto de regramento pelas IPMs implica também na mortificação dos PMs. E ainda alguns PMs assumem esse discurso como verdadeiro e legítimo. Por exemplo, na entrevista do 2º Sargento da PMDF, o qual tece o seguinte comentário sobre a

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aplicação da doutrina militar na atividade policial poderia contribuir para a violência policial: “A doutrina militar? Não, acredito que não. [...] se não fosse baseado um pouco em relação a isso, eu acho que, talvez, poderia fugir do prumo” (2º Sargento da PMDF, 24 anos de serviço). Um exemplo do rígido regramento da vida castrense nas IPMs, citado anteriormente, pode ser observado na PMDF pela previsão das são transgressões disciplinares, no art. 14 do RDE, decreto n. 4.346/2002: Art. 14. Transgressão disciplinar é toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe (BRASIL, 2002).

Assim, pode-se observar vários termos imprecisos e com grande margem de apreciação subjetiva. Dessa forma, o internado fica a cargo da discricionariedade de seus acusadores e julgadores. O anexo I do RDE, decreto 4.346/2002, trás a relação das transgressões disciplinares, num rol de 113 tipificações de condutas qualificadas, com vocábulos genéricos, que qualificam a infração à norma disciplinar (BRASIL, 2002). Além disso, essa forma de tratamento institucional gera experiências psicossociais nos PMs de mortificação física e moral, principalmente, pela densidade de significados e pela intensidade de conteúdos dessas que são teatralizados no cotidiano da vida castrense (ALBUQUERQUE; MACHADO, 2001). Dessa forma, identifica-se a aplicação de um rígido regime disciplinar a PMDF, ou seja, é o mesmo aplicado as Forças Armadas Brasileiras, chamado de RDE – Regime Disciplinar do Exército, decreto n. 4.346, de 26 de agosto de 2002. O RDE é aplicado à PMDF por força do Decreto Distrital n. 23.317, de 25 de outubro de 2002 (DISTRITO FEDERAL, 2002). Esse regulamento contém, por exemplo, a previsão legal de prisão administra e outras penalidades de eficácia imediata, por essa razão essa medida cautelar é frequentemente utilizada. No entanto, a prisão administrativa se justifica como medida preventiva, mas sua utilização tem efeito perverso na “carreira moral”21 dos PMs, devido o constrangimento dessa forma de tratamento. O RDE não é cumprido rigosamente, pois ele esta caindo em desuso devido a sua atemporalidade, descontextualização histórica e, principalmente, pelo desvirtuamento da sua aplicação à PMDF. Contudo, a sua existência na instituição pode a qualquer momento ressuscitar exigências que aumentam ainda mais o abismo institucional entre praças e oficiais. Percebe-se um regramento disciplinar provinciano e defasado, fora da realidade de segurança 21

Característica do processo de mortificação descrita neste capítulo.

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pública no que tange a PMDF. A adoção do RDE pelo comando da PMDF22 também é uma forma de caracterizá-la como IT, devido ao rígido controle da vida do internado. Costa (2004) e Bayley (2001) destacam que as instituições policiais possuem uma força inercial, ou seja, oferecem uma grande resistência a mudanças. Essa resistência nas IPMs pode verificar-se pela preservação cultural destas. Então, se há prática de agressividade pelos PMs. A tarefa de mudar essa práxis não pode ficar a cargo somente das mudanças nos currículos de formação, devido à força inercial dessas instituições. A segunda característica das Instituições Totais – ITs, mencionada por Goffman (1974) é que essas instituições sociais tendem ao “fechamento”, ou seja, utilizam mecanismos para isolamento social ao mundo externo como barreiras físicas e o controle das saídas de seus membros. Essa natureza de fechamento das ITs não é simbolizada somente por barreiras físicas, mas também pelas barreiras sociais impostas aos internados (GOFFMAN, 1974). Um exemplo do controle da saída dos PMs exercido pelos dirigentes da PMDF é que alguns de seus integrantes eram mudados de escala para que não pudessem estudar23. Na realidade, comecei a estudar e não tive tempo pra fazer isso, por quê? O quê que eles (comandantes) faziam? Eles trocavam você, se você tivesse trabalhando numa escala e era durante o dia, aí você estava estudando à noite e eles descobriam que você tava estudando à noite, aí colocavam você (pra trabalhar) à noite. E aí, quando descobriam que você passou pro dia, eles colocavam você durante o dia (2º SGT da PMDF, 24 anos de serviço).

De um modo geral, as ITs podem ser concentradas, num rol exemplificativo, como: os estabelecimentos assistenciais para cuidar de cegos, velhos, órfãos e indigentes; os estabelecimentos sanitários como os sanatórios e hospitais psiquiátricos; as instituições penais como as cadeias, as penitenciárias, campos de prisioneiros de guerra, campos de concentração; as instituições para realização de trabalhos considerados fundamentais para a sociedade como em quartéis, navios, escolas internas, campos de trabalho, colônias e grandes mansões (sob a ótica dos empregados); e, por fim, os estabelecimentos utilizados para refúgio do mundo como abadias, mosteiros, conventos e outros (GOFFMAN, 1974). A PMDF como as outras IPMs se aproxima bastante das instituições de que realizam trabalhos fundamentais para a sociedade, ou seja, segurança pública preventiva, ostensiva e repressiva. Há uma limitação conceitual na classificação das características comuns das ITs. Goffman (1974) 22

Compete ao Governador do Distrito Federal, segundo a Lei Orgânica do Distrito Federal, como lhe confere o artigo 100, incisos V e VII: “[...] V - exercer o comando superior da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, e promover seus oficiais; [...] VII - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução; [...]” (DISTRITO FEDERAL, 1993). 23 Isso acontecia antes da regulamentação do horário ao servidor militar estudante na Corporação pela portaria n. 210 da PMDF de 1998 (POLÍCIA MILITAR DO DISTRITO FERDERAL, 1998).

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menciona que não há um conjunto de atributos comum a todas as instituições, mas sim um conjunto de atributos familiares as ITs e que são logicamente defensável. Goffman (1974) declarara que a terceira característica das ITs é a ideia central de rompimento dos obstáculos que separam as três esferas da vida, ou seja, local onde se dorme, brinca e trabalha com diferentes pessoas. As pessoas passam a exercer todos os aspectos da vida no mesmo local, onde as atividades diárias são realizadas coletivamente atendendo um plano organizacional, com horário e regras rigosamente estabelecidos sob uma única autoridade (GOFFMAN, 1974). Nos serviços de 24 horas é um exemplo desse rompimento pelo fato dos policiais terem que descansar e dormir durante essa jornada. Na verdade, esse rompimento das esferas na vida dos PMs não ocorre somente durante o trabalho. Ele ocorre quando o policial, por exemplo, se vê na obrigação de agir em quase toda situação de perigo e crime mesmo não estando de serviço. A quarta característica das ITs destacada por Goffman (1974) é o controle das necessidades humanas pela organização burocrática e, por consequência: (a) há uma constante vigilância das atividades pelas pessoas; (b) há uma grande dicotomia entre o pequeno grupo dos dirigentes e o grande grupo das pessoas controladas e assim ambos os grupos tem uma visão estereotipada do outro; (c) de um lado, os dirigentes veem os internados como amargos, reservados e não merecedores de confiança. por outro lado, os internados veem os dirigentes como condescendentes, arbitrários e mesquinhos. Além disso, quase não há mobilidade social entre esses dois estratos; (d) há uma limitação de comunicação entre os dirigentes e os internados, esse é um mecanismo utilizado para preservar os estereótipos antagônicos dos grupos (GOFFMAN, 1974). Para exemplificar o controle das necessidades humanas, podem-se citar as condições que as IPMs utilizam para o gozo de férias e abonos, pois ficam a critério da autorização dos chefes da seção de pessoal, mesmo que haja um planejamento anual anterior fazendo a previsão desse calendário. Assim, o PM às vezes tem previsão de férias para um mês, mas não pode usufruí-la pela justificava da necessidade do serviço. Lembro quando fui trabalhar no 11º BPM tinha previsão de férias para dezembro, mas não pude gozá-la nesse mês. Na realidade, a justificativa foi que nenhum recruta iria gozar férias em dezembro. O controle burocrático das ITs se apresenta também na sistematização do trabalho, pois o internado é submetido a trabalhos por uma premiação simbólica ou nenhum retorno material, às vezes sob a ameaça de castigo físico. Em alguns casos há uma espécie de escravidão, pois o internado fica a inteira disposição do empregador (GOFFMAN). Essa

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característica é comum nos cursos de formação e geralmente são utilizadas para subjugar os alunos PMs como, por exemplo, nos teste de obediência. Contudo, é comum os PMs fazerem atividades de manutenção dos quartéis e limpeza de viaturas durante a carreira militar quando desejam trabalhar em alguns locais mais disputados. Por fim, encerrando a caracterização das ITs Goffman (1974) conceitua: A instituição total é um híbrido social, parcialmente comunidade residencial, parcialmente organização formal: aí reside seu especial interesse sociológico. Há também outros motivos que suscitam nosso interesse por esses estabelecimentos. Em nossa sociedade, são as estufas para mudar pessoas; cada uma é um experimento natural sobre o que se pode fazer ao eu (GOFFMAN, 1974, p. 22).

Assim, Goffman (1974) demonstra como as ITs realizam a construção sociológica do eu do internado. Da mesma forma, as IPMs esculpem no policial (internado), um conjunto de valores e regras institucionais que mutilam e delimitam o eu do policial criando a sua identidade. Esse processo é conhecido como “mortificação do eu”, nosso próximo objeto de estudo. 3.1.2

O processo de “mortificação do eu” Antes de iniciarmos a caracterização do processo de “mortificação do eu” dos

internados. É interessante refletirmos sobre a identidade das IPMs brasileiras, pois o modelo identitário dessas instituições se constrói a partir da formação dos valores, hábitos e cultura de seus integrantes. Costa e Porto (2011) destacam que “[...] tradicionalmente, as polícias militares estiveram ligadas ao Exército. Em alguns períodos históricos, elas estiveram sobre o controle direto do Ministério do Exército” (COSTA; PORTO, 2011, p. 356). Diante desse mimetismo as IPMs apóiam-se nos mesmos valores das forças armadas. No entanto, a natureza do serviço policial difere-se da natureza belicosa das Forças Armadas Brasileiras, mantenedoras da soberania nacional. Muniz (2001) ainda completa: Mas a "militarização" das Polícias Militares foi muito além da assimilação do modelo organizacional do Exército. Refletindo, em boa medida, as necessidades liberais-autoritárias de um estado em processo de construção e consolidação, as missões e mandatos das PMs [Polícias Militares] foram ficando cada vez mais distantes das atividades rotineiras e convencionais de uma polícia urbana, uniformizada, não-investigatória e voltada para as atividades civis de policiamento que, um dia, fundamentaram a sua criação (MUNIZ, 2001, p. 181).

Diante dessa crise identitária, as IPMs deveriam atender a necessidade de uma polícia humanizada24, cidadã25 e democrática26, mas mantêm um modelo organizacional nos

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Ver França (2012).

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valores militares. Esse contraste colabora com o problema da agressividade policial no Brasil, pois a formação da identidade dos PMs estigmatizam o público externo. Albuquerque e Machado (2001) também acentuam essa questão em países recentemente redemocratizados: Em alguns países da América Latina, as polícias militares absorveram parte do imaginário do Exército para compor sua própria imagem [...]. Uma expressão disso está na imitação das práticas de instrução observadas pelo exército. Não é à toa que, formadas nesta tradição, essas polícias são tão selváticas com os trabalhadores, nas greves, e com os excluídos, nas periferias, ambos tratados como feras da selva (ALBUQUERQUE e MACHADO, 2001, p. 219).

Assim, Albuquerque e Machado (2001) também colaboram com a hipótese da influência da formação militar das IPMs no comportamento agressivo dos PMs, especialmente, quando expressa o vocábulo selváticas. No entanto, esse processo de construção identitária se naturaliza no cotidiano dos PMs pelas reiteradas práticas organizacionais. Assim, diante desse cenário assistimos a protagonização de práxis agressivas pelos PMs, devido a retroalimentação e perpetuação dessa cultura belicosa desumanizadora e mortificante. Isso acontece diante de vários olhares, mas poucas são as manifestações para desanuviar esses acontecimentos, quer seja pela pouca ou inexistente percepção destes fatos, quer seja pela incapacidade ou grande resistência das IPMs às mudanças. Dessa forma, a agressividade que, ora o internado sofre e ora a reproduz, se entranha em diversos mecanismos de dominação e subjugação das IPMs sobre seus membros. Outra observação é que a agressividade pode externalizar-se também por diversos comportamentos e sintomas. Indícios disso são as estatísticas de adoecimentos e suicídios entre policiais especialmente dos componentes da base hierárquica da organização (SILVA; VIEIRA, 2008). Sobre esse ponto, também há discursos legitimadores dos dirigentes que se esquivam da responsabilização das IPMs e atribuem, por exemplo, como a causa do suicídio a acessibilidade do policial à arma de fogo. Isso foi relatado por um colega enquanto debatíamos sobre o assunto nessa especialização.

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“É necessário investir em uma concepção de polícia cidadã, que é um conceito que se desdobra numa série de dimensões. Por exemplo, a questão da participação comunitária, que inexiste na polícia tradicional, uma vez que ela não foi concebida para isto, é um fator permanente na polícia cidadã, pela aproximação de seus integrantes à população e pelo comprometimento com a segurança pública no local de trabalho, surgindo aí o policiamento comunitário” (BENGOCHEA; GUIMARÃES; GOMES, 2004, p. 124). 26 Segundo Manning (2010) traduzido e citado por Suassuna (2013), “... a polícia democrática está incorporada a premissas valorativas tácitas e não questionadas. (...) É esperado que a polícia seja „justa‟ no sentido de prover seus serviços a todos os cidadãos, seja responsiva e faça cumprir a lei de maneira não amplamente desproporcional aos níveis conhecidos e relatados de crimes (MANNING, 2010, p. 54, tradução nossa)” (MANNING, 2010, p. 54, apud SUASSUNA, 2013, p. 15).

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Para entendermos a construção do comportamento agressivo dos PMs, vamos utilizar a formação sociológica “eu” do policial. Esse processo de “mortificação do eu” se evidencia de forma mais direta nas características dos internados durante a estada nas ITs. Dessa forma, investigação do trabalho direciona-se para apreciação das características do mundo dos internados. Segundo Goffman (1974) o processo de “mortificação do eu” descreve-se por um conjunto de relações institucionais muito complexas e sofisticadas, que se evidenciam: (a) nas ITs, pois “[...] criam e matêm um tipo específico de tensão entre o mundo doméstico e o mundo institucional, e usam essa tensão persistente como uma força estratégica no controle dos homens” (GOFFMAN, 1974, p. 25); No caso da atividade policial essa tensão se dá pela constante situação de alerta, pois o policial deve estar integralmente a disposição do seu trabalho. Ainda é muito comum a retórica de que o policial é “policial 24 horas”; (b) após o ingresso o novato começa a sofrer transformações na sua “carreira moral” através de rebaixamentos, degradações, humilhações e profanações do eu. Assim, Goffman (1974) cita que “[...] o seu eu é sistematicamente, embora muitas vezes não intencionalmente, mortificado” (GOFFMAN, 1974, p. 24); (c) na padronização desse processo de mortificação, por exemplo, com o isolamento do internado com mundo externo é a primeira forma de mutilação do eu (GOFFMAN, 1974); (d) na despersonificação durante o processo de admissão, tais como: [...] obter uma história de vida, tirar fotografia, pesar, tirar impressões digitais, atribuir números, procurar e enumerar bens pessoais para que sejam guardados, despir, dar banho, desinfetar, cortar cabelos, distribuir roupas da instituição, das instruções quanto a regras, designar um local para o internado” (GOFFMAN, 1974, p. 25-26);

(e) no “teste de obediência” utilizado durante o processo de admissão nos primeiros momentos de socialização (GOFFMAN, 1974); (f) na perda do “estojo de identidade”, em que há uma desfiguração pessoal quando são retirados, mesmo que temporariamente, os pertences de usos pessoais, tais como: roupas, pentes, agulha e linha, cosméticos, toalhas, sabão, aparelho de barbear, recursos de banho (GOFFMAN, 1974); (g) nas mutilações diretas e permanentes no corpo do internado, como destaca Goffman (1974): “Embora essa mortificação do eu [...] seja encontrada em poucas instituições totais, a perda de um sentido de segurança pessoal é comum, e constitui um fundamento para angústias quanto ao desfiguramento” (GOFFMAN, 1974, p. 29); (h) no ataque a identidade do internado por um conjunto de “indignidades” físicas. Segundo Goffman (1974), constituem em atividades de mortificação: nas prisões militares, o fato de internados terem obrigação de ficarem de pé, em

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posição de sentido, quando um oficial entra no local (GOFFMAN, 1974). Esse procedimento é muito comum, ainda hoje, no ambiente das IPMs. Assim, quando um oficial superior entra em ambiente militar onde estão outros militares, todos os militares, inclusive os demais oficiais, ficam de pé para a apresentação formal do efetivo presente. Contudo, algumas vezes o oficial superior dispensa a formalidade falando: ― pode ficar à vontade. Assim, os PMs voltam a fazer as tarefas nas quais estavam empenhados. Em contrapartida, esse procedimento é seguido rigosamente nas formaturas27 e solenidades militares; (i) na “exposição contaminadora” “[...] a fronteira que o indivíduo estabelece entre seu ser e o ambiente é invadida e as encarnações do eu são profanadas” (GOFFMAN, 1974, p. 31). Um exemplo de “exposição contaminadora” são as situações constrangedoras que os candidatos são submetidos no processo de seleção das IPMs. Quando são realizados os exames admissionas do concurso de soldado da PMDF, os candidatos eram separados em pequenos grupos e entravamos numa sala. Logo depois, era ordenado que tirassem a roupa e ficássemos somente de roupa íntima. Logo após, os candidatos desciam um a um a roupa íntima até o meio da coxa na frente de toda equipe de avaliação médica. Houve relato entre os entrevistados que nas avaliações havia até policiais femininas participando da junta de avaliação. Goffman (1974) exemplifica que: “Os exames médicos e de segurança muitas vezes expõem fisicamente o internado, às vezes a pessoas de ambos os sexos; uma exposição semelhante decorre de dormitórios coletivos e banheiros sem porta” (GOFFMAN, 1974, p. 32). Segundo um dos relatos ocorria outros procedimentos constrangedores durante os exames médicos os candidatos tinham que segurar o pênis para cima, com uma mão, e assoprar as costas da outra mão pressionando contra a boca. Para observar se o candidato tinha uma doença chamada “varicocele”. Outro exemplo de exposição contaminadora foi narrado por um aluno do Curso de Operações Lacustre – COL, curso foi ministrado por componentes do Batalhão de Polícia Militar Ambiental – PMDF, com a participação do Grupo de Operações Especiais – GOEPMDF, à época. Hoje, Batalhão de Operações Especiais – BOPE. Segundo o policial, as instruções eram ministradas sempre em ambiente aquático. O entrevistado narrou que chegava várias vezes em casa fétido, devido o Pelotão Lacustre ser próximo da Estação de Tratamento de Esgoto da Asa Sul – ETESul, e esse local era chamado de “sala de aula”28. Segundo o

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Reuniões militares. Ver nota de rodapé 9. Esse local fica em frente ao píer, onde as embarcações ficam atracadas, a água é turva e o cheiro da água impregna no corpo devido ao lançamento do esgoto tratado próximo dessa região. 28

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relato do policial as exposições a esse ambiente insalubre geravam problemas de saúde como dermatite, otite e outras infecções. Assim, fica exemplificado à exposição contaminadora mencionada por Goffman (1974). Além disso, foi narrado por um dos entrevistados que tiveram que comer uma marmita dentro da água no lago Paranoá, enquanto faziam exercícios de flutuação do COL. Não é uma tarefa fácil, pois água pressiona o tórax enquanto o policial tenta comer. Também foi narrada a imposição de beber sangue de galinha e depois ter comê-la quase crua (mal assada). Depois, narrou que passou o pernoite à beira de uma fogueira molhado de camiseta e bermuda numa ilha no lago Paranoá. Além disso, comeu uma maça enquanto mergulhava respirando por um cilindro de ar comprimido. Nesse sentido, Goffman (1974) exemplifica: “Quando um indivíduo precisa aceitar alimento que considera estranho e poluído, essa contaminação às vezes decorre do contato de outra pessoa como alimento, como se vê muito bem na penitência de „mendigar sopa‟, praticada em alguns conventos” (GOFFMAN, 1974, p. 37); O entrevistado lembra ainda que passou o pernoite na ilha com náuseas, pela manhã havia feito treinamento junto com instrutores do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal – CBMDF, numa simulação de resgate de vítimas de acidente helicóptero na água. Após o almoço os alunos do COL fizeram um prova de resistência simulando o resgate de vítima de afogamento, depois fizeram uma longa corrida. Por fim, no começo da noite fez a travessia para a ilha no lago Paranoá onde passou à noite junto com os outros alunos. Creio que a sobrecarga de atividades gerou as náuseas no policial. Além disso, ele narrou que teve um desarranjo intestinal durante a madruga ocasionado provavelmente pelo alimento mal assado e contaminado pelas fezes do animal abatido pelos próprios alunos em situação precária. Durante esse curso, o entrevistado narra que sofreu inflamação em glândulas que ficam na região no cóccix, devido o impacto com o espelho d‟água após um salto de uma plataforma de 10 metros. Lembra ainda que os exercícios que eram obrigados a fazer pelos instrutores que não tinham nenhuma efetividade para o policiamento ambiental em ambiente aquático. A única intenção era gerar sofrimento físico, moral e psicológico nos alunos. Além disso, destacou que foi exposto a picadas de insetos como pernilongos e outros insetos. Assim, fica exemplificada o processo de mortificação se expressa no corpo do internado (GOFFMAN, 1974).

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Além desses processos de mortificação, descritos por Goffman (1974), existem outros dois mecanismos mais sutis de serem percebidos, mas, que também constituem mecanismos de perturbação, ao internado, são eles: o efeito circuito e a violação da economia pessoal das ações. Então, Goffman (1974) nos ilustra o efeito circuito: [...] uma agência que cria uma resposta defensiva do internado e que, depois, aceita essa resposta como alvo para seu ataque seguinte. O indivíduo descobre que sua resposta protetora diante de um ataque ao eu falha na situação: não pode defender-se da forma usual ao estabelecer uma distancia entre a situação mortificante e o seu eu (GOFFMAN, 2001, p. 40).

Percebe-se artimanhas das ITs, no intento de desestabilizar o internado. Exemplificando, Goffman (1974) menciona o caso de um doente mental que tenta parecer bem orientado e não antagônico durante um diagnóstico clínico. Sua estabilidade emocional é perturbada, quando são relembradas algumas deferências apáticas praticas pelo internado anteriormente (GOFFMAN, 1974). Goffman (1974) descreve o mecanismo de violação da economia pessoal das ações: “Nas instituições totais, geralmente há necessidade de esforço persistente e consciente para não enfrentar problemas. A fim de evitar possíveis incidentes, o internado pode renunciar a certos níveis de sociabilidade com seus companheiros” (GOFFMAN, 1974, p. 45). Uma das maneiras mais eficientes de desequilibrar uma pessoa é a obrigação de pedir permissão para realização de tarefas simples como, por exemplo: um militar, geralmente praça, quando entra num recinto militar, pede autorização para entrar para o militar mais antigo, depois, pede permissão pra sair. Concluindo a descrição do processo de mortificação, Goffman (1974) apresenta três problemas gerais: (a) o primeiro problema é que as ITs perturbam ou profanam a autonomia e a liberdade de ação dos seus integrantes, com isso, há perda de decisão pessoal, demonstrando a “ineficiência pessoal do internado” (GOFFMAN, 1974); (b) o segundo problema refere-se às justificativas dadas aos ataques ao eu dos internados pelas ITs. Nesse caso, Goffman (1974) destaca o exemplo dos mosteiros que justificam o processo de mortificação pela racionalização de uma vida contemplativa, na qual há uma íntima “[...] relação entre seus desejos e os interesses ideais do estabelecimento” (GOFFMAN, 1974, p. 48). Dessa maneira, as abstinências, as obediências, as penitências, as humilhações e trabalhos perigosos constituem o conjunto de renúncias de uma vida contemplativa, logo, seus integrantes, tanto dirigentes como internados, “[...] ativamente buscam essas reduções do eu de forma que a mortificação seja complementada pela automortificação, as restrições pela renúncia, as

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pancadas pela autoflagelação, a inquisição pela confissão” (GOFFMAN, 1974). Assim, os desejos dos internados e da IT se fundem numa continua perpetuação; (c) o terceiro e último problema refere-se à ligação entre “[...] o esquema simbólico de interação para a consideração do destino do eu e o esquema convencional, psicológico, centralizado no conceito de tensão” (GOFFMAN, 1974, p. 49). Assim, o internado vive sob constante tensão como, por exemplo, a desconfiança de “pessoas suspeitas” e estado de vigilância dos PMs. Em outra análise, Goffman (1974) pormenoriza essa “tensão psicológica”: A mortificação ou mutilação do eu tendem a incluir aguda tensão psicológica para o indivíduo, mas para um indivíduo desiludido do mundo ou com sentimento de culpa, a mortificação pode provocar alívio psicológico. Além disso, a tensão psicológica freqüentemente criada por ataques ao eu pode também ser provocada por questões não-percebidas como ligadas aos territórios do eu – por exemplo, perda de sono, alimento insuficiente, indecisão crônica. Também um elevado nível de angústia, ou ausência de materiais de fantasia [...] podem aumentar muito o efeito de uma violação das fronteiras do eu, mas em si mesmas essas condições facilitadoras nada têm a ver com a mortificação do eu. Portanto, empiricamente, o estudo da tensão e das invasões do eu estará muitas vezes ligado, mas, analiticamente, aí existem dois esquemas diferentes (GOFFMAN, 1974, p. 49).

A distinção, mencionada por Goffman (1974), no fim da citação anterior, refere-se aos “processos de mortificação”, já discutido, e ao “sistema de privilégios”. O sistema de privilégios são compostos por um conjunto de “vantagens” disponibilizadas aos internados. Essas vantagens podem constituir-se formalmente pela entidade ou informalmente pelos dirigentes. Goffman (1974) menciona quatro aspectos gerais desse sistema: (a) os privilégios constituem também o conjunto formal de parte das “regras da casa”, assim como, as proibições e obrigações do internado (GOFFMAN, 1974); (b) os privilégios constituem-se num pequeno número de prêmios ou regalias que são acessíveis aos internados obedientes e colaborados com a equipe de dirigentes (GOFFMAN, 1974); (c) os privilégios também compõem o sistema de castigos, pois podem ser suspendidos ou indisponibilizados pelos dirigentes, caso haja desobediência às regras pelo internado (GOFFMAN, 1974); (d) o sistema de privilégios constitui-se como uma força reorganizadora das relações sociais dentro das instituições como, por exemplo, confraternizações e “panelinhas” 29 (GOFFMAN, 1974). No entanto, há vários outros mecanismos que caracterizam a relação internadodirigente descritos por Goffman (1974), mas vamos nos limitar aos esses já citados. De qualquer forma, o “sistema de privilégios” e o “processo de mortificação” formam as condições as quais o internado é submetido e para sua “melhor” estada ou adaptação ele 29

Essa é a denominação dada a pequenos grupos de pessoas que recebem alguma espécie de vantagem por estarem colaborando com a equipe de dirigentes.

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deverá atendê-las (GOFFMAN, 1974). Outro ponto importante sobre as características dos internados é o momento de “viração”. Nesse sentido, Goffman descreve: A não ser no caso de algumas instituições religiosas, nem o processo de despojamento nem os processos de reorganização parecem ter um efeito duradouro, em parte por causa de ajustamentos secundários, da presença de costumes contrários à instituição, bem como por causa da tendência dos internados para combinar todas as estratégias na „viração‟ (GOFFMAN, 1974. 67).

Goffman (1974) descreve ainda a “viração” como o momento em que os internados consideram ter superado ou libertos do domínio das ITs. Porém, os internados apenas atingiram um status em que podem manipular “as regras do jogo”. Então, o “processo de mortificação” é caracterizado, segundo Goffman (1974), pelos efeitos gerados nos internados, que não é necessariamente algo indesejado ou tidos como ruim, mas que podem ter efeitos perversos nas pessoas. Agora, como exemplo do processo de “mortificação do eu”, vamos verificar esse processo no experimento de Stanford. 3.2

EXPERIÊNCIA DE STANFORD A experiência de Stanford é um experimento que possibilita a discussão sobre o

funcionamento das ITs e exploramos alguns dos efeitos gerados sobre os personagens. A simulação do encarceramento conduzido na Universidade de Stanford teve a pretensão de entender o que acontece quando colocamos “pessoas boas” num “lugar do mal”. A questão que pesquisadores da área da psicologia da Universidade de Stanford buscaram entender nessa simulação da vida prisional foi: quais seriam os efeitos da prisão no comportamento dos participantes? O experimento foi coordenado pelo professor Philip G. Zimbardo e realizado em 1971, utilizando 24 civis convocados por meio de um anúncio de jornal, na cidade da Califórnia. Das 70 pessoas inscritas, apenas 24 voluntários foram chamados a participar. O processo de seleção fez-se necessário para verificar se os voluntários possuíam alguma patologia, disfunção e/ou problema de saúde. Além de terem que suportar as pressões que iriam sofrer ao longo do processo. Os candidatos selecionados foram separados aleatoriamente (cara e coroa), metade no papel de guardas e a outra metade no papel de reclusos. O estudo começou com grupo de indivíduos do sexo masculino, aparentemente saudáveis e inteligentes, pois eram universitários e oriundos da classe média americana à época. A previsão de duração do experimento era de duas semanas, mas durou somente seis dias em virtude do seu descontrole como veremos a seguir.

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A construção do cenário contou com a ajuda de consultores experientes, colaborando com os pesquisadores a entender a dinâmica das prisões. O experimento reproduziu o ambiente prisional, no corredor do cave no edifício do Departamento Psicologia da Universidade de Stanford, com finalidade estudar a “psicologia prisional”. Na construção da prisão fictícia foram adaptadas salas de laboratório para serem as celas. A prisão tinha um pátio para os detentos comer, andar e fazer exercícios. Havia também na prisão casa de banho e a solitária, conhecida como o “Buraco” – com as dimensões de 60 cm por 60 cm de base e altura de suficiente para uma pessoa. Um sistema de comunicações foi instalado para gravar secretamente e monitorar o que acontecia nas celas, além de ser utilizado para comunicados públicos aos reclusos. Em uma das extremidades do corredor havia uma abertura pequena para filmar os acontecimentos. Na prisão fictícia de Stanford não tinham janelas e relógios. O primeiro choque sofrido aos participantes já aconteceu quando formam surpreendidos com as detenções surpresa. Os reclusos foram conduzidos à Prisão do Condado de Stanford por viaturas reais. Na prisão já sofreram as primeiras humilhações: foram revistados, despidos, higienizados – desinfetados com um spray contra germes e piolhos, uniformizados com vestidos – sem roupa intima por baixo, e acorrentados nos tornozelos. No intuito de despersonificar os participantes, gorros foram colocados em suas cabeças, simulando a raspagem de seus cabelos e uma numeração foi inserida em suas roupas para que fossem chamados pelos respectivos números. Isso lembra os rituais de iniciação na PMDF como: cortar o cabelo baixo; utilização de um uniforme, composto por camiseta branca, calça jeans azul, cinto preto e tênis e meias brancos – esse uniforme era chamado de “fantasminha”30 nos CFSds, nos Cursos de Formação de Oficiais – CFOs, era chamado de “bichoforme”31 . No início do experimento amarrou-se uma corrente pesada no tornozelo direito de cada detento. Essa mudança de aparência é uma forma de levar as pessoas a obedecer às ordens arbitrárias e coercivas da instituição. O diretor acolheu os detentos, os comunicando a gravidade dos crimes cometidos e o estatuto de reclusos, o qual deveriam seguir. Pode-se observar que a descrição dessa experiência possui vários elementos de uma IT, especialmente pelo processo de “mortificação do eu” do internado.

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Acredito que a ideia era dizer que não éramos policiais ainda apenas uma alma com a pretensão de ser policial militar. Recebíamos também vários apelidos, dentre eles, como “imagem”, que queria dizer “imagem do cão”. 31 Desfazendo o trocadilho uniforme de “bicho”, pois era assim que os cadetes mais “antigos” chamam os cadetes mais recrutas.

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Os guardas não tiveram formação específica e tinham que respeitar somente a integridade física dos detentos para garantir a ordem na prisão. Eles trajavam uniformes idênticos e possuíam um apito e bastão emprestado pela polícia, também usavam óculos de sol espelhado para impedir a visualização de suas emoções, além de contribuir para preservação do anonimato do agente e impessoalidade na relação com os reclusos. Os guardas fizeram suas próprias regras, sabendo que seria necessário manter a lei e a ordem na prisão e assegurar o respeito dos reclusos. Aos reclusos foi avisado que certamente haveria violação de sua privacidade e direitos civis ao longo do processo. No segundo dia, quando eclodiu uma rebelião no cenário de presídio e os guardas colocaram em prática agressividades e táticas psicológicas para contê-la. O primeiro passo era quebrar a solidariedade entre os presos e romper a aliança entre os detentos. Em menos de 36 horas, o primeiro sintoma de descontrole emocional aparece entre os detentos e um dos voluntários é afastado do projeto. Os reclusos, com apenas cinco dias, estavam desestabilizados emocionalmente, não existia mais o sentimento de unidade de grupo e os guardas obtiveram total controle dos presos, inclusive sua obediência absoluta. O término do experimento se deu de forma prematura, com apenas 6 dias da experiência, pois um dos pais que estava de visita durante o quinto dia pediu para entrar em contato com um advogado, objetivando a libertação do seu filho da prisão. No dia seguinte, o advogado entrevistou os detentos como habitualmente e foi formalizado o pedido de libertação. Os pesquisadores verificaram que o experimento deveria ser finalizado, em virtude da situação patológica em que se encontravam os reclusos e ao comportamento sádico de alguns guardas durante o experimento. Pois foram identificados três tipos de guardas na pesquisa: os que seguiam as regras da prisão e eram justos, os que evitavam punir os reclusos fazendo até mesmo pequenos favores e os que abusavam do poder de que dispunham, humilhavam e eram hostis com os prisioneiros. Porém, as razões as quais convenceram o professor Philip G. Zimbardo a acabar com aplicação do estudo foram duas: primeiro, pelo agravamento dos abusos por parte dos guardas aos reclusos no período noturno, pois eles pensavam que não estavam sendo observados. Os aborrecimentos dos guardas levaram-nos a cometer abusos mais pornográficos e degradantes; segundo, uma doutoranda de Stanford, Christina Maslach, se opôs fortemente ao experimento, quando viu os reclusos serem conduzidos com sacos na cabeça, acorrentado e com as mãos nos ombros uns dos outros. O comportamento sádico de alguns guardas e inércia dos outros perante a experiência, se justifica pelas condições ambientais em que foram

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inseridos esses personagens. Então, pela relação de poder que os guardas tinham sobre os reclusos, se verificou um recrudescimento nas interações, a fim de manter o domínio do outro. Surgiram várias formas de agressividade para manter a ordem e o funcionamento da prisão. Contudo, a instituição prisional não é determinante para a geração de agressividade, mas é o fator que oportuniza práticas agressivas. Pôde-se verificar que o ambiente organizacional contribui para a construção do comportamento do internado. Assim, verifica-se que as prisões, as IPMs são exemplos de ITs que oportunizam práticas agressivas. Além disso, como foi descrito acima, a experiência de Stanford tinha previsão de durar 20 dias, mas foi interrompido no sexto dia, em virtude dos sofrimentos físico e psíquico causado aos estudantes no papel de prisioneiros. Apesar dos efeitos mais sutis das IPMs sobre PMs, o domínio dessas instituições perduram durante toda trajetória profissional dos seus integrantes. 3.3

DIFERENCIAÇÃO ENTRE VIOLÊNCIA E AGRESSIVIDADE POLICIAL Para fazer a desambiguação entre “violência policial” e “agressividade policial”,

primeiro temos que entender a definição de violência. Assim, conceito de violência é considerado como uma forma representação social, pois “As representações sociais expressam visões de mundo que objetivam explicar e dar sentido aos fenômenos dos quais se ocupam, ao mesmo tempo em que, pela condição de representação social, participam da constituição desses mesmos fenômenos” (PORTO, 2009, p. 801). A construção da representação social da violência policial está condicionada a legitimação do trabalho policial, bem como as referências de organismos internacionais, a taxa de letalidade das ações policiais e as estatísticas sobre as ações policiais. No entanto, temos que entender primeiramente porque estamos considerando as práticas policiais como agressivas e/ou violentas. Essa explicação é simples, as elevadas taxas de letalidade das ações policiais e morbimortalidade no exercício do trabalho policial indicam indícios razoáveis desse comportamento. Assim, a “agressividade policial” que retratamos aqui, é parte do conjunto de “instintos particulares” que o policial tem no seu modo de agir durante o trabalho. Assim, para a descrição dessa prática policial, apropriamo-nos da descrição de Elias (1994): A estrutura emocional do homem é um todo. Podemos dar a instintos particulares diferentes nomes, de acordo com suas diferentes orientações e funções, falar de fome ou de necessidade de escarrar, de desejos sexuais e de impulsos agressivos, mas, na vida, esses vários instintos não podem ser mais separados [...] eles formam uma espécie de circuito no ser humano, um sistema parcial dentro do sistema total

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do organismo. Sua estrutura é ainda obscura sob finitos aspectos mas não há duvida que sua forma socialmente impressa é de importância decisiva para o funcionamento tanto da sociedade como dos indivíduos que a compõem [...]. [A agressividade] não é uma espécie separada de pulsão. No máximo, só podemos falar em „pulsão agressiva‟ se permanecermos conscientes de que ele se refere a uma função pulsional particular dentro da totalidade de um organismo, e de que mudanças nessa função indicam mudanças na estrutura da personalidade como um todo (ELIAS, 1994, p. 189-190).

Considera-se que a agressividade policial é compreendida na totalidade das ações policiais, ou seja, ela é notada por distintas maneiras, não se caracterizando por uma única conduta, mas sim como estrutura da personalidade do agente. Os impulsos agressivos também se expressam nas reiteradas ações da polícia. Por outro lado, Elias (1994) ressalta que a estrutura da personalidade e a estrutura social se comunicam, pois a sociedade impõe e cria parâmetros específicos de controle emocional. Um exemplo dessa limitação imposta pela estrutura social, sobre a estrutura da personalidade dos indivíduos, é o fazer da polícia: Uma vez (que) tivesse o monopólio da força física passado a autoridades centrais, nem todos os homens fortes podiam se dar ao prazer do ataque físico. Isto passava nesse instante a ser reservado aqueles poucos legitimados pela autoridade central (como, por exemplo, a polícia contra criminosos) e a números maiores apenas em tempos excepcionais de guerra ou revolução, na luta socialmente legitimada contra inimigos internos ou externos (ELIAS, 1994, p. 199).

A sociedade constitui-se, reciprocamente, como mecanismo de controle da atividade policial. Ela delimita as ações policiais, por exemplo, quando não aceita a legitimidade de algumas práticas. No entanto, alguns comportamentos da sociedade ocidental contemporânea foram herdados da sociedade medieval, como destaca Elias (1994): Mas na sociedade medieval essa permanente disposição de lutar, de armas na mão, era necessidade vital não só para os guerreiros, para a classe cavaleirosa. A vida dos burgueses nas cidades caracterizava-se por rixas mais ou menos graves, em grau muito mais alto do que em tempos posteriores, e nelas, também, a beligerância, o ódio, e o prazer em atormentar os demais eram mais desinibidos do que na fase subseqüente (ELIAS, 1994, p. 196).

Por outro lado, Elias (1994) destaca o controle e a transformação da agressividade na vida diária da sociedade civilizada, pois a luta mecanizada exigiu o controle das emoções sobre o inimigo odiado, que antes era visível e identificável. Assim, em tempos de guerra: [...] foi preciso uma imensa perturbação social, aguçada por propaganda habilmente concertada, para reacender e legitimar em grandes massas de pessoas aos instintos socialmente proibidos, o prazer de matar e a destruição, que foram eliminados do cotidiano da vida civilizada (ELIAS, 1994, p. 200).

No entanto, acentua-se que “[...] mesmo dentro dessa transferência de emoções, de ação direta para o ato de apenas ver, há uma clara curva de moderação e „humanização‟ na transformação das emoções” (ELIAS, 1994, p. 201). Em suma, considera-se que a

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agressividade é parte do conjunto de impulsos emocionais constituintes da personalidade das pessoas impressos pela sociedade que, ao mesmo tempo, transforma, modela e controla o comportamento do homem. Nesse capítulo, portanto, apresentação o conceito de IT, comparando-o com a organização PMDF. Depois apresentamos o “processo de mortificação”, comparando-o com a construção da identidade policial nas IPMs. Por fim, fizemos a distinção entre o conceito de “violência policial” e “agressividade”, utilizados em alguns momentos da pesquisa como sinônimos. Esses conceitos apresentados compõem a busca dos elementos que contribuem para a perpetuação de práticas agressivas institucionalizadas nas IPMs. Por isso, iniciaremos a seguir a análise da trajetória profissional dos PMs.

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CARREIRA POLICIAL – TRABALHO, CONTROLE DA ATIVIDADE POLICIAL

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FORMAÇÃO,

CULTURA

E

No capítulo anterior tratamos sobre ITs e a sua caracterização, especialmente, pelo processo de “mortificação do eu”. Depois, foi apresentada a experiência de Stanford como uma exemplificação de IT. Por fim, foi apresentada distinção do conceito de “violência policial” e “agressividade policial”, utilizadas em alguns momentos como sinônimos neste trabalho. Iniciamos o próximo capítulo sobre a carreira dos PMs, continuando a discussão a respeito da agressividade policial. Trataremos sobre as condicionantes do trabalho policial, tais como: os altos índices de morbimortalidade da atividade policial, a busca pela profissionalização das instituições policiais, o modelo profissional, a formação da cultura e da identidade profissional dos PMs. Além de apresentar as tendências da formação profissional das polícias e os mecanismos de controle da atividade policial. 4.1

TRABALHO POLICIAL Antes de falarmos sobre o trabalho policial, é indispensável entendermos o que é a

instituição policial. Nesse sentido, Monet (2001) descreve analiticamente as instituições policiais na Europa. Além disso, frisa a influência da dimensão cultural na construção histórica desses modelos. Um ponto importante sobre as polícias é entender como elas trabalham, como fazem o policiamento. A partir desse contexto, surge o questionamento: qual finalidade da ação policial? Entretanto, respondê-la não é fácil, pois esse conceito é pulverizado pela diversidade da atividade policial (MONET, 2001). Monet (2001) prossegue na discussão, explorando o conceito de polícia. De forma proposital, conceitua-a superficialmente como uma organização burocrática e regida pela binômia hierarquia e disciplina. Esse conceito parece repousar numa visão mecanicista, em que o funcionamento das polícias ocorre engrenado e azeitado 32. Esse aparente equilíbrio é rompido, quando Monet descreve: “[...] todavia, nada menos monolítico, mais divido, atravessado por conflitos de poder internos e rivalidades crônicas, nada mais difícil de controlar por sua própria hierarquia que a polícia” (MONET, 2001, 16). A polícia “[...] é uma instituição singular em razão da posição central que ela ocupa no funcionamento político de uma coletividade” (MONET, 2001, p. 16). Segundo Bittner (1972) citado por Suassuna (2013), a polícia moderna é “como „um mecanismo para a distribuição de força coercitiva, 32

Funcionamento bem ajustado, sem folga ou espaçamento e lubrificado por azeite.

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não negociável, empregada de acordo com os ditames de uma compreensão intuitiva de exigências situacionais‟” (BITTINER, 1972, p. 46, apud SUASSUNA, 2013, p. 41). Esse conceito destaca o emprego da força coercitiva como um elemento que define a instituição policial. Lembrando que Costa (2004) diferencia o “uso necessário de força” da “violência policial”. Porém, percebe-se que a determinação das práticas agressivas institucionalizadas nas IPMs não é simples, visto a dinâmica da interação entre cidadão e policial muda com o contexto histórico (ELIAS, 1994). A percepção das práticas de agressividade policial também muda no decorrer do tempo, principalmente, pela percepção dos indivíduos como cidadão detentor de direitos e garantias (COSTA, 2004). Monet (2001) também define a função policial como: “[...] a possibilidade de utilizar a coerção física na ordem interna para manter um certo nível de ordem e segurança pela aplicação das leis e a regulação dos conflitos interindividuais” (MONET, 2001, p. 26). Assim, percebe-se que o uso da força é um das características atividade policial. Contudo, a concepção de “uso necessário da força”, “violência policial” e “ “agressividade policial” dependem da ideia de accountability no exercício da atividade policial (COSTA, 2004). Monjardet (2003), por sua vez, destaca a visão instrumental da polícia, que é ainda amplamente difundida entre seus pesquisadores. Para melhor estudá-la dividiu-se em duas escolas: a progressista, em que “[...] a polícia é o instrumento de dominação por excelência do poder, isto é, da classe dominante [...]” (MONJARDET, 2003, p. 151); a conservadora, na qual “[...] define a polícia como instrumento especializado da law enforcement (aplicação da lei), numa visão puramente funcionalista [...]” (MONJARDET, op. cit.). Monjardet (2003) esclarece que essa visão é desconstruída pelos mecanismos organizacionais que medeiam “[...] os fins prescritos (ou visados) e as práticas dos agentes” (MONJARDET, 2003, p. 152). Dessa forma, há uma mudança do paradigma instrumental da polícia – de um agente passivo e dócil – para a construção do paradigma interacionista – de um agente autônomo e resiliente. Assim, “[...] na interação cotidiana entre os profissionais, suas tarefas e o público, constitui-se e se reproduz uma cultura profissional” (MONJARDET, op. cit.). Assim, Monjardet (2003) introduz a desconstrução da visão puramente instrumental para a visão interacionista da polícia com os demais segmentos da sociedade. Hoje, com os regimes democráticos a função policial retoma a dimensão política, originária do vocábulo grego polis. Dessa maneira, a polícia passa ser objeto de debate e deliberações, a fim de garantir dois valores fundamentais: a segurança e a liberdade (MONET, 2001). Por sua vez, a função policial nem sempre existiu com é hoje. Ela passa a ser percebida

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com a intensificação da divisão de trabalho e a dominação política pela religião e pelas forças militares (MONET, 2001). Contudo, Monet (2001) descreve algumas características polícia. O primeiro traço comum é a criação de uma identidade nacional (patriotismo), através de manifestações físicas e simbólicas (cívicas) que tendem a reforçar autoridade do Estado central (MONET, 2001). O segundo é a profissionalização da função policial, que se estabelece pela: instituição da meritocracia; elaboração e transmissão de conhecimentos técnicos; remuneração satisfatória e regime de exclusividade; por fim, pela construção de uma identidade profissional expressa nas normas, valores, ritos e, principalmente, por uma cultura (MONET, 2001). Dessa forma, surge a atividade policial como categoria de trabalho. Durante a revolução industrial no século XIX, surge na Europa um excedente de desempregados pela mecanização da agricultura e das fábricas. Nesse momento, emerge uma “questão social”, gerando inquietações nas camadas dominantes. Nos Estados europeus mais industrializados, a polícia passa a lutar contra as manifestações sociais e políticas para manter ordem pública e os governantes no poder (MONET, 2001). A instituição policial surge da necessidade de garantir segurança e liberdade numa sociedade moderna e urbanizada, mas emerge a questão de administrar os conflitos urbanos, oriundos do processo de industrialização. Atualmente, Minayo e Adorno (2013) citam, num cenário mais amplo, que alguns problemas ainda são singulares da instituição policial, por exemplo: a elevada taxa de letalidade das ações em confrontos diretos, a pouca e quase inexistente transparência do trabalho policial e o frágil controle externo da atividade policial (MINAYO; ADORNO, 2013). Esses problemas enfrentados pelas organizações policiais possuem múltiplas causas, dentre elas, como destacam Minayo e Adorno (2013): [...] (a) deterioração da vida social pelo aumento do número de pessoas excluídas nas periferias das grandes metrópoles, sobretudo dos jovens que continuam sendo as maiores vítimas do desemprego no mundo inteiro, ao mesmo tempo em que mantêm um lugar privilegiado nas estatísticas criminais. [...] (b) aumento e sofisticação do crime organizado no mundo, utilizando-se, silenciosa e sorrateiramente para a realização de suas ações, de aparatos sofisticados, propiciados pelas tecnologias de informação e comunicação, à margem das tarefas e práticas usuais das polícias encarregadas da ordem pública; (c) aliciamento dos jovens que vivem em bairros pobres, desempregados, sem perspectivas e com pouca formação por parte do crime organizado, usados como “bucha de canhão” para alimentar e movimentar o mercado varejista de drogas e armas e de outros produtos ilegais; (d) aumento do número de armas sofisticadas e de maior letalidade em mãos de bandos urbanos e da população civil, enquanto as armas das polícias são de pouca resolutividade e as corporações continuam a contar com parcos recursos e são treinadas para repetir o que sempre rezaram as regras da segurança pública tradicional; (e) insuficiente investimento do Estado nas Corporações Policiais e em tecnologias de inteligência (MINAYO; ADORNO, 2013, p. 586-587).

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Percebe-se o crítico cenário que a instituição policial está envolvida. Logo, a anomia social33, o crime organizado, o aliciamento de grupo de vulneráveis, a sofisticação das armas e sua acessibilidade e a ineficiência do Estado revelam a complexidade da atividade policial. Minayo e Adorno (2013) destacam três pontos importantes desse cenário: a conscientização da cidadania; a ampliação do conceito de “segurança”; a exigência de atendimento mais profissionalizado da polícia. Neste último Minayo e Adorno (2013) descrevem: [...] atribuição de um papel muito mais complexo da polícia que tem que lidar ao mesmo tempo com o confronto direto e com dispositivos de proteção de grupos vulneráveis: novas e antigas modalidades de crime, (tráfico de armas e de mercadorias, delitos de ordem financeira e de Internet) e demandas novas como crimes contra crianças, adolescentes, mulheres, idosos e homossexuais (MINAYO; ADORNO, 2013, p. 587).

Verifica-se que a atividade policial está cada vez mais complexa. Exigindo maior escolarização, melhor formação e treinamento de excelência. Por outro lado, existem fatores que dificultam ainda mais o ofício do policial. Nesse sentido, Mattos (2012) nos destaca que: O trabalho policial não é visto como uma atividade glamourosa. O cenário cultural que envolve ações policiais é permeado por sentimentos como medo, insegurança e repressão. Os encontros da população com policiais se dão, via de regra, em circunstâncias negativas, de violações, transgressões ou crimes [...]. Internamente, os policiais tendem a se perceber hostilizados, em permanente descrédito social. É crescente nos quartéis e delegacias a percepção de que suas atividades são desvalorizadas e mal compreendidas. Mesmo diante de mudanças na qualidade de vida desses profissionais, o sentimento generalizado de desprestígio opera contra a distensão das relações [...] Como forma de conferir sentido ao seu trabalho, as agências policiais tendem a se fechar e a propiciar a construção de fortes culturas internas. Para tanto, os policiais se opõem àqueles que minimamente não compartilham de seus valores, regras e crenças. Com isso, o sentido centrífugo das relações também é pautado por sentimentos negativos, quais sejam, frustração, intolerância, violência e incompreensão (MATTOS, 2012, p. 12-13).

Os contornos que forma a imagem do trabalho policial parece não ter uma forma muito bem definida, pois percebesse que há diversos fatores que podem influenciar na atividade policial. A instituição policial nasce com a urbanização gerada pela industrialização da sociedade e necessidade de administrar conflitos desde meados do século XIX, como monopólio da força física. Porém, emergem questões mais complexas de serem resolvidas devido à dinâmica social de uma sociedade pluralizada e sensibilizada aos direitos humanos. Então, exige-se hoje uma polícia humanizada, cidadã e democrática para o atendimento dessas demandas. Vale ressaltar que a polícia mantém-se ancorada aos paradigmas da época de sua concepção com visões: (a) ideológica no paradigma burocrático-militar pela de hierarquia e 33

É termo cunhado por Émile Durkheim e “[...] designa os estados individuais decorrentes da quebra da confiança prévia em interações” (SUASSUNA, 2013, p. 129).

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disciplina (MONET, 2001; PONCIONI, 2007); (b) contratual pela direito ao uso da força (BITTINER, 1972; MONET, 2001); e (c) funcionalista e instrumental como instrumento de dominação e aplicação da lei (MONJARDET, 2003; PONCIONI, 2007). Logo, não é difícil perceber o descompasso que há desse modelo com uma sociedade pluralizada. Como resposta a essa demanda, as instituições policias brasileiras começaram a mobilizar-se (na realidade são mobilizadas34), mas muito timidamente, na busca de uma melhor prestação de serviço. O primeiro caminho percorrido pelas organizações policiais, especialmente, as IPMs foi o caminho da formação profissional que padecem de dois problemas: o viés jurídico das formações reforçando o paradigma de aplicação da lei e a resistência cultural a mudanças, pois mudanças no currículo de formação dos policiais não implicam necessariamente em modificações das práticas (SILVA, 2002). No entanto, as instituições policiais devem ser observadas também sob os paradigmas: (a) interacionista tanto pela resiliência e autonomia dos seus agentes (MONJARDET, 2003), como pela construção das relações com a sociedade; (b) dominação política de segmentos da sociedade sobre as instituições policiais, bem como da influência das instituições policiais sobre a política (MONET, 2001). Agora, serão analisadas algumas condições de salubridade do trabalho policial, com o enfoque nos altos índices de morbimortalidade policial. A análise desse conceito permitirá considerarmos outra face do processo de mortificação, o adoecimento do policial durante a carreira profissional. 4.1.1 Morbimortalidade da atividade policial A importância de dedicarmos uma subseção as condições de trabalho dos policiais é buscar ligações entre o adoecimento desses trabalhadores e a manifestação dos efeitos perversos do processo de mortificação dos PMs durante a carreira profissional nas IPMs. Nesse sentido, Souza e Minayo (2005) fizeram um levantamento sobre alguns estudos sobre vitimização, morbimortalidade da Guarda Municipal, Polícia Militar e Civil do Rio de Janeiro, entre 1994 e 2004. Além disso, Souza e Minayo (2005) destacaram ainda que: “O campo da saúde do trabalhador não pode omitir-se, hoje, de pensar nas categorias que atuam

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As mudanças ocorridas nas instituições policiais, principalmente nas IPMs, foram decorrentes do controle difuso de vários mecanismos como, por exemplo, a mídia. Assim, as mudanças nas IPMs se dão muitos mais por fatores exógenos (externos a corporação) do que por endógenos (internos a corporação). Então, justifica-se dizer que as instituições policiais foram mobilizadas a mudarem pela não aceitação da sua atuação. Da mesma forma, algumas mudanças estão surgindo atualmente para atender uma sociedade mais politizada e consciente das suas garantias.

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na segurança pública, um dos segmentos mais vulneráveis no exercício de sua profissão (SOUZA; MINAYO, 2005). Silva e Vieira (2008) destacam que as dinâmicas sociais e organizacionais do trabalho nas IPMs enfatizam a precedência hierárquica. Além de apresentar ainda um vínculo muito próximo com as forças armadas, ou seja, as IPMs, por vários motivos, mantêm o arquétipo de uma instituição com o objetivo de defender a soberania e não oferecer segurança pública. As IPMs são instituições tradicionalistas, bem como totalitárias e resistentes às mudanças tão aclamadas pela sociedade e pelo próprio cenário social. Assim, os PMs se deparam com uma realidade dinâmica e mais complexa frente aos treinamentos tradicionais de doutrina militar (SILVA; VIEIRA, 2008). Silva e Vieira (2008) ressaltam que as IPMs são organizações burocráticas e complexas, “[...] com feixes de interesses que dificultam as possibilidades de mudanças estruturais que dêem conta da realidade de violência cotidiana, tanto nos grandes e pequenos centros, quanto nas áreas rurais” (SILVA; VIEIRA, 2005, 168). Por conseguinte, as IPMs não tem atendido aos apelos de uma polícia cidadã, humanizada e democrática. Pelo contrário, o que se observa é manutenção de barreiras. Nessa perspectiva, Silva e Viera (2005) mencionam: Esse distanciamento cristalizou uma lógica de preservação de interesses restritos apenas à corporação militar, priorizando o status que a graduação hierárquica proporciona e a função desempenhada na polícia, em detrimento da organização como um todo. A organização do trabalho policial e a dinâmica da violência, cadenciando novos ritmos de convivência na sociedade, são fatores que não só comprometem a economia do país, mas também afetam a saúde dos cidadãos. Esses aspectos colocam o policial militar no centro de uma conjugação de forças, exigindo dele um verdadeiro e constante combate, que também é travado com o componente de precarização do trabalho (SILVA; VIEIRA, 2008, p. 168).

Percebe-se que há conflito de interesse entre as IPMs e sociedade. Existe também o conflito de interesses entre os membros das IPMs, demonstrando a precarização do trabalho dos PMs. Assim, o processo de mortificação policial demonstra outro efeito perverso: a morbimortalidade da atividade policial, pois policias adoecem e morrem por causa da profissão. Silva e Vieira (2008), nos trás ainda que: No contexto da PM [Polícia Militar], as pressões da organização do trabalho e a sociedade aflita são fatores que podem influenciar no aumento da fadiga e nas crises mentais. O percentual de aposentadorias por invalidez devido a transtornos psiquiátricos, que foram homologadas pela junta médica da PMPB, em 1998, equivale a 25,5%. Outro dado importante é que cerca de 75,8% desses reformados situam-se na faixa de 20 a 29 anos, ou seja, estão entre os profissionais que se aposentaram ainda jovens, praticamente em início de carreira. Considerando o escalonamento hierárquico da PM, verifica-se que 73,2% dos mais afetados são os soldados e cabos, já que eles apresentam maiores chances de envolvimento com

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operações de risco, em função das demandas da sociedade, cada vez mais cadenciada pela violência (SILVA; VIEIRA, 2008, p. 167).

Identificou-se que os componentes da base organizacional – cabos e soldados, da PMPB, em 1998, foi o grupo com maiores índices de adoecimento e afastamento do trabalho policial. Podemos dizer que a estrutura organizacional da PMPB tem um enorme peso sobre a sua base. Será que a morbimortalidade policial se deve a sistematização do trabalho nas IPMs? O que se pretende é evidenciar que dentro das IPMs ocorre o processo de mortificação dos PMs, pois tem os maiores índices de adoecimento, morbidade e mortalidade se concentram na base organizacional dessas instituições. Além disso, no estudo de Souza e Minayo (2005) ficou demonstrado, depois da análise de dados primários do ano 2000, que dentre as instituições de segurança pública, Guarda Municipal e Polícia Civil carioca, a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro – PMERJ, foi a instituição com maior taxa de morbimortalidade vinculada ao trabalho, isto é, a PMERJ “[...] apresenta taxas de mortalidade por violência 3,65 vezes maiores do que a da população masculina da cidade do Rio de Janeiro e 7,2 vezes a da população geral da cidade” (SOUZA; MINAYO, 2005, p. 927). Além disso, também destacam que: No Brasil, a taxa de mortalidade por homicídio na população geral foi de 26,7 por 100 mil habitantes e essa taxa na população masculina foi de 49,7. Na capital do Rio de Janeiro, os dados são mais elevados: 49,5/100.000 na população geral e 97,6/100.0000 na população masculina. As taxas de mortalidade por agressões e acidentes de trânsito entre agentes da segurança pública (das três categorias) são mais elevadas, menos na Guarda Municipal. Nessa, em 2001, a taxa de mortalidade foi de 55,31/100.000 guardas, abaixo da média masculina da população do Rio de Janeiro. No entanto, na Polícia Militar, em 2000, a taxa de mortalidade por agressões chegou a 356,23/100.000. Na polícia civil, essa taxa, considerando-se todas as causas, no mesmo ano foi de 206,80/100.000 (SOUZA; MINAYO, 2005, p. 926927).

Apesar desse estudo apreciar dados do Rio de Janeiro, pode-se utilizá-lo como referencial para as demais policias estaduais, pois todas elas possuem as mesmas competências definidas constitucionalmente e funcionam de forma análogas considerando as respectivas competências. Respeitadas as singularidades de cada Estado ou região, como é o caso do Rio de Janeiro e outras cidades que possuem Guardas Municipais. Assim, a forma de organização do trabalho nas IPMs é relevante para entendermos os efeitos do processo de mortificação durante a carreira policial. Logo, o risco da atividade policial é incrementado pelo aumento da violência e precarização do trabalho são condicionantes importantes da salubridade da atividade policial, como destacam Silva e Vieira (2008):

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[...] as situações de risco a que esses profissionais estão expostos, principalmente pelo aumento significativo da violência e pela precarização do trabalho. É a sinergia desses componentes que pode ocasionar implicações na saúde mental desses profissionais. É a maneira como essas forças interagem e o embate que é vivido cotidianamente pelo policial em sua atividade-fim, que terminam por gerar o sofrimento psíquico, com possíveis desdobramentos em alcoolismo, depressão e até mesmo em suicídio (SILVA; VIEIRA, 2008, p. 168-169).

Outros desdobramentos dos efeitos do processo de mortificação durante a carreira policial a serem considerados são: o sofrimento psíquico, o adoecimento mental, o alcoolismo, a dependência química, a depressão e o suicídio. Silva e Vieira (2008) também ressaltam que o acúmulo de funções da polícia militar, juntamente com a distinção de atribuições entre polícia ostensiva (Polícia Militar) e polícia investigativa (Polícia Civil), são questões relevantes na organização do trabalho policial e que, por sua vez, tem implicações na saúde mental dos PMs (SILVA; VIEIRIA, 2008). Outro ponto importante destacado por Silva e Vieira (2008) é a subjetividade da atividade policial e ainda aliada à dicotomia entre o planejamento da ação e a execução “[...] pode abrir espaço para a ação truculenta (por vezes arbitrária) das relações entre os níveis hierárquicos da polícia e, até mesmo, entre as próprias polícias” (SILVA; VIEIRA, 2008, p.166). Como consequência disso, o policial é desvalorizado pela sociedade. Completando essa análise das condicionantes do trabalho policial, Silva e Vieira (2008) mencionam as pressões sofridas pelos policiais decorridas “[...] tanto da organização do trabalho quanto dos fenômenos sociais. Outro elemento que se incorpora a essa dinâmica, formando uma tríade, é a precarização do trabalho.” (SILVA; VIEIRA, p.166). Assim, Silva e Vieira (2008) destacam que as formas de organização do trabalho nas instituições policiais implicam diretamente tanto no bem-estar do trabalhador, quanto na produção de sofrimento patogênico e de doenças mentais. Dessa forma, demonstra-se que o modo da organização do trabalho nas IPMs pode evidenciar os efeitos perversos do processo de mortificação dos PMs durante a sua trajetória profissional. Evidencia-se o processo de mortificação, se considerarmos “[...] que o policial militar está no centro de uma conjugação de forças advindas da organização do trabalho, da precarização do trabalho e, por fim, da sociedade contemporânea” (SILVA; VIEIRA, 2008, p.161). Para comprovar essa afirmação Silva e Vieira (2008) utilizaram dados da junta médica da PMPB, entre o ano de 1995 e 1998, em que foram destacados como fatores que contribuem com o sofrimento psíquico dos PMs: “[...] baixos salários (92%), carga excessiva de trabalho (69%) e condições de trabalho desfavoráveis (61%)” (SILVA; VIEIRA, 2008, p.167).

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Os efeitos processo de mortificação se evidenciam tanto pelo adoecimento dos PMs pela precariedade do trabalho policial nas IPMs, como pelos elevados índices de morbimortalidade dos PMs. Nesse caso, o processo de mortificação está profundamente ligado a dois fatores, respectivamente: a estrutura organizacional rigidamente hierarquizada, especialmente pela sobrecarga em cima da sua base organizacional; a exposição maior ao risco que a polícia militar tem no exercício de sua atividade. Diante dessas condicionantes do trabalho policial, demonstra-se que o processo de mortificação oportunizado pelas IPMs se expressa também pelo efeito elevados índices de morbimortalidade dos PMs. Ao longo da trajetória profissional, o processo de mortificação manifesta-se de várias formas, duas delas são: a perpetuação da cultura de práticas agressivas pelos PMs; e também pelos altos índices morbimortalidade dos PMs. A seguir, passaremos à análise da formação profissional da polícia. Assim, continuaremos observando as contribuições das instituições policiais na trajetória profissional dos policiais. 4.2

PROFISSIONALIZAÇÃO DA POLÍCIA Como vimos anteriormente, a profissionalização da função policial surgiu pelo

estabelecimento da meritocracia, pela elaboração e transmissão de conhecimentos técnicos, pela necessidade de remuneração satisfatória e pela implantação de regime de exclusividade. Caracterizando o trabalho policial como uma profissão, Monjardet (2003) classifica os interesses profissionais dos policiais em três classes: os materiais, relacionados às condições gerais de trabalho (salário, jornada, salubridade); os corporativos, como forma particular de buscar melhorias na situação do trabalho em si (melhores meios de locomoção, comunicação); os profissionais, referentes à valorização do serviço do policial, revelando o que motiva os policiais ao trabalho. Os interesses materiais referem-se às mesmas de condições de trabalho, emprego e remuneração de qualquer servidor assalariado. Não obstante, existem dificuldades próprias dessa atividade são elas: a fadiga e a perturbação dos ritmos fisiológicos, bem como os problemas familiares e de inserção social dessa profissão (MONJARDET, 2003). Os interesses corporativos influenciam intensamente as condições de trabalho e a prática policial. Esses interesses são construídos historicamente pela modernização tecnológica da sociedade e pela busca racional do agente por menos desgaste físico e o mais conforto para a execução do serviço. No entanto, Monjardet (2003) aponta que a questão cultural:

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[...] é a primeira forma de um mecanismo geral de involução dos objetivos da instituição policial [...] um interesse corporativo, reconhecido como legítimo e razoável pela administração, produza efeitos propriamente policiais consideráveis e que não foram de nenhuma maneira previstos, e muito menos decididos (MONJARDET, 2003, p. 157).

Os interesses profissionais referem-se ao desejo dos policiais de reconhecimento e valorização. Dentre as várias atividades executadas pela polícia, o combate ao crime é a mais valorizada em contraposição da desvalorização das outras atividades. O efeito disso é que “[...] tudo leva a corporação policial a reunir e a totalizar a variedade a heterogeneidade de suas tarefas sob a bandeira da luta contra o crime e a desvalorizar todo o restante” (MONJARDET, 2003, p. 162). Verifica-se que a atividade policial se caracteriza como uma função laboral, por essa razão, necessita de uma formação técnica e profissional. A formação técnica dos policiais é uma das dimensões do modus operandi dos policiais. A outra dimensão é a práxis policial esculpida pela “cultura policial” 35. A seguir, abordaremos o modelo de formação profissional das instituições policiais. 4.2.1 Modelo de formação profissional da polícia Um fator importante para compreender os determinantes da agressividade policial, é o modelo profissional das organizações policiais. Com esse intuito, Pocioni (2007) faz um estudo sobre a formação policial nas academias de polícia civil e militar do Rio de Janeiro. O interesse da autora por esse tema se deu pelo aumento dos índices de criminalidade nas últimas décadas no Brasil. Assim, identificou-se uma crise no modelo de gestão da segurança pública, em consequência do enfoque na manutenção da ordem e segurança pública dos espaços urbanos apoiados em dois modelos profissionais de polícia: o paradigma burocráticomilitar e o modelo legalista – de aplicação da lei (PONCIONI, 2007). É notório que a PMDF e as demais IPMs brasileiras se apóiam também sobre esses dois paradigmas, uma vez que possuem o mesmo sistema administração militar e o foco na formação jurídica. Há um afastamento do policial da sociedade pela impessoalidade das interações pessoais entre polícia e comunidade, bem como pela perpetuação do modelo reativo no atendimento das demandas de atendimento policial. Haja vista a tentativa do controlar os índices de criminalidade principalmente sob o paradigma burocrático-militar reforça-se o modelo policial de declarar “guerra contra o crime” (PONCIONI, 2007). Essa estratégia 35

Esse assunto será abordado mais à frente neste capítulo.

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reativa da polícia se revela menos efetiva no controle dos índices de criminalidade, além de negligenciar outras demandas da sociedade que podem estar relacionadas à manutenção da ordem pública. Sendo assim, um dos problemas desse modelo reativo é a incapacidade da polícia satisfazer a população nas suas demandas mais triviais no cotidiano, devido à quebra de confiança da sociedade com a polícia (SUASSUNA, 2013). A complexidade das situações e aumento da insegurança completa o cenário dos desafios da polícia em atender satisfatoriamente a sociedade. Outro ponto importante refere-se ao “isolamento” das organizações policiais, que inviabilizam a intervenção externa no regramento do trabalho policial. Por último, o distanciamento das instituições policiais da sociedade dificulta a fiscalização e o controle da atividade policial, afetando na transparência e na legitimidade do trabalho policial (PONCIONI, 2007). À vista do crescimento da violência urbana no Brasil, especialmente, nas últimas quatro décadas, convêm questionar eficácia da polícia brasileira, seja pelo tradicionalismo do modelo profissional, seja pela atuação costumeiramente violenta e arbitrária da polícia. Então, permanece até agora, o desafio de gerir a segurança pública atendendo as garantias de um Estado democrático de direito. Destaca-se a questão da formação profissional da polícia, pois existe a expectativa de que mudanças das práticas da polícia brasileira possam torná-las mais efetiva na manutenção da ordem e segurança públicas. Apesar dessa discussão e de várias iniciativas sobre os problemas da segurança pública, poucas mudanças ocorreram no funcionamento e nas práticas com o fim de reduzir da violência e controlar os índices de criminalidade na sociedade brasileira. Poncioni (2007) propôs discutir a formação profissional das Polícias Civil e Militar, observando os conteúdos curriculares ministrados nas academias das respectivas corporações do Estado do Rio de Janeiro. Para esse fim, é relevante observar os desafios da qualificação profissional do policial e as tendências dessa qualificação do trabalho policial (PONCIONI, 2007). Na análise das tendências da formação profissional das polícias cariocas, Poncioni (2007) destaca como primeiro ponto: a duplicidade de corporações – Polícia Civil e Militar – para a manutenção da ordem e segurança pública. Apesar dessa dualidade de corporações existem tendências semelhantes na formação profissional de ambas. Assim, se destacam a formação legalista dos policiais, sob o enfoque do paradigma burocrático-militar de “combate ao crime”. Destacam-se também a ausência de conteúdos na formação do policial, como: mediação de conflitos, atendimento direto ao cidadão (PONCIONI, 2007).

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O segundo ponto é a falta de recursos humanos e materiais das academias policiais cariocas como, por exemplo, a perenidade dos conteúdos curriculares das academias de polícia, pois o não há mudanças significativas desses conteúdos. Ademais, não há também avaliação, monitoramento e controle das falhas e dos impactos do trabalho policial no cotidiano. Além das limitações dos conteúdos curriculares, também não há um quadro de instrutores (professores) voltados exclusivamente para formação de policiais. Na realidade, o que ocorre é o acúmulo da atividade de docência desses policiais instrutores com a atividade policial. Dessa forma, fica revelada a fragilidade dos cursos de preparação profissional nas academias policiais do Rio de Janeiro, exemplificando a realidade da segurança pública no Brasil. Existem algumas propostas e iniciativas do poder estatal e da sociedade com finalidade de mudar o paradigma vigente nas academias de polícia. Entretanto, não foi realizada avaliação da efetividade dessas iniciativas (PONCIONI, 2007). O terceiro ponto é a sobreposição da formação tradicional dos policiais sobre os princípios profissionais como, por exemplo, a tentativa do Governo Federal implementar a filosofia do policiamento comunitário em algumas polícias estaduais. No entanto, o modelo de formação tradicional se sobrepôs a essa iniciativa, que fica no campo abstrato não atendendo aos anseios de mudanças do modelo de trabalho policial pela sociedade. Da mesma forma, cursos ministrados por universidades e organizações não governamentais promovem novos referenciais para a formação policial, mas ficam limitadas ao universo das possibilidades. Além disso, esses cursos não constituem uma realidade em todas as polícias brasileiras e também atingem uma pequena parte do efetivo (PONCIONI, 2007). Quarto ponto é a importância de se estabelecer estratégias sob o fundamento de dados empíricos na implementação de um projeto educacional que aprimore a atividade profissional da polícia, para que possa atender os requisitos de uma polícia cidadã num Estado democrático de direito. Assim, sem uma análise crítica do processo de formação profissional do policial, a atividade policial continuará atendendo a interesses alheios (grupos hegemônicos) ao interesse público permanecendo com baixa efetividade no atendimento dos graves problemas de segurança pública da sociedade brasileira (PONCIONI, 2007). Para análise dos desafios na formação profissional do policial, Poncioni (2007) destaca a necessidade de incrementar os recursos humanos e materiais, sob dois pontos principais: destinação de recursos financeiros para os centros de formação e garantia de recursos materiais para o funcionamento de cursos de formação e aperfeiçoamento (PONCIONI, 2007). O outro ponto desses desafios é a organização da formação profissional

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das instituições policiais. Assim, algumas reflexões são sobre: os modelos de profissionalização dos policiais; a efetivação dos programas e projetos de formação profissional do Plano Nacional de Segurança Pública – PNSP; a criação de indicadores para o monitoramento da formação dos policiais; a interação do conhecimento teórico com a prática e vice-versa; a formação continuada dos policiais em todos os níveis hierárquicos; a formação interdisciplinar do policial para o desempenho mais eficaz e eficiente do trabalho policial; por fim, a integração do ensino das academias policiais (civis e militares), a fim de favorecer o diálogo e a reflexão sobre o trabalho da polícia (PONCIONI, 2007). Poncioni (2007) ressalta ainda que a educação policial é um importante instrumento para o desenvolvimento da excelência do trabalho policial. Contudo, destaca-se que o melhoramento do trabalho policial continua na retórica (PONCIONI, 2007). Então, confirmase a importância da formação profissional dos agentes da segurança pública para o atendimento a demanda de uma polícia humanizada, cidadã e democrática. As falhas na formação profissional da polícia podem ser também fatores que contribuem para a prática da agressividade policial, como podemos observar na fala de um entrevistado na pesquisa sobre a atuação policial, “[...] A maioria que age [com violência], às vezes na emoção, a maioria age muito na técnica” (CB da PMDF, 12 anos de serviço). Agora, podemos analisar outros elementos que constituem o trabalho policial como, por exemplo, a cultura profissional. Monjardet (2003) destaca que “[...] análise da cultura profissional dos policias é o calcanhar-de-aquiles de toda pesquisa sobre a polícia” (MONJARDET, 2003, p. 162). 4.2.2 Construção da cultura nas Instituições Policiais Militares Haja vista, a cultura profissional ter uma influência importante na formação de valores do trabalho policial. Vamos estudar como ocorre a construção dessa cultura nas Instituições Policiais Militares – IPMs. Nesse sentido, Monjardet (2003) descreve que “[...] no cruzamento da autonomia prática, de sua denegação organização e da falta de objetivação da tarefa se desdobra a „cultura‟, ou sistema de valores dos policiais, como elemento necessário, como os interesses de determinação das práticas” (MONJARDET, 2003, p. 167). Monjardet (2003) ratifica a importância da cultura exemplificando com uma obra, Justice without Trial, 1996, de J. K. Skolnik. Assim, Skolnick (1996) citado por Monjardet (2003) destaca três elementos da situação de trabalho do policial: o perigo dessa atividade, a construção da relação de autoridade sob seu público e a obrigação de uma ação eficaz. A

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singularidade do trabalho policial o faz adaptar-se, construindo “óculos cognitivos” e “personalidade de trabalho” em todos os níveis hierárquicos e funcionais. Sob essa ótica, há um isolamento social da polícia e o fortalecimento da solidariedade interna de ordem pragmática, em que “[...] decorrem o conservadorismo intelectual, político e social, o machismo, a generalidade dos preconceitos étnicos etc.” (SKOLNICK, 1996, apud MONJARDET, 2003, p. 163). Na formação cultural do policial é importante considerarmos os estudos sobre a polícia francesa, haja vista a grande difusão desse modelo na polícia moderna, especialmente, no mundo ocidental. Assim, Gorgeon e Monjardet (1992) trazem elementos de subjetividade na “cultura profissional” polícia francesa: Expostas num mesmo conjunto de observação de longa duração e de entrevistas sistemáticas, as conclusões mais convincentes de um estudo no meio policial francês advogam mais em favor da diversidade, pluralismo e, mesmo, da heterogeneidade do meio profissional, do que eles testemunham uma cultura comum, e isso em dois níveis (GEORGEON; MONJARDET, 1992, apud MONJARDET, 2003, p. 164).

Os dois níveis a que se referem Gorgeon e Monjardet (1992) são: primeiro, as diferentes formas de recrutamento dos agentes e a multiplicidade das missões geram mais ignorância, desconhecimento, concorrência e oposição do que a identificação de uma cultura comum; segundo, o pluralismo (diferenças) em subgrupos mais homogêneos (corporações) revela cotidianamente discordância de espaço profissional comum, da concepção de ordem pública e das missões da polícia (MONJARDET, 2003). Apesar dessa crítica, Monjardet (2003) não nega a relevância da cultura profissional, nem a invalida pela subjetividade das perspectivas individuais. Ainda sobre a abordagem cultural profissional da polícia, Monjardet (2003) menciona alguns estudos para debater cultura profissional da polícia francesa. Em um desses estudos sobre a polícia francesa, Monjardet (2003) cita uma pesquisa realizada em coautoria com Gorgeon (1992). O estudo denominado de “pesquisa longitudinal” tem a finalidade de observar o comportamento de fatores pré-selecionados no decorrer do tempo. Dessa maneira, os primeiros resultados do estudo demonstraram que a “socialização profissional” abrange ao menos os primeiros estágios iniciais de duas maneiras. Por um lado, a formação de “um núcleo de estereótipos” e, por outro lado, um “pluralismo” de atitudes e posicionamentos dos policiais, aparentemente, guiados por dois eixos: “[...] a relação com a lei e a relação com o outro” (GEORGEON; MONJARDET, 1992, apud MONJARDET, 2003, p. 167). Essas características são facilmente identificáveis nas IPMs. Pode-se constatar, por exemplo, a

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formação dos estereótipos, quando os policiais se referem ao público externo como “paisano”, “peba”, “mala”, dentre outros. Retomando a visão interacionista da polícia, Monjardet (2003) destaca que os policiais são profissionais vendem a sua mão de obra em prol de uma recompensa pecuniária. Dessa forma, são reveladas duas dimensões do trabalho policial, a profissional e a assalariada. A relação assalariada implica numa subordinação e “venda” da força de trabalho. A profissionalização implica num conjunto de conhecimentos técnicos e de alguma forma a categorização desses trabalhadores (MONJARDET, 2003). Temos, então, a formação de representações sindicais como surge como uma forma de politização da polícia francesa. Lembrando que a sindicalização da polícia francesa ocorreu depois das outras categorias. É sabido que as IPMs brasileiras não possuem essa forma de representação política. Além da falta de regulamentação dessa garantia constitucional para as demais categorias de servidores. Monjardet (2003) ainda acrescenta que “[...] a condição policial é fundamentalmente reativa: defesa num caso, rejeição no outro relativamente aos constrangimentos [ou servidões] inerentes ao que fundamenta a polícia, a detenção da força pública” (MONJARDET, 2003, p. 199). No entanto, existe um efeito positivo, a solidariedade ao colega em perigo. Assim, a condição policial “[...] é a marca de uma identidade policial no duplo sentido da identidade: o idêntico e o singular” (MONJARDET, op. cit.). Essa descrição também se enquadra na descrição das ITs conceituadas por Goffman (1974). Como desdobramento da cultura profissional das IPMs temos a construção da identidade dos PMs. Essa identidade é construída dentro de um exercício de “estranhamento” do outro, em que se cultivam formas de diferenciação e segregação da sociedade como um todo, tanto que muitos policiais chamam os “não-policias” como “paisanos”, remetendo a ideia de “à paisana” ou “não-fardados” das forças armadas. Na verdade, a construção da identidade policial nas IPMs pode apresentar um desdobramento paradoxal como destaca Muniz e Paes-Machado (2010), pois a polícia quando forja a sua identidade acaba por discriminar, estigmatizar e rotular uma parcela da sociedade. Consequentemente, “[...] contribuem ativamente para produzir comportamentos desviantes e delituoso que deveria, por princípio, coibir” (MUNIZ; PAES-MACHADO, 2010, loco citado). Nesse sentido, Caruso (2015) faz um estudo etnográfico sobre a polícia militar na Lapa carioca, em que esse “[...] cenário de disputas físicas e simbólicas, configurando-se em território fértil para a construção de identidades e alteridades mediadas, em parte e não exclusivamente, pela interação entre policiais e cidadãos” (CARUSO, 2015, p. 66). Assim,

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percebe-se pela teoria da rotulação ou reação social que o modus operandi da cultura policial acaba por aumentar a criminalidade. Dessa forma, as identidades são forjadas pelo um conjunto de forças, em que se buscam a manutenção hegemônica do status quo. Nesse sentido, Caruso (2015) descreve o processo o estigmatização: O trabalho de campo permitiu perceber que a visão dos policiais sobre a Lapa parece, por um lado, se reportar ao início do século 20 e a algumas das décadas seguintes, que a associavam ao perigo e à desordem que precisavam ser eliminados. Era vista como a face da cidade quilombada, repleta de capoeiras e ex-escravos, que são percebidos como os “inimigos” da paz social. Hoje, outros personagens da cena urbana se travestem deste estigma, sejam eles os “meninos de rua”, “traficantes” e até mesmo “camelôs”, que se traduzem nos “inimigos” que dão sentido à ideia de “combate” policial para aquele território (CARUSO, 2015, p. 67).

Da mesma forma, Muniz e Paes-Machado (2010) mencionam a teoria da rotulação como um dos fatores que possam contribuir com a formação cultural das práticas agressivas das instituições policiais. [...] uma vertente produtiva de pesquisa sobre a polícia, não fosse a crescente irradiação intelectual da teoria da rotulação (ou reação social) [...] Segundo esta abordagem, tais agências têm um papel paradoxal, porque contribuem ativamente para produzir comportamentos desviantes e delituosos que deveriam, por princípio, coibir (MUNIZ; PAES-MACHADO, 2010, p. 437).

Nesse caso, a rotulação de alguns indivíduos pelo status social e estereótipos acaba por contribuir com o aumento da criminalidade, uma vez que a polícia dispensa um tratamento marginalizado a uma parcela da sociedade como, por exemplo, quando identifica alguns indivíduos como “peba”, “mala”. Na verdade, essa rotulação surge já durante os cursos de formação, em que a construção da identidade profissional baseada na cultura policial. Tão importante como entender o processo de formação da identidade dos policiais nas IPMs é entender como a polícia vê o “outro”. Isso também determina a prática da atividade policial. Logo, se buscamos entender o porquê da agressividade policial, temos que considerar as formações paralelas (não-formais) que o policial recebe, cria e multiplica durante a carreira profissional. Considera-se, então, que construção profissional dos PMs ocorre tanto pela de formação curricular (formal), como pelas formações paralelas (não-formais). Na verdade, essa formação profissional tem uma grande influência da cultura institucional das IPMs, que se inicia com o contato dos alunos-policiais através dos instrutores e se estende por toda a sua carreira profissional com a prática da atividade policial. Portanto, os PMs adotam práticas agressivas culturalmente reproduzidas nas IPMs tanto pelo processo de mortificação dos policiais, como pela a perpetuação dos paradigmas

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burocrático-militar e legalista, bem como pela própria condição da atividade policial (MINAYO; ADORNO, 2013). Assim, essas práticas se naturalizam e são até toleradas por parte da sociedade (COSTA, 2008). Além disso, destacam-se também as falhas na formação profissional dos PMs (PONCIONI, 2007). Entretanto, existem outros elementos que influenciam à prática policial como, por exemplo, o controle da atividade policial, nosso próximo objeto de estudo. 4.3

CONTROLE DA ATIVIDADE POLICIAL O controle da atividade policial é um mecanismo importante para as mudanças do

modelo de polícia burocrático-legalista para uma polícia humanizada, cidadã e democrática. Assim, para garantir o exercício da cidadania a atividade policial deve ter um sistema de controle eficiente que coíba desvio de conduta dos policiais, dentre elas, a prática da agressividade. Porém, há algumas ressalvas sobre as limitações do seu funcionamento desses mecanismos de controle. Bayley (2001) esclarece que a polícia e a sociedade relacionam-se de forma recíproca, a sociedade modelando a polícia e a polícia influenciando no futuro da sociedade. Classifica-se essa forma de relação como explícita proposital e difusa acidental. A polícia e a sociedade interagem no âmbito da política por intermédio das ações do Governo. A sociedade, em contrapartida, tenta direcionar e controlar a polícia através da responsabilização, enquanto a polícia pressiona a política por meio do policiamento político. A partir dessa responsabilização surge uma questão importante a ser discutida: “[...] quão bem-sucedidas as diferentes comunidades têm sido em conquistar um meio termo entre o que desejam e as ações policiais” (BAYLEY, 2001, p. 173). Porém, a complexidade dessa questão e dos mecanismos de negociação não permite definir isso com acerto. Bayley (2001) faz uma desambiguação do conceito de responsabilização e o define como: “[...] o controle dos processos da força policial [...] [o distinguido do] controle do comportamento

de membros

individuais” (BAYLEY,

2001,

p.

174).

Assim,

a

responsabilização apresentada por Bayley (2001) constitui-se como mecanismo de controle da sociedade sobre a ação policial num contexto amplo da atuação da polícia. Difere-se do controle das ações individuais, pois esta é apenas uma das modalidades dessa responsabilização. Por outro lado, Costa (2004) fundamenta a responsabilização da atividade policial no conceito de accountability, que se caracteriza pela maior responsabilização, controle e transparência das ações dos agentes do Estado (COSTA, 2004).

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Bayley (2001) apresenta classifica e analisa os mecanismos de controle da sociedade sobre a polícia. Esses mecanismos são descritos a partir da observação de diferentes exemplos de controles utilizados no mundo, classificando-os em quatro grupos: “externos-exclusivos, externos-inclusivos, internos-explícitos e internos-implícitos” (BAYLEY, 2001). O controle externo-exclusivo é exercido tanto dentro como fora do governo, sendo coordenado por políticos, burocratas ou por uma combinação de ambos. Além disso, esses grupos podem: controlar operações, avaliar questões disciplinares ou serem apenas consultados (BAYLEY, 2001). O controle externo-inclusivo é exercido por diversas instituições, tais como: tribunais, tribunais administrativos, poder legislativo, partidos políticos, mídia de massa (BAYLEY, 2001). Esse mecanismo de controle aparenta ser o mais eficiente para coibir práticas agressivas dos PMs, especialmente, pelo desenvolvimento tecnológico e a acessibilidade de aparelhos eletrônicos que podem comprovar as ações desviantes dos policiais. Já ouvi relato de vários policiais com mais tempo de serviço falarem que antigamente não tinha esse tipo de “problema”36, pois podiam “trabalhar” 37 e não tinham o risco de serem flagrados. O controle interno-explícito é exercido pelas organizações de classe (sindicato e associações), pela vocação ao trabalho policial, pela política de premiação de reconhecimento do superior hierárquico ou promoção automática por critérios burocráticos e, por fim, pelo contato da polícia com a comunidade (BAYLEY, 2001). O controle internoimplícito é exercido pela hierarquia de poder que se naturalizam nas relações cotidianas de fiscalização do trabalho policial. Uma expressão muito utilizada no ambiente da PMDF é a chamada “disciplina consciente”, quer dizer não precisa ter fiscalização para os PMs executar determinada tarefa isso já está subentendido pela estrutura hierárquica das IPMs. Bayley (2001) difere também os padrões de responsabilização da estrutura organizacional do policiamento, em que esta é “[...] a maneira como o policiamento é organizado dentro de um país” (BAYLEY, 2001, p. 186). No Brasil, a organização das policias é feita pela Constituição Federal38. À vista disso, “os padrões nacionais de controle” das policias possuem um ponto focal relacionado com arcabouço doutrinário e possuem “[...] um peso inercial enorme [...]” (BAYLEY, 2001, p. 190), ou seja, essas estruturas perduram a transformações políticas e sociais. Nesse ponto, evidencia-se a dificuldade de mudança das

36

Nesse caso, o “problema” para o policial é a constituição de prova material da ação desviante. Nesse contexto, o “trabalhar” do policial é cometer práticas abusivas, incluindo, as ações agressivas sem a repressão dos mecanismos de controle. 38 Art. 144 da Constituição Federal de 1998. 37

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estruturas policiais. Dessa forma, as IPMs constituíssem-se com instituições que perduram ao longo da história com o sistema de gestão burocrático-militar. Esses sistemas de controle não são determinantes na conciliação entre o procedimento policial e os anseios da comunidade. Assim, práticas agressivas culturalmente institucionalizadas nas IPMs se perpetuam pela resistência a mudanças das instituições, ainda que haja mecanismo de controle da ação policial. Dessa maneira, as “[...] estruturas formais são menos importantes do que os procedimentos práticos, uma percepção que é especialmente verdadeira para os mecanismos de responsabilização localizados fora das instituições que e eles devem controlar” (BAYLEY, 2001, p. 191). Por essa ótica, se destaca a importância das formações paralelas (não-formais), mas que são culturalmente institucionalizadas nas IPMs. Assim, ainda que haja a desmilitarização das IPMs a prevalência dos hábitos de agressividade é uma questão que deverá ser investigada independentemente do modelo organizacional das instituições policiais. Como consequência dessa necessidade, surge à pergunta: qual é tipo de controle é mais efetivo da atividade policial? Bayley (2001) afirma serem preferíveis os controles externos aos internos, pois uma força policial que não atenda aos padrões da comunidade e que não esteja disposta a mudar, só poderá atender esses critérios de policiamento se houver a ameaça de controle externo (BAYLEY, 2001). No entanto, “[...] a parte mais trágica dessa interação é que uma espiral decrescente reforçada é criada [...] [ao passo que] o controle externo diminui a auto-estima da polícia e a solidariedade do comando” (BAYLEY, 2001, p. 193). Essa dinâmica que deveria levar ao esforço máximo dos policiais gera o efeito contrário, pois enfraquece a disciplina e a legitimidade da fiscalização. Pode-se exemplificar esse fato na entrevista de um policial da PMDF, em que ele descreve a mudança de postura dos oficiais da corporação: [...] acabar com essa desunião entre oficiais e praças que foi uma coisa que eu nunca vi tempo atrás. Era, assim, era uma polícia mais rígida, era uma polícia que cobrava mais, mas em compensação o oficial, ele tinha união com o praça, o corporativismo fala mais alto e hoje já não e mais assim, hoje, tem um divisor de águas, tem um muro entre os praças e os oficiais (1º SGT da PMDF, 27 anos de serviço).

Percebe-se que a PMDF tem utilizado mais os mecanismos de controle interno, uma vez que o 1º SGT da PMDF menciona o acirramento da desunião entre praças e oficiais. Mas que na realidade é uma consequência da diminuição da confiança do policial com seus dirigentes.

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Não obstante, Bayley (2001) ressalta três conceitos importantes na mediação entre a atividade policial e as expectativas da comunidade, são eles: o primeiro, a forma mais eficiente de controle é o interno; o segundo, a confiança extrema no controle externo enfraquece a autorregulação; o terceiro, a importância dos mecanismos externos é mais importante pela confiança que a população deposita neles, do que para controlar de forma direta e específica as ações policiais (BAYLEY, 2001). Percebe-se que é importante um misto entre os tipos de regulação da atividade policial. O equilíbrio dessas formas de regulação determina a autonomia relativa da polícia e o nível de respeito do público. Haja vista a estabilidade das estruturas policiais ao longo da história. Então, a explicação para diversidade de preferências nos mecanismos de controle está no domínio da cultura (BAYLEY, 2001). À vista do equilíbrio entre os fatores externo e interno do controle da polícia são formuladas duas hipóteses: (a) primeira, “[...] a confiança na supervisão interna no que diz respeito a polícia será maior em sociedades contratuais estatistas” (BAYLEY, 2001, p. 200); (b) segunda, “[...] a confiança na supervisão externa será maior em sociedades individualistas do que em sociedades comunitárias, porque a primeira será relativamente ineficaz na tentativa de alcançar um comportamento policial apropriado através da auto-regulação interna” (BAYLEY, 2001, p. 200). Considerando-se essa conceituação de Bayley (2001), a segunda hipótese é mais apropriada para a sociedade brasileira. No entanto, essa opção diminui a legitimidade da ação policial devido à falta de confiança na relação entre os policiais e os cidadãos. No campo político, Bayley (2001) destaca que a polícia afeta a vida política diretamente de seis maneiras principais: [...] determinando quem são os atores políticos, regulando processos competitivos, defendendo ou não regimes de ataques violentos, secretamente monitorando e manipulando grupos políticos, defendendo a polícia dentro e fora do governo proporcionando apoio material (BAYLEY, 2001, p. 211).

No entanto, Bayley (2001) também destaca que a polícia pode influenciar a política indiretamente. Primeiro, pela transmissão dos valores cívicos na sociedade. Segundo, pela influência na legitimidade do governo e dos seus meios empregados. Terceiro, por demonstrarem com seu trabalho as fragilidades e problemas da nação. Quarto, e último, pela contribuição no desenvolvimento econômico do país, quando se modernizam. (BAYLEY, 2001, p. 212-214). Além desses papéis a polícia desempenha, precipuamente, “[...] a

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manutenção de processos previsíveis e ordeiros na vida comunidade” (BAYLEY, 2001, p. 215). Dessa forma, as instituições policiais demonstram outra forma de atuação que extrapola a atividade de policiamento, mas que desenha o seu poder de influência na sociedade. Assim, na atuação política da polícia pode residir outra característica que determina o seu peso inercial. A influência das instituições policiais na política também pode contribuir para a manutenção das práticas agressivas e repressivas. Esse é outro fator de resistência as mudanças das IPMs. Os determinantes da intervenção policial são provavelmente: pela tradição da atividade policial política, em que ela surge com a criação e consolidação do Estado; pela espionagem interna e a vigilância, que são retroalimentadas por interesses ideológicos; pelos interesses coorporativos (BAYLEY, 2001). Durante a ditadura militar essas características das IPMs política ficaram mais evidentes. Bayley (2001) resume a atuação da polícia de forma mais ativa na política: “[...] quando a competição pelo poder político for deliberadamente restrita pelo governo”; se a polícia foi concebida na intenção de defender regimes políticos; se a violência social ameaça a ordem política; “[...] e se há uma tradição cultural de insistência nas crenças de direita” (BAYLEY, 2001, p. 224). A conclusão de Bayley (2001) sobre a relação da polícia com a política é que “[...] a polícia claramente afeta o tipo de governo que a comunidade possui [...] mas o comportamento policial possui conseqüências políticas independentes” (BAYLEY, op. cit.). Essas ações policiais independentes podem alterar o cenário político e os processos sociais que integram a vida política como, por exemplo, a deslegitimação de um governo. Entender como ocorre o controle da atividade policial é indispensável na percepção dos fatores que podem determinar as práticas agressivas institucionalizadas nas IPMs. Retomando a diferenciação entre “uso legítimo da força” e a “violência policial”. Além de não existir uma linha demarcatória fixa devido à complexidade do assunto, “[...] não há consenso sobre qual seria este limite” (COSTA, 2004, p. 51). De outra forma, Costa (2004) classifica o predomínio de três interpretações sobre a violência policial: uma jurídica, outra sociológica e uma profissional. E ainda destaca que essas interpretações não são conflituosas. No entanto, “[...] a profissionalização da atividade policial parece ser fundamental, bem como o estabelecimento de mecanismos que possibilitem o accountability dessas instruções” (COSTA, 2004. p. 53, grifo do autor). Assim, para entender o conceito de accountability no exercício da atividade policial, Costa (2004) propõem interpretar essa atividade sob a ótica de seis dimensões: da legislação; dos códigos de conduta, treinamento e

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supervisão; da estratégia de policiamento (policing); do controle interno e externo; da justiça; e, por fim, das relações intergovernamentais. Além disso, a força inercial das IPMs já destacada anteriormente torna a reforma das práticas agressivas culturalmente institucionalizadas um processo difícil. Porém, segundo Costa 2004, podem ajudar na reforma institucional das IPMs: os processos de industrialização, criando novas identidades políticas e alterando o equilíbrio estático das forças anteriores; os processos de democratização, através das manifestações políticas alterando as formas organizações e demandas sociais. Essas condições são necessárias, mas não suficientes para a reforma das práticas agressivas das IPMs, bem como delas mesmas. Além disso, Costa (2004) acrescenta que “[...] esse processo de reforma dependerá também da forma como a sociedade civil, a sociedade política e as lideranças policiais vão interagir, criando as condições necessárias para romper com essas práticas institucionalizadas” (COSTA, 2004, p. 76). Assim, considera-se que a “violência policial” é uma representação social construída pelas acepções da sociedade sobre o agir da polícia. Costa (2004) ainda destaca que [...] aumentar o controle sobre a atividade policial não necessariamente implicam a melhoria da performance dessas instituições no que diz ao respeito ao controle de criminalidade. [...] o grande apelo político de tornar as polícias menos violentas e autoritárias é torná-las mais confiáveis e úteis à população” (COSTA, 2004, p. 82).

Apesar de Costa (2004) considerar que a melhoria do controle da atividade policial não resulte obrigatoriamente numa redução dos índices de criminalidade. No entanto, a relação inversa é verdadeira, pois a falta de controle sobre a atividade policial permite práticas repressivas, bem como agressivas consequentemente incrementam os índices de criminalidade (MINAYO; ADORNO, 2013). Nesse capítulo, sintetizamos alguns fatores que desenham a trajetória profissional dos policiais, tais como: as condições do trabalho policial; o modelo de formação profissional da polícia; a construção da identidade dos policiais e controle da atividade policial. A seguir, faremos a análise das entrevistas.

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5

ANÁLISE DAS ENTREVISTAS A análise qualitativa apresentada na metodologia visa à identificação dos elementos,

pelas narrativas dos entrevistados, que possam dialogar com a hipótese de: a agressividade policial ser, em alguma medida, fomentada durante a carreira profissional do policial militar, uma vez que o policial passa pelo o processo de mortificação durante a carreira profissional. Foram entrevistados 5 PMs pertencentes ao Quadro de Praças Policiais Militares Combatentes – QPPMC-PMDF. O primeiro policial entrevistado é um 1º Sargento (1º SGT) da PMDF, com 27 anos de serviço, morador da Região Administrativa de Águas Claras – DF. Ele ingressou na polícia por vocação, pois o pai era militar e deseja seguir a carreira militar. Assim, serviu à aeronáutica e depois ingressou na PMDF. Fez Curso de Formação de Soldado – CFSd, Curso de Formação de Cabo – CFC, Curso de Formação de Sargento – Curso de Aperfeiçoamento de Sargento – CAS. Além disso, fez mais de 10 cursos de policiamento especializado e cursos operacionais. O policial também é formado em História. Quando perguntado se ele considerava a polícia militar é uma polícia violenta. Ele respondeu: Hoje, ela mudou muito. Questão de 27 anos passados, ela mudou bastante. Antigamente, era uma polícia mais truculenta, porque, até mesmo pelo preparo do homem. Mas, a educação você trás de berço e cada situação é diferente da outra. Tem situações que, realmente, você tem que usar [a força], precisa fazer uso da força e tem situação que você pode com um simples bate papo resolver o problema. Então, isso vai de policial pra policial, às vezes se o cara vivenciou uma vida só de violência na sua própria casa, ele pode trazer isso sim, pra vida dele policial e se você diferenciar da sua casa, você tem um tratamento diferenciado com educação, no diálogo, você também trás isso pro serviço de rua (1º SGT da PMDF, 27 anos de serviço).

A princípio, o 1º SGT da PMDF não reconhece que a agressividade policial é um comportamento aprendido durante a carreira policial, em âmbito institucional. Essa prática é atribuída à formação profissional e a herança de valores culturais da sociedade. Por outro lado, o policial assume a mea culpa das práticas agressivas institucionalizadas. No entanto, ele transfere parte dessa responsabilização para herança cultural do período ditatorial: A ditadura militar, quando eu entrei na polícia militar, já estava acabando. Já tinha 3 anos que tinha acabado a ditadura militar. Com isso, veio o quê? A truculência dos quartéis, onde o civil era olhado de maneira diferenciada e, hoje, não. Hoje, é bem diferente disso, são bem trabalhados os direitos humanos, o direito das pessoas, o direito de ir e vir de cada cidadão (1º SGT da PMDF, 27 anos de serviço). O policial percebe a influência do ambiente institucional na formação do

comportamento agressivo dos policiais. Nesse contexto de ambiente cultural, o 1º SGT da

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PMDF revela o olhar diferenciado sobre o civil demonstrando uma visão estigmatizada sobre o outro, o diferente, o não militar. Hoje, essa estigmatização ocorre principalmente sobre os grupos minoritários39, especialmente, os negros das periferias. Um exemplo dessa subjugação é quando os policiais chamam os delinquentes de “mala”, “peba”40. Assim, se tornam elementos de suspeita, pois são identificados pela vestimenta, pelo “kit peba” 41. O segundo policial entrevistado é um 2º Sargento (2º SGT) da PMDF, com 24 anos de serviço, morador da Região Administrativa de Sobradinho II – DF. Ele entrou na PMDF pela busca de estabilidade financeira. Fez CFSd, Curso de Nivelamento de Praças – CNP, Curso de Aperfeiçoamento de Praças – CAP, Curso de Policiamento Comunitário – CPC, e o Curso de Policiamento Ambiental – CPA. Além disso, cumpriu o serviço militar obrigatório no Exército Brasileiro. A intenção do policial era permanecer um período mínimo na PMDF, enquanto não passasse em outro concurso, mas relatou que os dirigentes não colaboravam com os policiais que queriam estudar. Assim, nos descreve: Na realidade, comecei a estudar e não tive tempo pra fazer isso, por quê? O quê que eles [comandantes] faziam? Eles trocavam você, se você tivesse trabalhando numa escala e era durante o dia, aí você estava estudando à noite e eles descobriam que você tava estudando à noite, aí colocavam você [pra trabalhar] à noite. E aí, quando descobriam que você passou pro dia, eles colocavam você durante o dia. Então, não tinha tempo, era desse jeito, eles faziam isso [...]. Então, eles faziam muito isso, usavam muito poder de coronelismo em cima, o militarismo em cima mesmo, pegava do RDE, do exército e pronto. Era sim senhor, não senhor, “quero ir preso”42 e acabou, e trinta e rua. Na época era desse jeito era 30 dias de cadeia e rua [...] vai indo a instituição não vai ajudando e você vai ficando chateado você vai deixando pra lá, vai deixando vai esquecendo e pronto, vira um fantoche. Foi o que muitos anos eu senti, depois e que eu consegui dá uma melhorada, mas era igual robôcop colocou a roupa e os equipamentos pra ir trabalhar pronto e acabou. Tinha dia que você vinha pra casa, você chegava, daqui a pouco, tinha que retornar pro serviço [...]. Não respeitava a sua folga de 12 por 3643, naquela época era 12 por 36, era

39

Nesse caso, o grupo minoritário não se refere à quantidade de pessoas, mas sim do ponto de vista social, ou seja, constitui-se grupos de pessoas excluídas e discriminadas pelo grupo hegemônico devido suas características étnicas, de gênero, sexualidade e socioeconômicas. 40 Na linguagem da PMDF, o “peba” ou “mala” é o delinquente que vaguea na rua esperando uma oportunidade para pratica algum delito. Além da vestimenta, outros elementos o caracterizam, como: os atributos físicos (como cor da pele, magreza, formato da cabeça), o andar vacilante (simulando estar armado), tatuagens mal feitas (geralmente feitas em presídios), bem como a simbologia associada essas tatuagens (tatuagem de palhaço – representa assassino de policial, tatuagem de Nossa Senhora – representa estuprador). 41 O “kit peba”, geralmente, é formado por roupas de grife. Quando trabalhava na Região Administrativa de Samambaia, em 2001, essa vestimenta era composta por bermuda da Cyclone, blusa da Adidas, boné com a pala reta, óculos de sol espelhado e chinelo Kenner. Além de petrechos, como brincos, anéis e colares. De certa forma, era uma maneira de ostentação na comunidade. No entanto, isso chamava a atenção da polícia por imaginar que esses produtos era comprados com recursos oriundos de práticas delituosas, devido o baixo poder aquisitivo da comunidade. 42 Essa expressão está no sentido conotativo, mas demonstra que a prisão administrativa na PMDF era uma prática comum dos dirigentes. 43 Quer dizer são 12h de trabalho por 36h de descanso. No entanto, não há pagamento de horas extras, nem banco de horas na PMDF.

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direto, praticamente, você não tinha folga, teve época que eu trabalhei o mês quase todo. (2º SGT da PMDF, 24 anos de serviço).

O 2º SGT exemplificou o austero controle institucional, à época, sobre a vida do policial. Essa forma de tratamento é tipo de ITs. Além disso, o 2º SGT também se desumaniza, quando diz que se sentiu como “fantoche” e “robôcop”, demonstrando uma forma de mortificação durante a carreira policial. Além disso, observa-se outro forma de mortificação, em que nas ITs se “[...] criam e matêm um tipo específico de tensão entre o mundo doméstico e o mundo institucional, e usam essa tensão persistente como uma força estratégica no controle dos homens” (GOFFMAN, 1974, loco citado). Foi perguntado ao 2º SGT qual era a parte do curso de formação que mais gostava, ele respondeu com certo saudosismo que gostava da união dos alunos. Essa união demonstra a característica dos internos desenvolverem um espírito de solidariedade. Nesse sentido, destaca-se: “Toda instituição total pode ser vista como uma espécie de mar morto, em que aparecem pequenas ilhas de atividades vivas e atraentes. Essa atividade pode ajudar o indivíduo a suportar a tensão psicológica usualmente criadas pelos ataques do eu” (GOFFMAN, 1974, p. 66).

Mas, no momento que lhe foi perguntado qual era a parte do

curso que menos gostava, ele pareceu desejoso pela pergunta: Agora sim, era a parte do rala, desnecessário! Porque em si só, eu acho que o próprio curso deixa você cansado. A parte de educação física é excelente pra todos nós. Acho que isso faz parte e tem que melhorar mesmo. Agora, a parte de rala, o rala que eu estou falando pra você, você entende porque você sabe o quê que é isso, o rala é o: ― sentado um, dois, de pé um, dois44. Ficar no sol determinada hora desde [...] 10h da manhã até 3h da tarde, duas e pouco da tarde, entendeu? Escutando ali o camarada lá na sombra falar asneira:― sentado um, dois, de pé um, dois; sentado um, dois, de pé um, dois. Porque realmente ele quis que você fosse pra lá para o sol. A companhia inteira ficar no sol pra refrescar a memória. Eles falavam desse jeito na época. Então, isso aí é rala! Isso aí deixa o camarada estressado [...]. Na realidade, eles formavam um monstrinho pra entrar na rua, pra sair quebrando o paisano. Então, você saia do curso, você já sairia já, em termo de gás, puto, doido pra explodir. Então, quer dizer isso é errado, eu acho errado (2º SGT da PMDF, 24 anos de serviço).

O “rala”45 mencionado pelo 2º SGT da PMDF representa parte do conjunto de humilhações, as quais os PMs é submetido durante a formação profissional. Na realidade, isso 44

Isso é chamado vulgarmente de “senta-levanta” pelos policiais militares. Alguns instrutores, às vezes economizam suas palavras e mandam o grupo de alunos fazerem esse movimento gesticulando. Assim, manda sentar e levantar acenado com a mão para cima e para baixo e vice-versa. 45 Esse jargão refere-se aos esforços excessivos que os policiais são submetidos sem uma aparente finalidade, pois nem sempre o internado tem noção dos objetivos institucionais das ITs. Isso também pode ser deduzido do treinamento militar em pista de obstáculos, onde o militar tem que subir em cordas, pular em fossos, rastejar entre o solo e uma rede de arame farpado, entrar em túneis e etc. Resumindo, o militar é submetido a essa atividade para simular uma situação real, essa é a justificativa. Assim, o calouro (militar na condição de aluno), saí da pista de obstáculos com várias escoriações, daí a origem do termo “rala”, ou seja, de ralar a tropa.

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se constitui parte do conjunto de “indignidades” 46 físicas comuns nas ITs. Nesse trecho da entrevista, o policial menciona claramente que o tratamento institucional dispensado aos seus discentes não tinha a intenção de oferecer uma formação profissional pra atividade policial. Pelo contrário, esse tipo de tratamento acaba por incitar a agressividade do policial contra o “paisano” (não militar). Assim, pela narrativa do policial nota-se que o processo de mortificação do policial durante a sua formação o estimula a práticas agressivas. Da mesma forma, após o seu ingresso nas IPMs, os novatos começam a sofrer transformações na sua “carreira moral” através de rebaixamentos, degradações, humilhações e profanações do eu. Assim, “[...] o seu eu é sistematicamente, embora muitas vezes não intencionalmente, mortificado” (GOFFMAN, 1974, loco citado). Quando perguntado como foi o curso de formação, ele descreveu: A formação da gente era só baseada em relação ao quê? Ao serviço de rua. O que você tinha que fazer e o RDE, em respeito aos próprios superiores, que eles só falavam a respeito disso e não deixava você ter acesso ao RDE, não tinha. Então, a formação da gente dentro da corporação foi baseada mais ou menos nisso daí. Baseado no militarismo mesmo, assim, oh! Puf! O negócio era igual você entrar no exército, vai aprender agora o militarismo e pronto. Não tinha o negócio de direitos humanos, igual hoje existe, e comunicação social num existe isso não, não existia antes [...] (2º SGT da PMDF, 24 anos de serviço).

O 2º SGT da PMDF descreve que a formação profissional teve dois focos: a prática da atividade policial e o adestramento militar. Este último, na verdade, trata-se também de forma de mortificação, em que: [...] o indivíduo pode ser obrigado a manter o corpo em posição humilhante, pode ser obrigado a dar respostas verbais também humilhantes. Um aspecto importante disso é o padrão de deferência obrigatória das instituições totais: muitas vezes, os internados são obrigados a, em sua interação social com a equipe diretora, apresentar atos verbais de deferência – por exemplo, dizendo “senhor” a todo momento (GOFFMAN, 1974, p. 30).

No entanto, O 2º SGT da PMDF compara a formação da PMDF com a do Exército. Nota-se, então, que a finalidade da instituição policial é distorcida, quando a doutrina militar deixa de ser uma forma de administração e torna-se um fim em si (SILVA, 2002). Consequentemente, os objetivos belicosos das Forças Armadas não atendem a demanda de uma polícia mais humanizada, cidadã e democrática, pois a natureza da ação policial é distinta desses objetivos. Ao contrário, essa construção identitária desumaniza o PM pelo processo de mortificação e o faz reproduzir essa subjugação com o civil (não-militar). [...] o novo integrante da Polícia Militar passa, desde cedo, a representar o civil de forma pejorativa. As constantes interações entre superiores e subordinados fazem com que os policiais construam uma visão hierarquizada das pessoas, estando o civil 46

Ver processo de mortificação do eu, Subseção 3.1.2.

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numa posição inferior à do militar, já que este último é portador de autoridade, enquanto aquele não. Essa visão hierarquizada, colocando o civil em desvantagem em relação ao militar, é o primeiro passo para a truculência policial militar, isto porque eles esperam que os civis se comportem como se fossem seus subordinados (SILVA, 2002, loco citado).

Destaca-se a formação do estigma que o internado constrói sobre si: “Quando o indivíduo adquiriu um baixo status proativo ao tornar-se um internado, tem uma recepção fria no mundo mais amplo [...]” (GOFFMAN, 1974, p. 69). Portanto, a prática da agressividade policial é, alguma medida, reflexo do processo de mortificação que ocorre com o policial militar ao longo de sua carreira. Em que há uma inversão dos papéis, pois o policial que antes era o subjugado perpetua essa prática no ambiente institucional subjugando o civil. O terceiro entrevistado foi um 3º Sargento (3º SGT) da PMDF, com 21 anos de serviço, morador da Cidade de Valparaíso de Goiás – GO. O policial ingressou na PMDF por ser uma oportunidade do emprego na época. No entanto, já havia participado de um curso de formação de soldado na Polícia Militar de Minas Gerais, mas não permaneceu para buscar melhores oportunidades de trabalho. Disse, ainda, que gostaria de sair da PMDF, mas permanece devido à dificuldade passar em outros concursos. O seu curso de formação teve duração de 4 meses, devido a urgência de novos policiais para reposição de efetivo. Então, Fez CFSd e CNP. Não fez nenhum curso de policiamento operacional ou especializado. Sobre o curso de formação, o policial descreveu: Foi um curso baseado mesmo, não em livros, mas um curso baseado em ordem unida, manuseio de armas e abordagem [...]. Hoje, eu acredito que já mudou muito tem mais um curso teórico, envolvendo leis, envolvendo muita coisa [...]. Há 21 anos atrás, não tava não, era pegar e jogar na rua mesmo (3º SGT da PMDF, 21 anos de serviço).

Outra vez, destaca-se o viés do paradigma burocrático-militar na formação profissional da PMDF. No entanto, evidencia-se a falta da abordagem teórica pela insegurança do policial. Sobre esse assunto, ele ainda destaca: Quantas e quantas vezes eu trabalhei na rua, mesmo não tendo aquele preparo intelectual aquela coisa, eu sempre procurei trabalhar da melhor maneira possível. Mas, isso vem de cada um e não é questão da polícia ser violenta, é questão de cada um se a pessoa tem aquela tendência de ser violenta. Ela vai aproveitar o embalo ali. Agora a pessoa de boa índole, ela já sabe, ela não vai fazer aquilo (3º SGT, 21 anos de serviço).

Essa falta de preparação descrita pelo 3º SGT da PMDF revela que na realidade mais do que perceber-se despreparado, o policial sente-se inferior aos demais cidadãos. Esse sentimento é retratado por Goffman (1974) como uma característica dos internados, assim: A baixa posição dos internados, quando comparada à que tinham no mundo externo [...] como resposta a isso, o internado tende a criar uma „uma história‟, uma tática,

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um conto triste – um tipo de lamentação e defesa – e que conta constantemente a seus companheiros, como uma forma de explicar a sua baixa posição presente (GOFFMAN, 1974, p. 63-64).

O quarto policial entrevistado é um Cabo (CB) da PMDF, com 12 anos de serviço, morador da Região Administrativa de Vicente Pires – DF. Ingressou na PMDF aos 24 anos de idade, motivado pelo salário, pela estabilidade do emprego público e pela carreira militar. Fez CFSd, Curso de Nivelamento de Praças, Curso de Policiamento Montado , Curso de Policiamento Ambiental – CPA, e Curso de Operações Lacustre – COL. O policial também fez o Curso de Tecnologia em Segurança e Ordem Pública (TecSOP) na Universidade Católica de Brasília – UCB. Sobre o curso de formação, o policial descreveu: Durante o curso de formação teve um dia que, porque o comandante perguntou se tinha voluntário pra uma determinada missão interna sem importância. A missão não era especial, nem nada, num tinha valor. Então, por causa que não apareceu nenhum voluntário a gente ficou, depois do expediente, lá por umas 8 horas da noite, inclusive com as femininas, rastejando no banheiro. Depois de todo mundo ter usado o banheiro a gente rastejou. Inclusive teve uma PFem47 que pegou doença até lá, nas partes íntimas depois. Então, eu achei aquilo lá um absurdo. Foi levado pro corpo de instrutores lá e nada aconteceu (CB da PMDF, 12 anos de serviço).

O CB da PMDF não teve acanhamento em falar dos constrangimentos que sofreu no CFSd. Na verdade, todos os policiais sofrem esse processo de mortificação, quando ingressam na PMDF, como descreve Goffman (1974): Os processos de admissão talvez pudessem ser denominados „arrumação‟ ou „programação‟, pois, ao ser „enquadrado‟, o novato admite ser conformado e codificado num objeto que pode ser colocado na máquina administrativa do estabelecimento, modelado suavemente pelas operações de rotina (GOFFMAN, 1974, p 26).

A questão é que nem todos têm a sensibilidade de identificar essas formas de violação do eu, uma vez que esse processo de mortificação se naturaliza pela sua prática continua. Além disso, o controle da instituição se estende à vida do policial, pois ele pode ser alcançado pelos regulamentos disciplinares mesmo não estando de serviço. Também é importante destacarmos que não é fácil para o policial expor suas memórias para esta pesquisa, mesmo que tenham algum vínculo de afetividade e confiança com o pesquisador. Quando perguntado se havia recebido orientação para cometer violência, ele respondeu: Falavam que o paisano é inimigo, recebi essa informação que o paisano é inimigo. Visão retrograda, que na minha opinião não condiz com a realidade. Tratar todos como inimigos da PM e de fato eles vão se tornar se assim eu agir [...] o próprio treinamento nosso já instiga a você, a você tratar o outro como um nada (CB da PMDF, 12 anos de serviço).

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Polícia Feminina na PMDF.

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Nessa resposta, o CB da PMDF percebe a visão estigmatizada que a instituição perpetua sobre os civis – “os paisanos”. Essa visão oriunda da cultura militar ainda continua arraigada no ambiente institucional da PMDF. Novamente, percebe-se a manutenção de práticas que fomentam a agressividade, pois se o “outro” é reconhecido como “diferente”, “estranho”. Ele também não é reconhecido, na prática, como detentor de direitos. Assim, mesmo que haja a previsão legal de que todos são iguais perante as leis. Essa garantia se relativiza diante das esferas de poder (socioeconômico, político e outras formas de relação poder). Dessa forma, percebe-se que o processo de mortificação aliena os PMs sobre a realidade do mundo externo, pois as barreiras impostas pela instituição ultrapassam as barreiras físicas, tornando-se barreiras simbólicas. Perguntado ao CB da PMDF como deveria ser caracteriza o tratamento ideal que o policial deveria ter durante o treinamento na PMDF, ele acrescentou: É como manda o regulamento da polícia militar, tem que ter hierarquia e disciplina, mas também o superior tem que ter cordialidade com os seus comandados. Então, se tivesse isso já era um grande passo. Tinha que respeitar não como um recruta do exército, mas sim como servidor público que vai trabalhar em prol da sociedade no dia-a-dia, não numa guerra. Porque é justamente essa formação de guerra e que está deixando a visão da polícia diferente, do que os doutrinadores dizem (Cabo da PMDF, 12 anos de serviço).

Assim, ocorre à desumanização do policial pelo processo de mortificação do eu durante a sua carreira profissional, especialmente, através da cultura militar de aparelhamento para guerra. No entanto, o policial percebe que, nas entrelinhas da sua resposta, a forma de tratamento institucional contribui para o comportamento agressivo dos PMs. Na resposta do entrevistado ainda evidencia-se o enfoque no modelo burocrático-militar de “combate a guerra” (PONCIONI, 2007). Pode-se observar que algumas práticas se naturalizam na cultura policial, principalmente, pela sua formação identitária construída no arquétipo militar, e não são perceptíveis nem aquém, em tese, possui formação técnica. Dessa forma, essa naturalização é típico das ITs: “Em nossa sociedade, (as instituições totais) são estufas para mudar pessoas; cada uma é um experimento natural sobre o que se pode fazer ao eu (GOFFMAN, 1974, loco citado). Por esse mesmo mecanismo de naturalização, há uma parcela significativa da sociedade aceita as práticas agressivas da polícia, assim: “Parte significativa da população do Rio de Janeiro vê na ação energética das polícias a solução para a violência urbana [...] 44%

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da população da cidade aceitava o uso de métodos violentos pela polícia” (COSTA, 2008, loco citado). No entanto, a práxis da agressividade policial só retroalimenta a violência urbana que, por sua vez, recrudesce as ações policiais. Ainda sobre os fatores que possam influenciar no comportamento agressivo dos policiais, foi perguntado ao CB da PMDF qual seria o outro motivo que estimulasse os policiais cometerem violência, ele respondeu: As frustrações cotidianas dele, na vida dele particular, e o treinamento. A falta de treinamento. Policial que entra e passa 12 anos sem ir num stand pra atirar, ele não se sente confiável de sacar a pistola, ele num tem confiança, não tem o treinamento físico, ele num tem o treinamento de alguma luta para dominar alguma pessoa sem precisar antes bater nessa pessoa pra deixá-la nocauteada. Falta técnica (CB da PMDF, 12 anos de serviço).

As frustrações mencionadas pelo CB da PMDF ultrapassam a esfera do mundo particular do policial, pois dentro das ITs há o rompimento dos obstáculos que separam as três esferas da vida. Assim, as pessoas passam a exercer todos os aspectos da vida no mesmo local, onde as atividades diárias são realizadas coletivamente atendendo um plano organizacional, com horário e regras rigosamente estabelecidos sob uma única autoridade (GOFFMAN, 1974, loco citado). Por essa razão, a barreira entre a vida particular do policial e uma linha de difícil distinção, pois o policial é condicionado a atender qualquer demanda de atendimento policial e outras solicitações. Além disso, é muito comum policial se vitimizar quando não estão de serviço, mas em razão do seu trabalho se acham investidos dessa obrigação. Isso, na realidade, é o papel que o policial assume de “super-herói” pelo ethos guerreiro da profissão. Pro outro lado, o policial sustenta suas ações sob dois paradigmas: a do policial que deve cumprir a lei (legalista) e a do policial que deve salvar a sociedade de seus males (heróico). O problema é que esses dois paradigmas não se complementam. Pelo contrário, geralmente, o policial extrapola a esfera da sua competência de legal, quando age no afã de fazer valer a lei ou desempenhar o seu papel de herói. O CB da PMDF ainda ressalta que a falta de treinamento contínuo para todo efetivo é um aspecto importante sobre o comportamento agressivo dos PMs, quer seja pela insuficiência técnica da formação e equipamentos, quer seja pela inexistência de um processo de manutenção e formação continua dos PMs do DF. Perguntado ao CB da PMDF se a aplicação doutrina militar na atividade policial pode, em alguma medida, contribuir pra violência policial, ele respondeu: “Pode, pode sim. À mediada que a pessoa é maltratada onde

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ele trabalha, ele vai transferir toda aquela frustração dele pro público externo” (CB da PMDF, 12 anos de serviço). Dessa forma, as frustrações do cotidiano e a precarização do trabalho policial podem ser inseridas como parte do processo de mortificação durante a carreira policial, uma vez que também acompanha a toda formação de sua carreia moral. Constata-se também que alguns policiais creem que a agressividade policial é fomentada durante a carreira profissional dos PMs, pois quando perguntado ao CB da PMDF se o policial reproduz ou pode reproduzir, em alguma medida, a violência que sofre dentro da PMDF, ele respondeu positivamente: “Pode reproduzir, pode reproduzir” (CB da PMDF, 12 anos de serviço). O quinto entrevistado é um Soldado (SD) da PMDF, com 4 anos e seis meses de serviço, morador da periferia da Cidade de Luziânia – GO. Ingressou na PMDF pela perspectiva salarial, pela carreira e pela afinidade com o regime militar, uma vez que já havia servido à Aeronáutica durante 4 anos. Fez o Curso de Formação de Praças – CFP e não fez nenhum curso de policiamento operacional ou especializado. Além disso, é licenciado em letras português e inglês. O SD da PMDF considera que a sua formação foi importante para o trabalho policial, diferente, dos 3 primeiros entrevistados que possuem mais de 20 anos de serviço prestados à PMDF. Sob esse aspecto, observa-se uma mudança na formação curricular (formal) oferecida pela instituição. No entanto, queixou-se dos horários vagos do curso e do desrespeito aos horários de término das atividades, especialmente, pelas longas formaturas militares que encerravam as instruções. Nesse ponto, fica claro a permanência das “indignidades” e “teste de obediência”48 próprias da ITs. Além disso, quando perguntado se existia uma cultura organizacional de depreciação ou inferiorização do público externo, ele respondeu: [...] Se a gente considera o civil inferior ou menos prestigiado que o policial militar? Eu acho que existe uma diferença muito grande. Não que isso seja uma depreciação, porque o paisano, como a gente chama. Ele nem sempre compreende como é o nosso cotidiano. Então, eu acho que pelo fato do paisano, do civil, não conhecer a atividade policial, eu acredito que a questão, eu acho que é até o contrário. Eu acho que é até o paisano que deprecia mais o policial militar do que o policial militar deprecia o paisano. Talvez, pelo fato de não conhecer a nossa atitude, a nossa atividade. Muitas vezes a nossa atividade tem que restringir alguns direitos dele. Ninguém gosta de ter os seus direitos restringidos e quando ele tem os seus direitos restringidos, ele acaba culpando o policial por isso ou xingando o policial, ou não gostando do policial ou querendo desrespeitar o policial. Então, quando o policial, ele utiliza alguns jargões, geralmente, é utilizado internamente, entre os próprios policiais. Mas, na rua, em geral, quando agente vai lá tratar com o cidadão, a gente 48

Ver Subseção 3.1.2 – Processo de “mortificação do eu”.

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trata ele de forma firme, dentro daquilo que ele está agindo, e respeitosa. Então, na rua, a gente chama o cidadão do senhor. Na abordagem, também, tanto é que, dificilmente, você vai ouvir o policial: − O seu peba, encosta aí. Então, geralmente: − Encosta cidadão, bora encosta. Então, geralmente, eu acho que essas palavras que utilizamos dentro da caserna é uma forma entre nós mesmos de identificarmos o peba e cidadão de bem. Mas, lá na rua a gente trata o cidadão com firmeza, mesmo ele sendo um marginal (Soldado da PMDF, 4 anos de serviço).

O SD da PMDF não reconhece que há uma cultura organizacional na PMDF de depreciação do público externo e considera que chamar de “paisano” é, simplesmente, uma forma de distinguir esse público. Pelo contrário, considera que o policial é que depreciado pelo “paisano”. Assim, o policial se considera inferiorizado pelo público externo. Nesse sentido, surgem as algumas transformações na sua carreira moral ao longo da sua trajetória profissional nas IPMs. Isso caracteriza também o processo de mortificação dos policiais (internados) que “Tendem a desenvolver-se um sentido de injustiça comum e um sentido de amargura contra o mundo externo, o que assinala um movimento importante na carreira moral do internado” (GOFFMAN, 1974, p. 56). Pelas narrativas analisadas dos PMs podemos eleger alguns fatores que contribuem para a agressividade policial: (a) a prática da agressividade pelos policiais é atribuída à herança cultural do período ditatorial, bem como da transmissão dos valores culturais da sociedade. No entanto, não há nesse estudo um apontamento que colabore com a hipótese do policial reproduzir um comportamento agressivo desejado pela sociedade, pois há um distanciamento entre aceitar as práticas agressivas e desejá-las como atividade legitima do trabalho policial. Dessa suposição surge outro questionamento para ser estudado: Será que o fato de alguns policiais atribuírem à prática da agressividade como herança dos valores culturais de uma sociedade sedenta de vingança, é na verdade uma justificativa legitimadora que o policial cria para que ele mesmo aceite esse comportamento perverso? (b) a agressividade policial também é fruto da visão estigmatizadora sobre grupos sociais de menor representatividade na sociedade – minoria social com baixo status – como os negros moradores de periferias. Assim, o olhar criminalizador do policial acaba por gerar a prática de agressividade, pois a definição do perfil do suspeito rotula algumas pessoas como infratoras e dessa maneira elas serão tratadas pela polícia; (c) o austero controle institucional sobre a vida dos policiais o desumaniza e gera nos PMs efeitos perversos que podem ser externalizados de várias formas, especialmente, a agressividade contra as pessoas de baixo status social. Dessa forma, o policial que antes era o oprimido passa a ser opressor, era o agredido passa a ser o agressor, era o subjugado passa a ser o subjugador. Ou seja, há uma reprodução dessa relação

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patológica institucional na sociedade. Na realidade, isso caracteriza o processo de mortificação do policial, que tem como outros efeitos como o adoecimento do policial, haja vista os elevados índices de morbimortalidade. Além das transformações na carreira moral do policial geradas pelos rebaixamentos, degradações e humilhações. Esse efeito perverso se manifesta pelo sentimento de inferioridade que os PMs tem em relação à sociedade. Além disso, esse efeito pode ser um elemento que contribui para a estigmatização do outro; (d) O conjunto de indignidades que os PMs recebem durante a sua trajetória profissional promovem transformações na sua carreira moral dentro das IPMs, que por sua vez incitam à pratica da agressividade contra a sociedade; (e) o foco do tratamento institucional de combate ao “inimigo” é uma característica do comportamento agressivo do policial; (f) a insuficiência técnica também é um fator que pode gerar práticas agressivas dos policiais; (g) entre os 5 PMs entrevistados 4 se veem como vítimas do processo de formação dispensado a eles pela instituição ao longo da carreira profissional.

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CONCLUSÃO Esta monografia buscou analisar as contribuições da PMDF, na construção do

comportamento agressivo dos PMs do DF. O estudo teve como ponto de partida teórico o conceito de mortificação do eu descrito por Goffman (1974), segundo o qual o processo de mortificação pode ter efeitos perversos nas pessoas. Portanto, foi analisado o processo de mortificação de alguns PMs integrantes da PMDF, o que constitui-se em descrever os mecanismos utilizados pela PMDF, verificando-se não apenas a estruturação e a aplicação da mortificação, mas, sobretudo, os seus efeitos práticos na atividade policial. Além de ser compreendido como parte da formação profissional nas Instituições Policiais Militares – IPMs, o processo de mortificação compõe a carreira profissional dos PMs e se inicia nos cursos de formação, mas também se concretiza no cotidiano dos quartéis, especialmente, na execução dos cursos operacionais ministrados pelos instrutores da instituição. Foi também realizada uma comparação da instituição PMDF com o conceito de Instituição Total – IT, cunhado por Goffman (1974). Assim, foram analisadas características institucionais da PMDF buscando-se semelhanças com as ITs, com finalidade de a caracterizá-la dessa forma. Do mesmo modo, foram analisadas as características dos PMs que demonstrassem o processo de mortificação. Assim, Albuquerque e Machado (2001) exemplificam como o ocorre o processo de mortificação nas IPMs: [...] se inclui dentro de um leque de experiências psicossociais patrocinadas pela instituição que promete, através da mortificação física e moral do eu, espírito de corpo, força e lugar. Ela se desenvolve [...] dentro de um espaço-tempo marcado pela densidade de significados e intensidade de conteúdos e se utiliza de uma dramaturgia na qual emerge, com ferocidade, a fenomenologia da violência sobre o corpo do iniciado (ALBUQUERQUE; MACHADO, 2001, loco citado).

Então, a principal pergunta que se fez foi: qual será a contribuição da PMDF para a agressividade policial habitualmente praticada pelos seus agentes? Assim, a primeira consideração sobre a construção do comportamento agressivo foi sobre os outros elementos que poderiam contribuir para essa prática. Logo, o foco da pesquisa foi direcionado para a formação profissional dos PMs, bem como a influencia da cultura institucional no comportamento dos seus agentes. A segunda reflexão foi considerar os outros fatores que influenciam na prática do trabalho policial como as condições de trabalho as quais o policial é submetido e o controle que da atividade policial. Além disso, a pouca transparência das ações policiais e fraco controle externo (BAYLEY, 2001; MINAYO; ADORNO, 2013), o modus operandi dos

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PMs, o efeito de homogeneização na construção da identidade dos PMs (SILVA, 2002; MONJARDET, 2003), a crise de identidade das IPMs (MUNIZ, 2001; PONCIONNI 2007), a estigmatização e rotulação do público externo pelos PMs (MUNIZ; PAESMACHADO, 2000; SILVA, 2002; CARUSO, 2015), as falhas no processo de formação (PONCIONI, 2007) são fatores que colaboram para a construção do comportamento agressivo dos PMs. Também se percebe o crítico cenário que a instituição policial está envolvida, pois o confronto direto da polícia a novas e antigas formas de crime, ao tráfico de armas e mercadorias, delitos de ordem financeira e crimes de internet, bem como o a proteção de grupos de vulneráveis (crianças, adolescentes, mulheres, idosos e homossexuais) constituem-se parte das demandas de uma polícia humanizada, cidadã e democrática (MINAYO; ADORNO, 2013). Outros fatores que contribuem para construção desse cenário e a percepção do aumento da violência e agressividade policial pela a conscientização das pessoas sobre cidadania e pela ampliação do conceito de segurança, além da exigência de instituições policiais mais profissionalizadas (MINAYO; ADORNO, 2013). Verificou-se que o ambiente organizacional da PMDF contribui também para a construção do comportamento agressivo dos PMs, pois ele passa pelo processo de mortificação. Podem-se constatar seus efeitos na narrativa da praça entrevistada sobre o curso de formação: Na realidade, eles formavam um monstrinho pra entrar na rua, pra sair quebrando o paisano. Então, você saia do curso, você já sairia já, em termo de gás, puto, doido pra explodir. Então, quer dizer isso é errado, eu acho errado (2º SGT da PMDF, 24 anos de serviço).

Outro efeito do processo de mortificação é a alto índice de morbimortalidade dos PMs como destacaram Souza e Minayo (2005), em especial, o maior adoecimento da base organização das IPMs como destaca Silva e Vieira (2008). O processo de mortificação também contribui na construção do comportamento agressivo dos policiais pela formação da identidade profissional, pois esta se dá principalmente pela estigmatização do “outro”, o “não-militar”, o “paisano”, o “peba”. Pode-se verificar esse fato na narrativa da praça entrevistada sobre o treinamento tipo de treinamento recebido durante o curso: Falavam que o paisano é inimigo, recebi essa informação que o paisano é inimigo. Visão retrograda, que na minha opinião não condiz com a realidade. Tratar todos como inimigos da PM e de fato eles vão se tornar se assim eu agir [...] o próprio treinamento nosso já instiga a você, a você tratar o outro como um nada (CB da PMDF, 12 anos de serviço).

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Dessa forma, a rotulação da parcela marginalizada da sociedade faz com que as agências policiais contribuam ativamente na para o aumento da criminalidade (MUNIZ; PAES-MACHADO, 2010). Assim, os policiais aumentam as possibilidades de conflitos e, consequentemente, as oportunidades de praticar da agressividade, principalmente, por considerarem o “peba” um indivíduo desprovido de direitos. O modelo profissional da polícia fundamentado nos paradigmas burocrático-militar e legalista também possui uma contribuição no comportamento agressivo dos policiais pela perspectiva de declarar “guerra contra o crime” (PONCIONI, 2007). Ainda sobre a questão da agressividade policial, destaca-se a importância do controle da atividade policial. Assim, considerando-se as exposições de Bayley (2001) sobre o assunto, o controle mais apropriado para a sociedade brasileira é o controle externo, pois é o mecanismo que uma sociedade contratual e individualista deposita mais confiança. Da mesma forma, a sensação dos PMs é que esse tipo de controle, “externoinclusivo”, é o mecanismo mais eficiente para combater as práticas abusivas como a agressividade, principalmente, pelo controle das mídias de massa que publicizam os desvios de conduta dos policiais. Sobre o trabalho policial, Minayo e Adorno (2013) destacam alguns problemas enfrentados pelas organizações policiais como: (a) a deterioração da vida social; (b) o aumento e sofisticação do crime no mundo; (c) o aliciamento de jovens para a atividade criminosa; (d) o aumento do número de armas e de maior letalidade na sociedade civil; (e) a insuficiência de investimentos do Estado nas instituições policiais. Esses problemas tornam o trabalho policial cada vez mais complexo e reforçam a atuação repressiva da polícia. Assim, a atuação repressiva das organizações policiais reforça a criminalidade. Alguns questionamentos do trabalho não foram respondidos, mas serviram para uma forma de reflexão sobre a questão da prática cultural da agressividade pelos policiais brasileiros. Outras, no entanto, foram possíveis de responder: 1. Como as instituições do Estado, que são responsáveis para assegurar os direitos e garantias constitucionais, contribuem com índices expressivos de agressividade? As instituições policiais, por exemplo, contribuem com os índices de agressividade devido à perpetuação dos paradigmas burocrático-militar e legalista, que acabam por fomentar uma cultura de segregação que discrimina, estigmatiza e rotula a sociedade. Além do mais, esse modelo policial acaba por promover o processo de mortificação dos seus integrantes, que podem

é

expresso

de

duas

formas:

pelas

práticas

agressivas

culturalmente

institucionalizadas nas IPMs e pelos elevados índices de morbimortalidade da profissão.

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2. Será que não estamos diante de um ciclo contínuo, em que a perpetração da cultura militar na formação policial trás consigo um processo de reprodução de agressividade a partir do processo de “mortificação do eu” do policial? Do mesmo modo, será que esse processo de mortificação acompanha o policial durante toda carreira? Sim, a perpetuação da cultura militar retroalimenta as práticas agressivas, principalmente, pelo processo de mortificação dos policiais. Além do mais o peso inercial das instituições policiais as fazem perdurar. E ainda o processo de mortificação não se limita ao período de iniciação do policial, pois as IPMs promovem outros momentos em que o policial é constrangido, subjugado e humilhado. Esse trabalho não teve a pretensão de responder as várias motivações da agressividade policial, apenas tentou estabelecer a contribuição das IPMs na construção desse comportamento. Assim a reprodução dessa prática cultural se naturaliza entre os policias como forma legítima e própria da atividade policial. No entanto, foi possível chegarmos a algumas conclusões: 1. O atual modelo policial adotado no Brasil não atende a demanda de uma polícia cidadã, humanizada e democrática devido às várias violações de direitos e garantias que as pessoas sofrem quer seja pela ação do Estado – por exemplo, como as práticas agressivas dos policias – quer seja sua omissão – quando permite que poderes paralelos também utilizem a força física contra as pessoas para controle de alguns espaços sociais; 2. O policial acaba por ser desumanizado pelas IPMs devido o processo de mortificação que sofre ao longo da sua trajetória profissional. Logo, não é possível manter-se um modelo policial em que nem o próprio policial tem a sua dignidade respeitada; 3. Os paradigmas burocrático-militar e legalista contribuem para o aumento da criminalidade, devido o foco belicoso de guerra “contra o crime”. Assim, a desmilitarização das IPMs não se constitui como a solução dos problemas de segurança pública, mas, é uma medida a ser adotada; 4. Todo efetivo das IPMs passa pelo processo de mortificação em algum momento da carreira, quando não percorre toda a trajetória profissional. Até os dirigentes das IPMs passam por esse processo e demonstram os seus efeitos. No entanto, os dirigentes sabem que no futuro terão a oportunidade de mudarem seu status na IPM. Percebe-se que assim suportam melhor esse processo aguardando o momento de superação, em que pensam que vão superar o domínio das ITs, chamado por Goffman (1971) de “viração”.

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ANEXO A - ROTEIRO DA ENTREVISTA INGRESSO NA PMDF 1) Com quantos anos o senhor ingressou na PMDF? 2) Quanto tempo trabalha na PMDF? 3) Em quais unidades trabalhou? a. Está satisfeito em servir na atual unidade, em que está lotado? 4) Realizou cursos de policiamento especializado ou cursos operacionais? a. Senhor se sente subutilizado pela PMDF? 5) Por que senhor decidiu ingressar na PMDF? a. Quais foram as motivações principais? b. Quais as expectativas que senhor tinha quanto ao trabalho a ser desempenhado? c. Teve alguma frustração com o trabalho? d. Senhor tinha parentes ou amigos na PMDF? FORMAÇÃO PROFISSIONAL 1) Como foi o seu curso de formação na PMDF? a. Em sua opinião, em quais momentos ocorre a preparação/aprendizado do policial militar para exercer o seu trabalho? b. Como era o seu dia-a-dia? (Descreva-o) c. Fez algum outro curso para ser promovido? Quais? Como foi? 2) Qual era a parte dos cursos de formação que senhor mais gostava? 3) Qual era a parte dos cursos de formação que senhor menos gostava? 4) Senhor pode me contar uma história na qual foi desrespeitado/depreciado/subjugado durante os cursos de formação e operacionais? (experiência/exemplo) 5) O que diferencia a formação profissional da PMDF de outras instituições? Por quê? (comparação/contraste) a. Fez alguma atividade inútil durante os curso de formação? (Relate) 6) Como senhor caracterizaria o tratamento ideal durante o treinamento na PMDF? a) O que mudou? Como senhor se sentiu em relação a isto? 7) Na PMDF, tanto no período dos cursos de formação, como durante o cotidiano dos quartéis, o senhor recebeu alguma orientação para cometer violência? Contra o “paisano”, o “peba”? 8) Em sua opinião, o policial militar do DF é violento? a. O que pode estimular a violência no policial militar?

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b. A índole, o caráter, o período de formação, o contato com comunidades menos educadas ou pobres? a. Em sua opinião, o treinamento profissional da PMDF estimula a violência contra a sociedade? 9) Em sua opinião, aplicação da doutrina militar na atividade policial pode, em alguma medida, contribuir para a violência policial? a. O senhor sofreu alguma forma violência moral, psicologia e/ou física durante a formação ou carreira profissional? (Alguma estória de humilhação verbal, por exemplo) b. Tomou choque, respirou gás de pimenta, recebeu o treinamento com espargidores? (Como foi?) 10) Em sua opinião, o policial reproduz ou pode reproduzir, em alguma medida, a violência que sofreu dentro da PMDF? 11) Algum familiar, amigo ou pessoa próxima relatou alguma mudança de comportamento do senhor depois do seu ingresso na Polícia Militar do Distrito Federal? a. O senhor ficou mais destemido, em qual fase da carreira profissional ocorreu? b. O senhor ficou mais intolerante, impaciente ou com comportamento explosivo? 12) Em sua opinião, existe uma cultura organizacional de depreciação/inferiorização o público externo? (por exemplo, quando se chama de “paisano”, “peba”) 13) Já se sentiu humilhado, constrangido ou subjugado por superiores hierárquicos? a. Qual foi a sensação? (descreva) b. Sentiu vontade de bater em alguém? 14) Já teve que fazer alguma atividade ou cumprir alguma determinação, aparentemente, sem finalidade com atividade policial? (descreva) a. Qual foi o sentimento? 15) Tem alguma informação importante que o senhor gostaria de acrescentar nossa entrevista?

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