O professor reflexivo e sua formação continuada: a sala de aula como fonte de objeto de pesquisa.

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Anais do I Colóquio Internacional de Formação Inicial 2012 e Continuada de Formação de Professores de Línguas Estangeiras Luciana Braga Carneiro Leão O professor reflexivo e sua formação continuada: a sala de aula como fonte de objeto de pesquisa. Fundação de Apoio à Escola Técnica (FAETEC) [email protected]

Resumo: Esta comunicação tem por objetivo apresentar a sala de aula como uma rica fonte de objetos de pesquisa ao professor reflexivo. Entende-se por professor reflexivo (Schön, 1987) aquele que, ao observar e analisar criticamente a sua prática e sua sala de aula, busca novas formas de implementá-las e melhorá-las de maneira autônoma, emancipando-se de seguir à risca determinada metodologia ou material didático. Dessa forma, a sala de aula pode inspirar pesquisas e despertar o interesse do professor-pesquisador em dar prosseguimento à sua formação em cursos de pós-graduação, extensão e aperfeiçoamento, dentre outros. Em contrapartida, os resultados de sua pesquisa poderão prover melhora para a sua prática. Como exemplo, apresentamos uma pesquisa conduzida durante curso de pós-graduação em linguística aplicada ao ensino de inglês. Seu tema surge a partir dos relatos de alunos, durante aulas de inglês de ensino fundamental e curso livre, sobre os métodos que utilizavam para a aprendizagem da língua fora da sala. Esses divergiam bastante da forma conduzida em sala. Enquanto a professora utilizava métodos tradicionais de ensino de vocabulário e gramática, com o auxílio de livros didáticos, os alunos frequentemente relatavam alcançar, com sucesso, o mesmo conhecimento através de tecnologias utilizadas no cotidiano como formas de lazer, e.g. vídeo games, filmes e séries. A frequência com que esse relato se repetia despertou atenção e interesse da professora que, a partir de então, busca compreender através de sua formação continuada como essa aprendizagem se dava e como esse quadro poderia ser estendido para promover ainda maior aprendizagem de língua inglesa. Focou-se então nos vídeo games de RPG, pois, além de oferecerem uma grande quantidade de insumo (Krashen, 1981), imerso em um ambiente multimodal (Kress, 2004), proporcionam retroalimentação corretiva (Lyster & Ranta, 2007). Esses jogos possibilitam ainda um filtro

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Anais do I Colóquio Internacional de Formação Inicial 2012 e Continuada de Formação de Professores de Línguas Estangeiras afetivo baixo e alta motivação (Krashen, 2004) para extrair sentido, mesmo que sejam apresentados em uma língua que o aprendiz não domina. Assim, a motivação gerada não só permitiria acesso à aquisição através de materiais autênticos (Nostrand, 1989), como também estimularia o aprendiz a continuar se engajando nessas atividades, o que o proveria autonomia (McGarry, 1995) e, consequentemente, insumo e aquisição contínuos. Palavras-chave: Ensino reflexivo; ensino/aprendizagem; língua inglesa; vídeo games. 1.

Introdução

A qualificação profissional em nível de pós-graduação tem despertado, cada vez mais, o interesse dos profissionais da área de ensino. Mais do que um veículo para progressão salarial, as pós-graduações possibilitam uma expansão do campo de visão crítica dos professores no que tange todos os elementos da sala de aula, i.e., ambiente, alunos, conteúdo, metodologias etc. Esses profissionais buscam mais do que um guia atualizado para sua prática, procuram maneiras de se tornarem autônomos na percepção e melhoria de seu serviço. Nesse sentido, uma das questões mais discutidas atualmente no campo da educação e em especial no ensino de línguas é o ensino reflexivo. Os professores vêm percebendo questões em suas práticas que podem ser desenvolvidas, aperfeiçoadas ou reformuladas e buscam, no campo acadêmico, pesquisá-las e compreendê-las. Após esse processo, eles podem então não só desenvolver teorias e aplicar à sua sala de aula, mas também apresentálas ao meio acadêmico para compartilhar seus resultados com outros profissionais. Configura-se, assim, um movimento cíclico, em que a sala de aula se apresenta como uma rica fonte de objetos de pesquisa ao professor reflexivo, e da mesma forma, a pesquisa do professor reflexivo resultará na melhoria e o desenvolvimento de sua prática. Essa reciprocidade é altamente benéfica a todos os sujeitos envolvidos no processo, i.e., tanto os pertencentes do ambiente de ensino/aprendizagem quantos aqueles do ambiente acadêmico.

2.

O professor reflexivo e a visão crítica de sua prática

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Anais do I Colóquio Internacional de Formação Inicial 2012 e Continuada de Formação de Professores de Línguas Estangeiras Entende-se por professor reflexivo (Schön, 1987) aquele que, ao observar e analisar criticamente a sua prática e sua sala de aula, busca novas formas de implementá-las e melhorá-las de maneira autônoma, emancipando-se de seguir à risca determinada metodologia ou material didático. A sala de aula, portanto, pode inspirar pesquisas e despertar o interesse do professor-pesquisador em dar prosseguimento à sua formação em cursos de pós-graduação, extensão e aperfeiçoamento, dentre outros. Em contrapartida, os resultados de sua pesquisa poderão prover um melhor desenvolvimento de sua prática. A pesquisa aqui apresentada foi conduzida durante curso de pós-graduação, em nível de especialização, em linguística aplicada ao ensino de inglês como língua estrangeira. Seu tema surge a partir dos relatos de alunos, durante aulas de inglês em ensino fundamental e curso livre, sobre os métodos que utilizavam para a aprendizagem da língua fora da sala. Enquanto a professora utilizava métodos tradicionais de ensino de vocabulário e gramática, com o auxílio de livros didáticos, os relatos dos alunos demonstravam que os métodos utilizados para a aprendizagem da língua estrangeira fora da sala divergiam bastante da forma conduzida em ambiente escolar. Os alunos relatavam alcançar, com sucesso, o mesmo conhecimento ensinado de maneira formal em sala de aula, através de tecnologias utilizadas no cotidiano como formas de lazer, e.g. vídeo games, filmes, séries e internet. Nesse uso, a língua deixa de ser o principal objetivo, para ser um efeito colateral, pois seria apenas um meio pelo qual o jogador alcançaria seu real objetivo, i.e., jogar e concluir o jogo. Ainda assim, o aluno é capaz de reorganizar e empregar o conhecimento de língua inglesa adquirido através dessas atividades. Isso significa que, mesmo sem o foco na língua e sua forma, o aluno, dessa forma, a utiliza competentemente e constrói conhecimento da mesma para uso posterior. Trazer uma música para a sala de aula às vezes como alternativa para o quadro negro e giz não é mais inovador e motivador como antes. Os alunos de hoje em dia estão cercado por todos os tipos de mídia em seu cotidiano (Niebielski, 2006). Essas diferentes mídias proveem aos alunos grandes quantidades de informação vindas de um mundo dinâmico fora da sala. Consequentemente, os professores não apenas possuem uma nova ferramenta em mãos, como também surge uma demanda pelo conhecimento e uso dessas tecnologias como maneiras de oferecer aulas mais dinâmicas e motivadoras.

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Anais do I Colóquio Internacional de Formação Inicial 2012 e Continuada de Formação de Professores de Línguas Estangeiras Com seu interesse despertado por esses relatos, a professora busca compreender, através de sua formação continuada, como essa aprendizagem se dava e como esse quadro poderia ser estendido para promover ainda maior aprendizagem de língua inglesa. Focou-se então nos vídeo games, por ser o método mais destacado pelos alunos da faixa etária em que lecionava (10-18 anos), e por parecer apresentar uma gama de aspectos positivos para a aprendizagem de língua estrangeira (LE).

3.

A aprendizagem de LE através de jogos de vídeo game

Os aprendizes parecem procurar suprir a distância das comunidades falantes da língua que estudam através do uso de tecnologias presentes em seus cotidianos. No entanto, os pontos positivos do uso da tecnologia como fonte e campo de uso da língua alvo, vão muito além de um simples fornecimento de vocabulário. Essas mídias são verdadeiros facilitadores do processo de aprendizagem da LE, tanto em nível linguístico, i.e., questões formais e o uso de diversos canais de compreensão, quanto pedagógico, i.e., questões de auto estima, auto confiança, motivação para aprender e autonomia.

Ao fazer uso dos recursos tecnológicos e vislumbrarem a utilidade de maneira objetiva e prática da língua inglesa, os educandos ganham, não apenas em aprendizagem, mas também, em auto-estima, autoconfiança, motivação para aprender e tendem a apresentar comportamento de autonomia e disposição frente ao processo de aprendizagem. (Niebielski, 2006).

Na pesquisa aqui apresentada, focamos nos jogos de vídeo game, e mais especificamente no gênero RPG (role-playing games). A razão pela qual focar especificamente em jogos de vídeo game de RPG é que, primeiramente, esses oferecem grande quantidade de insumo. Tal termo encaixa-se na definição dada por Krashen (1981) para insumo compreensível, ou seja, aquele que apresenta vocabulário comum, frases curtas e mínimo ou nenhum uso de gírias; o que o autor indica como excelente para a aquisição linguística. Ele dá-

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Anais do I Colóquio Internacional de Formação Inicial 2012 e Continuada de Formação de Professores de Línguas Estangeiras se através da fala (apresentadas em legendas) de personagens não-jogadores – i.e., personagens de inteligência artificial simulados pelo próprio jogo – que costumam dar dicas, indicar caminhos e delegar tarefas e missões; através de objetos encontrados ao longo do jogo como livros, cartas, placas e outros que contém texto; ou mesmo através de instruções diretas dadas pelo jogo. Além disso, o ritmo de recebimento de informação textual é controlado pelo próprio jogador, que permite a continuidade do texto através do seu joystick, o que o autor também considera como ideal para um insumo compreensível. Outro fator encontrado nesses jogos é a multimodalidade, i.e., a apresentação de informações através de diversos canais, e.g. texto, imagem, som, movimento, etc. Essa redundância de informações permite o uso de diferentes caminhos cognitivos, que resultarão em compreensão textual e aprendizado lingüístico. Se o jogador não reconhece uma palavra escrita, por exemplo, os outros modos que são apresentados em concomitância compensam a falta desse conhecimento lexical, possibilitando a inferência dessa palavra desconhecida. Consequentemente, um ambiente multimodal permite uma leitura menos trabalhosa e com menor necessidade de conhecimento prévio, já que existem naquele outras formas de inferência. Além disso, uma menor quantidade de energia é gasta no processamento, reduzindo-se o alto esforço cognitivo ao qual os aprendizes de LE são submetidos. A multimodalidade presente nesses jogos possibilita ainda o foco no sentido da mensagem em vez da sua forma. É ela que ajuda o jogador a fazer sentido do texto, mesmo que apresentado em uma língua que ele não domina e repleta de vocabulário que ele desconhece. Esses diferentes modos de representação podem apresentar-se nos jogos de vídeo game de RPG como imagens, sons, pequenas cenas – conhecidas como cut scenes, i.e., trechos em que narrativas são apresentadas através de cenas em movimento, tal qual um pequeno filme –, dentre outros, que ilustram os textos, facilitando a compreensão e permitindo a inferência de itens lexicais desconhecidos pelo jogador, e a especificação ou ampliação de sentido. Além disso, os videogames de RPG proporcionam retroalimentação corretiva e imediata para escolhas feitas em momentos decisivos. A retroalimentação é uma ação necessária no ensino de línguas, porém sempre foi uma situação difícil de ser trabalhada, uma vez que o

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Anais do I Colóquio Internacional de Formação Inicial 2012 e Continuada de Formação de Professores de Línguas Estangeiras professor deve ser extremamente cuidadoso em como fornecê-la. Isso porque a exposição da falha ou falta de conhecimento do aluno pode desmotivar ou aumentar o filtro afetivo do aluno, podendo até mesmo resultar num bloqueio à língua (Lyster & Ranta, 2007). No caso dos vídeo games, é necessário que o jogador compreenda as informações corretamente, ou ele não será capaz de completar suas missões ou mesmo poderá vir a se encontrar em uma situação problemática como resultado de suas escolhas erradas. No entanto, as retroalimentações negativas que encontramos nesse gênero são altamente criativas e, de forma geral, cômicas ou no mínimo curiosas. Isso reduz o estresse do aprendiz perante o erro, e principalmente receio de errar. Os jogadores se divertem com as reações e consequências dos seus equívocos, e ainda assim tomam ciência desses. Nesse processo são geradas pistas cognitivas altamente revocáveis do significado correto do insumo recebido. Além disso, como nos vídeo games o jogador pode repetir a ação em caso de erro, lhe é permitido checar hipóteses. Essa checagem poderá ser não apenas da compreensão da situação e da tarefa como um todo, como também de suas inferências e compreensões linguísticas, o que, de acordo com Purushotma, Thorne & Wheatley (2009), “forma fortes experiências de aprendizado através do erro.” Esse efeito é ideal para a aquisição linguística uma vez que, conforme Lyster & Ranta (2007) indicam, a falha é o melhor caminho para a aquisição. Mais uma questão contornada pela aprendizagem através de jogos de vídeo game é a que tange a afetividade. A teoria do filtro afetivo de Krashen (1981) aponta que o aprendiz deve estar “aberto” para que o insumo seja recebido. Esse nível de disposição seria representada por um filtro afetivo, uma barreira que impede a aquisição de língua mesmo quando o insumo é disponibilizado. Em um ambiente de sala de aula, ou qualquer outro ambiente de aprendizagem, o aprendiz pode se sentir pressionado a compreender o conteúdo corretamente. Nessas circunstâncias, o filtro afetivo do aluno pode ser elevado, bloqueando parte – senão todas – as informações. Inversamente, um aprendiz com atitude positiva em relação à língua alvo e seu processo de aprendizado tem seu filtro afetivo diminuído, permitindo o recebimento de insumo. Os jogadores de vídeo games possuiriam um baixo filtro afetivo, uma vez que o objetivo não é a língua em si, mas, em vez disso, o ato de jogar – a

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Anais do I Colóquio Internacional de Formação Inicial 2012 e Continuada de Formação de Professores de Línguas Estangeiras língua é apenas um meio para tal. Além disso, como se trata de uma atividade que ele próprio escolheu se engajar e não há pressão para ter sucesso nela, o aprendiz se sente mais confortável em assumir riscos e até mesmo falhar algumas vezes antes de acertar. Assim sendo, esses jogadores seriam aprendizes mais motivados. Uma pessoa altamente motivada com relação à língua alvo é aquela que possui grande interesse em adquiri-la e que não se sente pressionada a tal, o que significa um baixo filtro afetivo. A instrução baseada em atividades que são motivadoras para os alunos os ajuda a superar o bloqueio que um filtro afetivo alto pode causar. A motivação resulta em maior oportunidade de receber e internalizar o insumo, além do fato de que, muitas vezes, uma pessoa motivada sequer percebe se está compreendendo tudo ou não, pois sua atenção está voltada para atividade como um todo, que lhe é agradável, não ao nível de acerto no uso da língua. Ao jogar vídeo games, a motivação é alta, já que o jogador estaria se engajando em uma atividade de escolha própria. O interesse pessoal em avançar no jogo o leva a se esforçar para compreender a língua, e, com a percepção de sucesso nesse esforço – por se perceber capaz de compreender e prosseguir com o jogo – surge uma fonte de mais motivação a persistir nessa empreitada. Consequentemente, jogar vídeo games aumenta a motivação do aluno para compreender e mesmo aprender a língua alvo. Finalmente, o jogo de vídeo game é um material autêntico. Segundo Morrow (1977), “um texto autêntico é um trecho de linguagem real, produzido por um falante ou escritor real para uma audiência real, e elaborado para transmitir uma mensagem de qualquer tipo”. Ele é usado para fins comunicativos legítimos, onde o escritor tem certa mensagem a ser passada ao leitor. O aprendiz estaria lidando, então, com textos que foram escritos com o propósito de comunicar determinada informação, em vez de textos desenvolvidos artificialmente para ilustrar algum conteúdo linguístico específico. Além disso, de nada adianta um texto elaborado para fins reais de comunicação, trazido para a sala de aula, pois, conforme Hutchinson & Waters (1987), “um texto só pode ser autêntico (…) dentro do contexto em que foi escrito originalmente.” Isso porque, quando inserimos um texto, mesmo que originalmente autêntico, à sala de aula, o contexto muda, ou seja, sua autenticidade é destruída. E o grande risco dessa transferência de ambiente é que caso um texto autêntico de

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Anais do I Colóquio Internacional de Formação Inicial 2012 e Continuada de Formação de Professores de Línguas Estangeiras uma cultura seja apresentado a um aluno de outra cultura, ao menos que ele seja apresentado em um contexto autêntico que deixe claro precisamente o que ele exemplifica, uma falsa impressão pode ser transmitida ao aluno (Nostrand, 1989). Portanto, se não podemos recriar por completo a autenticidade dos textos que usamos em sala, a solução natural é utilizar o ambiente e o contexto autênticos para prover ao aluno um uso da língua alvo cem por cento autêntico. Já a atividade de jogar vídeo games é por completo autêntica. Os textos dos vídeo games de RPG são desenvolvidos para o propósito de entretenimento, não para o ensino de línguas. E o ato de jogar permanece como objetivo real e principal, sendo a língua apenas um meio para tal, e sem que haja um momento em que seja feita análise das formas linguísticas. Com isso, atividades como o jogo de vídeo game implicam em “uma experiência mais autêntica do que o uso de dados linguísticos autênticos usados em atividades de ensino de língua genuinamente voltadas para o uso, significação e aquisição de estruturas da língua” (Purushotma, Thorne & Wheatley, 2009). Uma vez que o aprendiz está motivado, recebendo uma grande quantidade de insumo, através de um material autêntico, cercado de multimodalidade e com o filtro afetivo baixo, uma aquisição linguística maior e mais sólida é provável. Esse cenário se apresenta como uma clara demonstração da teoria de que “quanto mais insumo compreensivo uma pessoa recebe em situações de baixo nível de estresse, maior competência linguística essa pessoa desenvolverá” 138 (Krashen, 1981). Além disso, a motivação gerada também estimularia o aprendiz a continuar se engajando nessas atividades, o que o proveria autonomia, e, consequentemente, insumo e aquisição contínuos. O uso de videogames de RPG para fins de aquisição linguística ajuda, ainda, a treinar os alunos no uso de seu conhecimento prévio de situações reais para o aprendizado e aquisição que vão além do ambiente de sala de aula. Essa situação está de acordo com o que propõe Krashen (1981) de que “o papel do ensino de segunda língua ou língua estrangeira é o de levar o aluno a um ponto em que ele possa começar a usar o mundo fora da sala de aula para mais

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Tradução minha. “the more comprehensible input one receives in low-stress situations, the more language competence that one will have”.

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Anais do I Colóquio Internacional de Formação Inicial 2012 e Continuada de Formação de Professores de Línguas Estangeiras aquisição de segunda língua”139. O aprendiz passa a estar preparado tanto no sentido de que será competente para se comunicar e compreender, quanto no sentido de que terá autonomia para tirar proveito das situações autênticas de uso para expandir cada vez mais seu conhecimento da língua.

4.

A reflexão que gera mais questionamentos.

Durante a observação crítica, reflexão e desenvolvimento da pesquisa, o professorpesquisador pode acabar por se deparar com outras questões que se desencadeiam da questão inicial. A busca por solução dessas pode não apenas clarificar algum ponto da pesquisa em sim, como também complementá-la, enriquecê-la e mesmo expandi-la. O primeiro questionamento decorrente da pesquisa apresentada acima foi o de por que jogar na LE e não na língua materna (LM). E o que, a princípio pareceria oferecer grande risco à hipótese e todo o intuito da pesquisa, tornou-se algo bem claro e até simples. Com o inglês como língua global (Crystal, 1997), todos os lançamentos internacionais dos jogos de vídeo game são feitos nessa língua. Os jogadores passam a ter duas opções: Jogar imediatamente em inglês, ou esperar até que uma versão em sua língua materna seja lançada. A grande maioria deles decide por jogar em inglês, para que não tenham que esperar mais tempo e também para que outros jogadores não lhes contem antecipadamente o que acontece no jogo ou entreguem pontos cruciais do enredo. Uma segunda questão que então surge é a de por que os jogos educacionais não alcançam o mesmo sucesso entre os alunos. Desenvolver um jogo de vídeo game que abrangesse tarefas que levassem à aprendizagem de inglês como LE seria o caminho natural. Muitas empresas, inclusive, têm desenvolvido uma considerável quantidade desses jogos nas últimas décadas. No entanto, essas propostas “representam apenas metodologias e atividades já comuns em sala de aula apenas reproduzidas no meio digital” (Purushotma, Thorne & Wheatley, 2009). Seria simplesmente ensino de línguas baseado em tarefas (Task-Based Language Teaching – TBLT) inserido em uma tecnologia, mas exatamente como essa 139

Tradução minha. “the role of the second or foreign language classroom is to bring a student to a point where he can begin to use the outside world for further second language acquisition”.

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Anais do I Colóquio Internacional de Formação Inicial 2012 e Continuada de Formação de Professores de Línguas Estangeiras metodologia é utilizada em sala. Para o aluno, mudou-se apenas o veículo, mas as propostas e os métodos permanecem os mesmos. Jenkins (2006) indica que esses jogos resultam em uma combinação entre o valor pedagógico de um jogo de vídeo game ruim e o valor de entretenimento de um livro didático ruim. Críticas à parte, os alunos percebem imediatamente que não é “um jogo de vídeo game de verdade”, mas uma aula em tela, e assim sua motivação é perdida. Alguns pesquisadores inclusive distinguem “vídeo games sérios” e “vídeo games comerciais” (Lacasa, Méndez & Martínez, 2009; Meyer & Sorosen, 2009), onde o primeiro são jogos educacionais desenvolvidos para fins de instrução, enquanto o segundo são aqueles desenvolvidos apenas para o intuito de jogar em si. Ironicamente, os “jogos de vídeo game sérios” são justamente aqueles não levados a sério pelos aprendizes. O estigma dos vídeo games educacionais é tal a essa altura que, mesmo quando os desenvolvedores de jogos apresentam um que não é uma mera reprodução do ambiente de sala de aula, os aprendizes já se demonstram desinteressados em sequer testá-los. Afinal de contas, eles jogam buscando horas de lazer, não mais horas de aula. Conforme dito anteriormente, no uso de filmes, séries, internet e vídeo game feito pelos alunos, não são oferecidas atividades pedagógicas com fins de assimilação de conteúdo referente à aprendizagem de idioma. O que se têm são objetivos diversos, como o entretenimento, por exemplo, que só poderão ser alcançados através da LE. Assim sendo, os vídeo games comerciais não são uma simulação de interação na língua alvo, mas sim interação real. Além do mais, a compreensão e comunicação na tecnologia globalizada é um dos objetivos de se estudar uma LE, em especial inglês como LE. A pesquisa desenvolvida propõe que uma vez que a aprendizagem de LE deixa de ser o objetivo principal, o nível de estresse e bloqueio do aprendiz diminui. Em vídeo games educacionais, em geral, erros são indicados por mensagens que afirmam claramente “resposta errada” e “tente novamente”. Essa exposição da falta de conhecimento e incapacidade do aprendiz diminui sua motivação e aumenta seu filtro afetivo. E essa é a razão principal pela qual os aprendizes não possuem interesse em jogos educacionais.

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Conclusões da pesquisa

Jogar vídeo games aumenta a motivação dos estudantes para compreender e até mesmo aprender a língua alvo. Como o ato de jogar o vídeo game é uma escolha própria, o interesse pessoal deles em seguir com o jogo os levará a se esforçar para compreender a língua em que ele é apresentado. De acordo com Krashen (2004), quando a leitura se dá em texto de escolha deles, o leitor apresenta um filtro afetivo mais baixo e alta motivação, o que os leva a empenhar maior esforço para alcançar a compreensão. Durante um jogo de RPG, acredita-se aqui que, como o objetivo principal do jogo é completá-lo, e jogá-lo é uma escolha autêntica do aprendiz, esse estará motivado a lidar com a LE de maneira a extrair dos textos apresentados durante o jogo as informações necessárias. E, ao perceber seu sucesso nessa compreensão e sua capacidade de seguir com o jogo, a motivação dele seguiria aumentando, o levando a esforçar-se cada vez mais. E, com todos os fatores apresentados acima, uma aquisição linguística maior e mais sólida é provável.

6.

Direcionamentos

Concluída a pesquisa, o professor-pesquisador se depara então com uma série de direcionamentos que implicam seu caráter reflexivo. Na pesquisa relatada acima, os direcionamentos resultantes podem ser apresentados em uma escala temporal, o que refletem o ponto crucial de que um professor reflexivo não o será apenas em um dado momento de sua vida. O caráter reflexivo adquirido por um professor-pesquisador o acompanhará por toda sua vida acadêmica e profissional. Imediato à pesquisa apresentada, percebemos um direcionamento à melhora na prática do ensino de língua inglesa, no qual a professora passa a utilizar o conhecimento prévio do aluno adquirido em vídeo games. Utiliza-se a partir de então a intertextualidade e exemplificação com jogos de vídeo game para o conteúdo apresentado em sala. Ainda, a recomendação do uso dessas tecnologias passa a ser feito constantemente aos aprendizes pela professora.

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Anais do I Colóquio Internacional de Formação Inicial 2012 e Continuada de Formação de Professores de Línguas Estangeiras Um segundo direcionamento, que representa a fase atual da presente pesquisa, encontra-se em desenvolvimento em nível de mestrado. Nessa etapa, alunos jogarão um certo vídeo game de RPG fazendo uso de protocolo verbal para que se registre como a aquisição se dá de fato e até que ponto o jogo é eficiente nesse sentido. Um teste pré-jogo será aplicado para checar o conhecimento lexical desses aprendizes, com o objetivo de verificar se os participantes não conheciam anteriormente o vocabulário a ser aprendido através dos jogos. Serão conduzidas, então, as sessões de jogo e, após as mesmas, um novo teste será aplicado para verificar se o conteúdo foi internalizado e se a aquisição de itens lexicais presentes nos textos do jogo ocorreu. Resulta ainda da pesquisa um direcionamento futuro, pretendido em caráter de pesquisa de doutorado. O objetivo nesse ponto será o de desenvolver formas de aplicar os resultados anteriores à sala de aula.

7.

Considerações finais

A sala de aula não é um local onde o professor apenas aplica o seu conhecimento, ou apresenta uma aula preparada anteriormente. Ela não será um momento onde todas as possibilidades, dúvidas e acontecimentos já foram previstos e programados. Diversas situações não antecipadas pelo profissional podem ocorrer, e mais do que apenas estar preparado para contornar imprevistos, a fim de dar prosseguimento ao programado, ele deve ver essas situações como oportunidades para repensar sua prática, seu ambiente de trabalho, seu público alvo, etc. Situações inesperadas no andamento da aula não necessariamente significam adversidades. Podem ser colaborações positivas, ou mesmo um realce de um caminho para melhorar algo que não ocorria ou ocorria mal anteriormente. E ainda que uma situação inesperada seja adversa, pode se perceber, no momento em que se dá uma solução que a resolva, ou mesmo até que torne a prática melhor do que antes. O mais importante é que o professor esteja em constante observação crítica de tudo que envolve sua prática. Ele não deve ver uma aula como algo totalmente previsível e

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Anais do I Colóquio Internacional de Formação Inicial 2012 e Continuada de Formação de Professores de Línguas Estangeiras programado, mesmo que ele já a tenha ministrado diversas vezes anteriormente. Cada grupo de alunos, cada ambiente escolar, cada contexto, refletirão na maneira com que essa aula transcorrerá. Uma aula dada cem vezes serão cem aulas diferentes, e decorrerão de cem maneiras diferentes. Com isso, a busca por uma formação continuada pode ampliar o campo de visão crítica do professor-pesquisador. Disso resultará um enriquecimento de sua prática, do aprendizado dos alunos, do seu próprio conhecimento acadêmico e até mesmo da área de pesquisa abrangida. Assim sendo, não só os alunos, mas todos os sujeitos envolvidos saem ganhando continuamente.

8.

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