O Próximo Presidente dos EUA: Donald J. Trump. E Agora?

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Texto publicado no blog “O Furor: (Des) Entendendo as Relações Internacionais” em 11 nov. 2016. URL:

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O PRÓXIMO PRESIDENTE DOS EUA: DONALD J. TRUMP. E AGORA?

por Sergio Azeredo da Silveira Jordão.

Desde o ano passado, ouvimos e vemos notícias (e escândalos) sobre as eleições norteamericanas. Inicialmente, todos achavam que a disputa seria entre Hillary Clinton, ex-Secretária de Estado e senadora, pelo Partido Democrata e Jeb Bush, ex-governador da Flórida, pelo Partido Republicano ou GOP (sigla em inglês para Grand Old Party). Contrariamente, outros candidatos surgiram, ao longo desse tempo, e contestaram essas posições. Nos democratas, o senador independente Bernie Sanders quase derrotou Hillary na indicação do partido como candidato à presidência. No lado dos republicanos, o bilionário Donald Trump e os senadores Ted Cruz e Marco Rubio cresceram nas pesquisas e nas primárias, fazendo que o ex-governador da Flórida desistisse logo da corrida presidencial. Depois de meses, Trump se tornou o indicado pelo Partido. Nessa disputa, entre Hillary e Trump, as pesquisas indicavam que Clinton tinha mais de 80% de chance de ganhar1. Em contrapartida, anteontem, dia 9 de novembro de 2016, Donald J. Trump foi eleito presidente dos EUA, para a surpresa de todo o mundo (literalmente). Mas, o que a vitória do candidato republicano vai mudar no mundo? E o que aconteceu para essa reviravolta política? Bom, não sei se vou conseguir responder a essas questões, mas espero compartilhar algumas ideias sobre os resultados de anteontem. Donald Trump recebeu 279 votos dos colégios eleitorais e 59.791.135 votos populares e Hillary 228 e 60.071.781 respectivamente (quando este post foi escrito os estados de Arizona, Michigan e New Hampshire ainda não tinham terminado de contabilizar os votos, mas Trump aparecia como vencedor nos dois primeiros)2. Pelo sistema eleitoral norte-americano, Trump ganhou porque recebeu a maioria dos colégios eleitorais. E agora? Durante sua campanha eleitoral, o candidato pelo Partido Republicano se envolveu em declarações e situações

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KATZ, Josh. Who Will Be President? The New York Times, New York, 8 nov. 2016. Disponível em: . Acesso em: 9 nov. 2016. 2 THE NEW YORK TIMES. Presidential Election Results: Donald J. Trump Wins. New York, 10 nov. 2016. Disponível em: . Acesso em: 9 nov. 2016, 21:25:10.

consideradas polêmicas sobre muçulmanos, mexicanos, imigrantes, veteranos de guerra, sonegação de impostos e assédio sexual3, que fizeram que muitos congressistas republicanos retirassem o seu apoio ao candidato. Além disso, seus discursos eram interpretados como sendo xenofóbicos, segregadores e ofensivos para diversas parcelas da população norte-americana, principalmente contra a sua adversária nas eleições. Em março desse ano, Gideon Rachman, colunista de política internacional do jornal britânico Financial Times, escreveu que apesar dessas posições radicais, não sabemos nem até que ponto esses discursos foram apenas jogadas de marketing e uma estratégia populista, para atrair parte dos eleitores, nem se ele cumprirá essas promessas agora que assumirá a Casa Branca ou se adotará uma posição mais pragmática4. O colunista, por fim, afirma preferir nunca ter que descobrir, mas agora o mundo terá que acompanhar de perto.

(CNN) Donald Trump, ao centro, em seu discurso da vitória na madrugada de quarta-feira, dia 09 de novembro de 2016. À esquerda, seu vice Mike Pence, ex-governador de Indiana, e, à direita, seu filho mais novo Barron Trump.

Interessantemente, no seu discurso da vitória, proferido no mesmo dia em que saiu o resultado, Trump afirmou que: “Agora é a hora [dos EUA] curarem as suas feridas da divisão; precisa se unir. Para todos os Republicanos e Democratas e independentes ao redor da nação, eu digo que é hora de nos juntarmos como um povo unido. É tempo. Eu prometo a cada cidadão da nossa nação que eu serei um presidente para todos os americanos, e isso é muito importante para mim. Para aqueles que escolheram não me apoiar no passado [...] eu os alcanço para ter a sua

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VARANDANI, Suman. Donald Trump Scandals: List Of Controversies Surrounding The President-Elect. International Business Times, New York, 9 nov. 2016. Disponível em: . Acesso em: 9 nov. 2016. 4 RACHMAN, Gideon. Donald Trump: the case for the defence. Financial Times, London, 7 mar. 2016. Disponível em: . Acesso em: 9 nov. 2016.

orientação e ajuda para que possamos trabalhar juntos e unificar nossa grande nação.” (5, tradução minha)

Em minha opinião, essa fala pode ser um indicativo de que o Sr. Rachman pode estar certo e a corrida presidencial ter sido um grande jogo de retórica e populismo e que agora o verdadeiro Trump, empresário, assumirá. Só o tempo nos dirá se esse indício é certo ou se essa fala foi o verdadeiro jogo político. Como então não temos certeza do que Donald Trump realmente pensa ou realmente fará, tentarei olhar alguns impactos para a política internacional se ele cumprir o que foi dito em sua campanha. Primeiramente, política e estrategicamente, Trump criticou os seus aliados no Pacífico e na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), afirmando que retiraria as tropas americanas baseadas no Japão e na Coreia do Sul se esses países não contribuíssem mais com os custos em sediá-las6 e que não correria para defender os países da aliança militar com a Europa caso eles não cumpram a sua obrigação de investir 2% do seu Produto Interno Bruto (PIB) em defesa7. Se essas medidas realmente se concretizem, ocorrerá uma enorme mudança no equilíbrio de poder nessas duas regiões, favorecendo, provavelmente, a China e a Rússia. No Oriente Médio, Trump também foi crítico aos aliados árabes, deu a entender que preferia Bashar Al-Assad no poder na Síria à existência do Estado Islâmico e afirmou que o acordo nuclear com o Irã, chamado de Plano Compreensivo de Ação Conjunta (JCPOA, sigla em inglês para Joint Comprehensive Plan of Action), que ainda não foi ratificado pelo Congresso, foi o “pior acordo já negociado” e que a sua “prioridade número um seria desmantela-lo”8. Em minha opinião, isso seria um grande erro para a diplomacia norteamericana e para a estabilidade na região, já que aproximaria o Irã da China e da Rússia, reduziria a influência americana e permitiria a Teerã se livrar das obrigações pactuadas, jogando 10 anos de construção de confiança e diálogo fora. Adicionalmente, as sanções anteriormente em vigor foram reduzidas e a economia iraniana começa a apresentar melhoras com a abertura comercial, o que facilitaria a retomado dos investimentos na área nuclear. THE NEW YORK TIMES. Transcript: Donald Trump’s Victory Speech. New York, 9 nov. 2016. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2016. 6 SANGER, David E.; HABERMAN, Maggie. Donald Trump wants to pull US troops from Japan, South Korea. Financial Review, Sydney, 27 mar. 2016. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2016. 7 MORELLO, Carol; TAYLOR, Adam. Trump says U.S. won’t rush to defend NATO countries if they don’t spend more on military. The Washington Post, Washington, D.C., 21 jul. 2016. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2016. 8 TORBATI, Yeganeh. Trump election puts Iran nuclear deal on shaky ground. Reuters, London, 9 nov. 2016. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2016. 5

Já no campo social, Trump prometeu construir um muro na fronteira entre México e EUA para impedir a imigração ilegal, o qual seria pago pelos mexicanos. Tal proposta foi duramente criticada pelos seus opositores, inclusive pelo Papa. Essa questão, contudo, precisa ser analisada pelos governos do EUA, afinal, como o próprio nome diz, imigração ilegal é ilegal, mas não acho que a construção de um muro seja a melhor nem a segunda nem a terceira melhor ideia para essa questão. Existem outras políticas, inclusive de integração, e elas precisam ser estudas e consideradas. Na área ambiental, Trump criticou o Acordo de Paris sobre mudanças climáticas se mostrando cético quanto ao papel dos seres humanos no aquecimento global e dizendo que tal acordo apenas prejudicaria a economia dos EUA9. O problema é que o Acordo de Paris não foi ratificado pelo Congresso norte-americano, o Obama nem chegou a enviá-lo ao Senado porque havia uma grande possibilidade de ser rejeitado. Ao invés disso, o atual governo interpretou o Acordo como sendo um “acordo executivo” (executive agreement) e não um tratado, uma vez que esse não modificaria a legislação interna e por isso não precisaria ser internalizado pelo Senado. Assim, seria necessário apenas mudar a orientação das agências executivas, que respondem à Casa Branca, para se adequarem ao que foi estabelecido em Paris. Dessa forma, o presidente teria o poder de aderir ao Acordo, sem a anuência do legislativo, como foi feito por Obama ao chegar na Cúpula do G20 em setembro na China10. Por não ter sido ratificado, o Acordo não é legalmente vinculante e o próximo presidente, no caso Trump, se desejar pode mudar a orientação das agências executivas e, assim, fazer que os EUA descumpram o Acordo sem nenhum impedimento legal. Por fim, comercialmente, o candidato eleito condenou a Parceria Transpacífica (TPP, sigla em inglês para Trans-Pacific Partnership), acordo assinado entre os EUA e outros 11 países, mas ainda não ratificado, acusando-a de ser prejudicial à economia e aos trabalhadores norte-americanos11. Além disso, sob os mesmos argumentos, Trump também criticou o Acordo Norte-Americano de Livre-Comércio (NAFTA, sigla em inglês para North American Free Trade Agreement), entre EUA, Canadá e México, e prometeu rever ambos os acordos comerciais. Por conseguinte, o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP, sigla em inglês para Transatlantic Trade and Investment Partnership), entre EUA e BBC. Donald Trump would ‘cancel’ Paris climate deal. London, 27 maio 2016. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2016. 10 DEMIRJIAN, Karoun; MUFSON, Steven. Trick or treaty? The legal question hanging over the Paris climate change conference. The Washington Post, Washington, D.C., 30 nov. 2015. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2016. 11 JOHNSTON, Eric. TPP appears dead with Trump heading to White House. The Japan Times, Tokyo, 10 nov. 2016. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2016. 9

União Europeia, ainda em fase de negociação, também deve sofrer um grande revés. Todas essas medidas mostram um movimento antiglobalização e pró-isolacionismo econômico por parte do Trump, que muito teria agradado aqueles considerados como “perdedores” da globalização, pessoas que teriam perdido seus empregos ou teriam tido seus salários reduzidos pela competição internacional ou pela transferência de fábricas e montadoras para outros continentes. Caso isso aconteça, os EUA se fechariam para o mundo, transformando-se em uma autarquia, o que seria muito prejudicial para a população e economia do país. Essa situação, também, iria na contramão da atual tendência mundial de livre-comércio, redução das barreiras não tarifárias e de convergência e coerência regulatória em diversas áreas, como meio ambiente, corrupção e direitos trabalhistas, como forma de criar comércio entre as diversas regiões do mundo. Além disso, a revisão do TPP pode enfraquecer o acordo, de difícil e longa negociação, e os ânimos regionais, fazendo que os países do Pacífico se virem para a China, com quem eles já negociam, lentamente, a Parceria Econômica Compreensiva Regional (RCEP, sigla em inglês para Regional Comprehensive Economic Partnership), outro acordo comercial, menos ambicioso que o TPP e sem a participação de Washington12. Esse cenário, que a meu ver seria muito prejudicial para os EUA internamente, para a sua influência externa e para a estabilidade do Sistema Internacional, é baseado das promessas de campana de Trump. Como sabemos, contudo, promessas eleitorais nem sempre são cumpridas, tanto porque os candidatos falam certas coisas para obterem mais votos quanto porque a burocracia nacional, jogos políticos internos ou a realidade do país impedem as suas realizações. Pessoalmente, acho que pode acontecer uma mistura de todas essas condições. Com relação a retórica, concordo com o que foi levantado pelo Sr. Rachman na sua coluna em março. Acho que muitas falas do Trump foram estratégias populistas de dizer aquilo que as pessoas queriam ouvir, mas não eram necessariamente o que ele realmente pensa ou o que ele realmente irá fazer. Tudo isso teria sido a forma que ele encontrou para combater a tradicional política americana, e deu certo. Agora que ele será o próximo presidente, acredito que ele abandonará esse discurso e adotará um mais conciliador e pragmático, como os que ele fez em Nova York, na Casa Branca e no Congresso13.

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DENYER, Simon; FIFIELD, Anna. China is the big winner as Clinton, Trump disavow hard-fought Asia-Pacific trade deal. The Washington Post, Washington D.C., 20 out. 2016. Disponível em: . Acesso em: 20 out. 2016. 13 O GLOBO; AGÊNCIAS INTERNACIONAIS. Trump quer cooperar com Congresso sobre imigração, saúde e economia. Rio de Janeiro, 10 nov. 2016. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2016.

Além disso, não podemos nos esquecer do poder que o Congresso americano e a burocracia têm na formulação de política nos EUA, bem mais que aqui no Brasil. Lembremonos que o Obama, havia poucos dias como presidente, em 2008, assinou um decreto fechando Guantánamo. O Congresso e as Forças Armadas fizeram uma manobra para manter a prisão aberta, estas fazendo pressão política e falando dos problemas à segurança nacional e aquele, que é responsável por aprovar o orçamento e os gastos públicos, se recusou a pagar pelo transporte dos prisioneiros e pelas construção de novas prisões de segurança máxima nos EUA. Como resultado, Guantánamo continua aberta. Esse é apenas um exemplo de como nesse país o poder do presidente é reduzido e enfraquecido pelas outras instituições e isso vale tanto para política internacional quanto, principalmente, políticas internas. Nessas eleições, os republicanos ganharam novamente a maioria nas duas câmaras do Congresso, no Senado são 51 senadores republicanos, 47 democratas e 2 independentes (sem partido); na Casa dos Representantes (que equivale a nossa Câmara dos Deputados) são 239 republicanos e 193 democratas. Em teoria, isso significaria que o Trump não teria o mesmo problema que Obama e conseguiria fazer o que ele quisesse com a aprovação do legislativo. Porém, não acho que será assim. O Trump é um empresário, não um político, ele vai precisar de uma excelente assessoria para conseguir jogar o difícil jogo político de Washington, que exige muitas vezes diplomacia e troca de favores. Além disso, ele teve uma série de discussões com membros poderosos do GOP ao longo da campanha e recebeu muitas críticas quanto às suas propostas, o que pode dificultar a sua relação com o Congresso. Dessa forma, acho que o legislativo pode funcionar como um contraponto ao Trump, para bem ou para o mal, dependendo das suas ações como presidente. Por fim, precisamos analisar quem ele vai escolher para compor o seu governo, os futuros Secretários, Diretores, Assessor de Segurança Nacional, Chefe de Gabinete e etc. Podem ser pessoas muito bem capacitadas ou apenas bonecos, de qualquer forma, é preciso esperar para saber quem serão essas pessoas, que vão lidar com o diaa-dia da política dos EUA.

(NBC News) Trump e o Congresso.

Espero não estar sendo Poliana, mas eu torço para que ele faça um bom governo, que ele se cerque de pessoas competentes, que ele as ouça e que haja uma cooperação com o Congresso, com os Democratas e com a sociedade civil. Até 2020, muito pode acontecer, inclusive eleições em 2018 para 2/3 do Senado e para a Casa. A eleição de Donald J. Trump a presidência dos EUA pode impactar ainda diversas outras áreas da política norte-americana, interna e internacionalmente, e diferentes análises podem ser feitas quanto seus discursos, futuras ações para todos e os motivos para a sua eleição. Provavelmente, ainda escreveremos bastante sobre ele aqui no blog. Enquanto esperamos para ver o que vai acontecer, vou terminar parafraseando a forma com que os presidentes norteamericanos atuais costumam encerrar os seus discursos: ‘And God bless the United States of America’ and the rest of the world (‘E Deus abençoe os Estados Unidos da América’ e o resto do mundo). Posts relacionados: 

“Entendendo as (complicadas) eleições americanas e as propostas de cada candidato”, por Franco Alencastro e Sergio Azeredo da Silveira Jordão;



“Obama pela América – um pouco de sua viagem por Cuba e Argentina” por Marcelle Siqueira Santos;



“‘Republicanismo’ e ‘Democratismo’ – Percepções de um Aluno Após um Intercâmbio em DC”, por Sergio Azeredo da Silveira Jordão.

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Palavras-chave: Congresso americano; Democratas; Donald Trump; Eleições EUA 2016; Estados Unidos; GOP; Hillary Clinton; política internacional; Presidência EUA; Republicanos; TPP.

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