O Púlpito de Camões e a ilha de Padre António Vieira

September 3, 2017 | Autor: Ana Rodrigues | Categoria: Camões, Literatura Portuguesa, Padre Antonio Vieira, Descobrimentos, Cultura Quinhentista
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O PÚLPITO DE CAMÕES E A ILHA DE PADRE ANTÓNIO VIEIRA Uma leitura do Passado à luz da Globalização

Ana de Neves Rodrigues Frequência de Doutoramento em Línguas, Literaturas e Culturas Especialidade Estudos Culturais FCSH – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Universidade Nova de Lisboa. [email protected]

Artigo realizado no âmbito do Mestrado em Estudos Regionais e Locais Universidade da Madeira, 2010.

ÍNDICE

PÁG.

Sinopse 1. Introdução 1.1. A Identidade Patriótica no contexto sociocultural 1.1.1.

De Camões

1.1.2.

De Padre António Vieira

2. O fenómeno da Globalização: indícios e consequências 2.1. No poema épico Os Lusíadas 2.2. No Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal

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3. Conclusão 4. Bibliografia

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SINOPSE

O intercâmbio das experiências de contacto com territórios e culturas até então desconhecidas serve de plataforma de arranque para a análise da identidade nacional em contextos sociais, económicos, religiosos e culturais, cujos marcos históricos distam cerca de cem anos entre si. É ao som do ondulante deslizar da pena de Luís Vaz de Camões que, qual travessia em “mar nunca antes navegado”1, rasgamos os ideais renascentistas para enveredar pelos caminhos do Humanismo. De ascendência nobre, e escudeiro de profissão é, à luz da glorificação da palavra 2 reveladora de uma literatura culta, que espelhamos a antevisão dos primórdios do pensamento da globalização, habilmente descritos nas Estrofes 79ª e 80ª do Canto X d’Os Lusíadas. Fazendo as descobertas portuguesas parte da experiência dos navegadores, foram habilmente plasmadas a escrita em papel quinhentista passando, como tal, a espólio de experiências universalmente partilhadas. Até ao Canto IX observamos as peripécias das viagens até Melinde, ficando os portugueses ali detidos para serem destruídos pelos muçulmanos. Apercebendo-se da trama, Vasco da Gama mantém a bordo vários mercadores indianos para serem trocados pela liberdade. A História revela que a viagem de regresso a Lisboa foi acidentada. No entanto, Camões dá por terminado o conteúdo histórico do Poema. É desta forma que o Canto X transporta o leitor para um outro plano, o da mitologia, em que o imaginário e o fantástico elevam os aventureiros portugueses a um estado de imortalidade. O anúncio do futuro das conquistas portuguesas, com especial importância para a descoberta do Brasil 3 , e a apresentação da Máquina do Mundo 4 a Vasco da Gama são indubitavelmente premeditados. Por isso, é com base neste fenómeno de deslumbramento pelo desconhecido que nos atrevemos a defender que a ideologia de um mundo globalizado teve início na Ilha dos Amores, pela mão de divindades mitológicas que anunciam a grandeza do Deus dos cristãos, o perfeito criador do “globo” religiosamente apregoado pelas intenções das Descobertas. Sendo a primeira edição d’Os Lusíadas impressa em 1572, em Lisboa, e outras dezassete editadas ao longo dos noventa e oito anos seguintes, não é difícil reconhecer que

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Paráfrase do 3º verso da Estrofe I do poema épico Os Lusíadas. Globo é a palavra-chave que, mais adiante, iremos analisar. 3 Canto X, Estrofe 140. 4 Réplica do sistema solar segundo a teoria geocêntrica de Ptolomeu, que só podia ser contemplada pelos deuses. 2

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António Vieira, que a capital viu nascer em 1608, se deixasse impregnar por este sentimento nacional de conquista e difusão do Cristianismo por todo o mundo. O alvo principal deste trabalho é o de proceder a uma breve análise comparativa entre o estado de espírito do povo lusitano, espelhado no poema épico de Luís Vaz de Camões5, e a depressão nacional generalizada, e corajosamente pregada pelo Padre António Vieira no Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal 6, em 1640 na Igreja de Nossa Senhora da Ajuda, cidade da Baía, no Brasil. A questão da identidade vai sendo detectada ao longo da narrativa épica, assim como nos argumentos e passagens bíblicas usadas por Vieira, não só expressos no supra mencionado, mas também trinta e dois anos depois, no Sermão de Quarta-Feira de Cinza7, uma verdadeira ode à essência da Humanidade. Com capacidade de retórica e argumentação inigualáveis, urge reanimar a plateia de ouvintes composta por nativos e colonos portugueses, assim como milícias, cuja função era a de defender a Baía da invasão dos Holandeses. Perante tamanho auditório, e servindo-se de argumentos bíblicos que, como sabemos, eram universalmente aceites, Vieira tenta seduzir Deus a não retirar a Sua mão da “seara” portuguesa que Ele mesmo ajudara a plantar. Demonstrando uma excelência discursiva e enorme poder de persuasão, insiste em aludir aos factos bíblicos para persuadir Deus a não abandonar os portugueses. Como tal, e sendo o declínio de um povo, que se auto-intitula heróico e conquistador, uma jornada identitária que tem atravessado os últimos séculos de existência, um parecer crítico afigura-se legitimado.

1. Introdução Proceder a uma leitura do Passado à luz da Globalização força-nos a considerar, primeiramente, este conceito na actualidade.

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Baseamos este estudo no poema épico Os Lusíadas, 10 Volumes, com comentários de José Hermano Saraiva e ilustrações de Pedro Proença, numa edição limitada do Jornal Expresso, 2003. 6 Numa edição de Guimarães Editores, SA, 2009. 7 História e Antologia da Literatura Portuguesa, Século XVII, nº 37, Fundação Calouste Gulbenkian, fonte digital em http://www.leitura.gulbenkian.pt/boletim_cultural/files/HALP_37.pdf

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Enquanto observatório de dimensão mundial, a globalização afecta as áreas económicas, políticas e sociais e define-se, na sua generalidade, pela tendência de os mercados se alargarem para dimensões mundiais que ultrapassam as fronteiras nacionais. Na sua essência, a globalização pretende estimular todos os factores de competitividade, ao mesmo tempo que reduz os custos de produção e tenta escoar a actividade produtiva, sempre com o objectivo final de melhorar o bem-estar e os valores sociais. Por esse facto, falamos em globalização apenas quando o conjunto dos Estados-membros tem mais valor do que a soma das suas partes. Assim sendo, tal internacionalização e interdependência levam-nos a sentir que o mundo fica cada vez mais pequeno sempre que a expressão “aldeia global” invade o nosso vocabulário. Gradualmente, a cultura passa a ser vista como uma mercadoria entre mercadorias, e surge a probabilidade de uma eventual hegemonia cultural europeia. Não é de espantar que num mundo em que a informação e a imagem circulam numa rede mundial de internet ao alcance da maioria, se promovam mudanças de hábitos e identidades que instigam a proliferação da representação social. A aproximação a ideais ou heróis virtuais, fornecidos por uma sofisticada e padronizada cultura de massas, nada mais é do que uma mundialização pronta a consumir. A par deste património comum, resultante do acesso aos produtos oriundos das diversas nações, verifica-se uma intrínseca violência simbólica que visa a dominação e na qual o consumo e a reprodução social proliferam.

1.1. A Identidade Patriótica em contexto sociocultural

A identidade patriótica em contexto sociocultural é reconhecida nas atitudes do indivíduo em relação aos símbolos da Pátria. Para o patriota, a Pátria é o mais importante e é sua obrigação fazer algo de bom por ela. Defendendo o hino, a bandeira e o brasão, assistese a uma valorização do sentimento de pertença a um país em que as restantes identidades colectivas assumem um papel secundário. A importância da Pátria detém o papel principal, pois assume atitudes de hegemonia junto da população. A mais importante relação de soberania existente verifica-se entre o Reino e o súbdito. No primeiro, reside a autoridade de exercer direitos sobre o segundo, enquanto para este resta apenas o cumprimento dos deveres necessários ao bem-estar da Pátria. Com excepção desta, todas as restantes relações de carácter colectivo são, na altura, 4

consideradas de menor relevância, tais como as relações entre senhor e servo, ou entre privados. Nem sempre foi assim. A globalização não é um fenómeno das últimas décadas. Tem séculos de existência. Na verdade, podemos até afirmar que tal processo teve o seu início com as Descobertas, tão bem eternizadas por Camões ao afirmar que os Portugueses “deram novos mundos ao mundo” 8 . As caravelas quinhentistas não transportavam apenas marinheiros e especiarias. Nelas, viajavam homens da ciência da Igreja empenhados em descobrir novas formas de vida animal e vegetal, em conhecer os ventos, as marés, os astros, e não apenas em conquistar novos territórios e povos com estatuto civilizacional considerado inferior. A sua ambição estendia-se até ao ponto de almejarem influenciar crenças e culturas. A partir daí a globalização foi-se implementando de forma mais ou menos eficaz, mas sempre com intensidade crescente. Assim, e para analisar os contextos social, económico e cultural dos autores que pretendemos tratar, há que inseri-los na sua época.

1.1.1.

De Camões

Do século XVI e de Luís Vaz de Camões pouco se sabe, pois são escassas as referências que sobreviveram, para além de algumas não serem credíveis em virtude de terem assumido aspectos quase lendários. Só entrelaçando os registos dos acontecimentos históricos com a sua obra é que podemos adiantar que o autor nasceu, provavelmente, em Lisboa em 1524 ou 1525. Sobrinho de um Prior, do Convento de Santa Cruz, e Chanceler da Universidade, somos induzidos a crer que o escritor tenha estudado em Coimbra e que, de certa forma, tenha tido algum contacto com o mundo universitário. Os conhecimentos que transparecem na sua obra levam-nos a crer que tenha lido livros nas diversas áreas do conhecimento da época, a saber, de história, ciências e filosofia, assim como de variados géneros, tais como poesia e prosa, aonde não faltaram os autores clássicos, os escritores modernos e os cronistas portugueses. Detentor de uma cultura abrangente nacional e estrangeira, regressa a Lisboa durante os anos 40 para ser escudeiro ou cavaleiro fidalgo na Corte. Supõe-se que tenha estado em Ceuta no final da década, onde perdeu um olho. Após ter voltado para Portugal, há registos de uma rixa em que feriu o carrego dos arreios do rei com uma espada tendo, por isso, sido amarrado ao Tronco da cidade. O perdão do rei levou-

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Canto II, estrofe 45, verso 8.

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o a partir para a Índia no início de 1553 onde participou de acções militares e vivenciou situações morais e sociais pouco felizes. Em 1567, ainda que com fracos recursos, vai até Moçambique onde continua a escrever Os Lusíadas. De regresso ao seu país em 1569, consegue que a obra seja publicada, a qual lhe permitiu beneficiar de uma reduzida pensão de 15$000 reis anuais concedidos por D. Sebastião. Em outros documentos sobre a sua vida encontramos registos de que vivia com dificuldades, tendo vindo a falecer a 10 de Junho de 1580, cuja cerimónia fúnebre ficou a cargo da Companhia dos Cortesãos. Tudo leva a crer que o seu temperamento foi a grande causa de não ter ascendido a um estatuto económico estável. No contexto cultural de 1500 identificamos o Renascimento, em que o Homem demonstra interesse empírico pela ciência e, numa tentativa de ressuscitar a Antiguidade Clássica, se baseia mais na razão do que na fé, ou seja, no Humanismo. Daí a época histórica do Renascentismo coincidir, também, com a época literária que ilustra o modelo greco-latino designado por Classicismo. Desde 1378 que a teologia escolástica se encontrava fragilizada e dividida entre a obediência a dois Papas, havendo posições públicas de países da Europa geográfica contra o poderio papal, as riquezas e os votos religiosos. A Reforma de Martinho Lutero (1483-1546) e de João Calvino (1509-1564) e a luta contra as indulgências originaram crises espirituais no Homem do século XV e XVI. As Descobertas começaram por ser um conjunto de experiências humanas concretas que, pelo impacto que provocou e pela forma como se eternizou ao serem plasmadas no papel, passaram a ser património universal.

1.1.2.

De Padre António Vieira

Nascido em Lisboa em 1608 vai para o Brasil com os pais aos seis anos, onde começa a frequentar o Colégio dos Jesuítas, entrando na Ordem com apenas quinze anos de idade. Aos dezoito anos já ensina Retórica no Colégio de Olinda, e é ordenado nove anos depois. Desde cedo conquista muito prestígio ao ser convidado para pregador e confessor régio, assim como diplomata de missões no estrangeiro no sentido de fortalecer a consolidação da monarquia e o regresso a Portugal dos descendentes dos cristãos que tinham sido expulsos do Reino. A tentativa de que os bens dos judeus escapassem à confiscação do Santo Ofício fez dele persona non grata, vindo a ser perseguido pela Inquisição. O ano de

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1652 vê-o regressar ao Brasil, e a sua defesa acérrima a favor dos indígenas vai opô-lo aos colonos, que conseguem a expulsão dos Jesuítas em 1661. Em 1669 Vieira vai até Roma, onde permanece durante seis anos. Em 1679, e já em Portugal, começa a organizar esses mesmos textos para publicação, dando continuidade a esse trabalho no Colégio da Baía, para onde regressa. Os múltiplos talentos e a profunda cultura para o seu tempo faziam de Vieira um autêntico artífice da perfeição. A sua humanidade revela-se na coragem e nobreza de atitudes, e na noção de justiça e benevolência para com os povos indígenas e escravos. A sua estatura moral é proporcional às denúncias de corrupção que não se coíbe de divulgar. Apesar de tudo isto, a sociedade peninsular seiscentista não o entende. No entanto, o momento que nos interessa aqui evidenciar é o ano de 1640, quando os “hereges Holandeses”, como Vieira lhes chama, cercam os Portugueses na cidade da Baía, no Brasil, por estarem interessados em conquistar o monopólio dos engenhos do açúcar e da escravatura africana. Nesse mesmo ano derrotaram uma forte armada luso-espanhola e Portugal, aquando da Restauração Portuguesa, assinou um acordo de tréguas ao longo de dez anos com os Países Baixos. Hoje, reconhecemos que a sua personalidade inigualável, a essência do discurso persuasivo e a inteligência com que avalia os acontecimentos iminentes à luz das verdades espirituais, são peças essenciais do mecanismo que nos permite entender o profetismo dos seus sermões.

2. O fenómeno da Globalização: indícios e consequências

Do grande miradouro do pensamento não podemos ignorar algumas brechas em todo o processo de globalização. Por uns, é vista como negativa, prejudicial e a principal causa do afastamento do cidadão, que não foi chamado a votar tal directiva. Há, no entanto, que reconhecer que a globalização não se vota, porque ela é consequência indirecta da aproximação económica, política e social entre as nações. Apesar de tudo, há quem considere que a globalização fragiliza a democracia. Não podemos deixar de reconhecer que a mesma reduz as fronteiras naturais do tempo e espaço entre os países, para a manutenção do equilíbrio. E, é precisamente nesta tentativa de construção e conservação das condições para o equilíbrio entre as nações que, ao olhar para o Passado, verificamos continuar a navegar sobre outras ondas do mesmo mar, de dimensão jamais experimentada. São algumas destas ondas mundiais, umas longas e demoradas, 7

outras curtas ou ligeiras, os factores não planificados que nos interessam aqui observar 9. Tais ciclos, cujas rupturas a vontade humana não consegue alterar, assumem forma corpórea nas alterações políticas, económicas, sociais e culturais. No entanto, a uniformização voraz é acompanhada de crescentes oportunidades para a identificação e expressão das culturas locais, um verdadeiro potencial para superar a crise reflexiva das identidades individual e colectiva. Prova disso é o respeito pela diversidade cultural nacional e regional patente no 151º artigo do Tratado de Maastricht, em que a cultura europeia promove o diálogo intercultural. Todo este processo de crescente integração não é um fenómeno recente, mas resulta de uma lenta evolução que remonta à Antiguidade. A História da Humanidade é, no fundo, uma história de globalização em que os homens se aproximam uns dos outros através de mecanismos económicos. A época dos Descobrimentos é prova disso, pois o comércio e a navegação alcançaram um auge até então desconhecido. Esse rasgar de horizontes foi também denominado colonização. Foi uma onda inicial e curta, idealizada e planificada com contornos de imperialismo, à qual não se chamava ainda globalização. No entanto, tal conceito já residia em essência. O movimento das Descobertas abriu, assim, as portas a relacionamentos entre diferentes raças, costumes, filosofias de vida e religiões até então desconhecidas. As inovações técnicas e científicas, tais como a cartografia e as caravelas, dinamizaram a gestão do conhecimento da época. As primeiras feitorias e fortificações servem de plataformas oceânicas de poder que centralizam uma forma inovadora de colonização. Portugal foi inovador na criação de um novo tipo de império, o oceânico que, segundo palavras de Jorge Nascimento Rodrigues, pondo em causa os ensinos apreendidos e levando à instalação de um cepticismo generalizado.

2.1. No poema épico Os Lusíadas No Canto X da obra, o leitor é convidado a observar um banquete oferecido pela bela Divindade Tétis, para celebrar o casamento simbólico das ninfas com os valorosos marinheiros lusitanos, numa alusão aos sumptuosos banquetes que a rainha Cleópatra

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Segundo a Teoria dos Ciclos de Kondratieff, tema muito conhecido dos economistas em todo o mundo, e que Jorge Nascimento Rodrigues e Tessaleno Devesas abordam no seu livro Portugal – O Pioneiro da Globalização, A Herança das Descobertas, Centro Atlântico, 2009.

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oferecera a Marco António10. Na 6ª estrofe toda a natureza se aquieta num silêncio total para que a voz de Tétis, em atmosfera irreal, cante os Portugueses e o futuro que lhes está reservado. Continuando a leitura, assistimos ao cântico das conquistas lusitanas, do qual concluímos que Camões estava a par das obras da época tais como a História do Descobrimento e Conquista da Índia, de F. L. Castanheda, ou a Crónica de D. Manuel, de Damião de Goes, entre outras. O desenrolar de feitos heróicos atravessa fronteiras e, chegados à 37ª estrofe, há um momento de epifania em que a sereia, lendo na bola de cristal o negro futuro dos Portugueses, declara “Quase lhe roubará a famosa glória Um sucesso, que triste e negro vejo”11. E adianta que “Ocultos os juízos de Deus são”12. No entanto, “por mais que da Fortuna andem as rodas (…) Não vos hão-de faltar, gente famosa. Honra, valor e fama gloriosa”13. Na estrofe 78 surge plasmada a grande inovação. O poeta expressa a teoria de Ptolomeu de que a Terra é o centro do universo. “Volvendo, ora se abaixe, agora se erga”14 é a expressão utilizada para explicar que a esfera está em rotação sobre o seu próprio eixo, e de que os pontos se movimentam em relação ao observador, não em relação ao centro da esfera. É de salientar que a teoria de que o Sol era o centro do sistema solar só foi publicada por Copérnico em 1543, e teve divulgação muito lenta, por não ser aceite pelo poder religioso. Julga-se, até, que Camões teve conhecimento desta concepção aquando da sua estadia na Índia e, muito provavelmente, em contacto com os padres jesuítas. O que nos espanta é a rapidez da divulgação daqueles dias com que as notícias se espalhavam, em especial as relacionadas com os avanços na área da ciência. Como chegaram as descobertas de Galileu aos ouvidos de Camões? Sabemos que Galileu partilhou oficialmente os seus conhecimentos científicos em 1611, no Colégio dos Jesuítas em Roma, e também é do conhecimento geral que os Jesuítas italianos se espalharam pelo mundo pois em Itália o território era diminuto. Portugal detinha um império com uma enorme área geográfica, só possível de controlar com a ajuda dos missionários da Companhia de Jesus. Não é difícil de concordar que foi desta forma que as notícias sobre as mais recentes descobertas científicas proliferaram. Por exemplo, a boa organização da Companhia de Jesus levou missionários à

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“De iguarias suaves e divinas, A quem não chega a Egípcia antiga fama”, Canto X, estrofe 3, Versos 5 e 6. Idem, estrofe 37, versos 3 e 4. 12 Idem, estrofe 38, verso 5. 13 Idem, estrofe 74, versos 5, 7 e 8. 14 Canto X, estrofe 78, verso 5. 11

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China, onde o primeiro globo terá sido construído pela mão do português Manuel Dias 15 e pelo italiano Nicolau Longobardo. No entanto, ainda temos um dilema. Como chegou o globo às páginas impressas d’Os Lusíadas em 1572? Durante cerca de quinze anos Luís de Camões viajou pela Índia, Macau e Moçambique onde ia retocando “as suas Lusíadas”, segundo palavras do seu amigo Diogo do Couto16. Assim, depreendemos que a obra foi escrita nos destinos anteriores, exactamente nos pólos de convergência comercial, cultural e financeira da época. Vejamos agora as estrofes 79 e 80 do Canto X que revelam a essência da ideia de globalização: 79 “Uniforme, perfeito, em si sustido, Qual, enfim, o Arquétipo que o criou. Vendo o Gama este globo, comovido De espanto e de desejo ali ficou. Diz-lhe a Deusa: «o trasunto, reduzido Em pequeno volume aqui te dou Do Mundo aos olhos teus, para que vejas Por onde vás e irás e o que desejas. 80 Vês aqui a grande máquina do Mundo. Etérea e elemental, que fabricada Assim foi do Saber, alto e profundo, Que é sem princípio e meta limitada. Quem cerca em derredor este rotundo Globo e sua superfície tão limada, É Deus; mas o que é Deus ninguém o entende, Que a tanto o engenho humano não se estende.”. A palavra “uniforme” remete-nos para algo unido e, ao mesmo tempo, impossível de ser separado. E a musa adianta que é perfeito como o “Arquetipo”, ou poder superior, “que o criou”. No verso 3 o vocábulo “globo” expressa a oficialização inovadora da descoberta de que a terra era redonda.

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Padre jesuíta nascido em 1574 em Castelo Branco. Estudou em Coimbra e viajou até à Ìndia, Macau e China, tendo lá chegado em 1610. Entre 1625 e 1635 ocupou o cargo de responsabilidade máxima no Colégio dos Jesuítas em Pequim. Em 1614 escreve, em chinês, um livro de 100 páginas intitulado Sumário das Questões sobre os Céus, que está agora a ser estudado por dois investigadores portugueses, Henrique Leitão e Rui Magone, segundo notícia no Jornal O Público de 19 de Junho de 2009. 16 Da Ásia de João de Barros e de Diogo do Couto: dos feitos que os portugueses fizeram no descobrimento dos mares e terras do Oriente, Biblioteca Nacional de Portugal, http://purl.pt/7030.

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Na Idade Média já se desconfiava de que a Terra não era plana, no entanto acreditava-se que plana era a face habitada da Terra. Na realidade, o conceito de Terra esférica já vem da Grécia Antiga. Com Plínio, no primeiro século, tal teoria era muito bem aceite no mundo greco-romano. Nessa mesma época, Ptolomeu aplicou os seus mapas a uma esfera e desenvolveu o sistema de latitudes e longitudes. No entanto, por volta do século VII a Europa ocidental desintegra-se da civilização romana e perde o contacto com o conhecimento científico das origens gregas. Apesar disso o século XII, com o Renascimento, aceita bem o modelo geocêntrico de Ptolomeu. Curiosamente, a opinião de a Terra ser plana ainda prevalecia nas mentes menos esclarecidas do século XVI, pois quem defendia o contrário era ignorado nos círculos intelectuais da época. De regresso a Os Lusíadas, a deusa Tétis insiste em mostrar a Gama essa mesma reprodução, ou transunto17, “para que vejas por onde vais e irás e o que desejas”. Esta visualização do mundo é, sem dúvida, acompanhada da ilustração do que deveria ser a genuína intenção da globalização. Na estrofe 80 o Universo é comparado a uma “grande máquina do Mundo” que, tal como o próprio mundo, é um universo de opostos bem expressos nas palavras “etéria e elemental”. O etéreo, ou irreal, é o antónimo de elemental, ou seja, do que é tão essencial que contém, em si mesmo, os quatro elementos da existência (ar, água, fogo e terra). A infinitude do Mundo é revelada ao homem pela sabedoria do ser criador, Deus, que a inteligência humana não consegue entender. Não podemos deixar de reparar na relação existente entre os heróis e as divindades mitológicas. Por um lado, é bem visível que a obra se serve das divindades mitológicas para dar a conhecer a soberania do Deus dos Cristãos, reduzindo-as a aspectos ornamentais do enredo como resultado da opção estética de ressuscitar o período Clássico, pois a verdadeira elevação humana consiste, na sua essência, em atingir o conhecimento. Por outro, a intrusão dos deuses é, também, uma tentativa de elevação do Homem ao plano do divino. Na Ilha dos Amores os navegadores são protegidos por Vénus e recompensados pelas ninfas, num apelo à quimérica imortalidade. Os avessos encontram-se: no aspecto literário, Vasco da Gama pede ajuda a Deus e recebe auxílio de Vénus. A História, no entanto, reflectia o surgimento de uma realidade oposta. A fase de consolidação do Império Português, que viabilizara os instrumentos políticos e técnicos para a execução das várias rotas comerciais 18, agonizava-se com a adolescente governação de Sebastião (1568).

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Estrofe 79, verso 5. As rotas das Especiarias da Índia e do Ouro da Guiné, estabelecidas durante a subida de João II ao trono (1481) e do reinado do seu filho João III (1521), em que Portugal quase atingiu a hegemonia comercial. 18

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2.2. No Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal A década de quarenta do século XVII já tinha conhecido mais de uma dezena de edições d’Os Lusíadas. O progresso humano, económico e científico, assim como a educação e a sensibilização para um antropocentrismo renascentista, aliadas às produções literárias de índole classicista, faziam da Europa um corpo político cujo elo comum era o Cristianismo e os seus rejuvenescidos tendões de articulação de todos os membros, reflexo da Europa19 geográfica de Camões20. O Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as da Holanda é um índice assaz revelador de um Portugal que se ressente por estar habituado a “vencer e a triunfar”. Vivia-se o atribulado ano de 1640 na cidade da Baía, no Brasil, sob a ameaça da invasão holandesa, e Vieira começa por tentar acordar Deus de um aparente e interminável sono. Justifica tal feito pela expectativa de Lhe ouvir a voz, de acordo com os relatos divinos recebidos pelos antepassados. Com sublime imaginação e inspiração empenha-se em alcançar o humanamente inalcançável, qual balada que lava a alma do pó do quotidiano. Após mais de cem anos de elogiadas conquistas envoltas em generosas recompensas, surgem ameaças inesperadas que a memória colectiva não consegue desvendar. As dúvidas que, sem pedirem licença, se foram instalando na memória colectiva após infrutíferas tentativas de afastar o destino, ganham forma corpórea nas palavras proferidas por Vieira. O púlpito, aquele mesmo que tantas prelecções já ouvira, que entranhara na pedra esculpida os olhares culpados, as expressões de desilusão que Vieira, com a sua arte de bem argumentar, conseguia arrancar aos seus ouvintes, esse mesmo púlpito é hoje, numa morna manhã de um Domingo que teima em não deixar o Sol21 brilhar, não um mero pedestal convertido às palavras sagradas que foram sendo derramadas, mas uma ilha distante. A solidão que Vieira aparenta quando para ele se encaminha é soberbamente fria, como fria e abatida se sente a sua alma. Os degraus de acesso ao púlpito são qual “nesguita de Tejo” 22 para o crescendo de emoções que estamos prestes a vivenciar. Confrontar a Divindade, justificar a sua atitude, recordar episódios bíblicos, aplicá-los à causa própria e expressar preocupação com o que os outros pensam do Deus dos cristãos corresponde ao obstáculo que Vieira tem de superar 19

“Eis aqui, quase cume da cabeça De Europa toda, o Reino Lusitano, onde a terra se acaba e o mar começa (…) Este quis o Céu justo que floreça”, Canto III, estrofe 20, versos 1-3, 5 (com partição dos versos). 20 “Primeiro tratarei da larga terra, Depois direi da sanguinosa guerra”, Canto III, estrofe 5, versos 7 e 8. 21 Veremos, mais à frente, as alusões que Vieira faz a Josué e ao dia mais longo, quando o profeta ordenou ao Sol que não parasse de brilhar até que se acabe o castigo. 22

GARRET, Almeida, Viagens na Minha Terra, Cap. I, Porto Editora, Outubro, 2005.

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para encontrar resposta para a grande e fulcral questão. Afinal, qual é a fé verdadeira? A dos Portugueses ou a dos Holandeses? De entre eles, qual é o povo mais cristão ou, para sermos mais assertivos, o único povo cristão? Vieira não deixa margem para dúvidas ao afirmar que “só a fé romana que professamos é fé, e só ela a verdadeira e a vossa”. Mais tarde, Almeida Garrett dá a resposta ao explicar que “O italiano tinha fé em Deus, o alemão no cepticismo, o português na sua pátria”23. Ora, Vieira ainda não sabia se o grande problema residia no facto de a fé do povo estar colocada no lugar errado. A fé, enquanto elemento espiritual, deve assentar na entidade espiritual que a confirma, corrige e garante. O grande Humanista, aquele homem tão inteiro que enfrenta os olhares assombrados daquele embaciado Domingo, está completamente só! Do alto do pedestal observa os fiéis, mas dirige-se ao seu Deus 24 . A intenção é bem clara: a de O convencer a proteger os Portugueses. Ao longo deste texto vamos encontrar as habituais estratégias de retórica das quais sobressaem sempre o elevado conhecimento repleto de sagacidade e elevado nível de inteligência. Empenhado em persuadir o Senhor a derrotar os inimigos da Pátria, invoca a autoridade das Escrituras Sagradas para ilustrar, perante a plateia de ouvintes, o sofrimento, a angústia e a injustiça experimentados. É mencionando os factos bíblicos que Vieira constrói os seus argumentos em forma de um círculo, atrevemo-nos a dizer de um círculo vicioso, pois tudo começa e termina em Deus. A princípio acorda-O. Depois confronta-O, questiona-O, desafia-O, elogia-O e perdoa-O, fechando o círculo. Reitera todos seus argumentos ao afirmar que esta é uma “verdade certa e sem engano”. Inicia o seu Sermão com o Salmo 43 com o intuito de acordar um Deus que parece ter adormecido justificando, para tal, que “em todas as cláusulas dele veremos retratadas as da nossa fortuna, o que fomos e o que somos”. A mesma legitimidade é estendida aos fiéis com a expressão “Ouvimos (…) as obras maravilhosas, as proezas, as vitórias, as conquistas que por meio dos portugueses obrou em tempos passados vossa omnipotência”. De seguida, reconhece que todas as vitórias foram ganhas por Deus, cuja “mão foi a que venceu e sujeitou tantas nações bárbaras belicosas e indómitas”. E continua descrevendo que tal sujeição implicou a perda de domínio do território por parte dos conquistados e a

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Idem, Cap. VI. “Não hei-de pregar hoje ao povo, não hei-de falar com os homens: mais alto hão-de sair as minhas palavras ou as minhas vozes; a vosso peito divino se há-de dirigir todo o sermão”, Sermão. 24

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ampliação do território lusitano até África, Ásia e América, graças à “vossa dextra omnipotente”. E lança aqui a ideia de que Deus tirou prazer de tudo o que tinha sido feito25. Verificamos aqui um ponto de viragem, quando se serve do versículo 10 do mesmo Salmo para demonstrar a Deus o avesso da sua justiça, pois “vemos isto tudo tão trocado, que já parece que nos deixaste de todo”. Insiste afirmando que os inimigos são como “açoite de vossa justiça” e que os indefesos “velhos, mulheres e meninos (…) morrem como ovelhas inocentes às mãos da crueldade herética”, enquanto outros “perdem a casa e a pátria”. Continua dizendo que não só se perdem os bens e vidas, como também a honra, em que o “nome português” começa a ser afrontado e desprezado pelos hereges. Evidencia aqui uma dualidade. O Passado “que fomos enquanto Deus queria” com a sua identidade e memória, e o Presente em que só resta “a dor” crescente. E aponta um culpado quando afirma que “a causa desta diferença tão notável foi a mudança da monarquia”. Recorda a Deus que esta é uma falsa culpa pois “como Deus é o Rei” é Ele que manda e governa, de acordo com o Salmo 43, versículo 5. E resume que o Deus imutável é que provocou tamanhas mudanças, e não os reis que se foram mudando26. Insiste que “O Reino de Portugal, como o mesmo Deus nos declarou na sua fundação, é reino seu, e não nosso”, isentando o povo de quaisquer culpas. Depois de se queixar da falta de protecção e de misericórdia, de considerar que Deus está a dormir, de insistir para que Ele acorde antes da desgraça final para que “não deixe chegar os danos ao fim”, pergunta qual a razão de tudo aquilo estar a acontecer, porque se esquece Deus “da nossa miséria e não faz caso dos nossos trabalhos?”. E insiste nas mesmas perguntas respondendo que acha que “não tem Deus resposta” mas “tem a obrigação de nos acudir, de nos libertar e de nos ajudar”. Assume querer converter a Deus, já que os pregadores evangélicos foram infrutíferos em “pregar penitência aos homens”, e acrescenta “pois eles se não converteram, quero eu, Senhor, converter-vos a vós”. Assume ser com presunção que exige misericórdia divina e “ainda que nós somos os pecadores, vós haveis de ser o arrependido”. Neste sermão, o Humanista fala mais alto. Ele é todos. É António, o homem e o pensador, mas também Vieira, o padre e o político. Ele é todos amalgamados num só e deixados para trás na recôndita ilha dos desconhecidos intentos divinos. Todos atravessaram as mesmas experiências de expectativa e todos se desiludiram. Não é só um que discursa – todos suplicam Adjuva nos, et redime nos.

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“(…) vos agradastes e dele vos servistes”. “D. Manuel, D. João III ou a fatalidade de um D. Sebastião”.

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Vieira recupera o assunto afirmando que “a causa, Senhor, é mais vossa que nossa”, dando-lhe ênfase mediante a insistência de que é só por “vossa honra e glória, e pelo crédito do vosso nome” fundando tal conjectura, não no conceito divino de justiça, mas na “multidão de vossas misericórdias”. O desespero que se fazia sentir na altura leva um homem cumpridor e dedicado a recorrer a todos os mecanismos, mesmo os menos adequados 27 , para alcançar o fim desejado. Desculpa-se da sua insistência dizendo que, de tanto argumentar, chegará o momento de, também ele, conseguir convencer Deus. E alega legitimidade em fazê-lo, pois “me há-de dar a vossa mesma graça as razões com que vos hei-de arguir”, ou seja, os argumentos que Vieira vai usar serão dados por Deus para esse mesmo efeito. O pregador afirma, ainda, ter razão em defender o seu povo, tal como Moisés defendeu o povo Judeu. Vieira recorda a Deus o episódio de Moisés e do bezerro de ouro. Conota-o de “gravíssimo pecado de idolatria”, em que o povo nega “a divindade ao mesmo Deus, e dando-a a uma estátua muda, que acabaram de fazer das suas mãos, atribuindo-lhe a ela a liberdade e o triunfo”. E continua dizendo que, se pedir ajuda a Deus não for suficiente, sabe que pode contar com a colaboração da Virgem Santíssima. Aqui verificamos como a intervenção de um quarto elemento na Trindade com hipotéticos poderes sobrenaturais, é fruto da religiosa mão criadora do Homem, que tem decidido elevar alguns seres humanos à condição de santos e poderosos. Atrevemo-nos a pensar se não seria essa mesma Virgem Santíssima o bezerro de ouro dos tempos modernos… O Sermão continua com a resposta revelada a Moisés, pois Deus “daquela vez havia de acabar para sempre com uma gente tão ingrata”. Moisés, não se deixando intimidar, “opõese à ira divina e começa a arrazoar”. Vieira justifica a insistência da sua própria interpelação com base no exemplo bíblico de Moisés, aquele líder forte que só não entrou na Terra Prometida porque tinha duvidado de Deus e, aos profetas, aos líderes espirituais, é proibido duvidar! A preocupação expressa pelo que os outros dizem e pensam é também fundamentação para a persistência, “para conservar o crédito, dissimular o castigo”. Estabelece uma triangulação entre o que os “tapuia bárbaro”28, o “índio inconstante”29 e o “etíope bocal”30

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Veremos mais adiante como Vieira deturpa alguns episódios bíblicos para fazê-los encaixar na realidade portuguesa. Refere-se à Ásia. 29 Indígena do Brasil. 30 África. 28

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vão pensar de tamanha afronta divina, uma vez que eles foram baptizados mas não doutrinados. Aqui está bem patente a imposição da Cristianização, mais dedicada à quantidade do que à qualidade dos seguidores. Chama ainda a atenção para o líder calvinista31 ao questionar “porque é que o que nos aconteceu a nós, não lhe aconteceu a ele?”, ou “no herege é premiada a sua lei, e no católico se castiga a nossa?”. E acrescenta “Os ventos e tempestades que decompõem e derrotam as nossas armadas, derrotem e desbaratem as suas”, referindo-se nos mesmos termos em relação às doenças, pestes e à acelerada dizimação de homens que se fazia sentir na altura. Este é o Portugal seiscentista. A Pátria está em crise, definha perante os olhares dos outros depois de ter sido bafejada por quase dois séculos de esplendor. “Mude a vitória as suas insígnias” reclama Vieira do topo do seu ilhéu. Um outro patamar se vislumbra. Desta vez, a atenção do discurso repousa sobre o nobre povo lusitano, “nós (…) tão longe estamos e estivemos” desses “hebreus [que] adoraram o ídolo, faltaram à fé, deixaram o culto do verdadeiro Deus, chamaram deus e deuses a um bezerro de ouro”. Passa a desenrolar os sacrifícios em nome da difusão de uma fé cristã que silenciosamente se deixa derrotar: “muitos deixaram a pátria, a casa, a fazenda, e ainda a mulher e os filhos”. Curiosa é a ordem que Vieira dá às prioridades, que a História confirma ser a Pátria a ocupar o lugar de primazia. Deixando todas as coisas importantes da vida, os portugueses passam a viver numa “miséria desterrados” só porque se recusam a conviver com “homens que se separaram da vossa Igreja”. Ora, questiona o pregador, se “fazem tais finezas os portugueses” porque é que Deus teima em esquecer-se de “tão católicas tribulações?”. E insiste em afirmar que é impossível que Deus continue irado “contra estes fidelíssimos servos”, favorecendo os “infiéis, os excomungados e os ímpios”. A analogia entre Lusitanos e Judeus e a persistência com que Moisés lidou com a ira de Deus, é amplamente desenvolvida no Sermão. A situação calamitosa e de ameaça constante32 que Portugal vive além-mar está, perante todos, exposta. O Pregador vai, agora, desfiar um rosário de exemplos bíblicos que

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“Já que o pérfido calvinista, dos sucessos que só lhe merecem nossos pecados, faz argumento da religião, e se jacta insolente e blasfemo de ser a sua a verdadeira”. 32 “Como pode estranhar vossa divina justiça que useis connosco de misericórdia, depois da execução de tantos e tão rigorosos castigos, continuados não por um dia ou muitos dias de doze horas, senão por tantos e tão compridos anos, que cedo serão doze?”.

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justificam a sua exigência de justiça divina, uma vez que os Portugueses foram escolhidos por Deus para a Cristianização 33. Com o “lastimado” Job, Vieira retoma o tema da fé num Deus que nos quer “sofridos, mas não insensíveis”. Apresenta-nos mais um dos avessos da sua retórica quando compara a injustiça de uns com o favorecimento de outros34. Enaltece a coragem do fiel Job quando clama “Já que não quereis, Senhor, desistir ou moderar o tormento (…) matai-me, consumime, enterrai-me”, para depois não encontrar Deus “a um Job que sirva”. E interioriza esta atitude de Job quando profere “O mesmo digo eu, Senhor, (…). Abrasai, destruí, consumi-nos a todos; mas pode ser que algum dia queirais espanhóis e portugueses, e que não os acheis”. Em Josué enaltece a impaciência35 e a criatividade em mandar que o Sol parasse ou, seguindo fielmente o texto original, “que se calasse” 36 . Para Vieira, razão sublime como aquela têm, também, os portugueses. Pois se os “filhos de Israel passaram às terras ultramarinas do Jordão, como nós a estas” e Josué clama ao Céu e queixa-se a Deus37, muito mais razão acha ele que tem para suplicar que não se entreguem as terras aos “piratas de Holanda”, agora que já estão as cidades edificadas, as terras lavradas, cultivadas e enriquecidas com os “trabalhos portugueses e os suores católicos”. Entretanto, Vieira atreve-se a dar conselhos a Deus, dizendo “Senhor, no que vos pode suceder depois, e que o consulteis com o vosso coração enquanto é tempo, porque melhor será arrepender agora, que quando o mal passado não tenha remédio”. E justifica esta interpelação com o exemplo do Dilúvio. Com Noé menciona que, com a injusta sentença “alagou-se o mundo todo”, comparando aquela com a actual situação de se estar a viver um “futuro dilúvio”. Nem cem anos de orações serviram para Lhe aplacar a ira, até que “romperam-se enfim as cataratas do céu”. O orador reconhece a tristeza de Deus ao ver “ a boiar os corpos mortos” ao ponto de prometer com “propósito firme de nunca mais o fazer” e, uma vez mais, espicaça o discurso ao afirmar que, já que Deus costuma arrepender-se de exercer justiça, “vede o que fazeis antes que o façais; não vos aconteça outra”.

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“(…) à custa de tantas vidas e tanto sangue, mais por dilatar vosso nome e vossa fé – que esse era o zelo daqueles cristianíssimos reis – (…) por ampliar e estender o seu império”. 34 “Parece-vos bem, Senhor, parece-vos bem isto? Que a mim, que sou vosso servo, me oprimais e aflijais? E aos ímpios, aos inimigos vossos os favoreçais e ajudeis? (…) nós, os deixados de vossa mão…”. 35 “(…) menos apurada tinha a paciência (…)”. 36 “Calar mandou o Sol o valente capitão”. 37 “Assim se queixava Josué a Deus, assim nos podemos nós queixar”.

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E recorda a Deus que, certa vez, por amor aos inocentes, “não era bom castigar Nínive”. E se a inocência lusitana não O comove, “também a vós, Senhor, vos há-de alcançar parte do castigo”. Por esta altura, e dita neste contexto, tal expressão assemelha-se-me mais à atitude popular de “rogar uma praga”. Surge um novo rol das desgraças que se seguirão se os portugueses não vencerem as afrontas. Os hereges entrarão nas igrejas e levarão os altares. Embriagar-se-ão com os cálices e vasos sagrados. Partirão e queimarão as imagens, inclusive as de Cristo crucificado e as da Virgem Maria. E Vieira afirma que não se admira que Deus autorize tal blasfémia, uma vez que já as tinha permitido “em vosso santíssimo corpo”. Este é um dos aspectos para os quais importa chamar a atenção do leitor, e que revela o desespero de Vieira em arranjar argumentos para chamar Deus à razão. É também um dos argumentos que o pregador reduz à sua forma humana para lhe dar o uso que lhe apraz, tal como mencionado no início. É do conhecimento geral que a crucificação era prática habitual da época de Jesus, e que era mister que tudo o que está escrito na Bíblia se cumprisse. Ora, está escrito que “sem derramamento de sangue não há remissão de pecados” 38 . Por essa razão, nos tempos do Antigo Testamento, os animais eram sacrificados, entregues em vez das pessoas e com a missão de apagar as transgressões dos pecadores. A partir do momento em que Jesus se entregou em sacrifício na Cruz do Calvário e houve derramamento do Seu sangue, deixaram as imolações de fazer sentido, pois Ele era o Único que podia tomar o lugar de todos, uma vez que Ele é “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”39. Alude a Jeremias, quando este chora pela Jerusalém destruída e compara-a a Portugal, símbolo do povo de Deus de agora. Pergunta se “já não há três dedos que escrevam sentença de morte contra sacrilégios?”, referindo-se à Trindade. E, com enorme imaginação e criatividade, descreve as consequências de os portugueses ficarem despojados das suas conquistas 40 . Para ele, os outros são “hereges” e “lobos” que, se Deus não mudar de opinião, vão tomar posse dos cordeiros, ou almas, que deviam ser entregues aos pastores, ou católicos. São assim “as lástimas, as misérias, os estragos que tenho representado”, acrescenta, pois misericórdia é “o

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Bíblia Sagrada, Novo Testamento, Carta aos Hebreus, cap.9, vers.22. Bíblia Sagrada, Novo Testamento, Evangelho de João, cap.1, vers.29. 40 “Enfim, Senhor, despojados assim os templos, e derrubados os altares, acabar-se-á no Brasil a cristandade católica, acabar-se-á o culto divino, nascerá erva nas igrejas como nos campos, (…). Passará um dia de Natal, e não haverá memória de vosso nascimento; passará a Quaresma e a Semana Santa, e não se celebrarão os mistérios de vossa Paixão. Chorarão as pedras das ruas (…). Não haverá missas, nem altares, nem sacerdotes que as digam; morrerão os católicos sem confissão nem sacramentos; pregar-se-ão heresias nestes mesmos púlpitos e (…) ouvir-se-ão os infames nomes de Calvino e Lutero; beberão a falsa doutrina os inocentes que ficarem, relíquias dos portugueses (…)”. 39

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que vos pedem, tantas vezes prostradas diante de vosso divino acatamento, estas almas tão fielmente católicas”. As consequências do acto de “Desplantar uma nação, como nos ides desplantando, e plantar outra, também é poder (…) em que se manifesta a majestade, a grandeza e a glória da vossa infinita omnipotência é em perdoar e usar de misericórdia”. Vieira quer desenvolver o raciocínio de forma a chegar à seguinte conclusão: ao serem os portugueses castigados, são os mesmos vencidos por Deus. Ao serem os portugueses perdoados, é Deus que vence os Seus próprios instintos pois é “todo-poderoso e infinito”. Esta é a única vitória digna de um Deus, aquela em que a justiça pode ser vencida pela misericórdia 41. Vieira não só utiliza exemplos de heróis bíblicos, mas também refere duas parábolas ensinadas por Jesus. Estas histórias reflectiam cenas do quotidiano da época e eram ilustrações usadas pelo Mestre para ensinar e admoestar os que O seguiam para ouvir os Seus sermões. Da mesma forma, Vieira utiliza-as como forma de demonstração e indução da retórica nos seus sermões. Na parábola do banquete42, associa a escolha dos convidados à escolha de Portugal para conquistar o desconhecido. No banquete, os convidados não compareceram, pelo que Deus mandou entrar os pobres, cegos e deficientes para ocuparem o lugar dos que não aceitaram o convite. De seguida, acusa-O de trocar as regras da vontade divina 43, recordando que “os convidados somos nós”. E insiste que “em tudo parece, Senhor, que trocais os estilos de vossa Providência e mudais as leis de vossa justiça connosco”. Na parábola das dez virgens 44 , António Vieira pretende provar a injustiça das exigências de Deus, uma vez que o Criador faz acepção de pessoas45. De entre todas, só as cinco virgens que tinham azeite nas candeias é que puderam entrar na boda 46. As restantes ficaram do lado de fora. Com isto, o pregador não assume que talvez Portugal já tivesse as suas lanternas apagadas, mas coloca-se na posição contrária quando afirma “por que não nos vale a nós também conservar as lâmpadas da fé acesas, que no herege estão tão apagadas e tão mortas?”.

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“Tanto a Justiça como a Misericórdia são personificadas por Vieira como armas que Deus usa para aplicar a sua majestade e omnipotência”. 42 Bíblia Sagrada, Novo Testamento, Livro Lucas, cap.14 e vers.21. 43 “Os convidados somos nós, a quem primeiro chamastes para estas terras (…) Os cegos e os mancos são os luteranos e calvinistas, cegos sem fé e mancos sem obras”. 44 Bíblia Sagrada, Novo Testamento, Livro Mateus, cap.25 e vers.5. 45 “Todas foram iguais no mesmo descuido”. 46 Numa alusão de que Deus é o Esposo divino.

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Mudando um pouco de assunto, Vieira recorda as origens da Criação e afirma entender que o ser humano não seja material de grande qualidade para Deus pois, “depois de Adão, não criastes homens de novo, que vos servis dos que tendes neste mundo”. Menciona ter sido uma enorme honra para o Homem ser o próprio Deus a criá-lo, a dar-lhe forma e a soprar-lhe a vida, “imprimindo nele o carácter de vossa imagem e semelhança”. No entanto, adianta que “desde aquele mesmo dia, não vos contentastes dele, porque de todas as outras coisas que criastes, diz a Escritura que vos pareceram bem”. O que é absolutamente verdade! Verdade é também o facto de o Homem ter sido o único ser criado à imagem e semelhança de Deus 47 apresentando-se, como tal, desnecessária qualquer referência à excelência da semelhança com o divino. No entanto, e sabendo que Vieira conhecia bem as Escrituras, no versículo 31 do mesmo capítulo 1 de Génesis podemos ler “E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom”, pelo que concluímos pretender o orador a omissão deliberada deste pormenor de forma a fragilizar a imagem que os ouvintes formulavam de Deus. Ainda lhe restam argumentos para criticar as incompreendidas decisões do Altíssimo em dar a vitória à Holanda, àquele “frio e alagado inferno”. Se tal acontecer, Vieira afirma com ironia que a “Holanda vos dará os apostólicos conquistadores, que levem pelo mundo os estandartes da cruz; Holanda vos dará os pregadores evangélicos, que semeiem nas terras dos bárbaros a doutrina católica e a reguem com o próprio sangue; Holanda defenderá a verdade de vossos Sacramentos e a autoridade da Igreja Romana; Holanda edificará templos, Holanda levantará altares, Holanda consagrará sacerdotes, e oferecerá o sacrifício de vosso Santíssimo Corpo; Holanda, enfim, vos servirá e venerará tão religiosamente como (…) em todas as colónias daquele frio e alagado inferno, se está fazendo todos os dias”. Efectivamente, para Vieira, a difusão do Cristianismo e todos os procedimentos a ele ligados eram a infalível alavanca para a conquista de novos mundos. Se assim não fosse, não teria ele citado Camões quando fala no derramar de “tanto e tão ilustre sangue lusitano”, deixando no ar a pergunta “Para que abrimos os mares nunca dantes navegados?”.

3. Conclusão É evidente a alteração do estado de espírito da Nação desde a “onda” dos Descobrimentos até à “onda” da entrega de território. A perda do monopólio do Brasil

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“E disse Deus: façamos o homem à nossa imagem, conforme à nossa semelhança”, Bíblia Sagrada, Génesis, cap.1, vers.26.

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obrigou os Portugueses a contemplarem o continente africano com um olhar diferente. A atitude imperialista mantém-se, e a desculpa da Cristianização permanece válida e vital para a difusão da língua e a aculturação. O efeito psicológico das Descobertas no mundo foi enorme. A disseminação da língua portuguesa, por exemplo, alargou-se rapidamente durante o século XVI pelos quatro cantos do globo transformando-se, principalmente no Oriente, numa língua franca. A cartografia portuguesa e a sua expressão na representação do mundo também permitiu tornarem a imagem da Terra mais real48. É a primeira vez que se tem uma visão dos vários oceanos, com a vantagem do recurso às latitudes, assim como da representação da linha do Equador e trópicos. Este aspecto inovador permitia que as distâncias já não fossem medidas por estimativa, tendo a navegação passado a ser pluri-oceânica e pluri-continental, segundo Jorge Nascimento Rodrigues. A par e passo com tamanha capacidade inovadora, tomámos contacto com um avesso na Ilha dos Amores camoniana em que as divindades gregas, aqueles formosos seres detentores de respostas a perguntas por nascer, desempenham o poder metafísico omnisciente. N’O Sermão, Padre António Vieira dá vida às histórias bíblicas e usa-as como exemplum,49 algemando o discurso à realidade vivida. Na época o mensageiro era, ao mesmo tempo, a mensagem. A forma como o Pregador é visto é tão importante como as verdades que ele transmite, pois há a tendência para interiorizar a imagem que se enxerga. Ali, o diálogo a um Deus aparentemente mudo reflecte o monólogo interior, a voz do próprio pensamento. Mediante o recurso a mecanismos de vivificação de memórias, Vieira constrói um sublime elo entre o Passado e o Presente ao enfrentar as situações adversas experimentadas e ao utilizar os textos sagrados como argumentos detentores de credulidade inquestionável e de evidências válidas. No entanto, há um outro avesso nas palavras proferidas pelas divindades em ambas as obras. Enquanto n’Os Lusíadas as palavras proclamadas pelas divindades não são detentoras de qualquer poder sobrenatural, as passagens bíblicas são portadoras de autoridade máxima e, por isso mesmo, usadas como exemplum. Vieira vira, por diversas vezes, a verdade do avesso mediante hábeis raciocínios de indução. É o avesso da justiça de um Deus que, em toda a sua mudez, deixa os heróis serem

Temos o exemplo do Mapa de Cantino (1502), cujo original se encontra na Biblioteca Estense Universitária da cidade de Modena, em Itália. 49 Termo retórico latino, habitualmente usado na literatura medieval, para uma narrativa curta de carácter moralista, que Maria Teresa do Nascimento refere no capítulo III da sua tese de doutoramento. 48

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vencidos. Surge, também, em Vieira o avesso das ninfas, um Deus que se quer cristão com respostas reveladoras de silêncios. A admirável arte de bem argumentar de Vieira coloca o favorecimento dos “hereges” ao lado da injustiça para com os “fiéis”, qual avesso da História de um povo que quis aportar longe demais. Ao longo do texto do Sermão verificamos uma constante e desesperada luta pela sobrevivência de um povo e pela continuidade da sua identidade nacional. O sucesso lusitano na época das Descobertas foi um mau mestre, pois levou homens inteligentes a acreditarem que jamais voltariam a cair em desgraça. Dos tempos em que os povos veneravam deuses, e a eles suplicavam misericórdia e piedade, julgamos nós hoje não subsistirem resquícios. Sabemos que o ser humano necessita de sentir segurança, que essa é, desde sempre, uma prioridade para o bem-estar do indivíduo. Da mesma forma, é do conhecimento geral o aparecimento de obstáculos ao desenvolvimento e à mudança. A ignorância leva a sentimentos de medo do desconhecido e ainda não controlável. No entanto, é tudo uma questão de tempo. Ao longo do Tempo temos vindo a substituir os deuses que adoramos, e não foi preciso muito para que nos começássemos a curvar perante o silício 50, ou a rogar piedade aos deuses binários. 51 Em 1672 Vieira, desta vez em Roma, mostra-se preocupado com a identidade individual quando prega o seu Sermão de Quarta-Feira de Cinza. Ele começa por afirmar “Lembra-te, Homem, que és pó e ao pó te hás-de converter”. Ora, por estas palavras supomos que já somos pó. Não é difícil entender o pó que somos hoje, mas sim o pó que havemos de ser no futuro. Como, então, distinguir o pó vivo do pó morto? Quando Deus formou Adão, fê-lo do pó. Era pó caído, apenas uma estátua deitada em forma de homem. Depois de lhe soprar o vento, a estátua ganhou vida. Já não era pó caído, era pó levantado. Os vivos são pó levantado, os mortos, pó caído. Que pó é esse e que vento é esse? Vieira esclarece que o pó somos nós e o vento é a vida. Vem o vento e levanta-se o pó, e anda, corre, voa. Acalma o vento, cai o pó.

O silício é um elemento químico com propriedades semelhantes às do carbono, habitualmente utilizado na metalurgia, assim como em dispositivos fotoeléctricos, chips e outros componentes electrónicos, tendo aberto caminho para o desenvolvimento da ciência computacional quântica. 51 Isto porque, hoje em dia, praticamente tudo o que fazemos implica a utilização de um computador. A actividade laboral, a gestão de contactos, as tecnologias de informação e de negócio e até a produção criativa individual, cada vez mais inseparáveis, não são concebidas sem a utilização da tecnologia informática. 50

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Em resumo, Vieira expressa que a existência é uma mera medida de Tempo que, qual movimento circular, vai de pó a pó. Da mesma forma, o elo das conquistas não se expandia com a mesma exuberância. Era só o Futuro a avisar que o vento das caravelas quinhentistas já não soprava com tamanha exultação.

Bibliografia:

CAMÕES, Luís Vaz de, Os Lusíadas, 10 Volumes, com comentários de José Hermano Saraiva e ilustrações de Pedro Proença, numa edição limitada do Jornal Expresso, 2003. Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, Volume II, Selecções do Reader’s Digest, Publicações Alfa, 1985. “Sermão de Quarta-Feira de Cinza (1672)”, in Padre António Vieira Sermões II, História e Antologia da Literatura Portuguesa, Século XVII, nº 37, Fundação Calouste Gulbenkian, Maio 2007. NASCIMENTO, Maria Teresa do, O Diálogo na Literatura Portuguesa – Renascimento e Maneirismo, Dissertação de Doutoramento, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2006. RODRIGUES, Jorge Nascimento e Tessaleno Devezas, Portugal o Pioneiro da Globalização – A Herança das Descobertas, Centro Atlântico, Lda., 2009. VIEIRA, António, Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as da Holanda, Guimarães Editores, SA, 2009.

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