\"O que o queer faz no campo da educação?\" - queerização dos saberes

June 9, 2017 | Autor: I. Santos Filho | Categoria: Queer Theory, Teoría Queer, Queer Linguistics, Linguística Queer
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Resumo “O QUE O QUEER FAZ NO CAMPO DA EDUCAÇÃO?” - QUEERIZAÇÃO DOS SABERES

Por Luana Rafaela dos Santos de Souza - Letras-Ufal (Campus do Sertão) Orientador: Prof. Dr. Ismar Inácio dos Santos Filho O “I Seminário Queer” (Sesc – SP), em 2015, apresenta Guacira Lopes Louro como uma das pioneiras da Teoria Queer, bem como do desenvolvimento deste campo político no Brasil. A autora começou seu discurso com um questionamento importante: “O que o movimento queer pode significar para o campo da educação?”, um campo, para ela, historicamente disciplinador e normativo, entendendo que o queer não traz uma proposta fixa, nem prescrições, porque tem como princípio a desconstrução, e também não nos fornece soluções. Segundo Louro (2015), cabe ao queer pensar o impensável, ou seja, questionar. Desse modo, Louro (2015) provoca o questionamento: “O que o quer faz no campo da Educação?”. No primeiro movimento, de acordo com ela, ele não só amplia, mas também transforma o olhar sob sujeito, gênero e sexualidade. Para essa pesquisadora, tal processo já havia sido feito por militantes e intelectuais ligados aos estudos feministas, aos estudos gays e lésbicos. Diz que as pesquisas, produções e intervenções destes grupos, sejam de maior ou menor intensidade, ganharam conhecimento no campo da educação. De acordo com Louro (2015), esses grupos mostraram a construção dos indivíduos de gênero e sexualidade e também a produção de desigualdade e submetimento que pairavam sobre este campo, e que, assim, o queer amplia e renova esse aspect, não apenas porque traz para o cenário os sujeitos de gênero e sexualidade dissidentes, mas também porque possibilita outros modos de leitura e outras ferramentas de análise. No tocante a lógica binária, que desde sempre governa a compreensão acerca de sexos e gêneros, a pesquisadora diz que essa se revela como insuficiente para que se possa entender os indivíduos que não se enquadram na lógica heterormativa (masculino/feminino, pênis/vagina, naturalização/construção). Ou seja, revela-se insuficiente para que se possa compreender corpos que não se ajustam, sujeitos que transitam de um sexo para outro, de um gênero para o outro, sujeitos que vivem desprezando as normas regulatórias da sociedade. Louro (2015), explica que, como

podemos perceber, essa dualidade macho/fêmea, masculino/feminino, supõe a heteronormatividade. Explica que esta compreensão prega que a heterormatividade seja a forma normal de sexualidade. Logo, para Louro, isso nos faz pensar que na lógica binária não há espaço para pensarmos uma multiplicidade de sexo, gênero e sexualidade. A multiplicidade, que podemos chamar ininteligível, é retirada da lógica binária. Então, o movimento queer denuncia que são muitas as vidas que não importam, esclarece a pesquisadora. Louro (2015) recorre em seu discurso aos postulados de Judith Butler e ressalta que os sujeitos queer são vistos como sujeitos e corpos matavéis, seres tidos como abjetos e a quem até mesmo se nega o estatuto de sujeito. Nessa compreensão, explica a pesquisadora, são seres que deslizam e vivem na/a ambiguidade. Apreendemos com a autora que o queer não é um movimento pedinte, pois não assume uma posição de vítima, nem pede tolerância (acolhimento). Ao contrário, o seu tom é o dos rebeldes, dos sujeitos que expõem suas vidas como se dissessem "estou aqui, me suporte!". Esclarece que para o queer, antes de pedir acolhimento, a sua disposição é para desconstruir o lugar da abjeção, ou seja, mostrar como esse lugar foi construído. Louro (2015) salienta que esse lugar foi construído pela força dos discursos de ódio, pensando para além dos diversos enunciados que ouvimos por aí e que integram o senso comum. Para compreender a expressão discurso de ódio, ela recorre às ideias de Judith Butler, para abordar a força do discurso de insulto e injúrias. O exemplo dado por Louro (2015) ilustra a força do discurso de ódio. Narra um caso que aconteceu com uma amiga sua. Ela começa a contar que a sua amiga estacionou o carro numa rua em Porto Alegre (RS), e que, de repente, apareceu um rapaz, que se dirigiu para a amiga dela e disse “saia do carro, velha, e passe a chave”. Ao ouvir a mulher contar o evento, e nas diversas vezes que a autora também escutava o acontecido, Louro (2015) percebeu a força que sua amiga dava para a expressão “velha”. Essa interpelação tinha tido a força de um xingamento e a mulher se constituía no xingamento, uma vez que chamar uma mulher de velha não é uma descrição, feita pela língua(gem), mas uma produção que construía aquela mulher. Assim, conforme explica Louro (2015), neste sentido, não nos interessa a idade dessa mulher, pois o que importa naquele momento do discurso de ódio é a força da interpelação, pois chamar uma mulher de velha significa colocá-la numa dada posição de sujeito, que é menor, inferiorizada, fragilizada, agregando para essa mulher alguma coisa de fraqueza. Para a pesquisadora, se pensarmos tal situação

em relação a um homem, percebemos que o caso é praticamente o mesmo, porém sobre a mulher recai um peso maior, pois chamar uma mulher de velha confere para ela um estado de desvalor. Segundo Louro (2015), quando alguém é chamado de “criolo”, “bicha”, “viado”, “sapatão” ou “traveca”, esse alguém passa a ser intimado a se reconhecer nessa posição de sujeito, admitindo, desse modo, o caráter performativo da língua(gem), ou seja, que a nomeação produz o indivíduo que nomeia, frisando que tais palavras de insulto não são neutras. Aliás, nehuma palavra é neutral. Essas palavras carregam e têm registros de uma história de ódio e de desprezo. Segundo Louro (2015), Judith Bultler pergunta quem é o autor desses discursos de ódio. Como exemplo, a pesquisadora cita que pode ser um grupo de rapazes, que debocham de um casal de lésbicas, ou os torcedores que estão em um campo de futebol assistindo a uma partida de jogo, e que chamam de bicha os jogadores (ou torcedores) do time adversário. Mas, para ela, devemos pensar se são eles os autores desses discursos de ódio. Explica que eles são agentes dos discursos de ódio, mas não são autores únicos e soberanos, pois as falas desses sujeitos são tributárias de discursos mais amplos e que têm o poder de injuriar, porque retomam uma história de ódio. Nessa compressão, o discurso de ódio recicla, renova e alimentam essa história. Então, para Louro (2015), as falas constituem uma força performativa, a força de instituir aquela posição de indivíduo discriminada, inferiorizada. Tais falas funcionam porque estão de alguma forma ampliadas, amplificadas, diluídas para além daqueles sujeitos. Nesse entendimento, quem insulta não insulta sozinho, porque seu discurso retoma discurso anteriores (outras vozes que constituem a cadeia de enunciados). Essas reflexões têm provocado polêmicas, porque parecem significativas e têm enorme consequências para quem pensa a educação. Quando Louro (2015) propõe-nos pensar a educação, está pensando para além das instituições escola e família, pensando também as instâncias da contemporaneidade que exercem pedagogia, tais como a mídia, a publicidade, o cinema, a televisão, o jornal, a revista, as redes sociais e blogs, e também todas as instâncias médicas, jurídicas, as campanhas de saúde, que, segundo ela, exercitam pedagogia. Por isso, a pesquisadora deseja que as reflexões construídas por ela se ampliem para todos aqueles que percebem o potencial educativo nas ações que exercitam. Ao afirmar que os discursos de ódio são performativo, ou seja, que instituem posições de sujeitos discriminadas e que discursos funcionam para além daqueles que os proferem, a autora

não pretende “desculpar” quem profere e veicula esses discursos, mas aletar para o fato de que a língua(gem) não pode se desconectar de sua história, salientando que ela carrega potencialmente significados futuros que nós não podemos prever. Para a pesquisadora, essas características da língua(gem) sugerem estrátegias de enfrentamento contra os discursos de ódio. A primeira estratégia pensada é a censura, a qual não podemos desprezar numa sociedade como a nossa. Afirma que pode ocorrer que a censura e a lei atinjam ao sujeito que está falando sem conseguir extinguir o discurso que o sustenta e que vai continuar circulando para além dele. Logo, para ela, é preciso pensar outras maneiras que não sejam a censura e a criminalização. Informa que umas dessas formas é desconstruir (ressignificar) os discursos, pensando que uma interpelação pode se constituir num insulto porque tem a força de um xingamento, porque ela é uma citação. Explica que esse conceito foi trabalhado por Jacques Derrida. Nessa lógica, a citação repete algo no qual reconhecemos o inferiorizante, porque se ela estivesse repetindo algo que nós não reconhecemos como inferiorizante, ela perderia esse tipo de efeito. Assim, devemos refletir que descontruir i) significa mostrar como essa posição inferiorizante foi construída; ii) mostrar como se produziu esse lugar abjeto; iii) apontar quais as condições que possibilitaram que determinados sujeitos se tornassem desprezados; iv) discutir como, quando e de que forma a heteressexualidade se tornou a forma normal e natural de sexualidade e v) mostrar que recursos foram ultilizados para empurrar as outras formas de sexualidade para a abjeção. Proceder tais tipos de análises, pode se constituir uma ferramenta importante para expôr e para enfraquecer esses discursos. Traz, dessa maneira, para o cenário a propriedade que a língua(gem) tem que é de ser citada e repetida em muitos e diferentes contextos. Ela também sugere a possibilidade de usar a língua(gem) de outra forma, pensando até na possibilidade de subverter a língua(gem). Outra via que pode ser colocada para lidarmos com os termos de insulto é a ressignificação. Explica que é dessa maneira que muitos grupos historicamente subordinados (negros, mulheres, gays, lésbicas) têm usado, no sentido, de assumir aqueles nomes que historicamente lhe feriam. É nesse processo de apropriação e ressignificação que o sujeito que sofre o insulto passa a assumir com orgulho as palavras de injuria que lhe são dirigidas. São indivíduos que circulam nas ruas, nas escolas, que produzem discursos, fazem pesquisas com as questões que lhe interessam, fazem cinema com a sua estética, enfim, mostram seu rosto.

O movimento queer está dizendo tudo isso, para pensar o campo da educação; está promovendo uma subversão do prórprio pensamento, porque o potêncial político do queer vai muito além das questões de sexualidade. Esse potencial teria um impacto muito pequeno se se limitasse a tratar o queer apenas como um tema, como uma teoria da moda, ou mesmo como mais um grupo de sujeitos. Louro (2015), dessa maneira, compreende que a subversão do queer, na sua radicalidade, implica tentar romper com a lógica dominante do binarismo de gênero e sexualidade. Nesse sentido, explica que cabe problematizar i) a lógica que rege a nossa cultura e ii) o que conhecemos e o modo como conhecemos, uma vez que a subversão reside no momento da não inteligibilidade, ou seja, a partir do ponto por meio do qual não se consegue explicar ou pensar. Nessas considerações, entende que tal fato permite colocar em questão as formas como nós conhecemos algumas coisas e não conhecemos/desconhecemos outras. Ou seja, trata-se de questionar as condições que permitem ou que impedem o conhecimento (o próprio limite do conhecimento). Para a pesquisadora, é a postura de indagar o que e quem uma dada cultura permite conhecer e, no outro pólo, o que e quem ela se recusa a conhecer. Louro (2015) diz-nos que há sujeitos que podem ser pensados no interior de uma cultura e outros que são impensáveis ou ininteligíveis, porque não se enquadram numa lógica de referência da cultura dominante. Mas, afirma que o queer caminha no sentido de problematizar esses sujeitos, práticas e saberes, uma vez que eles transgridem toda a imaginação e se tornam

imcompreensíveis,

impensáveis,

e,

desse

modo,

passam

a

ser

negados/ignorados. Para Louro (2015), são esses tipos de questões que ajudam a desconstruir o conhecimento estabelecido, questões que buscam analisar como foi construído esse conhecimento legitimado/consagrado. Assim, o queer no campo da educação significa formular e colher curiosidades impertinentes, perguntas inconvenientes; implica transformar o jeito de educar. Ou seja, não se trata somente de inserir o queer na educação como uma nova teoria, pois não funciona combinar o queer com as linguagens, com as técnicas e os procedimentos tradicionais de conhecer, de pesquisar, de ensinar e de aprender, pois o novo saber com as velhas formas de expressão não subvertem, pois dentro de um tempo o novo se torna acomodado, cristalizado. Logo, o novo fica velho. Para Louro (2015), pensar oqueer na educação implica subverter os

modos tradicionais e questionar a educação continuamente como uma espécie de desassossego.

Referência LOURO, Guacira Lopes. “O que o queer faz no campo da educação?” In. Educação e Saúde: Aprendizados. I Seminário Queer. Sesc. 26’20”. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=7KLMTn42lzE >. Acesso em 28 de dezembro de 2015.

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