O SENTIDO DO TERMO \"CÉU\" NOS FRAGMENTOS DE ANAXIMANDRO

June 14, 2017 | Autor: Edmilson Barbosa | Categoria: Anaximander, Anaximandro, Filosofía natural, Cosmologia, Filosofia da natureza, Céu
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O SENTIDO DO TERMO CÉU NA OBRA DOS PRIMEIROS FILÓSOFOS: ANAXIMANDRO

Simplício, Comentário à Física, 24.13 (DK. 12 A 9). “Tw=n de\ e)\n ka\i kinou/menon ka\i a)/peiron lego/ntwn )Anaxi/mandroj me\n Praxia/dou Milh/sioj Qalou= geno/menoj dia/docoj ka\i maqhth\j a)rch/n te ka\i stoicei=on ei)/rhke tw=n o)/ntwn t\o a)/peiron, prw=toj tou=to tou=noma komi/saj th=j a)rch=j. le/gei d / au)th\n mh/te u(/dwr mh/te a)/llo ti tw=n kaloume/nwn ei)=nai stoicei/wn, a)ll / e(te/ran tina\ fu/sin a)/peiron, e)x h(=j a(/pantaj gi/nesqai tou\j ou)ranou\j ka\i tou\j e)n au)toi=j co/smouj. e)x w(=n de\ h( ge/nesi/j e)sti toi=j ou)=si, ka\i th\n fqora\n ei)j tau=ta gi/nesqai k ( ata\ to\ krew/n, dido/nai ga\r au)ta\

di/khn ka\i ti/sin a)llh/loij th=j a)diki/aj kata/ th\n tou= cro/nou ta/xin ), poihtikwte/roij ou(/twj o)no/masin au)ta\ le/gwn”.

“Entre os que admitem um só princípio que move e é infinito, Anaximandro de Mileto, filho de Praxíades, sucessor e pupilo de Tales, disse que o princípio e elemento das coisas era o ápeiron, tendo sido ele o primeiro a introduzir este nome do princípio. Diz ele que tal princípio não é nem água nem qualquer outro dos chamados elementos, mas uma outra natureza - ápeiron - de que provêm todos os céus e os cosmos neles contidos. E a fonte da geração das coisas que existem é aquela em que se verifica também a destruição ‘segundo a necessidade, pois pagam castigo e retribuição umas às outras, pela sua injustiça, de acordo com o decreto do Tempo’, sendo assim que ele se exprime, em termos assaz poéticos” 1.

Antes de tudo, convém apontar para o fato de que o pensamento propriamente de Anaximandro está contido dentro deste comentário que Simplício faz a respeito do filósofo e que este muito provavelmente foi feito em função da leitura do livro de Teofrasto chamado fusikw=n doxw=n (Opiniões dos Físicos) onde o mesmo filósofo é abordado, sendo, dos comentários tardios existentes, aquele que é considerado o mais fiel a este. No entanto, não se sabe se Teofrasto chegou a ter contato direto com a obra de Anaximandro, bem como se as idéias implícitas na voz do filósofo foram bem interpretadas pelo mesmo e, por conseqüência, se o comentário de Simplício consegue reproduzir, ao longo de toda esta transmissão, as idéias originais de um filósofo que escreveu em torno 500 a.C e cujas palavras foram registradas por Teofrasto somente dois séculos depois, tendo sido comentadas por Simplício somente no século VI da nossa era, ou seja, 11 séculos depois do filósofo ter emitido tais palavras2. Kahn3 chega a escrever extensivamente sobre o assunto e observa que outros comentadores antigos, tais como Aécio e Pseudo-Plutarco, reinterpretaram as palavras originais do filósofo à luz do atomismo de Demócrito que concebia uma infinidade de

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SIMPLÍCIO, Comentário à Física, 24.13 (DK. 12 A9). Tradução: KIRK & Raven, 2005, pp. 106-107, ligeiramente alterada por mim. 2 Para maior compreensão de toda esta situação que envolve a transmissão das palavras originais de Anaximandro, vide KIRK & RAVEN, 2005, p. 105; BURNET, 1994, pp. 59-61; e KAHN, 1994, pp. 11-24. 3 KAHN, 1994, pp. 34, 35, 47, 50, 89, 234, 237, 238.

mundos, sem que contudo esta tese estivesse mesmo contida, tanto nos comentários de Teofrasto, quanto nas próprias palavras de Anaximandro. Este fato, aliás, é importante para os fins desta monografia porque recai justamente sobre o termo que aqui se encontra sob análise: o( ou)rano/j (o céu). Para Kahn, nenhum destes dois comentadores antigos poderia entender o que se encontrava significado pelo plural ko/smoi dentro do plural ou)rano/i no trecho do fragmento em questão que diz “de que provêm todos os céus e os cosmos neles contidos”. O termo ko/smoi estava associado para um comentador helenístico aos “infinitos mundos” da teoria atomista e parece que ambos identificaram o termo supostamente utilizado por Anaximandro com esta doutrina. Pseudo-Plutarco4, por exemplo, refere-se vagamente aos céus (ou)ranoi) e em geral a todos os cosmos infinitos (ko/smoi), como se o segundo termo fosse o sinônimo mais universal para o primeiro. Mas o procedimento de Aécio5 é mais radical: ele simplesmente ignora a referência original aos céus (ou)ranoi/), tanto que a doutrina dos mundos inumeráveis aparece em seu comentário em todo o seu esplendor. Por isso, como estas versões tardias diferem tão patentemente daquela de Teofrasto, torna-se uma questão muito discutível saber se elas podem, de fato, atribuir uma pluralidade e infinidade de mundos a Anaximandro. No mais, continua Kahn, se foi o próprio Anaximandro quem falou de “todos os céus”, a frase necessariamente não deveria significar uma pluralidade de mundos, como provavelmente significaria se Teofrasto fosse seu autor. A terminologia do sexto século de Mileto é largamente desconhecida e não se pode simplesmente identificá-la com a do quarto século. Tudo o que realmente se depreende das declarações de Teofrasto, bem como das de Aristóteles, seu mestre, é que Anaximandro falou de uma pluralidade de céus contendo uma pluralidade de cosmos e que ambos estão incluídos dentro de uma grande massa circunzivinha de a)/peiron eterno da qual eles emergiram, tal como estes outros comentários deixam também a entender:

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PSEUDO-PLUTARCO, Miscelâneas, 2 (D. 579):“ἐξ οὗ δή φησι τούς τε οὐρανοὺς ἀποκεκρίσθαι καὶ καθόλου τοὺς ἅπαντας ἀπείρους ὄντας κόσμους”. 5 AÉCIO, de Plac, I 3, 3 (D. 277): “ἐκ γὰρ τούτου πάντα γίγνεσθαι καὶ εἰς τοῦτο πάντα φθείρεσθαι. διὸ καὶ γεννᾶσθαι ἀπείρους κόσμους καὶ πάλιν φθείρεσθαι εἰς τὸ ἐξ οὗ γίγνεσθαι”.

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“τοῦ δὲ ἀπείρου οὐκ ἔστιν ἀρχή... ἀλλ’ αὕτη τῶν ἄλλων εἶναι δοκεῖ καὶ περιέχειν ἅπαντα καὶ πάντα κυβερνᾶν ... καὶ τοῦτ’ εἶναι τὸ θεῖον· ἀθάνατον γὰρ καὶ ἀνώλεθρον, ὥσπερ φησὶν Ἀναξίμανδρος καὶ οἱ πλεῖστοι τῶν φυσιολόγων.” “O a)/peiron não tem princípio.... mas é este que parece ser o princípio das outras coisas ... E isto é o divino, por ser imortal e indestrutível, como dizem Anaximandro e a maioria dos filósofos naturais”6. “Ἔνιοι γὰρ ἓν μόνον ὑποτίθενται, καὶ τοῦτο οἱ μὲν ὕδωρ, οἱ δ’ ἀέρα, οἱ δὲ πῦρ, οἱ δ’ ὕδατος μὲν λεπτότερον, ἀέρος δὲ πυκνότερον, ὃ περιέχειν φασὶ πάντας τοὺς οὐρανοὺς ἄπειρον ὄν.” “De fato, alguns supõem que existe uma única substância, e essa substância supõem uns que é a água, outros o ar, outros o fogo, outros algo mais sutil do que a água e mais denso do que o ar; é ela, no seu dizer, que circunda todos os céus, por ser infinita”7.

Ademais, para Kahn, é possível que a declaração de Anaximandro fosse tão breve e sua terminologia tão pouco familiar, que Teofrasto e Aristóteles simplesmente parafrasearam suas palavras sem se aventurar a decidir se elas tinham ou não concepção idêntica aos ko/smoi dos atomistas, sem que, contudo, os comentadores mais tardios tivessem a mesma cautela. Por isso, se Teofrasto e Aristóteles não estavam certos em relação ao que Anaximandro quis dizer com “todos os céus e todos os cosmos neles contidos”, talvez seja uma imprudência mesmo se arriscar a adivinhar. O que se pode imaginar, como o próprio Kahn faz, é que Anaximandro de fato percebeu que a investigação sobre “um ponto inicial” era decisiva para a explicação do universo, tendo encontrado uma origem (a)rch/) que, pela sua própria natureza, seria capaz de gerar o mundo. Ademais, ele aceitou como fato inquestionável que uma coisa poderia surgir para fora da outra, expressando este fato no modo mais significante que ele ou qualquer homem de seu tempo poderia imaginar: pela analogia com a geração das coisas vivas. Ele concluiu que, desde que os constituintes principais do mundo estão num contínuo e recíproco processo de transformação, eles devem ter emergido de alguma fonte mais permanente que é parcialmente ou totalmente desconhecida para nós, mas que deve ser a tal ponto de oferecer um estoque inexaurível tanto de matéria quanto de ação geradora visto que tal fonte não pode ser reduzida a termos materiais e quantitativos, não sendo somente a matéria, mas o motor do mundo, da vida, sendo a “divina força” presente na mudança natural. Ele chamou esta fonte desconhecida do mundo de to\ a)/peiron e identificou isso com o corpo externo igualmente misterioso que agarra e envolve o mundo visível em seus braços.

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ARISTÓTELES, Física, G 4, 203 b7. Tradução: Kirk & Raven, 2005, p. 115, ligeiramente alterada por mim. ARISTÓTELES, Sobre O Céu, G 4, 203 b7. Tradução: Kirk & Raven, 2005, p. 115.

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Por isso, se há algo que podemos contar como “mais certo”, é que o a)/peiron parece ser, por definição, inesgotável, não sendo nem o ar, nem a água, nem mesmo qualquer coisa deste tipo e, diferentemente destes elementos, não se torna em outra coisa senão o que já é, sempre retornando a si mesmo, sendo que o seu movimento e sua vida ativa permanecem para sempre e a sua existência não é afetada nem pela idade e nem pela morte – e isto porque ele é, em resumo, imortal, incorruptível e divino. Mas, se a certeza que podemos ter sobre o sentido de to\ a)/peiron é ao menos relativa, já o sentido atribuído tanto aos céus quanto aos cosmos continuam perpetrado de sombras, gerando várias hipóteses e imensas dúvidas. Todas elas estão associadas, é claro, à própria cosmogonia e à estrutura da cosmologia de Anaximandro que se encontra também expressa pela seguinte doxografia: “φησὶ δὲ τὸ ἐκ τοῦ ἀιδίου γόνιμον θερμοῦ τε καὶ ψυχροῦ κατὰ τὴν γένεσιν τοῦδε τοῦ κόσμου ἀποκριθῆναι καί τινα ἐκ τούτου φλογὸς σφαῖραν περιφυῆναι τῶι περὶ τὴν γῆν ἀέρι ὡς τῶι δένδρωι φλοιόν· ἧστινος ἀπορραγείσης καὶ εἴς τινας ἀποκλεισθείσης κύκλους ὑποστῆναι τὸν ἥλιον καὶ τὴν σελήνην καὶ τοὺς ἀστέρας.” “Ele diz que o que produz, a partir do eterno, o calor e o frio, se separou quando da geração deste cosmo e que a partir dele uma espécie de esfera de chama se formou em volta do ar que circunda a Terra, como a casca em redor de uma árvore. Quando esta esfera estalou e se encerrou em determinados círculos, foi então que se formaram o Sol e a Lua e os Astros”8. “pro\j de\ tou/tJ ki/nhsin ai)/dion ei)=nai, e)n V(= sumbai/nei gi/nesqai tou\j ou)ranou/j”. “Além disto, disse que o movimento era eterno, do que resulta que se originem os céus”9.

“ἐν τούτοις γὰρ ἀεὶ φέρεται τὰ μείζω καὶ βαρύτερα πρὸς τὸ μέσον τῆς δίνης. Διὸ δὴ τὴν γῆν πάντες ὅσοι τὸν οὐρανὸν γεννῶσιν, ἐπὶ τὸ μέσον συνελθεῖν φασίν”. “É que nestes elementos, os objetos maiores e mais pesados são sempre levados para o centro do vórtice. Por isso, todos os que dizem que o céu foi gerado, afirmam que a terra se reuniu no centro”10.

“τὴν δὲ γῆν εἶναι μετέωρον ὑπὸ μηδενὸς κρατουμένην, μένουσαν δὲ διὰ τὴν ὁμοίαν πάντων ἀπόστασιν”. “a Terra está suspensa no ar, sem que nada a segure, mas mantém-se firme pelo fato de estar a igual distância de todas as coisas”11. 8

PSEUDO-PLUTARCO, Miscelâneas, 2 (DK. 12 A 10). Tradução: Kirk & Raven, 2005, p. 131. HIPÓLITO, Refutações, 1, 6, 2 (D. 559W10). Tradução: Kirk & Raven, 2005, p. 127. 10 ARISTÓTELES, Sobre o Céu, B 13, 295a 7. Tradução: Kirk & Raven, 2005, p. 127. 11 HIPÓLITO, Refutações, I, 6, 3 (DK. 11.3 A). Tradução: Kirk & Raven, 2005, p. 134. 9

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“ὑπάρχειν δέ φησι τῶι μὲν σχήματι τὴν γῆν κυλινδροειδῆ, ἔχειν δὲ τοσοῦτον βάθος ὅσον ἂν εἴη τρίτον πρὸς τὸ πλάτος”. Ele diz que a Terra tem forma cilíndrica, e que a sua profundidade é um terço da largura”12.

“τὰ δὲ ἄστρα γίνεσθαι κύκλον πυρός, ἀποκριθέντα τοῦ κατὰ τὸν κόσμον πυρός, περιληφθέντα δ' ὑπὸ ἀέρος. ἐκπνοὰς δ' ὑπάρξαι πόρους τινὰς αὐλώδεις, kaq' οὓς φαίνεται τὰ ἄστρα· διὸ καὶ ἐπιφρασσομένων τῶν ἐκπνοῶν τὰς ἐκλείψεις γίνεσθαι.” “Os astros nascem como círculos de fogo separados do fogo do cosmos, e cercados de ar. Há respiradouros, determinadas aberturas como as da flauta, aos quais aparecem os astros; consequentemente, os eclipses dão-se quando os respiradouros são obstruídos”13.

“Αναξίμανδρός [τὸν ἥλιον] κύκλον εἶναι ὀκτωκαιεικοσαπλασίονα τῆς γῆς, ἁρματείωι τροχῶι παραπλήσion, τὴν ἁψῖδα ἔχοντα κοίλην, πλήρη πυρός, κατά τι μέρος ἐκφαίνουσαν διὰ στομίου τὸ πῦρ ὥσπερ διὰ πρηστῆρος αὐλοῦ.” “Anaximandro diz que o sol é um círculo 28 vezes maior do que a Terra, como a roda de um carro com o aro oco e cheio de fogo, e que deixa ver o fogo num dado ponto através de uma abertura, como se fosse através da tubuladura de um fole” 14.

“Αναξίμανδρός ὑπὸ τῶν κύκλων καὶ τῶν σφαιρῶν, ἐφ' ὧν ἕκαστος [ἀστήρ] βέβηκε, φέρεσθαι [τοὺς ἀστέρας]”. “Anaximandro diz que os astros são transportados pelos círculos e esferas em que cada um deles se desloca”15.

É certo que cada um destes fragmentos se constitui num tijolo com que podemos reconstruir e visualizar a mecânica celeste instituída por Anaximandro16 e que, de acordo com Lloyd17, revela a primeira tentativa do ocidente em descrever os movimentos dos astros e outras variedades de fenômenos celestes através um modelo mecânico, tais como os eclipses e as formas circulares referenciadas pelos termos círculo (ku/klon) ou esfera (sfai=ra), sobre os quais se debruçam tanto os comentadores modernos na tentativa de compreender inclusive o que significam “os céus e os cosmos neles contidos” na sentença de Anaximandro aqui analisada. Algumas destas referências provavelmente surgiram em função do modo como 12

PSEUDO-PLUTARCO, Miscelâneas, 2. Tradução: Kirk & Raven, 2005, p. 134. HIPÓLITO, Refutações, 1, 6, 4 (D. 559W10). Tradução: Kirk & Raven, 2005, p. 135, ligeiramente alterada por mim. 14 AÉCIO, II, 20, 1 (D. 348). Tradução: Kirk & Raven, 2005, p. 136. 15 AÉCIO, II, 16, 5 (D. 345). Tradução: Kirk & Raven, 2005, p. 136. 16 Vide Anexo 3. 17 LLOYD, 1992, pp. 310, 315. 13

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Aristóteles interpretou a cosmogonia postulada por “todos aqueles que disseram que o céu foi gerado”, bem lembrada por Burnet18: a gênese do mundo se deu através de um movimento rotatório característico de um turbilhão (di/nh), proporcionando a formação de uma série de círculos ao longo deste processo, levando as coisas mais pesadas a ocuparem uma posição central enquanto as coisas mais leves se dirigiram para a periferia. E, como vemos nos fragmentos citados, esta formas circulares representam objetos bastante variados: ora se referem a uma esfera formada ao longo da geração do mundo bem como aos próprios astros celestes, ora aos círculos ou anéis que apresentam orifícios por onde vaza a luminosidade dos astros, ora ao caminho e à faixa que estes descrevem e perfazem. Lloyd aponta para o fato de que Heidel acha o termo esfera impróprio ao vocabulário de Anaximandro, dado que os doxógrafos mais tardios não foram suficientemente críticos ao atribuir aos primeiros cosmólogos noções típicas de Eudoxo, astrônomo que ficou conhecido pela sua teoria das esferas planetárias concêntricas19. No entanto, cabe lembrar que é reputada a Pitágoras a primeira menção sobre a esfericidade da Terra e, provavelmente, do universo em torno dela20 e que Anaximandro deve ter tido conhecimento de tal empreendimento como alguns comentadores suspeitam, em função da estrutura geométrica presente em seu mecanismo celeste. Um levantamento do modo como Homero e Hesíodo se utilizaram dos termos círculo e esfera nos mostra que o primeiro foi abundantemente empregado, enquanto o segundo, não. Isto pode nos levar a pensar que a idéia de círculo era muito mais familiar ao grego antigo. Homero, por exemplo, se utiliza do termo para expressar a idéia de objetos redondos e circulares, tais como rodas, escudos e a curvatura necessária ao arco para lançar a flecha, bem como o ato de dispor coisas em círculo, cercando algo, expresso pelo verbo kukle/w21. Mas, na maioria das vezes, o termo é empregado para se referir ao Cíclope (Ku/klwy)22 e que em Hesíodo só surge para definir a característica que levou este monstro a ter este nome: “eram conhecidos pelo nome de Cíclopes, porque tinham este só olho circular na testa”23. Já o termo esfera não foi utilizado por Hesíodo na Teogonia e nos Trabalhos e Dias, enquanto Homero 18

BURNET, 1994, pp. 61-62 e 64-67. O Comentário de Aristóteles em questão se encontra exposto acima. Vide Anexo 1. 20 Vide Anexo 1. 21 HOMERO, Ilíada, D, 124, 212; E, 722; H, 332; L, 33; M, 297; R, 392; S, 375, 504; U, 280; Y, 340. Odisséia, D, 792; Q, 278; R, 209. 22 HOMERO, Odisséia, A, 69; B, 19; Z, 5; H, 206; I, 106, 117, 125, 166, 275, 296, 316, 319, 345, 347, 357, 362, 364, 399, 415, 428, 474, 475, 492, 502, 510, 548; K, 200, 435; M, 209; U, 19; Y, 312. 23 HESÍODO, Teogonia, 144-145: “Κύκλωπες δ’ ὄνομ’ ἦσαν ἐπώνυμον, οὕνεκ’ ἄρά σφεων / κυκλοτερὴς ὀφθαλμὸς ἕεις ἐνέκειτο μετώπῳ”. Tradução: Pinheiro e Ferreira, 2005, p. 45. 19

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se utiliza dele para se referir exclusivamente à bola com que as pessoas brincam e jogam24. No entanto, não podemos nos esquecer de que Hesíodo chega a se referir “às estrelas resplandecentes e a tudo quanto coroa (stefa/nwtai) o céu”25 – uma referência que parece indicar tanto nobreza quanto uma forma circular que se fecha e impõe um limite. Tudo isto nos leva a crer que Anaximandro deve ter se apropriado do termo círculo para constituir a forma que por excelência viria a caracterizar a sua visão do que existe em torno da Terra, excetuando a hipótese de que o filósofo, num ato genial, projetara a forma esférica da bola nesta região – projeção que a princípio pode ser tomada como imprópria na medida em que a própria Terra fora definida como cilíndrica, levando-nos a perguntar se seria possível, para o filósofo, conceber um mecanismo em torno da Terra que não fosse também cilíndrico. No entanto, não podemos nos esquecer de que, acordo com Hipólito, Anaximandro sugerira a forma esférica, dado que dissera que a Terra está suspensa no ar e a igual distância de todas as coisas. A discussão, portanto, entre o termo legitimamente empregado pelo filósofo e tudo aquilo que ele já deixava sugerir parece infindável. Mas, se atentarmos para os usos arcaicos destes dois termos, veremos que eles preservam sentidos que podem ter se apresentado aos olhos de qualquer filósofo natural como bastante fecundos: enquanto o termo círculo se refere a algo que se dispõe e se ordena de forma circular, já o termo esfera se refere a algo que possui uma propriedade a mais que a primeira forma não possui: volume. Será que um filósofo natural não veria no termo sfai=ra o sentido mais adequado para se referir à dimensão espacial, enquanto o termo ku/klon se mostraria mais adequado para se referir a uma sucessão temporal cíclica, tal como aquela que se revela ao longo das estações do ano que se sucedem? É no que Mondolfo26 acredita. Para ele, o termo ku/klon expressa a visão preferida que o grego tinha sobre a passagem do tempo em seu caráter cíclico perpétuo que viria a se consagrar na imagem que o poeta cômico Hermipo teve sobre o ano27, vendo-o como um ser redondo, girando em círculo e incluindo em si todas as coisas, rodando em torno de toda a Terra e nos gerando e que, por ser circular, não apresenta princípio e nem fim, não cessando nunca de rodar seu corpo a cada dia. Porém, para este comentador, o movimento eterno gerado pelo ápeiron implica numa propagação que é tanto temporal quanto espacial, num 24

HOMERO, Odisséia, Z, 100, 115; Q, 372, 377; Ilíada, N, 204. HESÍODO, Teogonia, 382. 26 MONDOLFO, 1968, pp. 69-73, 264-271, 288-289, 332-333. 27 HERMIPO, fragmento 4: ““ἐκεῖνός ἐστι στρογγύλος τὴν ὄψιν, ὦ πονηρέ / ἐντὸς δ' ἔχων περιέρχεται κύκλῳ τὰ πάντ' ἐν αὑτῷ / ἡμᾶς δὲ τίκτει περιτρέχων τὴν γῆν ἁπαξάπασαν /ὀνομάζεται δ' ἐνιαυτός, ὢν δὲ περιφερὴς τελευτὴν / οὐδεμίαν οὐδ' ἀρχὴν ἔχει, κυκλῶν δ' ἀεὶ τὸ σῶμα / οὐ παύσεται δι' ἡμέρας ὁσημέραι τροχάζων”. 25

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movimento que vai se estendendo progressivamente tanto no tempo quanto no espaço; ademais, a noção de uma extensão espacial propriamente esférica se encontrada atestada pelo fragmento que diz que a Terra está a igual distância de todas as coisas, além da possibilidade do filósofo ter se inspirado na cosmogonia órfica que via a formação do mundo através de uma forma esférica: o ovo, de cujas metades nascem o Céu e a Terra, relembrado inclusive na comédia Aves de Aristófanes28. Considerando, portanto, as observações deste comentador, parece que a noção de um extensão esférica, tanto temporal quanto espacial, fora urdida por Anaximandro, pouco importando o termo que fora legitimamente empregado por ele. No que tange a esta monografia, cabe de novo ressaltar que os sentidos que se encontram expressos nos dois termos em questão, ora de forma mais explícita, ora de forma mais implícita, são a própria matéria-prima sobre a qual se debruçam os comentadores na tentativa de desvendar o que significam os céus e os cosmos nele contidos para Anaximandro, se tornando portando extremamente necessário ter tudo isso em mente para se compreender as observações que se seguirão. Para Kahn, ao longo da sua análise, é certo que o termo ku/klon, no singular, fora usado para significar uma forma esférica, particularmente para designar a esfera dos céus, tal como vemos em Empédocles e em Heródoto29. No entanto, como tal termo fora empregado pelo filósofo no plural (ku/kloi), não devemos imaginar nem círculos isolados nem propriamente uma esfera, mas, sim, amplas faixas visto que o céu noturno podia facilmente ser representado como uma série de faixas ou zonas circulando o pólo. Esta concepção simples, aliás, já era familiar aos antigos, pois algumas autoridades helenísticas seguidas por Aécio reputavam a divisão do todo da esfera celeste em cinco faixas a Tales, Pitágoras e seus seguidores30 e, mesmo supondo que esta concepção helenística não vigorasse na Mileto do século VI, há de se considerar o sistema de três “caminhos ou cintos” utilizado pelos Babilônios para representar as estrelas fixas, expresso num dos dois textos datados do século

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Kirk & Raven escreveram um capítulo inteiro sobre o assunto, referenciando as fontes originais mencionadas por Moldolfo: DAMÁSCIO, De Principiis, 123 (DK. 1B 12 e B 13), ATENÁGORAS, Pro Christianis, 18 (DK. 1B 13), ARISTÓFANES, Aves, 693. KIRK & RAVEN, 2005, pp. 15-28. 29 CLEMENTE, Miscelâneas, 48, 3 (DK. B 38.4):”Τιτὰν ἠδ' αἰθὴρ σφίγγων περὶ κύκλον ἅπαντα”. HERÓDOTO, I, 131.2: (oi( Pe/rsai) τὸν κύκλον πάντα τοῦ οὐρανοῦ Δία καλέοντες”. 30 AÉCIO, Vors, II A 13c: “ku/klouj pe/nte, ou)=stinaj prosagoreu/ousi xw/naj” = “cinco círculos, aqueles chamados de zonas (ou cinturões)”. Tradução do autor. É de se notar também o fragmento DK. B120 sobre Heráclito, de Estrabão, Geografia, I, 1, 6: “ἠοῦς καὶ ἑσπέρας τέρματα ἡ ἄρκτος καὶ ἀντίον τῆς ἄρκτου οὖρος αἰθρίου Διός” = “Os limites da Aurora e do Crespúsculo são a Ursa e, oposta à Ursa, o guardião do sereno Zeus”. Tradução: KAHN, 2009, p. 77, ligeiramente alterada por mim.

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VII conhecidos pelo nome de Mul Apin e que descreve, como explica Neugebauer31, como as estrelas fixas estão arranjadas em três “caminhos”, sendo que o do meio ilustra um cinto equatorial com 30 graus de largura. Por conta disso, Kahn retomará uma sugestão que foi feita por Zeller e revivida por Cornford para explicar o que sejam “os céus” no fragmento de Anaximandro e que ele considera plausível: os ou)ranoi/ se referem aos vários círculos ou anéis celestes que acabam por compor uma estrutura visível. Aliás, para este comentador, Anaximandro deve ter usado o plural porque nenhum destes círculos era suficientemente singular para merecer o título de ou)rano/j sozinho. Engajando-se em tal hipótese, ele se verá obrigado a concluir que os ko/smoi devem se referir a algum arranjo mais rebaixado da atmosfera ou da terra – arranjo, este, que talvez tenha conexão com o modo como Aécio se referira ao uso que o pitagórico Filolau fez de ambos os termos, cosmos e céus, para designar respectivamente a região superlunar e sublunar do céu que se encontram dentro de uma esfera mais externa chamada Olimpo32. Talvez não precisemos ir tão longe para encontrar uma referência sobre uma divisão espacial do céu: o próprio Kahn por várias vezes lembra ao longo da sua análise que o céu já era concebido primariamente por possuir uma camada inferior, mais brumosa e úmida chamada de ar (a)h/r), enquanto o éter (ai)qh/r) correspondia a sua camada superior mais brilhante, limpa e serena, associada à morada dos deuses e, portanto, divina. Mas, em ambos os casos, o que fica implícito e suposto é que os cosmos de Anaximandro têm um sentido explicitamente espacial, enquanto os céus parecem ter um sentido temporal. No entanto, para Kahn, a única coisa certa que se pode extrair dos comentários de Aristóteles e Teofrasto é que o filósofo se referira a uma pluralidade de céus contendo uma pluralidade de cosmos, ambos envolvidos por uma grande massa inesgotável de matéria e força chamada de ápeiron do qual emergiram e que “abraça” os dois formando um único sistema de mundo. Esta hipótese “concêntrica” sem sombra de dúvida é espacial, mas ela parece conter alguma sugestão temporal na medida em que estas três estruturas se relacionam entre si em função de uma gênese, isto é, em função do lugar que cada uma ocupa ao longo do processo de formação do mundo. Esta sugestão, aliás, parece não ter escapado aos olhos de Mondolfo que chegará a ver no ápeiron – o ilimitado, o infinito – um atributo semelhante ao Caos da

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NEUGEBAUER, 1969, pp. 100-101. AÉCIO, XVI, 7-11 (D. 336 A): “τὸ μὲν οὖν ἀνωτάτω μέρος τοῦ περιέχοντος, ἐν ὧι τὴν εἱλικρίνειαν εἶναι τῶν στοιχείων, ὄλυμπον καλεῖ, τὰ δὲ ὑπὸ τὴν τοῦ ὀλύμπου φοράν, ἐν ὧι τοὺς πέντε πλανήτας meq' ἡλίου καὶ σελήνης τετάχθαι, κόσμον, τὸ δ' ὑπὸ τούτοις ὑποσέληνόν τε καὶ περίγειον μέρος, ἐν ὧι τὰ τῆς φιλομεταβόλου γενέσεως, οὐρανόν”. 32

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teogonia hesiódica, a “infinitude original” da qual brotará um mundo formado inicialmente por Terra, Tártaro e Éros e que, na sequência, gerarão outras “partes” do mundo bem como todos os deuses e cujo império será demarcado nitidamente por três poderes que se sucederão: Céu, Cronos e Zeus. A intuição de Mondolfo de que o caos hesiódico tem parentesco com o ápeiron de Anaximandro aponta diretamente para uma sucessão temporal, como se o filósofo estivesse a reescrever sobre a cosmogonia do poeta, de modo que o ápeiron, os céus e os cosmos se refeririam a três estágios distintos ao longo da formação do mundo que partiria inicialmente de um estado mais indiferenciado e alcançaria, por fim, um estado de diferenciação. Mas, mesmo seguindo a direção da intuição fornecida por este comentador, esbarramos com uma dificuldade: ficamos sem saber se realmente estão os céus a ocupar um estágio intermediário entre o ápeiron e os cosmos como parece e quais deuses hesiódicos cada um destes céus e cosmos estão a representar, isto é, se os céus do filósofo estão tomando, por exemplo, o lugar do Céu do poeta, enquanto os seus cosmos estão substituindo Cronos ou Zeus. Já para Kirk & Raven33, o a)/peiron só poderia significar algo sem fronteiras, sem limites, sem definição: algo “espacialmente indefinido”, de duração e extensão ilimitadas, sendo a substância primária infinita que circunda “todos os céus” e sendo estes aquilo que Aristóteles34 também designaria por “esferas celestes”, baseando-se nos esquemas propostos por Eudoxo e Calipo, forjando então o termo a concordar com a sua própria cosmologia, de modo que o sol, a lua e as estrelas teriam, cada um, a sua própria esfera, ou seja, a sua própria orbe ou faixa circunferencial. Tal hipótese, sem sombra de dúvida, é profundamente espacial: ela não só considera o ápeiron com atributos espaciais distintivos como também não ressalta toda a dimensão temporal que se encontra implícita nos ciclos que estes objetos celestes perfazem, como bem salienta Mondolfo. No entanto, ela tem um atributo, mesmo que pequeno: ela se desenvolve a partir do termo que tem uma posição de destaque na cosmogonia e na cosmologia do filósofo, o ápeiron e que, como tal, poderia jogar alguma luz sobre o sentido dos céus e dos cosmos neles contidos; empreendimento, no entanto, que só é levado a cabo por Kahn. Afinal, se o ápeiron é a grande massa cósmica envolvendo o corpo esférico de nosso céu cravejado de estrelas, e se ele representa esta entidade desconhecida que envolve o mundo conhecido tanto no tempo quanto no espaço e se sobretudo ele é imortal, incorruptível e divino, por contraste tanto os céus quanto os cosmos teriam que ser considerados limitados

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KIRK & RAVEN, 2005, ps. 109, 110, 116, 125, 137. ARISTÓTELES, Sobre o Céu, 278b9-21, tal como consta no final do capítulo introdutório desta monografia.

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e perecíveis. Desse modo, não saberíamos, como salienta Kahn, o que os céus e os cosmos efetivamente seriam para Anaximandro mas, por sabermos dos atributos que ele predicou ao ápeiron, deduziríamos as características destes outros dois componentes do seu sistema. Burnet35 também parece se sentir atraído em arrancar alguma compreensão da sentença de Anaximandro ao analisá-la a partir de algo que é dado fundamentalmente desde o início neste processo cosmogônico. Para ele, dado que a gênese do cosmo implicava na existência de um fogo que se manifestava tanto no início quanto no final da sua formação e dado que ao longo deste processo uma esfera de chama se formava e que, somente com a sua ruptura, se condensavam os astros celestes na forma própria de círculos, fica difícil para ele resistir à hipótese de que aquilo que concebemos como estrelas fixas não se refira a “todos os cosmos” do fragmento. Mas se os cosmos se referem às estrelas e dado que eles estão contidos nos céus, é de se supor que Burnet deduzisse que os céus se refiram a uma dimensão propriamente espacial onde as estrelas estariam cravejadas. É provável que ele deduzisse também, tal como fizeram os outros comentadores, que os céus se refiram aos ciclos e faixas celestes, dado que ele menciona os círculos formados ao longo da cosmogonia: mas ele não deduz nem uma coisa e nem outra, e nos deixa sem nenhuma resposta em relação ao sentido provável dos céus para Anaximandro. Guthrie36 também apostará nas estrelas, mas para demonstrar que elas só poderiam se referir aos céus do filósofo e não aos cosmos como supõe Burnet. Para este comentador, há um fragmento de Aécio mencionado por Estobeu que diz que Anaximandro chamou os deuses de “infinitos céus”, a)pei/rouj ou)ranou/j37, e isto só poderia se referir aos inumeráveis anéis de fogo que são as estrelas que se originaram da fragmentação da esfera original de fogo, visto que havia uma crença antiga - que persistiu na filosofia até Platão, Aristóteles e bem mais tarde - que depositava a divindade nas estrelas. Para este comentador, a divindade dos corpos celestes estava firmemente assentada na religião popular que relacionava os homens às estrelas - à crença de que elas eram as almas dos homens mortos, ou melhor, de que a alma encarnada era composta de ar, mas que, com o advento da morte, ela ascendia em direção ao éter divino de que as estrelas eram compostas. Tal crença aparece claramente na comédia A Paz de Aristófanes38, quando o escravo diz que “nós nos convertemos em estrelas no céu

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BURNET, 1994, pp. 61-62 e 64-67. GUTHRIE, 1965, vol I, pp. 111-116, 331-332, 337, 443, 452. 37 AÉCIO, 17, 12 (D. 302): 'Αναξίμανδρός ἀπεφήνατο τοὺς ἀπείρους οὐρανοὺς θεούς. 38 ARISTÓFANES, A Paz, 832-833:” Οὐκ ἦν ἄρ’ οὐδ’ ἃ λέγουσι, κατὰ τὸν ἀέρα ὡς ἀστέρες γιγνόμεθ’, ὅταν τις ἀποθάνῃ”. 36

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quando morremos”, e nas Suplicantes de Eurípides39, visto que depois da morte, se dirigia “a alma ao éter, e o corpo à terra”. A manutenção desta crença por filósofos distintos, tais como Anaxímenes e Empédocles que virão respectivamente associar a alma ao ar e ao éter, parece indicar que ela fazia parte de um fundo comum entre eles – um fundo comum com reverberações que, para Guthrie, revela uma possível herança pitagórica e órfica. Ademais, ele adverte que não podemos nos esquecer de que a divindade, para a mentalidade grega, era sinônimo de vida eterna (ai)w/n) e que a própria natureza estava dotada de vida devido a seu movimento eterno e aparentemente auto-causado, a ponto de Alcmeão, já em torno do século VI, associar a eternidade da alma à eternidade do movimento dos astros celestes40. Kahn subscreve tal observação: o cosmo tem uma vida que perdura, tem vitalidade, é vitalício (ai)w/n), e suas fases são demarcadas pelos ciclos celestes, tal como será consagrado por Aristóteles em Sobre o Céu41. Ademais, lembra que o sentido tardio de “eternidade” é devido a uma reinterpretação filosófica do termo ai)w/n como equivalente de a)e\i w)/n (ser sempre), tal como analisado por Festugière em sua obra Le Sens Philosophique du Mot ai)w/n. Por conta disso, Guthrie concluirá que, quando se vê no fragmento original de Anaximandro a menção a “todos os céus e os cosmos neles contidos”, os ko/smoi só podem se referir à região ou regiões da ordem do mundo construídas por todos estes ou)ranoi,/ ou seja, por todos estes inúmeros astros luminosos que, por serem divinos, teriam que ser considerados eternos. Sob este ponto de vista, tanto o ápeiron primogênito quanto os céus representados pelos astros luminosos - e os ciclos e as regiões descritos por todos eles – formando os cosmos - teriam atributos divinos, contrariando a hipótese levantada por Kahn de que ambos teriam que ser destrutíveis, em comparação ao ápeiron imortal. De fato, parece que Aristóteles predica o atributo da imortalidade somente ao ápeiron. Mas se contarmos com as observações que o próprio Kahn faz sobre a vitalidade do cosmo e dos ciclos celestes e que o sentido tardio de eternidade adveio daí, somos forçados a concluir que os céus e os cosmos neles contidos seriam tão divinos, imortais e eternos quanto o ápeiron e que, por uma espécie de filiação, mantiveram a mesma característica do seu progenitor, dado que o ápeiron figura como “a fonte de tudo o que existe”. No entanto, se tivermos que levar este trecho do 39

EURÍPIDES, Suplicantes, 531-536: “ἐάσατ’ ἤδη γῇ καλυφθῆναι νεκρούς, ὅθεν δ’ ἕκαστον ἐς τὸ φῶς ἀφίκετο, ἐνταῦθ’ ἀπελθεῖν, πνεῦμα μὲν πρὸς αἰθέρα, τὸ σῶμα δ’ ἐς γῆν· οὔτι γὰρ κεκτήμεθα ἡμέτερον αὐτὸ πλὴν ἐνοικῆσαι βίον, κἄπειτα τὴν θρέψασαν αὐτὸ δεῖ λαβεῖν”. 40 ARISTÓTELES, Sobre a Alma, A 2, 405a 29 (DK. 24 A 12): “παραπλησίως δὲ τούτοις καὶ ᾿Α. ἔοικεν ὑπολαβεῖν περὶ ψυχῆς· φησὶ γὰρ αὐτὴν ἀθάνατον εἶναι διὰ τὸ ἐοικέναι τοῖς ἀθανάτοις· τοῦτο δ' ὑπάρχειν αὐτῆι ὡς ἀεὶ κινουμένηι· κινεῖσθαι γὰρ καὶ τὰ θεῖα πάντα συνεχῶς ἀεί, σελήνην, ἥλιον, τοὺς ἀστέρας καὶ τὸν οὐρανὸν ὅλον.” 41 ARISTÓTELES, Sobre o Céu, 279a22-30 e 283b28.

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fragmento à risca, há de se considerar também que é no ápeiron que se “verifica também a destruição” de tudo que existe e que, se os céus e os cosmos foram gerados a partir dele, é para ele que ambos retornarão depois de se destruírem, não podendo, portanto, ser considerados como imortais ou eternos. Em função de toda esta discussão, Guthrie advertirá que a palavra a)/peiron, tal como as palavras ko/smoj e ou)rano/j, quando manipuladas por aqueles que tentaram interpretar Anaximandro, acabaram por adquirir mais de um significado, sendo mais que provável que o autor jamais tivesse utilizado o termo ko/smoj no sentido de mundo ou universo, visto que este jamais fora utilizado com tal sentido antes do século V, tendo sido empregado sem dúvida nestas condições somente por Empédocles42 em meados deste século. Tal comentador concorda que Cornford apresenta a tese mais razoável sobre a discussão que gira em torno destes três termos, a saber, que quando Anaximandro falou de uma infinita pluralidade de mundos, quaisquer que fossem as palavras gregas para designar isto, ele se referiu a uma sucessão de mundos singulares no tempo e não a uma pluralidade de mundos dispostos no espaço – que é a tese dos atomistas. Afinal, a afirmação que o filósofo faz no seu único fragmento literal é de que as coisas perecem naquilo mesmo de que elas provêm posto que têm que pagar mutuamente justa retribuição - e isto parece descrever mais acertadamente o ritmo cíclico das estações que contribui para a manutenção de um mundo singular. Mas temos que lembrar que a afirmativa de Anaximandro não incide somente sobre os cosmos: ela também incide sobre os céus. Tanto um quanto o outro teriam que estar, portanto, sujeitos a uma força que levasse a um movimento – a um movimento que contribuísse para a manutenção de um mundo único e diferenciado. Se, para Guthrie, os cosmos do fragmento se referem a uma sucessão que se desenrola e perdura no tempo e se “a própria natureza está dotada de vida devido a seu movimento eterno e aparentemente auto-causado” como afirmara antes, sou forçado a concluir, por esta linha de raciocínio, que os céus do fragmento parecem se referir a uma sucessão que se desenrolaria e perduraria em outra condição que não o tempo – mas em algo que apropriadamente parece equivaler à noção antiga de espaço.

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AMÔNIO, De Interpretatione, 249, 8-12 (DK. 134): “οὐδὲ γὰρ ἀνδρομέηι κεφαλῆι κατὰ γυῖα κέκασται, οὐ μὲν ἀπαὶ νώτοιο δύο κλάδοι ἀίσσονται, οὐ πόδες, οὐ θοὰ γοῦν(a), οὐ μήδεα λαχνήεντα, ἀλλὰ φρὴν ἱερὴ καὶ ἀθέσφατος ἔπλετο μοῦνον, φροντίσι κόσμον ἅπαντα καταΐσσουσα θοῆισιν”. = “Pois não é ele provido de cabeça humana sobre o corpo, nem brotam dois ramos de seus ombros, e ele não tem pés, joelhos velozes, nem peludas partes pudentas, mas é apenas uma mente sagrada e inefável, que com rápidos pensamentos chispa por todo o mundo”. Tradução: Burnet, 2006, p. 236.

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Para Vernant43, a noção arcaica de espaço se apresenta como o lugar no qual certas direções e posições se definem; no entanto, se apresenta também como o lugar do movimento, implicando na possibilidade de transição e de passagem de um ponto a outro. Na doutrina dos milesianos, aquilo que mais tarde chegará a ser chamado de “elementos” foi concebido desde o início como forças imperecíveis que, tais como os deuses apresentados pela poesia arcaica, têm força maior ou menor, ou domínios de ação mais ou menos extensos, visto que a cada um é delegado um território44. Portanto, para Vernant, estas forças não podiam ser concebidas independentemente dos lugares que ocupavam, de sua área de extensão, visto que espaço e força ainda não se encontravam distintos. Tal indistinção parece corresponder a “tomada de local” que os elementos ou forças contrárias fazem umas em relação às outras e que pode ser atestada pelo modo como os filósofos naturais tentavam explicar, por excelência, a mudança e o movimento – explicação, cabe lembrar, realizada numa época em que os fenômenos meteorológicos não se encontravam ainda apartados de considerações tanto astronômicas quanto cosmológicas, dado que tais domínios eram vistos como fisicamente contínuos. O próprio Aristóteles chegará a consagrar a idéia de que os elementos se distinguiam por ter diferentes lugares e movimentos naturais45. Desse modo, se os cosmos de Anaximandro se referem a uma sucessão que se desenrola e perdura no tempo, parece que os céus, por sua vez, se referem a uma sucessão que se desenrola e perdura no espaço. Afinal, se o ápeiron primogênito implica, como afirma Mondolfo, numa propagação que é tão temporal quanto espacial e se ele é, como afirma Kahn, esta grande massa cósmica desconhecida que envolve o mundo conhecido tanto no tempo quanto no espaço, por conseqüência esta entidade progenitora só pode ter gerado dois filhos: os cosmos, com caraterísticas temporais, e os céus, com características espaciais. Mas, seguindo ainda a linha de raciocínio proposta por Guthrie, acabo sendo obrigado a concluir mais: afinal, ele não só associa os cosmos de Anaximandro à dimensão temporal como também ao percurso e ao caminho que os astros luminosos perfazem e cuja ciclicidade 43

VERNANT, 2008, p. 194, 269-270. O locus classicus se encontra em HESÍODO, Teogonia, 881-1022. 45 ARISTÓTELES, Física, 1, 208b, 8-12 : “ἔτι δὲ αἱ φοραὶ τῶν φυσικῶν σωμάτων καὶ ἁπλῶν, οἷον πυρὸς καὶ γῆς καὶ τῶν τοιούτων, οὐ μόνον δηλοῦσιν ὅτι ἐστί τι ὁ τόπος, ἀλλ’ ὅτι καὶ ἔχει τινὰ δύναμιν. φέρεται γὰρ ἕκαστον εἰς τὸν αὑτοῦ τόπον μὴ κωλυόμενον, τὸ μὲν ἄνω τὸ δὲ κάτω”. = “Os movimentos de locomoção dos corpos naturais e simples, como por exemplo, o fogo, a terra e outros análogos, não só mostram claramente que o lugar é algo, como também que o lugar possui certa potência ativa. Cada um destes, não havendo nada que os impeça, são levados para seus lugares próprios; uns para cima, outros para baixo”. Tradução do autor. 44

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determina o ritmo das estações. E como, para este comentador, os céus de Anaximandro se referem a todos os astros luminosos que compartilham do brilho etéreo divino e como estes parecem estar associados à dimensão espacial como estou supondo e, por consequência, à “troca de lugar que os elementos cometem entre si”, resta saber que espécie de movimento ou de “alteração de lugar” estes astros luminosos cometeriam. Sob este ponto de vista, só posso admitir uma coisa: tal movimento só pode estar associado ao modo como estes astros celestes reluziam e brilhavam - ao modo como luz e escuridão trocavam de lugar. Tendo tudo isto em mira, só posso concluir que o ápeiron como massa primogênita e indiferenciada gerou os cosmos com o seu movimento propriamente temporal, determinado pelo percurso cíclico dos astros luminosos que, por sua vez, determina o ritmo periódico das estações; mas ele gerou também os céus com o seu movimento propriamente físico-espacial, engendrado pelo brilho intermitente dos astros celestes. No mais, cabe frisar que Kahn46, no seu esforço contínuo de decifrar o fragmento de Anaximandro, se debruçará sobre o termo ko/smoj e chegará, por fim, a fazer uma hipótese sobre a evolução semântica do mesmo e a relação que este acabou por estabelecer com o termo ou)rano/j, o que implicou diretamente nas noções de tempo e espaço que os gregos antigos possuíam. Para este comentador, ko/smoj era uma palavra invariavelmente usada pelos autores tardios para denotar a visão orgânica do mundo natural que pode ser remontada até o fragmento de Anaximandro. No entanto, há de se reconhecer que nenhum autor antigo disse que este filósofo chegara a falar do mundo como um cosmo, muito embora o novo sentido filosófico do termo tenha se tornado familiar tanto a Heráclito quanto a Parmênides, bem como a Anaxágoras, Empédocles e Diógenes. Sendo assim, é certo que este termo virá a significar cada vez mais o arranjo concreto de todas as coisas, definido não só por uma disposição espacial das partes, mas também por uma ordem temporal, dentro da qual os poderes opostos realizam suas mudanças, sendo Anaximandro aquele que fornecera o fermento necessário para a realização de tal façanha. Porém, no transcorrer de tal definição, o

ko/smoj será identificado a tal ponto com a dimensão físico-espacial implícita no ou)rano/j que tal situação acabará por contribuir em obscurecer a ordem temporal que prevalecia nas concepções antigas, onde todas estas noções ainda se encontravam inextrincavelmente entrelaçadas. Nesta identificação, aliás, o cosmo chegará a aparecer como um corpo cujos membros serão os próprios elementos, tal como veremos ao analisar os fragmentos de

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KAHN, 1994, pp. 188-189 e 221-224.

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Empédocles47. Em função disso, torna-se compreensível o motivo dos doxógrafos terem se utilizado de termos que ora denotam tempo, ora denotam espaço para se referir à constituição do “universo” de Anaximandro, e porque as discussões dos comentadores modernos parecem estar girando em torno destas mesmas noções: é que muito provavelmente estaria Anaximandro tentando desembaraçar aquilo que nunca havia sido antes desembaraçado, o fio do tempo e a urdidura do espaço, muito embora para a má compreensão de todos. Kahn ainda esclarecerá que o termo ko/smoj não tem uma etimologia representativa e que o seu significado original deve ser extraído dos seus contextos. Em Homero e na literatura antiga, a palavra ko/smoj, o verbo kosme/w48 e seus derivativos denotam em geral qualquer arranjo ou disposição das partes que é apropriada, bem organizada e eficaz. A idéia primária, e que também se manteve aparente em seu uso tardio, é de alguma coisa fisicamente limpa e em bom estado. É deste seu significado de arranjo puro e limpo49 que se estendeu o seu sentido mais vasto: o sentido decorativo, tomando-o como um elegante e rico adorno50. Mas existe pouca evidência desta visão estética nos textos antigos e, no princípio, ela teve somente um papel secundário. No mais, o termo também se refere à ordem com que as coisas e as pessoas se juntam e se agregam para o bem de uma tarefa51 – e, aqui, vemos o seu sentido moral ou socialmente correto. Este é, em suma, para Kahn, o âmbito de significados de ko/smoj fora do contexto da filosofia natural. A peculiar riqueza do termo repousa na sua capacidade de denotar um arranjo concreto de beleza ou utilidade tão bem quanto a idéia mais abstrata de uma ordem social e moral. Por isso, é de se supor que foi o sentido físico de “arranjo”, de “disposição pura e limpa” do termo que acabou sendo apropriado pelos filósofos naturais para enfim poder designar a ordem natural do universo. O ko/smoj dos filósofos viria a se revelar, portanto, como um arranjo de todas as coisas no qual tudo teria sua função especificada e, como no caso de qualquer bom arranjo, o termo implicaria numa unidade sistêmica na qual os diversos elementos estariam integrados. Vlastos faz análise semelhante: “Em inglês, cósmos é um órfão lingüístico, um substantivo sem um verbo aparentado. Não se dá o mesmo em grego que tem um verbo ativo, transitivo, kosméo: colocar em ordem, arranjar, arrumar. É o que faz o comandante militar ao 47

EMPÉDOCLES, fragmentos DK. B 17, 27,30, 31, 35. Kosméo = colocar em ordem, arranjar, arrumar. 49 HOMERO, Ilíada, K472, M225, W622; Odisséia, H127, N77. 50 HOMERO, Ilíada, D145, X 187. HESÍODO, Teogonia, 573 e 587. 51 HOMERO, Ilíada, B 214, 474, 554, 806, G 1, E759, L 48, M 85; Odisséia, G 138, H 13, I 157, U 181 48

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dispor homens e cavalos para a batalha; o funcionário da justiça ao preservar a ordem legal de um estado; a cozinheira ao juntar os ingredientes para preparar uma apetitosa refeição; finalmente, o que os servos de Ulisses fazem ao limpar o palácio depois do massacre dos pretendentes. O que obtemos em todos estes casos não é, simplesmente, qualquer tipo de organização, mas uma organização que impressiona os olhos e a mente como agradavelmente apropriada; como estabelecendo, mantendo ou repondo as coisas em sua ordem própria. Há um nítido componente estético aqui que leva a um uso derivado de kósmos, significando não ordem como tal mas ornamentar, ornamento; isto sobrevive no derivado inglês cosmetic que, pode-se dizer, ninguém sem conhecimento de grego reconheceria como aparentado de perto com cósmico. Em grego a afinidade com o sentido primário é clara já que kósmos denota uma ordem criada, composta, realçadora de beleza.”52

Kahn, no entanto, faz questão de advertir que a palavra naturalmente preservara todas as suas conotações típicas da literatura arcaica e que a nuance social era particularmente importante pois desde o início o termo já era aplicado ao mundo da natureza através de uma analogia consciente com a boa ordem da sociedade. Guthrie53 chega a lembrar que quando Heródoto54 fala da constituição espartana de Licurgo e Tucídides55 de um partido beócio que deseja mudar a constituição em uma democracia, o nome por eles empregado é ko/smoj. Mais tarde, como continua analisando Kahn, a concepção do mundo como um objeto de beleza tomou à dianteira, de modo que os romanos passaram a traduzir ko/smoj por mundus, “adorno”, sendo que o contrário disso, obviamente, é immundus. Em qualquer caso, é certo que, quando Platão, Xenofonte e Aristóteles falaram do céu como um ko/smoj, eles não tinham em mente o espetáculo imediato do céu noturno mas, sim, uma ordem que abraçava todas as coisas, na qual os movimentos celestes ofereciam a mais patente e mais nobre manifestação. Consequentemente, conclui Kahn, é por uma natural especialização do significado que o termo ko/smoj pode ser usado como uma variante estilística de ourano/j, ou seja: por revelar a inteligibilidade do mundo, o cosmo acaba por se apresentar como aquilo que de mais belo há no céu para a mente do homem erudito. Desse modo, o primeiro termo foi tomando o lugar privilegiado que até então era ocupado pelo segundo para designar o espetáculo mais belo que poderia se apresentar à inteligência humana: a ordem que tudo explicava. Porém, o que se percebe em função do fragmento de Anaximandro é que o cosmo não significava ainda “um mundo ou universo” tal como foi concebido mais tarde, e que os

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VLASTOS, 1987, p. 11. É de se notar que o quê vale para a língua inglesa também vale para o português. GUTHRIE, vol. II, 1986, p. 354. 54 HERÓDOTO, Histórias, I, 65, 17-18:“Οἱ μὲν δή τινες πρὸς τούτοισι λέγουσι καὶ φράσαι αὐτῷ τὴν Πυθίην τὸν νῦν κατεστεῶτα κόσμον Σπαρτιήτῃσι·” 55 TUCÍDIDES, História da Guerra do Peloponeso, IV, 76, 2: “τῷ γὰρ Ἱπποκράτει καὶ ἐκείνῳ τὰ Βοιώτια πράγματα ἀπό τινων ἀνδρῶν ἐν ταῖς πόλεσιν ἐπράσσετο, βουλομένων μεταστῆσαι τὸν κόσμον καὶ ἐς δημοκρατίαν ὥσπερ οἱ Ἀθηναῖοι τρέψαι”. Vide também o trecho VIII, 72. 53

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termos “céus” e “cosmos” foram utilizados explicitamente por ele para referir a coisas bem diferentes. Ademais, para Kahn56, o que é realmente novo na doutrina de Anaximandro não reside nem na estrutura orgânica revelada pela regularidade dos processos celestes e meteorológicos, nem na aplicação de conceitos morais e legais ao mundo natural, como veremos adiante. Afinal, as civilizações mais arcaicas não faziam nenhuma distinção entre Natureza e Sociedade. Em Homero, por exemplo, nenhuma fronteira é reconhecida entre a prática humana e a ordem do universo, por mais que âmbito celeste e terrestre fosse distinto: na frente do homem não se posicionava a Natureza que ainda seria descoberta, mas, sim, o poder dos deuses que intervinham tão facilmente no mundo natural como na vida do homem. Portanto, estas concepções antigas mostram claramente o quanto o domínio divino e humano estavam interligados, tal como boa parte dos filósofos naturais, por sua vez, viria a interligar explicitamente a Natureza com a Sociedade e com a alma humana. Tal interligação, em ambos os casos, é notória, tal como será notória a separação de uma da outra a partir do momento em que elas passarão a ser definidas por contraste mútuo como o resultado das controvérsias do século V sobre o que é natural e convencional, ou seja, sobre natureza e lei, sobre fu/sij e no/moj. Por isso, para Kahn, o que é realmente inovador em Anaximandro não diz respeito ao fato do mundo ser tomado como uma constituição de coisas bem ordenadas, nem a constituição política que daí advém: o que mais impressiona em sua doutrina é especificamente o seu caráter matemático, ou melhor, a aplicação cosmológica que o filósofo fez de uma idéia geométrica onde ressalta o princípio da simetria, dado que afirmara que “a Terra está suspensa no ar e a igual distância de todas as coisas”. O que se vê, tanto no caso da representação dos círculos celestes quanto da posição estável da Terra, é seu caráter geométrico, ressaltado inclusive historicamente pela aparente má vontade de outros filósofos que o sucederam em compreendê-lo e aceitá-lo. A maneira como alguns destes filósofos de mentalidade empírica simplesmente ignoraram tal caráter é notável: a visão esférica inteira do céu parece ter sido rejeitada na astronomia de Xenófanes e Heráclito. Esta rejeição provavelmente constitui o registro mais antigo do conflito entre ciência matemática e senso comum ou, porque não dizer, entre mentalidade abstrata e empírica. Kahn ainda frisará que deve ser admitido, tanto quanto se pode, que as dimensões celestes prefiguradas por Anaximandro não podem ter sido baseadas em qualquer tipo de 56

KAHN, 1994, pp. 77, 80-81, 92, 94, 96-98, 191-193.

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observação acurada e que elas não vieram também dos poetas - nem mesmo do poeta em Anaximandro. O que se deu é que este filósofo claramente acreditava que o universo era governado por proporções matemáticas, por proporções de tipo simples, sendo que seus predecessores babilônicos somente providenciaram a ele consideráveis informações sobre os períodos que os corpos celestes perfaziam. Desse modo, deve-se reconhecer o gênio geométrico de Anaximandro: em seu esquema é fácil encontrar a primeira indicação, ainda que imperfeita, da teoria das esferas geocêntricas que dominou a astronomia da Antiguidade até a Idade Média. Ademais, a luz deste gênio ilumina, para Kahn, as observações astronômicas contidas em alguns trechos dos diálogos platônicos, confirmando o testemunho de um renascimento pitagórico ou, mais provavelmente, a preservação contínua das mais antigas idéias milesianas. A concepção milesiana de um mundo geométrico que se expande com vida é o verdadeiro arquétipo deste ponto de vista arcaico, tal como é, aliás, para todos os modernos esforços em interpretar o processo total da natureza em termos de vida orgânica. Lloyd57 chegará a mencionar que, dado que o filósofo comparara determinada fase do cosmo à casca de uma árvore58, tal comparação estava de olho nos círculos concêntricos presentes num tronco que revelam como tudo se expande geometrica e proporcionalmente. É por isso que Jaeger59 admite que Anaximandro fora o primeiro filósofo que a criar uma imagem de mundo de verdadeira profundidade metafísica e rigorosa unidade arquitetônica, configurando uma vitória do espírito geométrico, sendo tal imagem o símbolo visível da monumentalidade proporcional, própria do pensamento e da essência total do homem arcaico. Neugebauer60, ao investigar o intercâmbio cultural que se deu entre a Grécia e a Mesopotâmia durante as conquistas de Alexandre Magno no século III, esclarece que o sistema matemático utilizado pelos babilônios para o cômputo do percurso dos planetas era de uma natureza que ele chama de “aritmética” justamente por constituir um “método linear” baseado essencialmente em diferenças seqüenciais de primeira ordem, enquanto o sistema grego obedecia a um raciocínio que arranjava os planetas em profundidade de acordo com seus períodos em rotação sideral, revelando a concepção de um arranjo no espaço. Não é por menos que Couprie61 reputa a Anaximandro a descoberta do espaço: enquanto toda a representação da dimensão celeste feita pelos egípcios e pelos babilônicos se revela na forma cênica e dramática delineada pelos seus mitos e enquanto tal característica é também utilizada 57

LLOYD, 1992, p. 311. Vide o fragmento de PSEUDO-PLUTARCO, Miscelâneas, 2 (DK. 12 A 10) mencionado acima. 59 JAEGER, 2003, pp. 198 60 NEUGEBAUER, 1969, pp. 145-177. 61 COUPRIE, 2003, pp. 167-240. 58

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por Hesíodo para descrever a composição do mundo como um todo, Anaximandro entra na história por representar o que hoje chamamos de universo na forma de uma estrutura, de um mecanismo que revela como os seus elementos estão distribuídos no espaço, demonstrando que os corpos celestes estão um atrás um do outro, sob perspectiva, criando então uma concepção com que se passaria a enfocar os fenômenos celestes a partir de então: a de um universo visto de fora e que revela toda a profundidade que caracteriza a terceira dimensão, abalando portanto e de vez a antiga representação bidimensional do mundo disposta nas figuras mitológicas62. No mais, e para fazer jus à totalidade do fragmento e talvez ao único trecho que expressa o pensamento de Anaximandro, cabe analisar também a sentença em que o filósofo diz que “a fonte da geração das coisas que existem é aquela em que se verifica também a destruição segundo a necessidade, pois pagam castigo e retribuição umas às outras, pela sua injustiça, de acordo com o decreto do Tempo”. De acordo com Kirk & Raven63, este trecho se refere à estabilidade cósmica cuja manutenção é garantida por conta de “substâncias” contrárias que naturalmente tentam tomar o lugar umas das outras, tal como o quente tenta tomar o lugar do frio, por exemplo. Mas tal intercâmbio constante entre substâncias contrárias fora explicado pelo filósofo através de uma “metáfora legalista” onde a prevalência de uma substância à custa do seu contrário é tomada como uma injustiça que precisa se reparada e cuja reparação implica novamente em injustiça, de modo que a sucessão das coisas é encarada como um movimento injusto que, sob a passagem do tempo, tem a devida reparação. Desse modo, tanto a estabilidade quanto as mudanças por que passam o mundo se tornam compreensíveis e ficam fundamentadas. Sob este ponto de vista, o comportamento das substâncias contrárias no mundo diferenciado parece deixar entrever que, sob ele, há um elemento oculto, indiferenciado e original, responsável por ter colocado e por colocar tudo em marcha e movimento, de modo que, sob toda mudança física, se esconderia um “fundo de permanência” que não só a determinaria como também garantiria a sua continuidade, sendo esta a idéia que o filosófo teria expressado em termos “assaz poéticos”. No entanto, para Jaeger, bem como para Nadaff, a formulação de Anaximandro contém algo mais do que uma simples metáfora legalista ou expressão poética, visto que o filósofo indicara que tanto a natureza quanto a sociedade eram regidas pela mesma lei e que há uma norma imanente à realidade mesma. Não só o mundo político, senão o reino inteiro da Natureza tem tal justiça como imanente: seja o que acontecer, acabará por prevalecer esta 62 63

Vide novamente o Anexo 3. KIRK & RAVEN, 2005, pp. 119, 121.

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justiça, e a geração e a corrupção terão lugar de acordo com ela. Para Anaximandro então, tudo o que acontecia no mundo natural era racional e estava sujeito a uma norma que já caracterizava o âmbito político. Certamente estes dois comentadores têm em mente o modo como o filósofo formulara a geração e a destruição de tudo: há uma sucessão de alterações que se processam na natureza como uma injustiça que, no entanto, será resolvida pela passagem do tempo, dado que qualquer movimento, tomado inicialmente como injusto, sofrerá a devida punição em função de um movimento contrário. E tal formulação, de acordo com estes comentadores, se inspirara no modo como Sólon, nomógrafo e poeta, descrevera a propagação da injustiça na sociedade e como ela era punida pelo tempo, ainda mais quando ela, a cidade, era governada por um homem ganancioso: “πλουτέουσιν δ' ἀδίκοις ἔργμασι πειθόμενοι (...) οὔθ' ἱερῶν κτεάνων οὔτε τι δημοσίων φειδόμενοι κλέπτουσιν ἀφαρπαγῆι ἄλλοθεν ἄλλος, οὐδὲ φυλάσσονται σεμνὰ Δίκης θέμεθλα, ἣ σιγῶσα σύνοιδε τὰ γιγνόμενα πρό τ' ἐόντα, τῶι δὲ χρόνωι πάντως ἦλθ' ἀποτεισομένη, τοῦτ' ἤδη πάσηι πόλει ἔρχεται ἕλκος ἄφυκτον” “Enriquecem, persuadidos por ações injustas. (...) Não poupando os bens sagrados nem, de modo algum, os públicos, roubam com avidez, cada um por seu lado, nem guardam os veneráveis fundamentos da Justiça que, em silêncio, conhece o passado e o presente e, com o tempo, certamente vem punir. Essa ferida inevitável já atinge toda a pólis”64

Neste trecho, vemos claramente a crença de Sólon na Justiça, cuja soberania parece residir na sua eternidade, dado que conhece o passado e o presente, estando, portanto, acima de tudo a ponto de poder vir a punir todas as ações injustas que ferem a cidade – situação que ele próprio deve ter vivido e presenciado em Atenas e na qual ele inclusive se vê e se avalia em função do seu papel social, visto que se falhasse no cumprimento deste papel, também testemunharia isto na Justiça do Tempo65.

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SÓLON, fragmento W4, 11-17. Tradução: Maia, 2008, p. 15, ligeiramente alterada por mim. SÓLON, fragmento W36, 1-3: “ἐγὼ δὲ τῶν μὲν οὕνεκα ξυνήγαγον / δῆμον, τί τούτων πρὶν τυχεῖν ἐπαυσάμην; /συμμαρτυροίη ταῦτ' ἂν ἐν δίκηι Χρόνου”. = “Porque desisti eu, antes de alcançar os fins pelos quais reuni o povo?Poderia testemunhar isso na justiça do Tempo”. Tradução: KIRK & RAVEN, 2005, p. 120, ligeiramente alterada por mim. Vide também os fragmentos W33, 5-7 e W36, 20-22 em que Sólon analisa as conseqüências para a cidade caso tivesse agido como um tirano e como um homem perverso e ambicioso. 65

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É esta noção de uma “justiça que preside a passagem do tempo” mencionada no poema de Sólon que deve ter levado Anaximandro a projetar no cosmo uma referência do âmbito propriamente político. Aliás, de acordo com Lewis66, a justiça tem três significados básicos para este nomógrafo-poeta: primeiro, a retribuição que resulta de ações impróprias; segundo, os procedimentos através dos quais tal retribuição é decidida; terceiro, um estado de calma que é personificado num mar que não se encontra mais sob a ação do vento, sob o domínio meteorológico. Há de se considerar que a primeira noção de justiça apontada por Lewis é bastante semelhante, senão igual, ao modo como o filósofo via a reparação dos movimentos injustos presentes na natureza. Mas há de se considerar também uma observação de Fialho67: quando Sólon afirma que qualquer homem ou governante está sob o desígnio de uma justiça temporal, inclusive ele próprio, ele está a defender e salientar a importância do papel do governante e de suas atitudes, visto que: “Legislar assenta, para ele, em dois pressupostos: o da existência de um princípio universal, sempre actuante, cuja manifestação é imanente ao acontecer temporal, em consonância e à imagem do qual a lei deve ser criada – esse princípio universal denomina-se, para Sólon, Dike – e o da visibilidade de manifestação dessa Dike aos homens, de modo que o bom legislador possa pautar-se por uma referência clara e veja, por outro lado, a sua ação corroborada aos olhos dos seus concidadãos. Ao acto presente de legislar, reformar e governar assiste, pois, a fé na manifestação futura de uma justiça que ratificará o político perante a cidade”.

Portanto, para Fialho, Sólon não só está a demonstrar a crença de que o tempo irá ratificar o papel do bom governante68 como também que o próprio ato de legislar se encontra fundamentado neste princípio que se revela no transcurso do tempo e cuja manifestação visível é também de caráter meteorológico como veremos adiante – princípio à imagem do qual a lei deve ser criada. Mas não poderíamos dizer o mesmo de Anaximandro? Afinal, para este filósofo, a sucessão das coisas fora encarada como um movimento injusto que – sob o tribunal do tempo – teria a devida punição, vendo assim as mudanças da natureza e o seu movimento de contrários como uma injustiça que inevitavelmente seria reparada e que se aplica também sobre a comunidade dos homens. É por isso que tanto Jaeger quanto Naddaf disseram que a formulação do filósofo continha algo mais do que uma simples metáfora legalista ou expressão poética pois ele estava apontando para aquilo que Sólon já parecia ter

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LEWIS, 2006, p. 131. FIALHO, 1989-1990, pp. 51-64. 68 SÓLON, fragmento W10: “δείξει δὴ μανίην μὲν ἐμὴν βαιὸς χρόνος ἀστοῖς, δείξει ἀληθείης ἐς μέσον ἐρχομένης”. = “Um breve tempo revelará minha loucura aos cidadãos quando a verdade vier a público”. Tradução: Maia, 2008, p. 17, ligeiramente alterada por mim. 67

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esboçado: tanto a natureza quanto a sociedade são regidas pela mesma lei pois há uma norma imanente à realidade mesma. É por isso que, em relação à filosofia de Anaximandro, Jaeger afirmará que: “... parece esboçar-se a idéia prodigiosa de uma legalidade universal da natureza. Mas não se trata de uma simples uniformidade do fluxo causal, no sentido abstrato da nossa ciência atual. O que Anaximandro formula com as suas palavras é mais uma norma universal do que uma lei da natureza no sentido moderno. O conhecimento desta norma do acontecer da natureza tem um sentido religioso imediato. Não é uma simples descrição de fato, mas uma justificação da natureza do mundo. O mundo revela-se como um cosmos, isto é, como uma comunidade jurídica das coisas. Elas afirmam o seu sentido na incessante e inexorável geração e corrupção, quer dizer, naquilo que a existência tem de mais incompreensível e insuportável para as aspirações da vida do homem ingênuo” 69.

E é por isso que Nadaff70 chamará a atenção para o modo muito particular como boa parte dos filósofos naturais encarou e investigou o mundo: suas especulações começavam com a descrição da origem e do desenvolvimento do universo, ou seja, com uma cosmogonia, passando então para a descrição da origem e do desenvolvimento do homem, ou seja, uma antropogonia, para enfim terminar a descrição com a origem e o desenvolvimento da sociedade, ou seja, com uma poligonia, sendo este o motivo pelo qual se poderia explicar o vocabulário político e jurídico utilizado por Anaximandro para descrever como a ordem presente das coisas era mantida. Ademais, Nadaff lembrará acertadamente que a maioria, se não todos estes filósofos naturais, foram também legisladores e escreveram constituições sob condições tumultuadas com o intuito de assegurar a coesão da comunidade, de modo que a investigação natural e política se encontravam atadas sob a égide de uma mesma figura social que executava ambos os papéis. Desse modo, Natureza e Sociedade, tanto para Anaximandro quanto para Sólon, se encontram sob a égide da Justiça cujo instrumento se revela no tribunal do tempo: Tempo (Kro/noj) que, em Hesíodo, reina em uma época áurea e imemorial onde todos os homens vivem de maneira bem aventurada71 e que tem por filho Zeus (Zeu/j) que, por sua vez, tem a Justiça (Di/kh) como filha, sentada ao lado72; Zeus que não ignora que espécie de justiça a cidade encerra dentro de si73, tendo-a concedido aos homens como o melhor dos bens, para

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JAEGER, 2003, pp. 201-202. NADAFF, 2005, pp. 1-9 e 74-106. 71 HESÍODO, Trabalhos e Dias, 106-126. 72 HESÍODO, Trabalhos e Dias, 256-262. 73 HESÍODO, Trabalhos e Dias, 267-269. 70

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que não se devorassem uns aos outros como fazem os animais74. Zeus que, em Homero, toma de uma balança de ouro quando o Sol alcança o ponto mediano do céu e assim pesa a sorte dos homens75. Zeus, portanto, que não só legisla sobre o mundo dos homens mas também sobre o curso da natureza, dado que ele é visto invariavelmente como um cúmulo de nuvens, sendo pai não tão somente da Justiça mas também da Horas ( (/Wraj)76, ou seja, das estações do ano. Não é de espantar, portanto, que no poema de Sólon os eventos meteorológicos sejam utilizados como figuras para ilustrar eventos propriamente políticos: “ἐκ νεφέλης πέλεται χιόνος μένος ἠδὲ χαλάζης, βροντὴ δ' ἐκ λαμπρῆς γίγνεται ἀστεροπῆς· ἀνδρῶν δ' ἐκ μεγάλων πόλις ὄλλυται, ἐς δὲ μονάρχου δῆμος ἀϊδρίηι δουλοσύνην ἔπεσεν”. “A chuva e o granizo vêm das nuvens Ao relâmpago segue-se necessariamente o trovão A cidade sucumbirá ante homens poderosos E o povo cairá nas mãos do ditador.”77

Neste trecho, vemos claramente que os eventos meteorológicos citados são aqueles que evidentemente caem sobre a terra, castigando-a, e que estes servem para ilustrar todo o poder desmesurado e excessivo de um governante que recai sobre o seu povo. Mas, se em Sólon a manifestação do tempo retrata eventos políticos, em Anaximandro assistimos ao contrário: afinal, o filósofo projeta no cosmo uma característica própria do âmbito humano, invertendo a linha de projeção proposta pelo poeta, justamente por levar a sério a idéia de que o tempo é o princípio sob o qual se resolve todo e qualquer desajuste, seja humano ou cósmico. Pode se dizer que, enquanto Sólon estava de olho na cidade e se utiliza de fenômenos naturais para compreendê-la, Anaximandro, por sua vez, estava de olho no cosmo celeste e se utiliza do cosmo político para compreendê-lo. Portanto, quando o filósofo concebe que tanto “os céus quanto os cosmos neles contidos” estão sob a ação de um princípio que em Sólon havia sido enunciado como figura poética, ele está a demonstrar o quanto o seu interesse estava voltado para o objeto que por excelência caracteriza o inquérito 74

HESÍODO, Trabalhos e Dias, 275-281. HOMERO, Ilíada, Q 68-74. Vide também C 208-213. 76 HESÍODO, Teogonia, 901-903. Como Torrano diz em seu prefácio sobre a obra, as Horas “regram a Natureza, o tempo e as ações humanas integrando-os num todo uno e indiviso.... e que “tem por função instaurar a boa distribuição dos bens sociais, as boas relações entre homens e a ordem que ritma as forças produtivas da Natureza”. HESÍODO, Teogonia, 2003, p. 65. 77 SÓLON, Fragmento W9, 1-4. Tradução: JAEGER, 2003, p. 180. Vide também os fragmentos W13, 17-24 do poema, em que Zeus, o deus legislador por excelência, aparece aplicando suas sanções e agindo como um vento que não só agita o mar e castiga a terra como também dispersa as nuvens, permitindo que o céu se torne novamente sereno. Tal trecho será analisado no capítulo referente a Heráclito. 75

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da natureza: as coisas suspensas no ar, cujas implicações humanas não são mais tomadas como figuras de linguagem – são literais. Afinal, é o tempo, com suas manifestações meteorológicas, que toma parte da formação mundo78, como também é ele quem determina a formação dos seres vivos, distinguindo os homens porque estes dependem de uma amamentação que se prolonga: “τὰ δὲ ζῶια γίνεσθαι ἐξατμιζομένου ὑπὸ τοῦ ἡλίου. τὸν δὲ ἄνθρωπον ἑτέρωι ζώιωι γεγονέναι, τουτέστι ἰχθύι, παραπλήσιον κατ' ἀρχάς”. “Os seres vivos geraram-se da umidade evaporada pelo sol. Inicialmente, o homem era semelhante a um outro animal, isto é, ao peixe”79.

“ἔτι φησίν, ὅτι kat' ἀρχὰς ἐξ ἀλλοειδῶν ζώιων ὁ ἄνθρωπος ἐγεννήθη, ἐκ τοῦ τὰ μὲν ἄλλα δι' ἑαυτῶν ταχὺ νέμεσθαι, μόνον δὲ τὸν ἄνθρωπον πολυχρονίου δεῖσθαι τιθηνήσεως· διὸ καὶ κατ' ἀρχὰς οὐκ ἄν ποτε τοιοῦτον ὄντα διασωθῆναι”. “Ademais, ele diz que no começo o homem nasceu de seres de uma espécie diferente; porquanto os outros seres em breve se sustentam a si próprios, ao passo que só o homem carece de amamentação prolongada. Por esta razão, ele não teria sobrevivido, se tivesse sido esta a sua forma original”80.

Por tudo isto, percebe-se o quanto que a visão de mundo de Anaximandro enlaça, num único golpe de compreensão, tanto o âmbito cosmológico quanto o antropológico, o político e o geométrico, demonstrando o quanto eles são copertinentes. Aliás, para Anaximandro, a estrutura geométrica do mundo – com seu ápeiron, céus, cosmos e a Terra no centro configuram uma lei de caráter profundamente político, sobretudo se considerarmos o comentário de Hipólito que diz que a Terra está suspensa no ar, sem que nada a segure – ou domine (kratei=n), mantendo-se firme pelo fato de estar à distância semelhante (o(/moioj) de todas as coisas: afinal, tal sistema de mundo está explicitamente fundamentado numa falta de domínio de qualquer elemento sobre outro, o que é garantido pela igualdade. É o que Vernant81 esclarece: para este comentador, a estabilidade da terra passa a ser explicada em função de uma geometria espacial, não tendo mais a necessidade de ser sustentada por raízes, como em Hesíodo, não lhe sendo preciso também apoiar-se sobre uma força elementar como a água de Tales ou o ar de Anaxímenes, pois ela passa a permanecer em seu lugar sem intervenção estrangeira, e isto porque o universo, orientado simetricamente em 78

Vide também a seguinte doxografia: HIPÓLITO, Refutações, I, 6,7 ; AÉCIO, III, 3, 1-2; ARISTÓTELES, Meteorológicas, B1, 353b 6. 79 HIPÓLITO, Refutações, I, 6,6. Tradução: KIRK & RAVEN, 2005, p. 142. 80 PSEUDOPLUTARCO, Miscelâneas, 2 (D. 579 A). Tradução: KIRK & RAVEN, 2005, p. 141. 81 VERNAT, 2008, pp. 261-262.

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todas as suas partes com relação a um centro, não comporta mais o domínio ou a posição que qualquer elemento pudesse vir a tomar dentre os outros. Portanto, centralidade, similitude e ausência de dominação são as idéias que caracterizam seu pensamento cosmológico que, no entanto, parecem revelar suas preocupações com o cosmo político. Afinal, a nova concepção do mundo, com tais características, parece ter-se modelado na imagem que a cidade tinha de si mesma, por meio de um vocabulário político que exprimia as preocupações que os gregos nutriam em relação a qualquer autoridade de tipo despótico. Para Vernant, “a primazia concedida por Anaximandro ao ápeiron visa garantir a permanência de uma ordem igualitária em que as forças opostas se equilibram reciprocamente e de tal maneira que, se uma domina um momento, ela será por sua vez dominada; se uma avança e se estende além de seus limites, ela recuará na mesma proporção em que tinha avançado para ceder o lugar ao seu contrário... O governo do ápeiron não é comparável a uma monarquia, como a que Zeus exerce em Hesíodo, ou a água e o ar entre os filósofos que conferem a um de seus elementos o poder de kratêin todo o universo. O ápeiron é soberano à maneira de uma lei comum impondo a todos os particulares uma mesma Díke, mantendo cada poder nos limites do seu domínio, fazendo respeitar, contra toda usurpação de força, todo abuso de poder... Neste sentido, retirar o krátos aos elementos que compõem o universo para confiá-lo ao ápeiron é realizar, no pensamento cosmológico, uma revolução análoga à de Maiândrio quando, recusando que um indivíduo particular domine os homens que são seus hómoioi, ele decide colocar o krátos em comum ou, para utilizar o vocabulário político grego, depor no centro, proclamando a isonomía”82.

Lloyd83 fará uma observação que tenta contemplar também o âmbito político: as forças cósmicas que estão a reparar todo e qualquer movimento abusivo, excessivo e portanto injusto apontam para uma lei que não está mais nas mãos de um deus despótico e nem sujeita aos caprichos dos homens pois paira a partir de então imutável – e poderosa - acima de qualquer decisão arbitrária, causando provavelmente uma impressão profunda, e talvez assustadora, em todos aqueles que se ocupavam com leis e política, tendo que interferir pelo menos no modo como os homens da época concebiam o poder. Já para Kahn84, não resta dúvida o que esta visão de mundo implicava, determinando o seu sentido propriamente filosófico: “O significado das duas partes do fragmento é um e o mesmo. A primeira parte declara o necessário regresso dos elementos mortais para dentro de forças opostas 82

VERNAT, 2008, pp. 279-281. Os termos em grego utilizados pelo autor significam: kratêin (dominar), Díke (Justiça), krátos (domínio), hómoioi (semelhantes), isonomía (igualdade de direitos). Já em relação à figura de Maiândrio, esclarece que Heródoto (Histórias, III, 142) conta que, por ocasião da morte do tirano Polícrates, o seu sucessor, Maiândrio, convertido ao ideal democrático, recusa-se a tomar o poder em suas mãos e convoca uma assembléia para anunciar que desaprovava tal governo porque este não considerava os homens como os seus semelhantes. Nestas condições, ele decide depor o domínio no centro e proclamar a igualdade. Vernant, 2008, p. 256. 83 LLOYD, 1992, pp. 212-227. 84 KAHN, 1994, pp.183. Tradução do autor.

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das quais foram gerados; a segunda cláusula explica esta necessidade como uma justa compensação pelos danos causados ao nascimento. Os elementos suprem um ao outro pela sua própria destruição, desde que o que é a vida para um é a morte para o seu recíproco. A primeira lei da natureza is a lex talionis85: vida por vida.”

Em função de tudo o que foi dito, vê-se que a cosmovisão de Anaximandro se constitui de uma massa primogênita infinita e indefinida chamada de ápeiron que se expande tanto espacialmente quanto temporalmente; tal expansão, provavelmente na forma de um turbilhão, gerou os céus na forma de astros luminosos que brilham intermitentemente e os cosmos na forma de ciclos ou faixas que estes perfazem, se mantendo, ambos, em função de toda uma centralidade, similitude e ausência de dominação características do seu sistema que acabam por garantir o seu equilíbrio e a sua estabilidade, evitando que ele se corrompa. Em Anaximandro, portanto, não há mundos inumeráveis dispostos no espaço como postulavam os atomistas e nem um mundo que nasce e se destrói ao longo do tempo como postulavam os estóicos86: há somente um mundo cujos astros brilham intermitentemente e cujos ciclos determinam o ritmo periódico das estações. Mas como este sistema astronômico se encontra formulado com um vocabulário político e como sua estrutura parece sugerir um modelo de organização entre os homens, resta se perguntar que cidade é esta que Anaximandro tem mente e o que, nela, brilharia de modo intermitente e regular como os seus céus – se é que o filósofo chegou a levar a sua analogia entre o cosmo natural e político até esta altura. Mas os seus fragmentos e sua doxografia – infelizmente - não permitem obter este tipo de resposta.

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lex = lei e talis = aparelhado. Também dita pena de talião, consiste na rigorosa reciprocidade do crime e da pena, apropriadamente chamada de retaliação e que freqüentemente tomamos pela máxima olho por olho, dente por dente. 86 Vide as hipóteses que existem sobre o assunto discutidas por Kirk & Raven, 2005, pp. 121-126.

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