O sertão dos Taconhapé. Cravo, índios e guerras no Xingu seiscentista

September 24, 2017 | Autor: Rafael Chambouleyron | Categoria: History, Colonial America, Amazonia, Colonial Latin American History, Historia, Amazonian History
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César Martins de Souza Alírio Cardozo Orgaruzadores

Histórias do Xingu Fronteiras, Espaços e Territorialidades (Séculos XVII -XXI)

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Belém • Pará • 2008

CAPÍTULO·S

o Sertão

dos Taconhapé. Cravo, fndios e Guerras no Xingu Seiscentista I Rafael Chambouleyron

Diferentemente

de

outros

espaços

da

Amazônia

portuguesa, ao longo do século XVII, a região do rio Xingu permaneceu relativamente alheia aos esforços mais sistemáticos da Coroa e das autoridades coloniais para ocupação da terra. Na verdade, excetuando-se as missões religiosas, notadamente as da Companhia de Jesus - formas também de consolidar o domínio sobre o território -, os portugueses não se aventuraram pelo rio e suas redondezas, como o fizeram com outros rios da região, como o Tocantins, o Moju, o Acará, o Itapecuru, o M~arim (estes dois no Maranhão) e, é claro, o rio Amazonas. Isso não significa que a região fosse desconsiderada pelos moradores e autoridades. O objetivo deste texto é o de analisar alguns dos empreendimentos realizados pelos portugueses (não serão aqui examinadas as iniciativas dos religiosos) na região do Xingu, ao longo da segunda metade do século XVII.

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Este texto é fruto de uma pesquisa, que desenvolvo junto à Universidade Federal do Pará e que conta com financiamento do CNPq, intitulada ''A coroa portuguesa e a Amazônia: natureza, economia e trabalho (1640-1706)". Uma primeiJ;a versão deste texto foi discutida no Grupo de Pesquisa "História da Amazônia colonial". Agradeço aos colegas do grupo pelas sugestões feitas.

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Rafael Chambollleyrrm

"A pretexto de escravos, como de cravo" Os relatos que se referem ao Xingu, na segunda metade do século XVII, quando era já um rio conhecido, chamam a atenção para a abundância de cravo de casca que havia naquelas paragens. O capitão Manuel Guedes Aranha, por exemplo, descrevia-o como um rio muito visitado pelos portugueses, "a pretexto de escravos, como de cravo, de onde se tem tirado e tirará muito".2 De fato, as jornadas ao sertão, em busca de escravos indígenas e das drogas do sertão, eram um dos vetores que permitiam o descobrimento do território pelos portugueses. Não fora diferente o caso do rio Xingu. Na década de 1650 ou 1660, um morador nascido no Pará,João Dornelas da Câmara, comentava sobre os problemas decorrentes da extração do cravo de casca .da forma como era feita pelos portugueses. Segundo ele, os que exploravam o cravo costumavam "cortar todas as árvores que podem", sem cuidar da sua extinção. Em vez de apenas retirar-lhes a casca, como se fazia com as árvores de sobro, em Portugal, ou com as de canela, no Ceilão, "as cortam todas e decepam a rama". Isso fazia com que em pouco tempo as árvores de cravo de uma determinada região se extinguissem, "e se buscam hoje os sítios mais distantes, que serão em breves tempos assolados na mesma forma, e assim se irão descobrindo outros mais remotos, até que seja impossível o conduzir-se". Era esse justamente seu medo em relação ao Xingu, "aonde se descobriram agora muitas árvores" de cravo. Assim, sugeria à rainha regente, dona Luisa de Gusmão, que se ordenasse ao governador o incentivo ao plantio de cravo, "nos sítios mais convenientes, especialmente no de Capim e Xingu". Para isso, era necessário que se desse aos moradores "índios

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Manuel Guedes

ARANHA.

"Papel político sobre o Estado do Maranhão"

[c.

1682].

&vista do Instituto Histórico e GeográficoBrasileiro, tomo 46 (1883), 1" parte, p. 10.

o mtão

dos T aco"hapé. CrallO,'"dios eguerras "0 Xi"gN seircentista

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e canoas necessários", com dispêndio da Fazenda real, pois, do cultivo desse gênero, explicava, "poderão resultar utilidades'? Descoberto o cravo no Xingu, os portugueses de Belém, Gurupá e Cametá passaram a organizar expedições em busca dessa droga. Entretanto, a extração de cravo nessa região enfrentava uma série de obstáculos. Um deles, segundo o padre jesuíta João Felipe Bettendorf, era a própria viagem. O religioso explicava que tanto a subida como a descida do rio eram extremamente perigosas, "em vista da grande correnteza das águas, que de um alto correm, como um vento, para baixo, com constante perigo de darem as canoas consigo em uma penha". Se os pilotos que conduziam as canoas não fossem "muito experimentados", havia poucos que se arriscavam a ir em busca do cravo. Mesmo assim, lamentava o padre, "como tudo vence a cobiça insaciável dos homens", não havia obstáculos que detivessem os "cravistas, que a tudo se arriscam, para levar o cravo de onde quer que esteja".4 Os religiosos jesuítas, 4ue haviam fundado aldeias no Xingu, onde missionavam mais sistematicamente desde a década de 1660, queixavam-se da ação desses cobiçosos "cravistas".5 Em 1681, o padre Pedro PedrQsa, por exemplo, em uma carta escrita ao

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"Papel q. se deu a Rainha D Luisa sobre várias utilid.e' do Maranhaõ". Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo [IAN/Tl], Coleção São Vicente, voI. 23, ff. 232-232v e 234. João Felipe BETIENDORF,SJ. Crônica da missão dos Maranhão [1698]. Belém: SECULT, 1990, p. 279.

Padres da Companhia

de Jesus no

"Em 1662 começaram os jesuitas a missionar a gentilidade deste rio", escreve Antônio Baena. Antônio Ladislau Monteiro BAENA.Ensaio corográfico sobre a provinda do Pará. Belém: Typographia de Santos & Menor, 1839, p. 502. Entretanto, os jesuitas haviam estado na região já na década de 1630, com o padre Luis Figueira. Sobre as missões jesuiticas na região ver: Serafim LEITE,SJ. História da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa/Rio de Janeiro: Portugália/INL, 1943, voI. III, pp. 345-56 (Gurupá e Xingu)j e os textos de Décio de Alencar Guzmán e Alirio Cardozo, nesta coletânea.

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Rqael Chamboll/~rrJn

príncipe regente Dom Pedro lI, reclamava de Antônio da Costa Pinto, morador de Belém, o qual, sem avisar a nenhum dos padres que se encontravam numa das aldeias da região "se foi aposentar e a contratar com os índios, para os levar ao cravo". Escandalosa também parecia aos olhos do padre Pedrosa a atitude de um "preto, escravo de um juiz, que este ano serve", que fora buscar índios "para o cravo" numa aldeia dos jesuítas no Xingu. Segundo o jesuíta, o "preto" levava ordem do bispo para seus negócios, e, diante da reação do missionário da aldeia, padre Aloísio Conrado Pfeil, tratouo "como se fosse outro preto como ele, e se voltou ameaçando-o com o bispo, e com o povo, como outros muitos fazem".6 Em carta ao geral da Companhia, o padre Conrado Pfeil justamente advertia que um levantamento de índios contra os portugueses no sertão do Xingu fora causado pelos próprios moradores, que tiranizavam os indígenas. 7 Além da viagem, os que se aventuravam ao cravo encontravam também outros terríveis obstáculos. Nessa região - no sertão do rio Xingu - viviam os índios Taconhapé, de "língua geral" (Tupi), escreve o padre Bettendorf. Este religioso refere-se inclusive a esse espaço como "sertão dos Taconhapé". Em seu Mapa efno-histófÍco, Curt Nimuendaju localiza os Takonyapé (década de 1690) entre o rio

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"Carta do P.
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