O sexo, a cidade e o Brasil: a representação do nosso país em Sex and the City

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

RAFAEL MARANTES SANCHEZ

O SEXO, A CIDADE E O BRASIL: A REPRESENTAÇÃO DO NOSSO PAÍS EM SEX AND THE CITY

Porto Alegre 2015


RAFAEL MARANTES SANCHEZ

O SEXO, A CIDADE E O BRASIL: A REPRESENTAÇÃO DO NOSSO PAÍS EM SEX AND THE CITY

Monografia apresentada para a obtenção do grau de bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação Social de Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Orientdora: Dra. Ana Carolina Escosteguy Co-Orientador: Dr. Pedro Henrique Reis

Porto Alegre 2015


RAFAEL MARANTES SANCHEZ

O SEXO, A CIDADE E O BRASIL: A REPRESENTAÇÃO DO NOSSO PAÍS EM SEX AND THE CITY

Monografia apresentada para a obtenção do grau de bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação Social de Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Aprovado em: _______ de ____________________________ de _________ BANCA EXAMINADORA: ___________________________________________________________________ Profª. Drª. Ana Carolina Escosteguy - PUCRS ___________________________________________________________________ Profª. Drª. Ruth Ignácio - PUCRS ___________________________________________________________________ Dr. Pedro Henrique Reis - PUCRS

Porto Alegre 2015


AGRADECIMENTOS Agradeço a minha mãe pela inspiração e motivação para vida acadêmica. Também aos meus orientadores, os professores doutores Ana Carolina Escosteguy e Pedro Henrique Reis. Muito obrigado ainda a profª. Drª. Ruth Ignácio pela ajuda quando este trabalho ainda era um projeto. Grato também sou a Deus e as queridas colegas de colégio que me apresentaram o objeto desta monografia, Sex and the City, em 2008.


“Claro que está acontecendo em sua mente, Harry, mas por que isto significaria que não é real?” (ROWLING, 2007, p. 562)


RESUMO O presente estudo utiliza o conceito de bacia semântica de Gilbert Durand para analisar a representação do Brasil no seriado Sex and the City (HBO, 1998 – 2004). Foram escolhidos cinco episódios que citam nosso país, que são analisados através de três categorias: Cultura Popular, Território e Povo. Diversos períodos históricos do Brasil são trabalhados para conhecer a forma como o exterior nos enxerga. A pesquisa se aprofunda nas questões de formação de mito e imaginário e o papel da TV nesta construção. Fazemos um resgate da forma como o brasileiro foi interpretando a si mesmo antes da análise dos episódios selecionados. É possível ver a forma estereotipada como a série nos representa e que as nossas questões de identidade são ignoradas. Palavras-chave: Brasil, cultura, identidade, Sex and the City

ABSTRACT This study uses the Gilbert Durand’s concept of semantic basin to examine the representation of Brazil in the show Sex and the City (HBO, 1998 – 2004). Five episodes were chosen for mentioning our country, which are analyzed through three categories: Popular Culture, Land and People. Various historical periods of Brazil are worked to know how the outside sees us. The research deepens in issues of myth and imaginary formation and the role of TV in this work. We do a remember of how the Brazilian was playing himself before start the analysis of selected episodes. We can see the stereotypical way the series shows us and how our identity issues are ignored. Key-words: Brazil, culture, identity, Sex and the City

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO

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2 O BRASIL NO EXTERIOR: UMA HISTÓRIA

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2.1 PORTUGAL DESCOBRE A ILHA DE VERA CRUZ

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2.2 BANANA IS MY BUSINESS: O MUNDO DESCOBRE CARMEN MIRANDA

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2.3 RIO DE JANEIRO NO FOGUETE DA MORTE: A VISITA DO 007

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3 O IMAGINÁRIO SOCIAL

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3.1 A TV NO IMAGINÁRIO SOCIAL

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3.1.1 NASCE O SITCOM

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3.2 GLOBALIZAÇÃO, MITO E IDENTIDADE

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4 UM BRASIL BRASILEIRO

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4.1 REPÚBLICA VELHA

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4.2 ESTADO NOVO E QUARTA REPÚBLICA

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4.3 DITADURA MILITAR

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5 SEXO E O BRASIL

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5.1 AS ORIGENS DE SEX AND THE CITY

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5.2 O INÍCIO DA BRAZILAN WAX

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5.3 SONIA BRAGA - ARTISTA BRASIELRIA LÉSBICA

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5.6 SEXO NO RIO

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6 CONCLUSÃO

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REFERÊNCIAS

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1 INTRODUÇÃO

Desde que foi descoberto, o Brasil mexe com o imaginário de quem não o conhece. Pero Vaz de Caminha, ao escrever para El-Rei Dom Manuel I de Portugal, tenta decifrar o que vê. Ali, em 1º de maio de 1500, o mundo começou a pensar nosso país. Anos mais tarde fomos redescobertos. Por motivos políticos, Hollywood fez de Carmen Miranda uma estrela. A república das bananas foi apresentada internacionalmente em telas de cinema através da Pequena Notável. O Brasil é ainda citado, mencionado, mostrado nas mais diversas produções literárias, cinematográficas e televisivas. A presente monografia busca averiguar como a televisiva série ficcional Sex and the City (que abreviaremos em SATC. HBO, 1998 – 2004) representa nosso país. Tendo em mente que uma série produzida em um país pode facilmente ser transmitida por emissoras do exterior, é fácil perceber como uma ideia sobre determinado assunto ou cultura consegue se infiltrar no imaginário coletivo de forma subjetiva. Dizemos isto devido ao formato pouco denso ou simplificado dos programas de entretenimento que acabam, sem má intenção, por passar estas mensagens. Realizamos um estudo qualitativo, que se aproxima dos conceitos da análise de conteúdo, tendo como indicadores de análise a forma, situações e conteúdo da fala quando o Brasil é mencionado. Também observamos as características de personagens cujas nacionalidades na história são dadas como brasileiras. Buscamos aqui entender não só como o país foi representado, mas também qual a provável imagem que seus espectadores ficaram do Brasil e quais os elementos que foram associados ao nosso país. Ao longo do trabalho, observamos, através da sociologia e psicologia, o poder de criação da televisão. Mais do que isto, também cuidamos questões de construção de imaginário. Mencionamos a forma como o Brasil vem, ao longo dos anos, sendo visto pelos estrangeiros e apresentado pelos mesmos. Permeamos-nos pelos limites das definições dos Estudos Culturais, uma vez que estes "compreendem os produtos culturais como agentes da reprodução social" (ESCOSTEGUY, In: Silva, 2006, p. 146).

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A fim de alcançar estes objetivos, fizemos uso dos métodos de documentação através das técnicas de pesquisa bibliográfica e documental pudemos embasar esta monografia em ideias e conceitos apresentados por autores em livros e artigos científicos. Aproximando-nos da análise de conteúdo, nós realizamos uma leitura do material (os episódio selecionados de SATC), captando seu vocabulário e o contexto histórico em que foi criado. Tentamos, assim, decifrar com maior plenitude a mensagem que foi passada. Para que houvesse uma compreensão de como se forma o imaginário social a respeito de determinado tema, baseamos nosso estudo nas ideias apresentadas por Durand (1999), Kellner (2001), Ruiz (2003) e Susca (2007). Para observar a questão da criação de imaginário pela TV, nos baseamos nos princípios sociológicos e filosóficos apresentados por Ianni (1993, 1991, 1979) e Sodré (1987). Buscando um maior entendimento de como o brasileiro interpreta a si mesmo, nos apoiamos na reconstituição feita por Ortiz (2001, 2000, 1999). Este trabalho está dividido em em cinco partes. O primeiro capítulo aborda a forma como o Brasil vem sendo representando em grandes produções desde o seu descobrimento artístico, quando Carmen Miranda passou a fazer parte do cast da Fox, passando por outras criações de Hollywood que envolvem nosso país. No segundo capítulo é definido o histórico de criação do imaginário social a respeito do Brasil, o poder da televisão nesta construção e porquê os seriados tipo sitcoms são tão populares. Em seguida, no terceiro capítulo, vemos como o Brasil foi tentando entender a sua própria identidade. E, por fim, no quarto capítulo a ênfase é em conhecer mais SATC, descrever os cinco episódios selecionados e, em seguida, a análise dos mesmos. Esta pesquisa que buscou compreender de que maneira o Brasil foi “vendido” para o mundo através de SATC. Uma vez que a série foi, e ainda é, um indiscutível sucesso, que ainda rende lucros para a HBO com a venda de DVDs e outros produtos vinculados ao seriado, é relevante saber como o nosso país está sendo conhecido por nações que pouco sabem sobre nossas história e cultura. Compreender o que se fala, o que se pensa do Brasil ajuda não só a entender a forma como somos vistos pelos povos do mundo, mas também auxilia a criar ou

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mesmo reforçar uma reflexão a respeito de que tipo de imagem nós vendemos com as nossas produções exportadas.

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2 O BRASIL NO EXTERIOR: UMA HISTÓRIA Antes de começarmos a compreender como se formam imaginários sobre determinadas populações e grupos, vamos fazer um resgate de como o Brasil foi apresentado para o mundo ao longo de sua história. Para fins de organização, este capítulo está subdividido em três partes: primeiro o período do descobrimento até o Império (1500 - 1889), seguimos para o sucesso de Carmen Miranda nos Estados Unidos (1939 - 1955) e, por último, o filme 007 - Contra o Foguete da Morte (Moonraker), gravado no Rio de Janeiro durante o período militar (1979). Esta monografia não pretende fazer um resgate do histórico do Brasil. Estes destaques fora feitos única e exclusivamente para ilustrar e trazer uma luz sobre a questão formação do nosso imaginário enquanto nação no exterior. A escolha destes momentos foi feita por entendermos que foram significativos na construção do pensamento sobre nosso país. Estamos cientes das lacunas temporais da nossa escolha, porém não identificamos manifestações culturais representando o Brasil que fossem de relevância para os moldes a que este trabalho se propõe. Os apontamentos trazidos neste capítulo são feitos com base em documentos das épocas selecionadas, em produções posteriores e em observação direta. Na primeira parte trazemos a carta de Pero Vaz de Caminha e autores que tratam do período Imperial brasileiro. Para o segundo momento, usamos os relatos do documentário Carmen Miranda: Banana is My Business (1995), de Helena Solberg, da biografia Carmen (2005), de Ruy Castro, e as observações feitas por Elaine Meire Soares Raslan em sua tese de doutorado Disseram que Voltei Americanizada: a construção da imagem de Carmen Miranda pelos maios de comunicação (2014). Por fim, assistimos ao filme 007 - Contra o Foguete da Morte (Moonraker, 1979), focados nas sequências gravadas ou identificadas como sendo no Brasil. 2.1 PORTUGAL DESCOBRE A ILHA DE VERA CRUZ Oficialmente tentando encontrar uma rota alternativa para as Índias, Pedro Álvares Cabral descobre aquela que passou a ser chamada de Ilha de Vera Cruz, em 1500. Para que o então rei de Portugal, D. Manuel I fosse informado do território

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descoberto por suas caravelas, Pero Vaz de Caminha escreve o primeiro documento descritivo do, hoje, Brasil. A Carta para El-Rei D. Manuel relata a viagem e conta como “pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas”1 esperavam pelos portugueses na costa. Conforme vamos lendo, somos informados da tentativas de comunicação com os índios, a admiração por sua nudez e inocência, os muitos arvoredos e aves coloridas que encantam Caminha. Podemos ler um estranhamento em relação as formas de organização social, alimentação e hábitos. Por cinco vezes se menciona as “vergonhas” dos índios. Há curiosidade frente a todo aquele desconhecido e as “moças, bem novinhas e gentis, com cabelos muito pretos e compridos pelas costas; e suas vergonhas, tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras”2 e a falta de constrangimento dos nativos em estarem nus. Podermos pensar nesta como a primeira divulgação oficial do Brasil para o exterior. A Carta para El-Rei foi o provável princípio da formação de uma imaginário de Brasil para o mundo. Nosso país voltaria a deter alguma atenção em 1531 quando, devido à ameaça francesa, o Brasil começaria a sofrer o início de um processo de colonização por parte de Portugal. Os olhos do mundo se voltam para nosso país mais uma vez em 1808, quando a corte portuguesa, fugindo de Napoleão, se muda para o Rio de Janeiro. Em 1815, a colônia é promovida e passa a existir o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. O então príncipe português Pedro de Alcântara de Bragança e Bourbon declara a independência do Brasil e se torna o Imperador D. Pedro I, no ano de 1822. Em seu brasão e na bandeira, o ramo do café e do tabaco, riquezas nacionais. Durante o reinado de D. Pedro II, o Brasil já tem uma imagem montada no imaginário mundial. A estabilidade política, as vitórias nas guerras do Prata, do Uruguai e do Paraguai, além do apoio imperial cultura e ciências3, aproximaram o 1

CAMINHA, Pero Vaz de, 1500. Disponível em: . Acesso em 19 de abril de 2015. 2 3

Idem.

LYRA, Heitor. História de Dom Pedro II (1825-1891): Fastígio (1870 - 1880). Belo Horizonte: Itatiaia, 1977b. vol. 2.

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Imperador de grandes nomes da filosofia e das ciências de sua época, como Charles Darwin, Graham Bell, Victor Hugo e Frederich Nietzsche4 . E o Brasil passou a ser visto no exterior pelas recém-inventadas fotografias, principalmente do Rio de Janeiro5, muitas tirados pelo próprio Imperador6. Todos estes eventos do início da história do nosso país, bem como posteriores a estes poderiam ser analisados de forma mais aprofundada e detalhada. Entretanto, para os fins desta monografia, fizemos esse rápido recorte dos primeiros séculos do Brasil por entendermos que foram pontos históricos que deram visibilidade para o país. Atenção similar se teria anos mais tarde, quando Carmen Miranda foi para os Estados Unidos mostrar no cinema o que os roteiristas americanos acreditavam ser a América Latina. 2.2 BANANA IS MY BUSINESS: O MUNDO DESCOBRE CARMEN MIRANDA No Rio de Janeiro, capital do país em 1939, o presidente-ditador Getulio Vargas governa sob a segunda Constituição feita em seus anos de poder. Apenas a título de contextualização, podemos lembrar que o Congresso Nacional fora fechado e agora existia a Tribuna de Segurança Nacional. As mulheres se tornaram eleitoras, o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) trabalhava para que todos vissem o presidente como o “pai dos pobres”7, se mantinha a Política de Valorização do Café e a lei de apoio ao cinema nacional já completava seus 6 anos. Os cassinos proliferavam na capital federal. No Cassino da Urca, a atriz de cinema e cantora de samba Carmen Miranda, a Pequena Notável, cantava com sua banda, o Bando da Lua. Com 30 anos, Carmen já havia participado de oito filmes, incluindo o lançado neste mesmo ano, Banana-da-terra, obra em que, interpretando ela mesma, vestiu a fantasia de baiana e cantou “O que é que a baiana tem?”, de Dorival Caymmi, pela primeira vez. Neste ano, o empresário da Broadway, Lee Shubert está no Brasil. Depois de anos se correspondendo com sua amiga Clairborne Foster, ex-atriz americana que

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CARVALHO, José Murilo de. D. Pedro II: ser ou não ser. São Paulo: Companhia das Letras. 2007.

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VASQUEZ, Pedro Karp. O Brasil na fotografia oitocentista. São Paulo: Metalivros, 2003.

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Idem nota cinco.

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A atuação do DIP será melhor explorada no capítulo quatro.

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mora no Rio de Janeiro, ele já ouvira falar muito a respeito da Pequena Notável. Encantado com o show que viu no Cassino da Urca, Lee imediatamente oferece um contrato para que Carmen estrele seu espetáculo de verão em Nova York. Para aceitar, ela impõe a condição de ter uma banda brasileira para tocar suas músicas. Ela queria que o Bando da Lua fosse contratado também (CASTRO, 2005). Lee Shubert não gosta de ideia. Seria muito caro levar mais seis rapazes para os Estados Unidos. O empresário volta para Nova York, de onde deve enviar o contrato de Carmen Miranda. Enquanto isso, no Brasil, havia uma grande mobilização para que o Bando da Lua fosse para os EUA. Uma vez lá, não haveria porque Lee não os contratar. O primeiro passo foi colocar Alzirinha Vargas, filha do presidente, a par da situação. Ela mobilizou o DIP para pagar as passagens e capitalizar os músicos, sob a alegação de que eles, junto com Carmen, iriam propagandear as glórias do Estado Novo no exterior e promover o café nacional. Ao mesmo tempo, Vavau Aranha, irmão do ministro das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha, começou a entrar em contato com sindicatos americanos para que o Bando da Lua pudesse trabalhar lá. Desta forma, em 4 de maio de 1939, Carmen Miranda e seus músicos partiram a bordo do S. S. Uruguay com destino a Nova York. Antes de dar adeus ao Brasil, ela teria dito que segue para Nova York para apresentar a música da nossa terra, que tem medo da responsabilidade e pede que nunca se esqueçam dela, pois ela nunca esquecerá do Brasil (SOLBERG, 1995). Enquanto Carmen Miranda não chegava nos Estados Unidos, o marido de Clairborne Foster, Maxwell Rice, mandava para o jornalista Claude P. Greneker a biografia da cantora. Dizia o texto, que seria usado para boa parte da publicidade de Carmen no exterior, que ela tinha 25 anos, educada em convento (assim manteria sua pureza frente ao público, por não ter crescido no ambiente pobre e sórdido do mundo latino), amante de corridas, regatas e grande nadadora (CASTRO, 2005). E ao desembarcar nos Estados Unidos, em frente a uma multidão de jornalistas que estavam no porto para cobrir sua chegada, ela teria dito que conhece diversas palavras em inglês. Com uma pronúncia incorreta, repete por diversas vezes money (dinheiro), além de yes (sim), no (não), turkey sandwich (sanduíche de peru) e grape juice (suco de uva) (CASTRO, 2005). Outro jornalista teria perguntado o que ela acha dos homens americanos, ao que respondeu: “Se eu gosto deles? Não, não, não. Eu os amo!” (SOLBERG, 1995).

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A Pequena Notável é chamada pelos americanos de Brazilian Bombshell 8. Carmen Miranda é um sucesso, sendo capa de revistas, participando de programas de rádio e pauta dos jornalistas. Sempre usando os turbantes, balangandãs, grandes brincos e colares, barriga de fora, saias com movimento e sapatos com 15 cm de altura, o que “deu a Carmen o toque de absurdo, alegria e extravagância que passou a caracterizá-la” (CASTO, 2005, p. 110). No ano de 1940, Darryl Francis Zanuck, um dos fundadores da 20th Century Fox, começa a gravar o filme Serenata Tropical (Down Argentine Way), uma história de um americano que cria cavalos na Argentina. Em seu primeiro filme de Hollywood, Carmen interpreta ela mesma. Não tem falas, apenas aparece em trajes muito vermelhos, sua fantasia de latina, para cantar “Bambu, bambu”, “Mamãe eu quero” e “South American Way”. O longa metragem arrecadou, só nos Estados Unidos, US$ 2 milhões, sendo considerado um sucesso comercial9. Carmen Miranda tornou-se a cara da América Latina para o cinema americano e, consequentemente, todos os seus espectadores ao redor do mundo. Contratada pela 20th Century Fox, ela foi dirigida sempre da mesma forma, com o mesmo tipo de vestuário, com frutas ou flores ou plumas em seus turbantes, com um forte sotaque ao falar em inglês. Carmen foi brasileira, argentina, cubana, portoriquenha. Com o início de II Guerra Mundial, ela se torna a personificação política da boa vizinhança do Estados Unidos para com as Américas Central e do Sul e com o Caribe. Na mesma época, também seria lançado pelos estúdios Walt Disney o personagem de desenho animado e quadrinhos Zé Carioca. Independentemente de ser uma representação acertada ou não, apesar de ser a personagem latina, Carmen Miranda era brasileira (ainda que nascida em Portugal). Seus personagens não apagavam a sua nacionalidade. Por mais que fosse uma imagem de América Latina que Hollywood estivesse vendendo, era a de

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Bombshell é a palavra em inglês para “granada”, mas também serve como termo para expressar uma grande surpresa. 9

Em 2014, a Biblioteca do Congresso americano selecionou Serenata Tropical (Down Argentine Way) para preservação pelo Registro Nacional de Filmes. Entre a Loura e a Morena (The Gang’s All Here, 1943), onde também vemos Carmen Miranda interpretando uma latina, foi selecionado junto para preservação. Os filmes foram escolhidos para que haja “preservação da criatividade, cultura e história da América” (GRAY, Tim. Variety, 17 de dezembro de 2014. Disponível em: . Acesso em 4 de abril de 2015).

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Brasil a mais aparente. Nosso país foi apresentado aos Estados Unidos e ao mundo pela figura de Carmen Miranda, ainda que de forma distorcida (RASLAN, 2014). A imagem da latina foi sempre tratada com distinção pelo cinema americano. A brasileira (ou cubana ou argentina) de Carmen aparecia na hora da música, da dança, de forma espalhafatosa e divertida. Em contraponto, a personagem americana de qualquer atriz, que até podia cantar a dançar, era independente e nada cômica (RASLAN, 2014). Quem viu Carmen Miranda e apenas Carmen Miranda, viu um Brasil através do ponto de vista do cinema e seus produtores, onde a sujeira não aparece (RASLAN, 2014). Viu um comportamento extravagante, alegre e exótico. A Brazilian Bombshell foi moda. O vestuário estereotipado foi adaptado e usado por mulheres do mundo inteiro. Em verdade, até hoje temos grandes marcas lançando coleções inspiradas no figurino de Carmen (RASLAN, 2014). Carmen Miranda ainda seria usada como um dos ícones do movimento de cultura brasileiro chamado de Tropicália (1967 - 1969). Tendo ou não ficado americanizada, apesar de ter nascido na Europa, o fato é que Carmen Miranda sempre foi brasileira. Não era baiana. E jamais foi considerada uma igual nos Estados Unidos. Ela era diferente. Assim foi, portanto, que o Brasil foi apresentado ao mundo do século XX. Através de Carmen Miranda que a indústria cultural voltou seus olhos para o nosso país e encontrou não só um grande mercado, mas também uma fonte de matéria prima e inspiração para dar vida a tudo aquilo que não fizesse parte da sua realidade séria, moralista e puritana. Carmen Miranda se tornou um símbolo de Brasil. Além de usada em diversas campanhas publicitárias pelo Brasil, principalmente em época de Carnaval, a imagem da Pequena Notável foi usada como capa da revista inglesa The Economist, em 18 outubro de 201410 (a mesma imagem também foi usada para ilustrar a matéria “Why Brazil needs change” no site do periódico11). Além destes, existem muitos outros exemplos do uso da imagem de Carmen Miranda para representar o Brasil, mas este não é nosso foco. A Brazilian Bombshell

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Disponível em: Acessado em 4 de abril de 2015. 11

Disponível em: Acessado em 4 de abril de 2015

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está aqui por ser e fazer parte do momento em que Hollywood e toda indústria cultural passam a reconhecer a existência da América Latina. 2.3 RIO DE JANEIRO NO FOGUETE DA MORTE: A VISITA DO 007 Estreia nos cinemas de todo o mundo o décimo primeiro filme do personagem James Bond no ano de 1979. O longa metragem 007 - Contra o Foguete da Morte (Moonraker) foi gravado no Reino Unido, Estados Unidos, França, Itália, Guatemala e Brasil. Nesta nova aventura, o agente secreto James Bond tem que descobrir o que houve com o ônibus espacial da Drax Corporation, roubado misteriosamente. O filme da Metro-Goldwyn-Mayer (MGM) foi dirigido por Lewis Gilbert e escrito por Christopher Wood. São 127 minutos de produção, onde vemos os canais venezianos, o carnaval carioca, o Pão de Açúcar, as Cataratas do Iguaçú, uma mansão francesa na Califórnia. A primeira imagem do Brasil aparece aos 56:26 do filme. Aparece na tela a Bacia de Guanabara. A imagem corta para James Bond indo para seu hotel e, em seu quarto, conhece Manuela. Ele pergunta “como se mata tempo no Rio se você não samba” enquanto começa a despi-la. A sequência seguinte mostra um desfile de carnaval no meio da rua, com gente fantasiada andado para todo lado. O espião inglês é o único vestido um smoking. Em uma escura, estreita e suja rua lateral, 007 e o capanga do vilão Hugo Drax, Jaws (traduzido como Tubarão, Boca de Ferro ou Dentes de Aço) brigam. A luta entre os dois só acaba porque um grupo de foliões passa pelo local e levam Jaws junto com eles. Fato um tanto curioso, pois o personagem é um homem bem mais alto que qualquer um e mostrado o tempo todo como incrivelmente forte. A sequência seguinte é de James Bond no Pão de Açúcar, onde mulheres de biquini dançam ao som de uma banda fantasiada e bebem 7 Up12. No alto do morro, ele observa os aviões de Drax partindo do aeroporto chamado de San Pietro, mas que é na verdade o Santo Dumont. No Pão de Açúcar também está a Dra. Goodhead, uma cientista, espiã da CIA infiltrada na empresa de Drax. A americana,

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Marca de refrigerante pertencente ao grupo PepsiCo, que só foi ser comercializado no Brasil a partir de 1995, e que deixou nosso mercado em 1997.

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diferentemente das brasileiras, está usando calça e uma blusa de mangas compridas. Peças pretas, bastante sóbrias. Após uma nova briga entre James Bond e Jaws no teto dos bondinhos do Pão de Açúcar, temos uma tentativa de rapto do espião e da cientista. A ambulância que os carga corre, subindo um morro, por ruas estreitas, rodeadas apenas por mato. No caminho, mais publicidade da 7 Up e até mesmo uma em inglês da British Airlines. James Bond consegue fugir da ambulância para que possa se encontrar com M, seu superior. Para chegar até ele, o inglês vai de cavalo, por um vasto campo, usando um chapéu preto e poncho, tal qual um gaúcho. Depois de passar por uma igreja barroca, chega a um mosteiro, onde entrega seu cavalo e diz em português: “muito obrigado a você”. Os seminaristas que vivem no mosteiro se mostram exímios lutadores. Também treinam com armas de laser e bolhadeiras explosivas. O lugar está servindo de base para o Serviço Secreto de Inteligência e é onde James Bond é informado que a substância tóxica que encontrou em Veneza é retirada da orquídea negra, uma flor rara que só cresce próxima ao rio Tapirapé. Este rio nasce perto da cidade de Porto Alegre do Norte, no estado do Mato Grosso. É um dos afluentes do rio Araguaia, que corre para o norte, em direção ao Pará. Esta, entretanto, não é a geografia que vemos em 007 - Contra o Foguete da Morte (Moonraker). James Bond navega por um rio, que supomos ser o Tapirapé, em meio a uma mata. Durante a perseguição que começa, Bond se vê nas Cataratas do Iguaçu. Ele escapa de uma fatalidade nas quedas d’água devido a uma asa delta que tinha em seu barco. Depois de aterrisar no meio da floresta, Bond segue uma mulher entre as árvores. Eles caminham próximos as cataratas até chegar a uma grande pirâmide pré-colombiana. A antiga construção, entretanto, escondia um centro de controle e base de lançamento dos foguetes Moonraker, da Drax Corpotation. E não se vê mais Brasil, a menos que consideremos as instalações modernas dentro da pirâmide. Com custo total de US$ 34 milhões, 007 - Contra o Foguete da Morte (Moonraker) deu um retorno de US$ 210.3 milhões ao seu estúdio. Mais um grande

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sucesso de Hollywood (apesar de ser uma produção franco-inglesa) que mostra o Brasil para o mundo. Mas que Brasil? Observando as sequências brasileiras (gravadas aqui ou apenas citadas como sendo nosso país) ficamos com alguns detalhes em mente. As mulheres dançando de biquini no Pão de Açúcar. As grandes extensões de floresta. A animação do povo nas ruas. A grande festa que está na cidade. As ruas mais estreitas e mal cuidadas. A beleza das Cataratas do Iguaçu, em algum ponto do rio Tapirapé. A força do carnaval, que consegue até mesmo carregar um vigoroso vilão para folia. A herança de povos pré-colombianos deixada em forma de templo. A possibilidade de beber 7 Up em um dos principais pontos turísticos do Rio de Janeiro. O aeroporto de nome tão latino, San Pietro, com sua pista dentro da Bacia de Guanabara. Aquele não era o Brasil, assim como Carmen Miranda não foi o Brasil. Porém, são dois frutos da indústria para vender seus produtos e suas ideologias. E além, são peças que podem ser consideradas relevantes na formação de um imaginário sobre o Brasil, tanto por estrangeiros quando por nós mesmos. Os dois, mas não só eles, ajudam na criação de um mito sobre o país. Tivemos, então, diversos momentos de divulgação do Brasil no exterior. Aqui destacamos três: o período do descobrimento até o reinado de Dom Pedro II, a ida de Carmen Miranda para os Estados Unidos e os diversos filmes sobre América Latina da Fox, e o décimo filme da franquia 007, que teve cenas gravadas em terras brasileiras. Vimos que o Brasil sempre se destacou de alguma forma pelo que tinha de diferente, fosse o povo sempre nu, a floresta ao redor da capital, o turbante de frutas ou as mulheres de biquini no alto de um importante cartão postal. No próximo capítulo iremos entender um pouco melhor como se forma o imaginário social e suas consequências. Também iremos ver as forças por trás da criação e manutenção destes imaginários, bem como a relevância da televisão para esta geração de imagens.

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3 O IMAGINÁRIO SOCIAL Uma das maneiras de formar de imaginário é através da visão sobre nossa sociedade e da forma como a interpretamos, passando a criar-se uma atmosfera, que se expressa das mais distintas formas. No mundo industrial e capitalista em que vivemos, é possível verificar representações codificadas em símbolos presentes em músicas, filmes, programas de televisão, peças publicitárias, e tantos outro produtos da cultura da mídia. Os diversos sinais que chegam até nós diariamente são reinterpretados afim de que gerem significados. Mas para que um ideia se fixe em uma determinada sociedade, não basta apenas ser reproduzida pelos veículos de comunicação. A forma como é apresentada faz toda diferença, principalmente se o emissor almeja, de alguma forma, uma mudança de atitude do seu receptor frente a determinado produto, grupo social ou ideologia (ARONSON; AKERT; WILSON; 2002). O imaginário social estrutura-se, então, a partir do momento em que o aceitamos, disseminamos e imitamos (SILVA, J., 2006). E, para além disto, pode gerar um mito. E para que qualquer mito se crie e se mantenha é necessária uma repetição das mesmas coisas (DURAND, 1999). O mito, por sua vez, vem a ser um dos elementos mais básicos para a formação da metáfora apresentada por Durand, em O Imaginário: ensaio acerca das ciências e da filosofia da imagem (1999), chamada de potamológica (termo de composição que exprime a ideia de um curso de rio regulado por suas bacias). O conceito de “bacia semântica” é formado justamente pelo imaginário social de uma época, constantemente repetido em suas ideias e símbolos. A única forma de mudança de pensamento é, segundo Durand, a mudança de gerações, quando os mais jovens ocupam o lugar de seus pais e passam a gerar novos códigos e significados. O autor ainda nos diz que o tempo de existência de um mito é de, aproximadamente, 200 anos. As mudanças trazidas por cada geração viriam por novas necessidades do mercado e de ideologia. Dentro da lógica da bacia, entre um grupo de formadores e mantenedores de conceitos e seus sucessores haveria “um desgaste político do imaginário e ao mesmo tempo à extrema tentativa de colonizá-lo politicamente” (SUSCA, 2007. p. 31). Ou seja, a forma antiga de pensar certos

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temas se desgastaria, mas não se poderia deixar de existir uma maneira de pensar e vender ideias. Se aceitarmos que é no imaginário onde se gera a apresentação de cada política (SUSCA, 2007) e cada novo imaginário social leva gerações para se formar e estabilizar, devemos fazer um estudo crítico das formas como eles se instalam na sociedade contemporânea, bem como a sua provável lógica de funcionamento. De acordo com o eixo deste estudo, iremos analisar apenas a forma como a televisão traz para dentro das casas das pessoas os mais diversos símbolos, ideias e ideologias, através de seus programas de entretenimento. Nosso foco principal serão as séries televisivas, que graças ao seu formato, contexto e forma de consumo atrai o público e o fideliza. Também devido a sua, cada vez mais fácil, reprodução internacional, devido não só a sua retransmissão em emissoras estrangeiras, mas também a sites e aplicativos especializados (SILVA, M., 2014). 3.1 A TV NO IMAGINÁRIO SOCIAL O início do século XX veio acompanhado de diversas inovações tecnológicas, como, por exemplo, o avião de Santos Dumont, as linhas de montagem fordistas e a televisão. Foi em 1923 que Vladimir Zworykin registrou a patente do tubo iconoscópico, mas apenas depois da II Guerra Mundial, em 1945, que a TV começou a se popularizar pelo mundo. A televisão passou a ser, ao lado do cinema e do rádio, uma importante geradora de significados, ajudando a dar vazão as mais variadas formas de criação intelectual, “o produto e a condição do funcionamento e da expansão do capitalismo” (IANNI, 1979, p. 14). De fato, a TV passou a ter um espaço tão importante na vida das pessoas que a configuração das salas em seus lares se alterou para que a maioria das poltronas fiquem de frente para a tela. Eugênio Bucci (2005) destaca que de fato a televisão passou a ter tanta relevância em nossas vidas que vivemos sob a “lei do audiovisual: o que não aparece na TV não acontece de fato” (p. 33). Indo além deste conceito, Maria Rita Kehl (2005) nos diz que nós “dependemos do espetáculo para confirmar que existimos” (p. 50). Olhando através destas duas afirmações, podemos ver uma sociedade que depende da televisão para entender que existe de fato. A TV passa cada vez mais a

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ter importância na forma como as pessoas se relacionam entre si e com o mundo ao seu redor. A televisão resulta, assim, numa forma de relacionamento social. É uma “visão-tele”, uma visão à distância, que é a forma de ver, de falar, de trocar, de governar na sociedade contemporânea - definida pela produção monopolista marcada pela extrema concentração financeira, demográfica, signica. (SODRÉ, 1987. p. 10)

Devemos lembrar que a programação televisiva se mantém devido ao dinheiro de seus anunciantes. Num mundo capitalista em que as populações estariam apenas se entendendo como existentes através do veículo de comunicação, promover-se no próprio se torna algo interessante. Desta forma, para um programa se manter no ar, tem que conseguir vender os produtos e/ou ideias de quem se divulga através dele. A cultura passa a ser uma importante mercadoria (KELLNER, 2001). A programação da TV não serviria apenas confirmar a existência, mas para gerar lucro ao anunciante ao mesmo tempo em que atesta a vida de sua audiência. Bourdieu (1997) diz que a televisão forma a cabeça de grande parte de população. E por “formar cabeças” podemos entender como justamente a aceitação das pessoas aos simbolismos e conceitos apresentados; a compra dos bens culturais que o mercado quer vender. Contudo, não dizemos aqui que os telespectadores aceitam de forma passiva e submissa todas as ideias e mensagens que recebem. Kellner (2001) diz que o público não vai necessariamente ser manipulado, ele pode e consegue resistir. Mas o autor ainda destaca que “os produtos da cultura da mídia não são, portanto, entretenimento inocente” (p. 123). A mensagem, qualquer que seja, depende não só da forma como é enviada, mas qual o meio que se utiliza para alcançar seu alvo. Os produtos televisivos de entretenimento encontram aí seus facilitadores para a transmissão de ideologias. Afinal, a televisão pode nos desligar da realidade, nos levando na fantasia, nos fazendo almejar coisas que não temos e, talvez, nunca teremos (SILVA, G., 1996). A imagem “enlatada” que é veiculada facilita para que algo seja passado de forma sutil para o espectador (DURAND, 1999), pois a sequência ininterrupta de imagens não oferece a necessidade de pensar.

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O pensamento é um trabalho, e ninguém aguenta pensar (trabalhar) o tempo todo. Ele só é convocado a operar quando falha a realização de desejos. [...] O funcionamento imaginário dispensa o pensamento. Isso não quer dizer que as pessoas parem de pensar para sempre diante do gozo imaginário, mas que, diante do fluxo de imagens, paramos de pensar. E quanto mais o fluxo de imagens ocupa espaço na nossa vida real e na nossa vida psíquica, menos é convocado o pensamento. (KEHL, 2005. p. 90. Grifos da autora)

Ao observarmos essa aceitação, por um movimento de inércia, de nãotrabalho, dos conceitos trazidos pelos programas, podemos constatar que a televisão é um dos grandes afluentes da bacia semântica. Devemos atentar que a formação do imaginário extrapola a questão de uma identificação particular. Ianni (1991) traz a reflexão filosófica de que um Estado existe não apenas a partir de sua história, mas também de seu imaginário. Deste modo, a TV se torna um grande meio constitutivo de qualquer nação. Messa (2014) ainda nos lembra que o imaginário constrói um momento histórico ao mesmo tempo é que é construído pelo mesmo. Por vivermos em uma sociedade onde indústria, audiência e arte se confundem no conceito de cultura de massa (IANNI, 1991), acabamos por ter um mundo onde quem detém o controle sobre as produções pode, mesmo que não queira, passar para seu público ideias, conceitos e imagens que tanto têm o poder de fortalecer um mito como de começar ou reforçar algo novo. Tudo depende de como o produto é vendido ao telespectador e de como o público vai aceitar o que for apresentado. Enquanto a audiência sentir prazer com o que está consumindo, a indústria da mídia seguirá trabalhado neste sentido (KELLNER, 2001), alimentando a bacia semântica sempre da mesma forma, fazendo seus rios correrem sempre por caminhos já estabelecidos. As formas que a indústria cultural tem para vender seus produtos na televisão são variadas. Podem acontecer por divulgação de bens durante os intervalos comerciais da programação; patrocínio a determinado artista, esportista ou evento; merchandising durante os programas (no nosso objeto pesquisado, a série Sex and the City, vemos computadores da Apple, sacolas e sapatos da Manolo Blahnik, anéis e lojas Dior, biscoitos Oreo, leite Parmalat, entre outras marcas); até mesmo na produção de minisséries, novelas, seriados e afins. Quando algo passa a existir de forma física, no momento em que conceitos imaginários tomam forma e tudo é apresentado para o público como um programa,

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apenas o produto passa a ter importância. Para fins de pesquisas e estudos, olha-se com atenção também para as condições e para o processo de criação, mas estes são inexistentes para o grande público (JOHNSON, In: Silva, T., 2006), que apenas se senta em frente a sua televisão e que, enquanto estiver tendo seus desejos e sonhos realizados pela tela, não irão invocar pensamento crítico sobre a torrente de imagens que vai passar pelos seus olhos. A constante de informações e representações podem ter, desta forma, em seu alcance, a capacidade de alterar características de determinada sociedade. Temos, portanto, uma televisão que é bem mais do que uma forma simples de passatempo. Ela é um relevante membro da sociedade, articulando-se com instâncias sociais e de economia (SODRÉ, 1987), vendendo produtos de indústria cultural e sendo peça formadora da história de um país pela forma como auxilia na construção, desconstrução ou reconstrução de símbolos, rastros, imagens, do imaginário social. Tudo isto é feito com a realização de desejos, sonhos, da construção de uma relação empática (SUSCA, 2007). A televisão passou a fazer parte da sociedade de tal forma que diz o que acontece ou não. Se tornou uma legitimadora de existências, formando cabeças e, acima de tudo, vendedora. A indústria cultural encontrou na TV uma importante e potente força para ofertar seus produtos e ideias. E a absorção de conceitos pelas sociedades não só mantém mercados como também ajuda a definir o Estado a que pertecem. A projeção emocional da audiência nos produtos televisivos foi um dos principais fatores para o sucesso dos seriados, como veremos a seguir. 3.1.1 NASCE O SITCOM Ao roubar do cinema o papel de grande produtor de imaginários, a televisão passou a borrar as linhas entre a realidade e a ficção (PASA, 2013). Manteve, entretanto, o formato que já vinha fazendo sucesso até mesmo antes do cinema: a periodicidade que exige a fidelização do espectador para saber o final. As comédias de situação (situation comedy, popularmente chamadas de sitcom) são um gênero inaugurado ainda em programas de rádio no início do século XX, onde temos assuntos recorrentes de uma sociedade tratados de forma aparentemente superficial e anedótica. Os personagens são estereótipos e a duração de cada episódio tem, em média, 25 minutos de produção. E cada episódio

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é, geralmente, uma narrativa completa, de modo que não é obrigatório que o espectador os assista ou escute na ordem que foram feitos ou lançados. O primeiro sitcom televisivo foi I Love Lucy, que estreiou no dia 15 de outubro de 1951 no Columbia Broadcasting System (CBS), canal aberto dos Estados Unidos. Sua forma cômica de permitiu que seu público passasse a se relacionar com as personagens por se identificarem e conseguirem se ver nas situações apresentadas. Com o passar dos anos (e, consequentemente, das temporadas), o público vai se apegando mais e mais aos personagens (de qualquer seriado que seja), pois vai envelhecendo com eles, vai acompanhando seu crescimento e progresso. Sem a pretenção ou ambição de absorver mudanças de costumes ou ideologias, os sitcoms se estabelecem no mercado televisivo, juntamente aos seriados dramáticos (CARLOS, 2006). Em 1º de abril de 1960, I Love Lucy exibe o seu último episódio. A esta altura, a televisão já estava mais presente nos lares americanos e a produção de seriados era constante. Em 1972, entra na grade de canais da TV a cabo a Home Box Office Inc. (HBO). Mas é apenas em 1977 que a HBO começa a criar suas próprias séries e filmes. Quase até a metade dos anos 1990, os seriados eram feitos a partir de uma forma pré-estabelecida. Os sitcoms, em específico, eram gravados em estúdio, as risadas eram adicionadas na pós-produção nas cenas cômicas e irreais. As problemáticas sociais eram abordadas apenas pela séries de drama. O realismo mais forte e dominante para as séries terem se tornado fenômenos narrativos tão sofisticados está no fato de os criadores e roteiristas, há pelo menos uma década, terem-nas transformado no mais fiel espelho da sociedade hoje disponível na cultura de massa. Trata-se sem dúvida de uma das mais fortes e consistentes razões do apelo que essas narrativas oferecem. (CARLOS, 2006. p. 43)

Nessa onda de maior realismo, aparecem no mercado televisivo os mais relevantes sitcoms desde I Love Lucy, segundo Carlos (2006). Em 1994, no canal NBC, estreia no mês de setembro Friends. E quatro anos depois, na HBO, ocorre o lançamento de Sex and the City. SATC surge de forma quase revolucionária no cenários dos sitcoms. As personagens Carrie, Samantha, Charlotte e Miranda, bem como todos os demais que aparecem ao longo dos episódios, não ficam restritas a existir apenas no

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espaço limitado no estúdios. SATC, literalmente, vai para as ruas de Nova York para contar as suas histórias. E além disso não existem as risadas de fundo nas cenas engraçadas. A série passa a ser uma crônica de costumes, retratando a sociedade para a própria, ocupando “o lugar vago da literatura na mente e na imaginação de milhões de pessoas” (CARLOS, 2006. p. 44). Extremamente comerciais, os sitcoms se tornam um importante produto da indústria cultural. Amplamente aceitos pelo público, se tornam objetos de desejo das grandes companhias dos mais variados setores para que seus produtos se tornem o desejo da população. Mais do que isso, as séries, tão próximas do espectador, ajudam a disseminar a cultura da globalização e “tem o poder de alterar identidades” (RUBIM & TENÓRIO, 2009. p. 70). Produtos televisivos dos Estados Unidos, que podem ser assistidos em qualquer lugar do mundo depois da popularização da internet, retratam sempre a própria cultura. A “aldeia global” acaba por muitas vezes conhecer a lugares que jamais viu ou ouviu através das apresentações e representações americanas. Acontece que “a televisão, generalista por natureza” (PASA, 2013. p. 65), tem que, muitas vezes, mostrar o outro, o estrangeiro. O problema começa quando os programas retratam aqueles que não são eles pelo viés do exótico. Conforme Ianni (1993), este elemento do exótico, desajeitado, extravagante é mais frequente quando o representado é o latino-americano, onde se destaca a nãocontemporaneidade. A constante apresentação dos mesmos elementos como sendo dos mesmo lugares, perpetua uma mensagem no imaginário dos espectadores. Indo mais além, Silva, G. (1996) diria que “a TV cumpre o papel de apresentar a cultura americana como superior a brasileira”. Para o fins desta monografia, não iremos entrar neste debate valorativo, mas deixamos aqui este registro para reflexão. Ponto a ser observado é o sucesso entre o público das séries. Segundo Silva, M. (2013), a qualidade textual, o contexto tecnológico dos últimos anos e as formas de consumo são os pilares do que ele chama de "cultura das séries". O autor destaca as repetições estruturais e de personagens sempre como sendo novidade na serie, o que prende o espectador. Também se ressalta a importância do produtor e do escritor, muitas vezes a mesma pessoa, pois é quem "garante a unidade de sentido de um programa seja pela supervisão do processo de escritura dos

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episódios, seja pelo estabelecimento de um padrão de encenação" (SILVA, M., 2013. p. 244). A tecnologia de hoje, o amplo acesso a internet e a gravação de DVD e BluRay são alguns apontamentos que levam a compreender melhor a construção do público atual de ficção seriada. Ao sair da rígida grade de horários da televisão para o ambiente físico do disco ou virtual da internet, a serie passa a ter um consumo mais livre e irrestrito. O espectador vê quando e quantas vezes quiser, e onde achar melhor (computador, smartphone, televisão ligada a rede wi-fi, tablet). O ambiente digital online ainda permite uma participação maior da audiência, que pode comentar nas redes sociais ou no próprio site em que está assistindo ao programa. Este ambiente digital que mudou a forma de consumo dos seriados como um todo. Se em 1951 era necessário esperar o dia e hora certos para ver um episódio I Love Lucy na televisão, hoje é possível o espectador escolher o melhor horário para si, bem como escolher qual ou quais episódios irá assistir. Além disto, as comunidades online de troca de informações, curiosidades e experiências com o produto criam uma maior imersão do público na serie. São feitas fanfictions e fanarts usando os elementos e personagens das tramas. As próprias emissoras muitas vezes estimulam, apoiam ou criam portais para essas trocas, para estimular a teleparticipação e o engajamento da audiência (SILVA, M., 2013). A ficção seriada televisiva assumiu diversos formatos desde que foi criada. Os sitcoms vieram com a proposta de ser apenas uma comédia leve. Com o passar dos anos, foi se modificando até chegar em SATC, que trouxe novas formas de produção. Paralelamente, a sociedade foi se alterando. O texto qualificado das series se estendeu para fora da TV, se manifestando de forma física (DVD, Blu-Ray) e digital (online). As novas formas de consumo trouxeram maneira inéditas de se relacionar. A internet possibilitou o contato e a troca de informações sobre o seriado com pessoas de todo o mundo. Assistir um seriado deixou de ser um entretenimento com dia e hora marcados para se tornar um passatempo constante que permite a criação e divulgação de impressões e sentimentos de cada espectador em uma relação mais direta uns com os outros. 3.2 GLOBALIZAÇÃO, MITO E IDENTIDADE

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Conforme exposto até então, um dos produtos do imaginário é o mito. Estes frutos da indústria cultural se alastram pelo mundo, entre outras maneiras, através do programas televisivos que têm pessoas de qualquer país como público. Existem, por tanto, grandes interesses capitalistas nesta geração, manutenção e desenvolvimento de mitos. O alcance praticamente ilimitado do produto é um facilitador para os fins comerciais pelos quais são produzidos. É importante, por tanto, compreender as forças de atuação do universo simbólico. Imaginário e mito se desenvolvem na cabeça do receptor. Com a exposição repetitiva aos mesmos conceitos, se nasce, fortalece e aprimora uma identidade já pré-determinada pela cultura de massa. O controle sobre os meios geradores de imaginários é, por tanto, decisivo para o mercado, pois que o tiver consegue passar subjetividades sem resistência (RUIZ, In: Sidekum, 2003). A produção de mídia é uma relação de poder. A perpetuação por gerações de determinados mitos, um imutável fluxo de um rio da bacia semântica, faz com que um aspecto de identidade de um determinado grupo seja aceito pela sociedade como um todo, incluindo os próprios representados. Assim, é em campo inconsciente e subconsciente, enraizado em emoções, cultura e caráter (SIQUEIRA, 1999) que o mito pode transformar sujeito em indivíduo sujeitado (RUIZ, In: Sidekum, 2003). Estes dois conceitos trazidos por Ruiz (2003) podem ser simplificados da seguinte forma: sujeito é aquele que tem consciência de si; indivíduo sujeitado é aquele que age conforme é esperado pela mídia. O primeiro faz escolhas para si, o segundo “compra” o imaginário sobre si que a televisão, por exemplo, mostra. Ainda que contemporaneamente não se tenha como identidade um conceito simbólico único (nação, fé, etnia etc), os diversos segmentos se entrelaçam e acabam se configurando uma mesma identidade para um grupo macro da sociedade, definido relações sociais. O controle do universo simbólico que trama as identidades se perfila, pois, como o campo privilegiado da luta de interesses. Por isso, os grupos excluídos e as classes dominadas travaram sempre, de modo consciente ou inconsciente, uma disputa pela ressignificação dos símbolos matriarcas ou periféricos que configuram o imaginário social instituído e que possibilitam a constituição de identidades e o direcionamento das práticas sociais. (RUIZ, In: Sidekum, 2003. p. 139)

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Na mesma linha de pensamento de Ruiz e indo um pouco mais além, podemos entender que A produção da mídia está, portanto, intimamente imbricada em relações de poder e serve para reproduzir os interesses das forças sociais poderosas, promovendo a dominação ou dando aos indivíduos força para a resistência e a luta. Mas o materialismo cultural também focaliza os efeitos materiais da cultura da mídia, insistindo em que suas imagens, espetáculos, discursos e signos exercem efeito material sobre o público. Para o materialismo cultural, os textos da mídias seduzem, fascinam, comovem, posicionam e influenciam seu público. A cultura da mídia tem efeitos materiais e eficácia. (KELLNER, 2001. p. 64)

O importante para a manutenção do sistema é a constante identificação do sujeito com as imagens e identidades apresentadas, de modo a se manter como indivíduo cooperante, uma vítima do todo sem que perceba. Quando sente ser necessário, para manter seus públicos, seus compradores, a cultura de massa passa a oferecer novos pensares, lança novos símbolos que geram imaginários colaborativos, mudando, por tanto, alguns sentidos da bacia semântica. Ou não. A industria cultural pode também apenas apresentar exatamente os mesmos ideais, produtos, significados, em nova embalagens apenas. Nós, brasileiros, assim como cidadãos de qualquer país, vivemos sob dois aspectos e desejos do mercado cultural. Nossos mitos são estimulados em nossos imaginários tanto por propagandas, filmes ou programas de TV feitos por nós mesmo quanto pelos vindos de fora, na maioria das vezes originais dos Estado Unidos. Estes querem que cada indivíduo construa sua própria identidade, comprando e ostentando bens para demarcar a escolha feita. Na contra-mão desta lógica, somos estimulados a criar identidades, subjetividades flexíveis, mutáveis. A união destas duas forças de modelos sociais molda a todos para que nos tornemos indivíduos sujeitados, que não ameaçam desestruturar a ordem de mercado existente e dominante (RUIZ, In: Sidekum, 2003). Mas sabemos que não é só porque a indústria quer uma população agindo de determinada forma que esta irá assim se comportar. O próprio produto cultural acaba oferecendo recursos para que ela possa resistir (KELLNER, 2001). Chegamos a um ponto em que temos diversas forças agindo sobre os brasileiros, por exemplo. Os produtos televisivos, com sua audiência internacional, ao mesmo tempo em que perpetuam mitos para manter a audiência, oferecem os meios para respostas de resistência e lutas contra-hegemônicas. A indústria cultural

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quer, acima de tudo, manter as populações imutáveis, sujeitadas sempre aos mesmos mitos. Porém, muitas vezes falha em satisfazer os desejos de seu público, onde pode se iniciar uma visão crítica sobre o que se está consumindo e iniciar um processo de ressignificação e formação de novos imaginários.

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4 UM BRASIL BRASILEIRO Compreender quais foram os marcadores identitários de Brasil apresentados para a audiência internacional de Sex and the City é o cerne deste estudo. Desta forma, para entendermos melhor as condições de produção da série, fizemos aquela rápida digressão sobre como o Brasil foi sendo visto e representado no exterior através da carta de Pero Vaz de Caminha, a postura do Imperador D. Pedro II frente as tecnologias e ciências, o sucesso de Carmen Miranda no cinema americano e as cenas de 007 no Rio de Janeiro. Estes foram alguns aspectos que formaram a bacia semântica de “Brasil” no exterior, em especial no Estados Unidos, país de origem de SATC, seus escritores e produtores. Porém, uma questão surgiu e foi necessário que se investigasse: como o brasileiro vê e interpreta a si mesmo? A resposta a esta pergunta poderá nos auxiliar a fazer uma análise mais completa do seriado. Para tentarmos entender quais os termos formadores desta bacia iremos nos basear, principalmente, nos apontamentos que Renato Ortiz faz em seus livros Cultura brasileira & identidade nacional (2001) e A moderna tradição brasileira (1999). E para fins de organização, este capítulo será divido em momentos históricos, tal qual fizemos com o capítulo dois. A escolha das obras de Ortiz ocorrem pelo resgate histórico feito pelo autor. Por relatar como diversos pensadores foram estudando e interpretando a sociedade brasileira ao longo dos anos, entendemos como sendo o material mais apropriado para esta pesquisa e a forma como vem sendo apresentada. Antes de prosseguirmos, um ponto deve ser destacado: não estamos nos propondo a definir ou afirmar qual é ou quais são as identidades do Brasil. Como vimos anteriormente, a identificação de um povo não mais se faz por um único fator. Alguns pontos da diversidade de informações que existem na bacia semântica sobre nosso país serão apontados em nosso estudo, mas não devem ser vistos como definitivos, únicos ou absolutos. O que queremos aqui é compreender alguns dos elementos que formam a identidade brasileira. 4.1 REPÚBLICA VELHA Por séculos o Brasil foi uma terra escravista. A população negra durante nossas história foi completamente ignorada, principalmente quando o tema em

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questão era identidade nacional. Mesmo após a abolição e a implementação da República, quando as questões de identificação começaram a ser pensadas. O livro Os Sertões (1902), de Euclides da Cunha, é considerado um dos marcos de início do mercado de bens simbólicos brasileiros, pois é a primeira vez que a literatura tenta se separar de questões políticas, o que barrava a estruturação de um mercado simbólico (ORTIZ, 1999). Um processo que o Brasil inicia com atraso, visto que países como os Estados Unidos começaram a ter seus símbolos de identidade nacional forjados no século XIX (ORTIZ, 2000). Euclides da Cunha escreveu a obra enquanto acompanhava o exército nacional na luta contra Canudos, a pedido do jornal O Estado de São Paulo. Ele traz três fatores para análise das pessoas: meio ambiente, raça e momento histórico. Segundo o autor, o mestiço brasileiro seria uma raça inferior frente as puras (branco, índio e negro). Porém, o europeu ficaria abrasileirado em nosso país, devido as condições climáticas e geográficas. O Brasil, para Cunha, era uma terra que estimulava a morosidade dos homens. Ainda é destacado que a região do litoral seria melhor do que o sertão, onde a sub-raça do sertanejo se desenvolvia e resistia, apesar das condições adversas à vida13. O início da criação de sinais do que é o Brasil se intensifica em 1922, com a Semana de Arte Moderna, em São Paulo. Neste ponto da história, a literatura deixa de lado os discursos científicos e jornalísticos. A partir desta época foi que o brasileiro começou a abandonar a ideia de querer ser europeu para existir conexão entre o moderno e o nacional (ORTIZ, 1999). Vamos observar que estamos já avançando pelo século XX e ainda não há uma ideia de pertencimento dos brasileiros em relação ao Brasil. Ainda assim, nossa bacia semântica já estava em formação no exterior, afinal as nações são distintas entre si e "toda identidade se define em relação a algo que lhe é exterior, ela é uma diferença" (ORTIZ, 2001. p. 7). Quando foi que surgiram as ideias de Euclides da Cunha sobre o sertanejo isto não podemos dizer. É provável que aquele fosse um pensamento da época, partilhado por muitos brasileiros. Um imaginário mitológico sobre quem eram aqueles mestiços do interior. “Os mitos tendem a se apresentar como eternos, imutáveis, o que [...] se adequa ao tipo de sociedade em que são produzidos. Torna-

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CUNHA, Euclides da. Os sertões. São Paulo: Três, 1984.

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se, assim, difícil aprender o momento em que são realmente elaborados” (ORTIZ, 2001. p. 38). A história da identidade do Brasil ou de qualquer outra nação é o reflexo dos interesses dos distintos grupos sociais na sua relação com o Estado. Estes aspectos são marcados pela forma com que estes grupos interpretam as questões populares e a própria construção do Estado brasileiro. Temos então, na década de 1920, um povo que ainda desvaloriza a cultura negra e subestima a sertaneja. O brasileiro viveu por séculos em uma sociedade onde o branco era visto como homem civilizado. Os índios eram selvagens e os negros desconsiderados. Conforme podemos ver através da literatura iniciada depois da Proclamação da República, os mestiços eram considerados pessoas menos importantes, uma subraça, como quem vivia no sertão nordestino. Esta visão, que hoje entendemos como preconceituosa, foi um conceito relevante na bacia semântica sobre Brasil, era como parte da população interpretava o que era nacional. Ainda podemos encontrar resquícios desta forma de pensar na nossa sociedade contemporânea, o que é natural se lembrarmos que o tempo para que um mito ou ideia suma da bacia semântica de uma cultura é de aproximadamente 200 anos, conforme disse Durand (1999). 4.2 ESTADO NOVO E QUARTA REPÚBLICA A ascensão de Getulio Vargas ao poder trouxe uma série de mudanças para a forma como o Estado via a si mesmo e, consequentemente, como o brasileiro entendia o que era ser brasileiro. Ortiz, em Cultura brasileira & identidade nacional (2001), nos diz que o Brasil só passa a ter um povo efetivamente após 1922 e após a Revolução de 30. Até este momento, o autor diz que não havia uma ideia de identidade brasileira. O avanço da ciência trouxe novas formas de ver as sociedades e a ideia de sub-raça sobre a qual Euclides da Cunha construiu seu texto deixa de existir. Há uma mudança tão grande de paradigmas que o mestiço, que em 1902 era dado como um ser inferior, passa a ser considerado símbolo nacional. O governo Vargas cria em dezembro de 1939 o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Além de cuidar da censura nas mais diversas áreas (teatro, imprensa, literatura, rádio, entre outros), o órgão controlava, centralizava, orientava

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e coordenava a propaganda oficial, que se fazia em torno da figura do presidente. O DIP existia, antes de mais nada, como instrumento na estratégia de legitimação de um novo projeto identitário nacional. Temos que observar que mesmo com toda a atuação do DIP, o Brasil tinha uma indústria cultural considerada fraca. Não havia uma unicidade do Estado para isto. Mas o projeto para conectar as diversas regiões brasileira começava a existir. As escolas receberam novos livros de história, onde os conflitos regionais foram suprimidos para mostrar um país unido, e passou a existir uma disciplina dedicada a ensinar apenas de história do Brasil14. Além das propagandas governistas, foi através da radiodifusão que se deu um relevante passo para a construção de Brasil. O rádio era o grande meio de comunicação da época. Entretanto, a programação era demasiada regional, o que atrapalhava os planos de criar uma integração nacional. Ainda assim, ao lado do cinema, o rádio serviu para vender bens culturais aos brasileiros. O samba, que ainda era visto como música dos morros do Rio de Janeiro, música de negro, passou a ser difundido pela sociedade. Carmen Miranda era a voz cantando composições de Dorival Caymmi e atuando nos musicais de Ruy Costa. E, como já vimos, foi entregue por Vargas para o cinema americano como a cara do Brasil. Talvez seja leviano de nossa parte, mas poderíamos dizer que a cantora foi um dos maiores projetos de criação de uma identidade brasileira moderna, pois ela era conhecida por seus trabalho no rádio e no cinema, logo, considerada moderna. Já na década de 1940, a burguesia, principalmente paulista, passou a investir também em cultura. Mas apenas nos produtos já legitimados e bem aceitos pelos franceses. O próprio Teatro Brasileiro em Comédia chegou a apresentar espetáculos em francês. As produções culturais nacionais eram, entretanto, demasiado precárias em todas as esferas, de pessoal a equipamentos (ORTIZ, 1999). Durante os anos de 1950 e início dos de 1960, a política e a cultura andavam lado a lado. Devido criatividade nascida da falta de condições de produção, começam a surgir diversos movimentos nacionais sob o título de "novo": cinema, teatro, bossa. O Brasil ainda não podia dizer que tinha uma indústria cultural de fato, pois as limitações existentes para a implementação de um sistema capitalista 14

ALVES, Márcio Fagundes. A reconstrução da identidade nacional na Era Vargas (1930-1945). Rio de Janeiro: UFRJ, 2010.

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concreto eram muitas, de modo que limitava o crescimento da cultura popular de massa (ORTIZ, 1999). 4.3 DITADURA MILITAR O governo militar traz ao país a sua 2ª Revolução Industrial e a implementação de um capitalismo tardio. É apenas pós-1964 que o Brasil passa a ter uma efetiva produção de mercados de bens materiais e culturais. As técnicas de planejamento são inicialmente aplicadas na área econômica, pouco a pouco são difundidas para todas as esferas governamentais. Essas transformações mais amplas, por que passa toda a sociedade brasileira, têm consequências imediatas no domínio cultural. Pode se afirmar que, no período em que a economia brasileira cria um mercado de bens materiais, tem-se que, de forma correlata, se desenvolve um mercado de bens simbólicos que diz respeito à área da cultura (ORTIZ, 2001. p. 81).

Ortiz (2001) nos traz a reflexão de Ferreira Goulart, dizendo que somente após os anos de 1960 que a arte popular se torna algo nacional e nacionalista. E em fato, temos em 1965 uma série de investimentos no setor. É neste ano em que é fundada a Rede Globo, a Embrafilme, a Fundarte, que é lançado o Projeto Minerva, entre outras iniciativas que começam a criar, graças a intervenção do Estado neste sentido, uma nacionalismo cultural. O totalitarismo militar se esforça ao máximo para criar um conceito de integração nacional, estimulando a cultura através dos Sistemas Nacionais de Cultura, de Turismo e de Telecomunicações. O nacionalismo das produções, das manifestações folclóricas e do turismo é puramente simbólico, mas "recupera uma identidade nacional que se encontra harmoniosamente fixada no nível imaginário" (ORTIZ, 2001. p. 78). Durante todo o período da ditadura no Brasil (1964 - 1985) há uma expansão da produção, distribuição e consumo de bens culturais. O Estado está não somente defendendo o território nacional, como também atuando de guardião da memória nacional, preservando-a de uma descaracterização que poderia sofrer devido a pensamentos importados. Neste período, cultura brasileira passa a significar "segurança e defesa" de tudo que forma nosso patrimônio histórico (ORTIZ, 2001). A memória coletiva é da ordem da vivência, a memória nacional se refere a uma história que transcende os sujeitos e não se concretiza imediatamente no seu cotidiano. [...] A memória coletiva se aproxima do mito, e se

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manifesta portanto ritualmente. A memória nacional é da ordem da ideologia, ela é o produto de uma história social, não da ritualização da tradição. (ORTIZ, 2001. p. 135).

Vemos aqui um elo entre o que Ortiz nos dá como definição para "memória nacional" e o que já vimos que Ianni (1991) disse sobre a "existência de um país". Se a "memória nacional" é resultado da história social, e um Estado existe devido ao imaginário que há sobre ele, então o controle dos governos Vargas e militares sobre a criação de conceitos sobre o Brasil é perfeitamente compreensível, uma vez que nos dois períodos históricos havia um forte desejo de que todos se vissem como brasileiros, como pertencentes a esta nação. O que podemos apontar como um grave problemas dos governo totalitários citados acima é o massivo discurso ideológico político por trás das construções de imaginários. Havia nestas manifestações uma busca por univocidade, mas a cultura popular é naturalmente plural. Principalmente a brasileira, que tem raízes nas culturas indígenas, européias e africanas. A memória nacional, para Ortiz (2001), se pré-define pelo fato de não pertencer a grupo social algum, mas sim ser universal sobre todos os grupos. Ela e a identidade nacional dissolvem naturalmente a heterogeneidade cultural trazida pelo discurso ideológico. No momento em que começa a se criar uma indústria cultural, o padrão de relacionamento com a cultura se altera, e no Brasil não foi diferente. Quando a cultura passa a se tornar um investimento comercial cada vez maior, o discurso político enfraquece neste setor. A televisão, que se populariza nesta década de 1960, também altera a lógica do mercado de comunicação, exigindo uma profissionalização dos que fazem seus programas. “A indústria cultural adquire, por tanto, a possibilidade de equacionar uma identidade cultural, mas reinterpretando-a em termos mercadológicos” (ORTIZ, 1999. p. 165). O atraso brasileiro neste setor para se profissionalizar fez com que o consumo de bens culturais estrangeiros fosse intenso. Não só o Brasil, mas a América Latina como um todo ainda vivem um estado de colônia, sempre comprando o que a indústria cultural produz nos Estados Unidos, França, Inglaterra, Alemanha, entre outros países (ORTIZ, 1999). Os produtos televisivos brasileiros tentam ao máximo se tornar parte da massa consumida mundialmente. Indo na contra-mão de Carmen Miranda, a TV do

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Brasil não se propõe a ser exótica, mas sim concorrência internacional. Ainda assim, persiste um imaginário de atraso em relação aos produtos nacionais. Não nos permitimos nos comparar com a Europa por estarmos ainda fixados na ideia de construir uma sociedade moderna. (ORTIZ, 1999). O nosso país passou por diferentes formas de ver a si mesmo. Por anos quem “criava” o brasileiro eram os intelectuais. Com o passar do tempo, com as necessidades do Estado de unificar a nação e de se mostrar moderno, a identidade brasileira passou a ser construção dos meios de comunicação, primeiro o rádio, depois o cinema e finalmente a televisão. E cada um destes que se propuseram a montar nossa identidade buscaram referências e tiveram motivações próprias, políticas e/ou econômicas. O Brasil, tal qual qualquer outra nação, não pode ter sua identidade definida em termos absolutos. A globalização da indústria cultural trouxe certa padronização, de modo que alguns elementos que poderiam ser pensados como formadores de uma identidade brasileira também podem facilmente aparecer em outros países. Talvez a questão mais relevante não seja a que fizemos no início deste capítulo, como o brasileiro vê e interpreta a si mesmo? Afinal, nunca se poderá ser definitivo em dizer “o brasileiro é assim”. Talvez seja mais importante questionarmos quem constrói a identidade do Brasil e por que faz da forma que faz.

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5 SEXO E O BRASIL Originalmente transmitida nos Estados Unidos da América pelo canal HBO entre 6 de junho de 1998 e 22 de fevereiro de 2004, Sex and the City contou com um total de 94 episódios, divididos em seis temporadas. A série foi criada por Darren Star e Karey Kirkpatrick. A produção foi um grande sucesso15, sendo exportada para diversos países como Austrália, Irlanda, Brasil, Inglaterra, Argentina, entre outros. Na China e no Brasil foram feitas versões próprias do seriado, baseado no original americano. Aqui no Brasil, tivemos a série Sexo e as Negas. Idealizado por Miguel Falabella, o programa foi ao ar na Rede Globo entre 16 de setembro de 2014 e 16 de dezembro do mesmo ano. Sua história era focada na vida de quatro amigas moradoras da Cidade Alta do Cordovil, no subúrbio do Rio de Janeiro. A China exibiu, em 2006, a série Yu Wang Du Shi16 que era sua própria versão de SATC. A identidade visual desta versão era igual a do original americano, diferentemente do feito no Brasil. Os chineses apenas buscaram aproximar o seu público do que seria mostrado. Voltando para o programa original, observamos que dos 94 episódios de SATC, o Brasil é mencionado em nove deles. Para entendermos como o nosso país foi apresentado, iremos analisar os seguintes episódios: “O sexo e outra cidade” (episódio 14, temporada 3), “Definindo relacionamentos”, “O que o sexo tem a ver com isso?”, “A cidade fantasma”, “Apenas diga sim” (respectivamente, episódios 3, 4, 5 e 12 da temporada 4). Foram escolhidos apenas estes cinco do total dos episódios por terem as menções mais substanciais. Nos outros quatro há apenas citações de passagem, como quando Anthony (personagem de Mario Cantone) diz que namorou uma vez um brasileiro. E apenas isso. Usamos este momento para exemplificar que os quatro

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Devido aos bons resultados da série, tivemos sua continuação em filme nos anos de 2008 e 2010, uma série spin-off da personagem Carrie Bradshaw quando adolescente (The Carrie Diaries, 2013 2014). Ainda hoje são encontrados em lojas de vendas de filmes edições comemorativas e boxes de SATC em DVD. Rumores dão conta de possibilidade de um terceiro longa metragem. Segundo a ferramenta online Google Tradutor, significa literalmente “Sexo e a Cidade”, mas o título oficial em inglês foi “Girls and the City” (Garotas e a Cidade). 16

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episódios descartados não continham elementos suficientes para possibilitar uma análise nos termos propostos pela presente análise. Ao longo desta pesquisa, pudemos destacar nove termos presentes na bacia semântica de “Brasil”. No decorrer da história do nosso país fomos definidos e confrontados com ideias de natureza, alegria, cores, sexo, extravagância, (busca pela) modernidade, raça, nacionalismo e samba. Usaremos estas mesmas expressões para fazer a análise dos episódios. Para fins de maior organização, foram criados três categorias abrangendo os nove termos: a) Cultura Popular: engloba as referências ao Brasil presentes nas formas de cores, samba e alegria; b) Território: compreende as menções a natureza, ao nacionalismo e a extravagância, tanto de vestuário quanto de forma de falar e agir; c) Povo: relaciona as apresentações de sexo, de raça e de modernidade. O agrupamento foi feito com base em similaridades entre as formas como os conceitos foram aparecendo através dos anos. Ainda assim, há uma constante intersecção entre as nove expressões. A seguir, iremos contar as origens da série SATC e, depois, passaremos para um relato direcionado sobre o que se fala do Brasil nos episódios selecionados. Ao final da descrição dos capítulos, faremos a análise do que foi observado. A exceção dos capítulos 3 e 4, da temporada 4, que terão suas análises feitas em conjunto com o episódio 5 da mesma temporada. Faremos assim devido a presença da atriz brasileira Sonia Braga nestes três episódios, por tanto, entendemos que devem ser vistos como se fossem apenas um. Antes ainda de começarmos a nos aprofundar em SATC, queremos deixar registrado que as transcrições de falas dos cinco episódios foram feitas com base no áudio original, não nas legendas presentes na edição em DVD usada nesta monografia, pois notamos inconsistências entre o que foi dito e o que foi traduzido 17.

5.1 AS ORIGENS DE SEX AND THE CITY

No episódio 3 da temporada 4, por exemplo, a personagem Samantha fala “Fucking against the hand dryer?”. Esta frase foi legendada como “Transando perto de uma pia?”. Nós entendemos que a tradução correta para que nada do sentido original se perdesse seria “Transando de encontro ao secador de mãos?”. 17

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A série Sex and the City nasceu de um livro homônimo, que por sua vez era apenas a antologia de uma coluna jornalística que também levava o mesmo título. Candace Bushnell começou a trabalhar no jornal The New York Observer em 1993. No ano seguinte, iniciou a sua coluna (Sex and the City), baseada, principalmente, em seus experiências em encontros e de seus amigos18 . Seguindo a linha editorial do periódico, os textos eram narrados de forma bastante literária. A forma como foram escritas e sua aceitação pelo público despertou o interesse da editora Warner Books. Assim, em 1º de Agosto de 1997 o livro Sex and the City chegou as livrarias. O mesmo viria a ser republicado em 2001, 2006 e 2010. No ano seguinte, 1998, a Darren Star Productions, em parceria com a HBO Original Programming e a Warner Bros. Television, lança na televisão fechada americana a série SATC, com as atrizes Sarah Jessica Parker, Kim Cattrall, Kristin Davis e Cynthia Nixon interpretando as quatro protagonistas inspiradas em personagens encontrados no livro de Candance Bushnell. SATC foi feito na forma de sitcom, conforme vimos no capítulo 3.1.1. Seus episódios tem, em média, 30 minutos, incluindo abertura, créditos e intervalo comercial. Apesar da história ter uma cronologia, SATC não precisa ser assistida na ordem correta, com excessão de alguns poucos episódios. A série, tal qual suas protagonistas, era apenas inspirada nos textos de Bushnell. Existem situações e personagens similares, mas na maioria do tempo pode-se dizer que são obras distintas, problema comum em diversas adaptações e que não nos iremos nos deter. Podemos observar que o Brasil é citado apenas uma vez no livro, em situação que resumiremos nas próximas linhas. Um personagem chamada Amalita se encontra com Carrie em um restaurante, para quem narra suas últimas peripécias com homens casados. O garçom avisa que há uma ligação para Amalita. — Righty — disse ela, triunfante, voltando à mesa depois de alguns minutos. Righty era o primeiro guitarrista de uma famosa banda de rock. — Ele quer que eu o acompanhe em uma turnê. Brasil. Cingapura. Eu lhe disse que ia pensar no assunto. Esses caras estão tão acostumados com as mulheres aos seus pés, que precisamos ser um pouco reservadas. Isso faz a gente ganhar distinção. (BUSHNELL, 2003, p. 38)

Alguns destes textos ainda podem ser lidos no site do jornal, em . 18

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Não há anterior ou posterior menção ao Brasil, uso do gentílico, referência musical ou culinária, citação de cidade, nada. Esta é a única vez que o nome do nosso país foi escrito por Bushnell e lido nas traduções do livro SATC. Este é um destaque importante a ser feito para trazer mais uma luz sobre o foco deste estudo. Aí temos uma evidência de que tudo que apresentado do Brasil na série foi construído com base na bagagem cultural e imaginária dos autores de cada episódio e de seus produtores. Não estamos, e nem poderíamos, aqui afirmando que Bushnell não tem uma imagem de Brasil em seu imaginário nem mesmo que ela compartilha com o que foi veiculado no seriado. Nosso único destaque é que, apesar das colunas terem dado origem ao livro que gerou a produção televisiva, o que foi mostrado como sendo brasileiro partiu das referência e experiências dos produtores e escritores dos roteiros, não da autora do livro. A série SATC teve seu piloto (também entitulado “Sex and the city”) apresentado ao público em 6 de junho do 1998. Os doze episódios que formam a primeira temporada são os mais parecidos com os escritos originais, onde mais facilmente se vê aquilo que um dia esteve em um jornal. A temporada seguinte, devido ao sucesso de sua antecessora, ganha mais seis episódios, fechando em dezoito, número que seguiria sendo o total das temporadas até as duas últimas (a quinta fechou com oito episódios, devido a gravidez de Sarah Jessica Parker, e a sexta, por ser a última, com vinte). Mas foram apenas nas 3ª e 4ª temporadas que existiram episódios em que o Brasil foi referenciado de forma mais relevante para esta monografia, como já mencionado. Após este breve histórico de SATC, iremos passar para a segunda parte proposta. Nos próximos subcapítulos iremos fazer a descrição direcionada dos episódios selecionados e suas posteriores análises. 5.2 O INÍCIO DA BRAZILAN WAX Antes de analisarmos o episódio selecionado é importante fazer uma rápida contextualização da sua inserção na série. No episódio anterior, Carrie vai para Los Angeles (cuja abreviação usada é LA), junto com Samantha e Miranda, pois o ator Matthew McConaughey está interessado em transformar a coluna jornalística escrita por Carrie em um filme estrelado por ele. O episódio com o qual iremos trabalhar é o seguinte, quando as três amigas ainda estão em Los Angeles.

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O episódio de número 14 da temporada 3, "O sexo e outra cidade", foi escrito por Jenny Bicks e dirigido por John David Coles. Seu tempo total de duração é de 28 minutos e 28 segundos. Sua transmissão original, nos Estados Unidos foi em 17 de setembro de 2000. O episódio inicia com uma trilha sonora instrumental animada, característica da série. A cena começa mostrando uma palmeira e uma piscina. Neste primeiro quadro vemos uma série de mulheres magras em biquinis coloridos e apenas dois homens.

Carrie (em off): LA é a terra do sol eterno e do bronzeado eterno, o que também a faz...

Então muda a cena para Carrie, que está com os cabelos soltos e uma roupa leve com tons de laranja, em uma maca de salão de beleza.

Carrie (em off): ...é a terra da depilação na virilha eterna. Após uma semana, marquei horário com a depiladora das estrelas, Alicia. Famosa pela precisão, pelas mãos rápidas como relâmpago e pelo sotaque indecifrável.

Vemos que Alicia é uma mulher com o rosto sério, com o cabelo preso e, que aparenta fazer seu trabalho de forma automática. Carrie, antes do off nos falar do sotaque, parece estar satisfeita com a depilação e pronta para ir embora. Alicia diz algo em uma língua estranha (germânica ou eslava). A depiladora ergue uma das pernas da protagonista e passa cera quente entre elas. Carrie fica visivelmente assustada. Ao terminar, Alicia fala com seu sotaque carregado:

Alicia: Pronto. Linda. Olhe.

Carrie fica surpresa ao ver o resultado com um espelho. A cena muda. A beira da piscina, Carrie conta indignada para suas duas amigas o que aconteceu. Ela, trajando um biquini verde limão, está com as pernas bem fechadas e com os joelhos próximos ao peito. Esta sentada em uma espreguiçadeira sobre a qual há uma toalha com imagens tropicais (podemos ver dois tucanos, um tigre, o mar, uma faixa de praia e folhas de bananeiras). Ao seu

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lado estão Samantha, que relaxa lendo uma revista e usa um biquini de zebra e uma saída de praia rosa choque, e Miranda, com um biquini floral laranja.

Carrie: Fui assaltada! Ela levou tudo o que tinha. Samantha (calma): Chama-se “depilação brasileira”. Miranda: Por que não mandou que parasse? Carrie: Eu tentei! Sinto-me como um cão sem pêlos. Samantha: É estético. É comum aqui. Miranda (indignada): É claro que é. Aqui os homens têm preguiça de procurar as coisas! Carrie: Você não pode escondê-la atrás de um arbusto. (Todas riem da piada) Samantha: Ela não deixou nem um pouquinho? Carrie (rindo): Não, estou totalmente careca! E deixe-me acrescentar: congelando. Miranda: Eu a teria matado. Carrie: Minha parte de baixo está óbvia. (Ela aponta para a região depilada ainda com as pernas grudadas e encolhidas) Sinto-me como sexo ambulante. Samantha: Esta é a coisa sobre os brasileiros: nos fazem fazer loucuras. Vocês têm que tomar muito cuidado com convites para o Brasil. Miranda: Minha resposta será oficialmente não (e se levanta)

Após, a conversa muda para o encontro de Miranda com um amigo que morava em Nova York e se mudou para Califórnia há anos. Todas, agora, estão descontraídas. Ao fundo, bem baixo, podemos ouvir apitos e batidas ritmadas, como uma bateira de escola de samba. Vamos ressaltar que estas cenas e diálogos todos acontecerem em apenas um minuto e vinte e três segundos, ou seja aos 2:26 do episódio (contando com o um minuto da abertura). Dez minutos depois, vemos Carrie em um encontro com um agente de celebridades chamado Keith, que conheceu na noite anterior. Em off, ela relata que em Los Angeles um encontro significava sair para almoçar e ver casas para vender “que custavam US$ 3,4 milhões”. Carrie pergunta para ele se um homem solteiro precisa de um lugar tão grande para viver.

Keith: Talvez não, mas é bonita. Carrie (em off): E ele também. (Ela vai na direção do homem e o beija em frente a uma parede de vidro com vista para toda cidade) E lá, no living room sul-americano, minha brasileira me fez beijá-lo. Corretor de imóveis (fora de quadro): Esperem até ver o ofurô!

Constrangidos, eles param de se beijar e seguem a visita, e muda a cena.

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Na cena seguinte, vemos que Charlotte chegando a Los Angeles para tirar férias de seu casamento infeliz. Em um restaurante informal, as quatro amigas, usando roupas leves e coloridas, conversam sobre suas experiências no tempo que estão na Califórnia. Samantha mostra a todas a bolsa Fendi falsificada que comprou e reponde ao comentário negativo de Miranda a respeito de imitações.

Samantha: Quem se importa? Tudo que importa é a aparência!

As amigas conversam sobre onde comprar outras falsificações e sobre o conteúdo da bolsa de Samantha (basicamente, preservativos). Até que Charlotte muda de assunto.

Charlotte (animada): Então, o que devo fazer primeiro em LA? Samantha (sorrindo): Bem, a primeira coisa que precisa é uma boa depilação de virilha. Miranda (segurando o riso): Hey! Você deveria experimentar Alicia!

Carrie olha incrédula para amiga e termina a cena. A curtíssima sequência a seguir mostra Charlotte na maca do salão de beleza, com a perna levantada e uma música latina de fundo. Ela parece confusa com o que está acontecendo. Alicia aparece muito rapidamente fazendo a depilação. Após uma cena onde vemos Carrie e Samantha indo atrás do vendedor de bolsas falsas, temos as quatro amigas sentadas em um bar, tomando drinks. É a primeira vez que elas estão vestindo roupas mais sóbrias, vestidos pretos e brancos. Charlotte aproveita para contar a todas o fracasso sexual que é seu casamento. Samantha não consegue aceitar o fato da amiga estar casada a mais de um mês e não ter feito sexo.

Samantha: Hey! Ele ainda não viu o Brasil. Carrie: Uma segunda lua-de-mel na América do Sul... Talvez funcione!

A conversa muda para a festa da mansão da Playboy para qual Samantha foi convidada e chama suas amigas. A tomada a seguir mostra Carrie em um encontro, a noite, com Keith. Eles estão abraçados em um ofurô que simula uma fonte termal natural nos fundos de uma grande casa.

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Carrie: Eu gosto de ofurôs. Deveria haver mais ofurôs em Nova York. Keith: Bem, se você gosta assim...

Ele pega o controle remoto e liga as bolhas da hidromassagem. Junto com as bolhas começa a tocar uma versão instrumental e assoviada de Aquarela do Brasil19. Carrie e Keith se beijam. A protagonista tira a calcinha vermelha que está usando e a joga longe. Depois de uma sequencia que mostra Miranda com um amigo em um restaurante (e ficamos sabendo que ele desenvolveu um transtorno alimentar), voltamos a ver Carrie e Keith, já pela manhã, deitados em uma cama na mansão.

Keith: Gostei de tudo que você fez lá em baixo. (E aponta com a cabeça a região genital dela) Carrie (rindo): Isso quer dizer um monte de nada.

Nesta sequência é revelado que Keith não é agente e sim segurança, e que aquela casa é de Carrie Fischer, não dele. A cena seguinte mostra as quatro amigas chegando a festa na mansão da Playboy. Enquanto caminham, Carrie reclama de Los Angeles, onde, segundo ela, seguranças são alguém e escritoras são prostitutas.

Carrie: Francamente, eu culpo a depilação. É isso. Culpa do Rio.

Depois de toda a sequência da festa da Playboy, temos Carrie, Miranda, Samantha e Charlotte deixando o hotel, voltando para Nova York.

Carrie (em off): No dia seguinte, quatro nova iorquinas deixaram LA um pouco mais leves. Algumas de nós tinham perdido os cabelos e todas nós um pouco de dignidade.

Samba composto em 1939, por Ary Barroso, e que veio a ser conhecido internacionalmente após ser incluída na trilha sonora do filme Alô, amigos! (Saludos Amigos), lançado em 1942 pelos Estúdios Disney (Coluna de Nelson Motta. Jornal da Globo, 30/08/2012. Disponível em: Acessado em 21/03/2015), onde vemos a silhueta do Pato Donald dançando com a sombra de Carmen Miranda. Ela também veio a cantar esta música no filme da Fox, Entre a Loura e a Morena (The Gang’s All Here), de 1943. É neste filme que temos a clássica cena do carregamento de frutas tropicais descendo de um navio (S. S. Brazil) diretamente para o chapéu de Carmen, que imediatamente começa a cantar Aquarela do Brasil. Em 1957, Frank Sinatra grava uma versão em inglês do samba. 19

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O episódio termina com Carrie sozinha em seu apartamento, fumando e coçando sua região genital. A primeira categoria que logo vemos neste episódio é Cultura Popular através de duas de suas identificações: cor e samba. No início já aparecem na tela muitas cores vivas nos biquinis das moças na piscina, na roupa de Carrie quando está na depiladora e nos trajes de banho das protagonistas enquanto debatem a depilação. Muito colorida também é a toalha atrás de Carrie, com imagens de natureza exuberante. Essa vivacidade toda faz parte da bacia semântica do Brasil desde seu descobrimento, pois as aves multicoloridas foram um dos aspectos destacados por Pero Vaz de Caminha em sua carta. O uso de tonalidades intensas e alegres seguem por todo episódio. A calcinha de Carrie quando está se entregando para Keith e ouvimos o samba Aquarela do Brasil é vermelha, mesma cor da roupa que Carmen Miranda usou em seu primeiro filme em Hollywood. Vamos ainda atentar que a única cena em que vemos as protagonistas em trajes de cores sóbrias é justamente quando estão tendo a conversa que podemos considerar mais séria e profunda do episódio, por tratar de questões mais pessoais e particulares de Charlotte. Similar a isto, já havia sido feito no filme 007 - Contra o Foguete da Morte (Moonraker), quando podemos ver uma clara diferença na forma de se vestir do espião inglês e de sua parceira Dra. Goodhead em relação aos brasileiros apresentados. Outro momento musical deste episódio que nos remete ao Brasil é o final da sequência em que Carrie fala sobre sua depilação. A batida de escola de samba nos remete ao carnaval, como o que foi mostrado em 007, uma festa popular que arrasta todos em seu caminho para as comemorações. A categoria Povo se manifesta apenas pelo sexo. A exposição mais evidente é da brazilian wax, que apesar de não ser o tema do episódio, é algo recorrente. A depilação aparece com tendo um poder de aumentar a sexualidade das pessoas, fazendo com que Carrie beijasse Keith e, mais tarde, fizesse sexo com ele ao som de música brasileira. O tratamento estético aparece ainda como possível solução para o problema de impotência do marido de Charlotte. Esta libidinagem associada não só ao Brasil, mas a América Latina como um todo é outro elemento antigo de nossa bacia. Lembremos que Maxwell Rice, quando enviou para os Estados Unidos

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uma biografia de Carmen Miranda, mentiu que a cantora havia sido educada em convento para, assim, dissociá-la do sórdido mundo latino. Natureza e nacional são os dois marcadores da categoria Território que podemos observar. O primeiro pela chamativa toalha atrás de Carrie durante o relato da depilação. Como já dissemos, é muito colorida. Além disto, evoca natureza com as imagens de mar, tucanos, plantas e tigre. Juntando esta imagem com a bateria de escola de samba e as constantes menções aos Brasil devido a brazilian wax é possível criar mentalmente um cenário a respeito de nosso país. Através de nacional temos o nome da depilação. A remoção completa de pelos nos remete muito as índias observadas por Caminha e os apontamentos do português a respeito de suas genitais. Completando as menções ao Brasil, a personagem Samantha, que tem como principal característica a intensa vida sexual, recomenda que se tenha cuidado com convites para o Brasil, pois brasileiros as “fazem fazer loucuras”. Um nova referência a sexualidade exacerbada em nosso país.

5.3 SONIA BRAGA - ARTISTA BRASIELRIA LÉSBICA O primeiro dos três episódios que vamos fazer a descrição direcionada é o "Definindo relacionamentos" (episódio 3, temporada 4), que foi escrito por Jenny Bicks e dirigido por Allen Coulter. Seu tempo de produção é de 29 minutos e 38 segundos. Foi originalmente transmitido no Estados Unidos em 10 de junho de 2001. O episódio começa com uma animado jazz de trilha sonora. Enquanto o off de Carrie explica de forma poética que sua relação com Mr. Big era, agora, apenas de amizade, a câmera mostra o espaço onde eles estão entrando. Um lugar chamado Monkey Bar, como podemos ler escrito nas portas de vidro com pinturas de coqueiros, por um rápido segundo. Em sua passagem pelo ambiente bastante vermelho, a câmera mostra uma grande pintura de dois macacos bebendo um drink. Quando a câmera começa a se afastar, aparece na tela o nome de Sonia Braga. Após algumas sequências em que o objetivo é ressaltar o tema principal do episódio (limites para relacionamentos), Carrie, Miranda e Samantha vão a uma vernissage na galeria de arte em que Charlotte trabalha. A exposição, como nos é relatado no off, é de Maria Diega Reyes (Sonia Braga), uma artista brasileira.

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Em um panorama, vemos bastante o uso de vermelho vivo, tons de verde e azul, criando obras que retratam a natureza. Samantha admira um dos quadros quando uma mulher usando uma blusa bem vermelha, cinto e casaco preto com grandes rosas vermelhas, e um farto cabelo preso de forma bagunçada, se aproxima. As duas conversam sobre um dos quadros. Podemos ver que Maria gesticula bastante enquanto fala, fato que fica ainda mais evidenciado pela falta de movimentos de Samantha e das pessoas que podemos ver ao fundo. Maria convida Samantha para ir ao seu estúdio, uma vez que todos os quadros em exposição já foram vendidos.

Maria (se aproximando de Samantha): Você gosta? Samantha: Gosto. Maria: É o favorito da artista. Samantha: Você a conhece? Maria: Eu sou ela. Samantha: Oh! Me desculpe! Eu deveria... Samantha (e estende a mão para cumprimentar). Maria: Maria. Samantha: Eu tenho um problema serio com você. Eu vim pronta para comprar. E veja, todos já o fizeram e não sobrou nada! Maria: Isto nunca é má notícia para o artista! Mas eu tenho muito mais em meu loft. Se você quiser ir dar uma olhada... Samantha: Eu vou. E logo. Antes que esses sejam vendidos também. Maria: Estamos de acordo. Samantha: Então, agora eu tenho uma pergunta artística: onde estão os cara bonitos?

Antes que possa responder, uma mulher chama Maria e se aproxima. As duas dão um selinho.

Mulher sem nome: É maravilhoso. Tudo. Estou muito orgulhosa de você, chica. Maria (em português): Obrigada por ter vindo. (E muda para o inglês) Aproveite! (Mulher sem nome se afasta) É a minha ex. Oh, e quanto aos caras bonitos... Não há caras bonitos. Samantha: Bem, isto é bom para você, mas e para mim?

As duas dão risada e termina a sequência da vernissage. Depois de mais algumas sequências mostrando Carrie e Big, e Miranda e um namorado, inicia-se uma cena que mostra alguns quadros, uma garrafa de vinho e duas taças vazias em cima de um móvel.

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Carrie (em off): Enquanto Miranda fazia suas coisas, Samantha ajudava Maria. Samantha (fora de quadro): Estou fazendo isso certo? Maria (fora de quadro): Não pense. Apenas faça.

O movimento da câmera nos permite ver que Samantha está ao lado de Maria, e as duas puxam um rodo em um trabalho de serigrafia, usando o mesmo tom intenso de vermelho já visto no início do episódio no quadros na galeria e nas roupas de Maria.

Maria: Sabe, pintar é como comer. Como sexo. Samantha (rindo): Eu sei fazer isso. Sabe, eu vim para comprar arte e não para fazer a arte. Maria: Oh, não, não, não. Isto é uma coisa brasileira. Todos os que cruzam a minha porta tem que ajudar. Mas você tem uma opção. Pode fazer minha pintura ou lavar minha roupa. Samantha (rindo): Não vai acontecer.

As duas se afastam e podemos ver que para além das paredes azul-pastel do estúdio, há uma sala pintada de verde, com móveis coloridos e um arranjo de frutas verdes em cima de uma mesa da madeira. Em uma outra cena, Maria está ao lado de Samantha e com a mão no ombro dela. A americana abre uma torneira para lavar as mãos. O ambiente em que estão tem também uma parede de fundo colorida, no caso, amarelo.

Maria: Você vai comprar uma pintura, certo? Samantha: E você vai me pagar uma manicure. Maria (ajudando a lavar as mãos): Oh, me desculpe.

Enquanto Maria segura a mão de Samantha e vai erguendo-a, tirando da água, ouvimos de fundo Tim Tim Por Tim Tim, de João Gilberto. Podemos também ver um contraste das muitas pulseiras largas e anéis de Maria com as joias discretas de Samantha.

Samantha: Nós temos que falar sobre isso? Maria: Temos? Samantha: Eu já tentei essa coisa de mulher uma ou duas vezes. (Ela se afasta conforme fala, passado em frente a um quadro de grandes flores estilizadas) Normalmente, envolve um cara e alguns Quaaludes20. Foi legal, é verdade. Muito legal para o cara. Mas eu não sou uma pessoa para relacionamentos. E você é alguma coisa. Podemos ser amigas? 20

Tipo de droga sedativa e hipnótica depressora do sistema nervoso central.

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Maria (desapontada): Bem, depende. Na minha língua, “amigo” se traduz como uma pessoa de grande coração que compra muitas das minhas artes. Samantha: Bem, qual o português de “convença-me”? Maria (sorrindo): Estou convencendo.

Ao fundo, diversos porta retratos e alguns itens de decoração na cor vermelha. As duas dão risada. A câmera se afasta e temos uma visão mais ampla de onde elas estão. Em primeiro plano, sobre a bancada de metal da pia, há um vaso de rosas vermelhas e uma caçarola de bronze. Temos também um prato laranja com maçãs verdes e um azul com uma esponja. Há, perto, um prato vermelho vazio. Ao fundo, atrás de Maria, diversas cruzes multicoloridas junto a parede. E logo acima da brasileira, grandes frutas feitas em vidro, penduradas no teto. Mais adiante no episódio, Carrie esta indo a inauguração de um restaurante orienta chamado Tao, com o músico Ray. Lá, ela encontra Samantha e Maria, e Big e Sha. Os seis vão dividir mesa.

Carrie (em off): Lá estavam: eu, meu ex, o cara do jazz, a modelo, a lésbica e sua amiga, Samantha.

Mais uma vez, o contrate de joias é evidente. Enquanto as americanas não usam ou usam peças discretas, Maria está com um grande olho turco pendurado no pescoço e grandes brincos de argola. Seu penteado também é diferente. Ela é a única com o cabelo preso. Depois que Ray, Carrie e Sha deixam a mesa, Samantha briga com Big. Ela se levanta e sai, sendo seguida por Maria. Em um ambiente de vermelho gritante, em frente a uma estátua de um deus oriental, Maria pergunta. Maria: Ei, ei, ei, você está bem? Samantha: Estou bem. Sinto muito. Aquele cara não faz bem para ela. Maria (gesticulando muito e se expressando facialmente com exagero): Olhe, eu preciso ir. Samantha: Oh, não. Não vá! Conseguiremos outra mesa. Maria: Eu menti. Eu não posso só ser sua amiga. (Palavras enfatizadas com as mãos) O que eu vi lá, você... Você é magnífica e... Como se diz? Você arrasa! E eu vejo para onde isso vai. Você não é uma pessoa para relacionamentos e isso me faria muito mal. Samantha: Então não podemos nem mesmo ser amigas? Maria: Eu vou por aqui e você volta para lá. E você é alguma coisa.

Maria sai de cena e Samantha parece chateada.

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Carrie (em off): E foi ali que Samantha ignorou seus limites e se abriu para a possibilidade de um relacionamento... com uma mulher.

A americana foi atrás da brasileira dentro do banheiro e a beija. Em seguida vem uma sequencia de Carrie conversando com Sha e Big antes de ir embora com Ray do restaurante e o episódio terminar. O episódio 4 da temporada 4 foi entitulado "O que o sexo tem a ver com isso?" e foi escritor por Nicole Avril. A direção dos 27 minutos e 8 segundos de programa ficaram a cargo de Allen Coulter. Os Estados Unidos viram esta história pela primeira vez em 17 de junho de 2001. Após um noite de amor com Ray, Carrie está contando tudo para suas amigas em um bar, quando Samantha resolve revelar a todas que está namorando com Maria. A brasileira chega instantes depois, com os compridos cabelos soltos.

Maria (feliz): Vejo que você ja contou a elas. Samantha, em durante um telefonema para Carrie fala sobre sua realção com a brasileira.

Samantha (lixando as unhas): Não sobre ser gay ou hétero. Maria é uma mulher incrível. Ela tem paixão, talento, inteligência... Carrie: E uma vagina. Samantha: Vagina schmagina. Carrie: Schmagina? É o que as lésbicas a chamam? Samantha: Para sua informação, nós ainda nem fizemos sexo. Carrie: Uau! Você realmente está em um relacionamento. Samantha: Sim, eu estou, Carrie. A vida não é só sexo. Carrie: Diga isso a schmagina dela.

Ray está na casa de Carrie falando com ela, de modo que não conseguimos ouvir o que Samantha segue dizendo ao telefone. Quando o áudio volta para conversa, a nova lésbica comenta que quer que a primeira vez dela com Maria seja especial. Vemos Ray beijando Carrie e a sequência termina. Poucos minutos depois começa uma cena mostrando um candelabro de cristal em frente a uma cortina verde com temática bucólica.

Carrie (em off): Enquanto isso, na Casa de Lesbo...

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Vemos Samantha sentada ao lado de Maria, em próximas a velas vermelhas e azuis. Maria está soltando o longo cabelo enquanto Samantha elogia sua comida e arte. Mais uma vez, a brasileira usa muito mais joias. São colares, pulseira e anéis em Maria enquanto Samantha usa apenas brincos. Ao fundo, Tanto Tempo, de Bebel Gilberto.

Samantha: O coq au vin estava fantástico. Você pinta, cozinha, faz tudo. Maria (pegando um morango): Mas você trouxe a sobremesa mais incrível. Uma mordida? (e as duas se beijam) Carrie (em off durante o beijo das duas em cena): Samantha decidiu que se seria gay, seria completamente gay. Samantha: Talvez eu não seja boa na cozinha, mas sou mais do que suficiente no quarto.

As duas começam a se ajeitar para fazerem sexo.

Maria: Eu quero que você olhe para mim. Se conecte comigo. Isto é fazer amor. Não um filme pornô. Eu vou me deitar e quero que você olhe para minha buceta (a última palavra foi dita em português). É a palavra em português para pussy.

Mais tarde, Samantha repete “buceta” para suas amigas durante o brunch. Na mesma ocasião ela diz que sexo não é um ato selvagem, mas sim duas pessoas fazendo amor. Um frase que choca as demais personagens e mesmo a audiência, acostumada com a libertinagem de Samantha. Vemos algumas cenas em que Carrie descobre que Ray tem o transtorno de Défict de Atenção, Charlotte briga com seu marido e Miranda como um bolo feito por ela, antes de voltarem a aparecer Maria e Samantha. Primeiro vemos os pés da americana, deitada em uma cama.

Maria (em êxtase): Isto é perfeito. Carrie (em off): E quando ela pensou que já sabia tudo sobre mulheres... (Maria geme ao fundo) Samantha provocou a elusiva ejaculação feminina. Samantha (passando a mão no fluído espirrado em seu rosto): Isto é bom ou ruim? Maria (sorrindo): Isto é muito bom. Carrie (em off): Samantha conseguiu a relação e o sexo. Em fato, um pouco mais de sexo do que ela esperava.

A câmera se afasta e mostra Samantha sorrindo, deitada sobre as pernas de Maria. As cenas a seguir mostram Carrie terminando com Ray e Charlotte fazendo

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as pazes com seu marido. O episódio termina com um música tocando jazz no meio da rua. O episódio seguinte (o quinto da temporada 4) é o último com a participação de Sonia Braga e se chama "A cidade fantasma". Os 29 minutos e 58 segundos do seriado foram escritos por Allan Heinberg e dirigidos por Michael Spiller. Originalmente foi transmitido em 24 de junho de 2001. Depois de revelar para as amigas que ela e Maria só tomam banho juntas e falam de sentimentos, Samantha leva sua namorada para um bar. Tal qual nos dois episódios anteriores, as chamativas peças de joalheria de Maria contrastam com as poucas e discretas de Samantha. Elas se sentam junto ao balcão e o barman, conhecido de Samantha, oferece a elas mojitos. A americana ri e, de leve, flerta com ele. Maria fica com a cara fechada. Neste momento, Sean Sullivan cumprimenta Samantha. Ele a convida para sair no sábado e, antes que possa dizer qualquer coisa, Maria, encarando sua namorada.

Maria: Nós temos planos para sábado. Sean (sorrindo): E qual tal um trabalho tardio? Eu te ligo. (E sai) Maria (incomodada): O que é trabalho tardio? Samantha: Não tem tradução.

E rapidamente muda de assunto. Ela comenta que já tem planos com Carrie, Charlotte e Miranda para sábado, e que não chamou Maria porque ela não gosta de sair. Os mojitos chegam e Maria, desgostosa, se vira para pegar.

Barman: Aqui estão os drinks. E eu saio às 4.

Maria não pega a bebida e fecha ainda mais a cara. Mais adiante no episódio, em um banheiro de azulejos verde e dentro de uma banheira com muitas velas na borda, Maria passa sabonete em uma esponja para lavar as costas de Samantha. Apesar de estarem tomando banho, Maria usa anéis e colar, em contraste com Samantha, que não usa nada.

Maria: Por que você não me apresentou Sean?

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Após ouvir que Sean não é ninguém especial, apenas alguém com quem Samantha dormiu, Maria pergunta sobre o barman. A resposta é a mesma. Maria parece irritada.

Maria: E por que você não disse a esses ninguém que vocês está com alguém agora? Samantha: E o que eu deveria dizer? Oi, esta é minha amante lésbica. E PS: cansei de pintos? Maria (irritada): Quem disse alguma coisa sobre pintos? (Se afasta de Samantha) Eu estava falando da nossa relação.

Maria questiona se Samantha está sentido falta de pênis e volta a abraçá-la. A brasileira diz que elas podem conversar sobre isso também.

Samantha (sorrindo nervosa): Mais conversa?

Irritada, Maria a solta de novo e pergunta com quantos homens Samantha já saiu. Ela rebate perguntando com quantas mulheres Maria já saiu, que prontamente responde 12. Diante do silêncio da namorada, ela pergunta:

Maria: Você já teve mais de 12 homens? Samantha: Por que estamos falando sobre isso? Maria (gesticulando): Por que você tem medo de conversar? Sempre se esquivando! Samantha: Não estou me esquivando. Estou tentando me aproximar. (E tenta beijar a namorada) Maria: Não, não. Não dessa forma, não com sexo. Não consigo me ligar e desligar. Afinal de contas, eu não sou um homem.

Maria se afasta e usa as mãos para falar. Samantha diz que já está limpa e foge de dentro da banheira. Começa a cena mostrando Maria e Samantha dormindo, quando alguém bate na porta, acordando as duas. Uma voz masculina chama por Samantha Jones, que se levanta para atender. A visita é Sean, que apareceu para fazer sexo. Samantha tenta mandá-lo embora rápido, mas com educação, quando Maria aparece usando, como sempre, colares. Ela se apresenta como namorada de Samantha e elas fecham a porta. Ele bate mais uma vez.

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Maria (gritando e gesticulando): Você saia daqui, filho da mãe, ou eu vou chamar a polícia!

Ela caminha até a bancada da cozinha com as mãos para cima e as espalma sobre a superfície.

Maria (irritada): Você deixa homens virem a sua porta assim, no meio da noite? Samantha: Esqueça; Esta tudo no passado. Maria: Não! Não está no passado. Está nos drinks que ganhamos, na secretária eletrônica, está na sua porta no meio da noite! Samantha (irritada): Pode ser chocante para você, mas eu costumava fazer sexo com homens. Maria: Este homem veio aqui para nada além de sexo? Samantha: Sim! O que eu costumava gostar e que não tenho tido muito nessa relação!

O máximo que Samantha mexe é a cabeça e o tronco, contrastando com Maria que mexe muito os braços.

Maria: Você chama isso de relacionamento? Samantha: É entediante, não tem sexo... Então pelo que ouvi, sim. Maria: Se você tem algo a dizer para mim... Samantha (erguendo a mão): Eu não tenho nada para você. Eu não tenho mais nada de novo para te dizer. Só o que temos feito é falar, falar, falar. A conversa na nossa relação está substituindo o sexo na nossa relação de merda! Eu não quero conversar. Eu quero paixão! Quero fogos de artifício! Maria (indignada): Oh! Você quer fogos de artifício? Eu vou lhe mostrar fogos! (Ela joga no chão uma dos pratos no escorredor de louça) Isso são fogos de artifício! POW! Samantha (fugindo): O que você está fazendo?! Pare!

Maria quebra outro prato enquanto Samantha pede que pare. Em seguida o terceiro prato é quebrado.

Samantha: Meus pratos! Maria (gritando): Estes não são seus pratos! Você nem ao menos cozinha! (Ela sacode nas mãos dois pedaços da porcelana) Quer mais fogos de artifício? PIM! Outro? PAPIM!

Depois de algumas sequências, vemos Maria batendo à porta de Samantha. Pela primeira vez desde o episódio 3, ela usa roupas de um vermelho vivo. E, como sempre, muitas joias.

Maria (sem olhar no rosto de Samantha): Já foram dois dias. Eu fiquei preocupada. E você nem ao menos me ligou.

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Samantha: Você também não. Maria (entrando no apartamento): Eu trouxe um presente para você Samantha: Espero que sejam pratos. Maria: Abra. Samantha (sorrindo): Você trouxe um de amarrar? Acho que podemos tentar.

Samantha tira de dentro da caixa com estampa de onça uma cinta-pênis. A sequência seguinte é na inauguração do bar Scout, onde Samantha conta para Carrie e Miranda que ela terminou o namoro, e que Maria acha que ela tem problemas de relacionamento. Pouco depois termina o episódio. Vamos iniciar a análise destes três episódios pela categoria Cultura Popular, pois foi o que teve elementos que mais nos chamaram a atenção. As cores fortes e chamativas são uma constante nas aparições de Maria. Temos suas roupas sempre com destaque ao vermelho. Os quadros da personagem também tem diversas cores, muitas delas que nos remetem as pinturas modernistas brasileiras de artistas como Anita Malfatti, Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral. Ainda que o desenho não seja parecido, a escolha de cores é. A casa de Maria também é mostrada com uma decoração feita em amarelo, verde, azul, vermelho e laranja. Este colorido todo conversa com a identificação de extravagância da categoria Território. Há um exagero de cores, gestos, acessórios e até mesmo no comprimento, volume e penteados de Maria. Tal qual Carmen Miranda, a personagem brasileira usa muitas pulseira, anéis e colares, até mesmo quando aparece dormindo, tomando banho ou tendo relações sexuais. O uso destes adereços fica mais evidentes quando observamos as outras personagens em cena, que quando usam joias, são poucas e pequenas. Assim como Carmen, Maria também usa muito os braços quando fala com quem quer que seja. E se não há muito como se movimentar, como na cena da banheira, ela passa a se expressar facilmente com mais ênfase. O outro termo que usamos para formar a categoria Território, o nacional, foi representando nos primeiros dos episódios. Inicialmente temos no nome da personagem de Sonia Braga, Maria Diega Reyes. Maria é um nome comum no Brasil, mas Diega Reyes, isolados ou lado a lado, não. Estes sobrenomes são de origem hispânica, ainda que possam ser usuais pela América Latina, não podem ser facilmente encontrados em brasileiros. Outro traço pertencente aos países de língua espanhola que aparece na série é quando a ex-namorada de Maria a chama de

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“chica”, uma expressão carinhosa, mas nada brasileira. Em contrate com isto, temos a própria Maria respondendo em português brasileiro. Esta confusão sobre a língua falada no Brasil não é inédito, até porque tivemos o Bando da Lua cantando em espanhol em filmes americanos e Carmen Miranda representou personagens de países hispânicos. A nossa língua portuguesa também aparece quando ela diz que o nosso significado de amigo é “pessoa de grande coração que compra muitas das minhas artes”. Fica a dúvida se foi apenas uma piada ou uma tentativa de tirar vantagem. Outro momento em que português é falado ainda quando Samantha e Maria vão fazer sexo pela primeira vez e a brasileira ensina a americana a palavra “buceta”. Temos aqui um aspecto que se encaixa ainda em sexo, dentro da categoria Povo, pois está a única palavra em nossa língua dita por alguém na série (se excluirmos Maria e as vezes que se fala Rio). A questão do nacional também aparece quando Maria apresenta um “costume brasileiro”. Ela alega que aqui, ao se visitar um artista, é comum ajudá-lo a fazer uma obra. Os quadros que Maria expõe, as estampas de suas roupas e as cortinas de sua casa entram na categoria Território pelo tviés natureza. Galhos e folhas são muito vistos nas pinturas, as roupas dela tem grandes rosas vermelhas, tal qual as que decoram sua casa. Na cenas lá, ainda podemos ver um cesto repleto de frutas artificiais. Nos espaços da brasileira, a composição ao redor é toda de cores e natureza. Há ainda, talvez sem conexão direta, mas digno de nota, o início do episódio, no bar que aparece só esta vez, de decoração tropical. O voltando a categoria Cultura Popular, o samba é trilha sonora para dois importantes momentos de Maria com Samantha, nos episódios “Definindo relacionamentos” e “O que o sexo tem a ver com isso?”. No primeiro, enquanto lavam as mãos depois de pintar e conversam sobre a possibilidade de Samantha ter uma relação homossexual, toca baixo ao fundo Tim Tim Por Tim Tim, de João Gilberto. A letra da canção fala sobre conformidade com o fim de um relacionamento, o que é bastante pertinente já que estava subentendido que Maria tinha esperanças em relação a Samantha. No outro episódio, temos Tanto Tempo, de Bebel Gilberto. Esta é outra composição que fala sobre relacionamentos e parece também estar em sintonia com o que se passa no seriado, pois a canção fala sobre

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esperar e se entregar a uma intimidade com o outro, e a cena em que toca é justamente quando temos Maria e Samantha prestes a fazer sexo pela primeira vez. Da categoria Povo, encontramos apenas sexo. Porém, não é algo erotizado ou pornográfico. Temos, como já mencionado, a questão da palavra ensinada. Sexo é usado como uma analogia para a pintura, pois, segundo Maria, não é necessário ficar pensando para fazer. O ato sexual é explicado pela brasileira como uma questão de conexão, onde elas devem fazer amor. É neste momento, após esta definição que a palavra “buceta” é dita. Por fim, a última aparição de sexo envolvendo Maria é quando pergunta a Samantha quantos parceiros sexuais a americana já teve, pois a brasileira saiu com apenas 12 mulheres. Samantha, por não responder e pelo seu histórico na serie, nos mostra que já saiu com muitos mais homens do que Maria com mulheres. Podemos pensar aqui que mesmo com toda a construção romantizada para a primeira vez das duas, este comparativo de quantos amantes cada uma já teve serve para enfatizar o lado devassa de Samantha, pois ela consegue ter feito sexo com mais pessoas diferentes do que Maria, que vem daquele lugar impuro chamado Brasil.

5.6 SEXO NO RIO Antes de começar a sinopse deste episódio, precisamos fazer uma rápida contextualização para que haja compreensão do que será descrito e, posteriormente, analisado. Samantha, por intermédio de um arquiteto com quem costumava sair, conhece e começa a trabalhar com o empresário do ramo da hotelaria, Richard Wright (interpretado por James Remar). Ele é um homem conhecido por seu instinto para negócios e alta libido. Originalmente transmitido em 12 de agosto de 2001, o episódio 12 da temporada 4, "Apenas diga sim", foi escrito por Cindy Chupak e dirigido por David Frankel. São exatamente 30 minutos de produção. Após Carrie contar para suas amigas durante o brunch que descobriu que será pedida em casamento por Aidan, Samantha vai para a reunião de negócios com Richard, marcada para o bar de um dos hotéis dele. Ela usa um vestido bem vermelho, que contrasta com o azul claro, branco e cinza do ambiente, bem como com o terno escuro de Richard.

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Richard (sem levantar os olhos dos papéis): Deus, você está 7 minutos atrasada. Samantha (irritada): Eu levei 15 minutos só para atravessar o saguão.

Richard, impaciente, começa a cobrar Samantha porque seu hotel não está no jornal. Ela responde o porquê e que ainda conseguiu que o de Barcelona saísse no caderno de viagem.

Richard: O que está acontecendo? Problemas femininos? Samantha: Vamos apenas falar de negócios, ok? Richard: Pode me contar. Eu sou humano. Samantha (pegando o drink do chefe): As evidências dizem o contrário. Richard (sorrindo): Eu amo que você não tem medo de mim. Samantha: Minha melhor amiga vai ficar noiva. Richard: E ela não te convidou para dama-de-honra? Samantha: É só... Por que todo mundo tem que se casar e ter filhos? É tão clichê! Richard (rindo): Ei, você está pregando para o convertido. Eu gosto de sexo livre. Ir com alguém para o Rio, se eu quiser. É o voo perfeito de nove horas. Jantar no jatinho, acordar no Brasil, passar o final de semana no meu pequeno hotel cinco estrelas. Quem precisa de esposa quando se tem uma vida? Samantha (sorrindo): É o que estou dizendo.

Tempos depois temos Samantha e Richard dentro de um jatinho particular aos beijos, deitados em um banco acolchoado.

Carrie (em off): Enquanto isso, a relação profissional de Samantha realmente começava a decolar.

Richard rasga a saia de Samantha. Constrangido, o piloto aparece para pedir que coloquem os cintos, pois já vão decolar. Eles seguem deitados.

Samantha: Isto é mesmo uma boa ideia? Você é meu chefe. Richard: Claro que é. E você precisa conhecer meu hotel no Brasil.

Bem ao final do episódio, Carrie encontra-se com Samantha em um bar. Ela anuncia que aceitou o pedido de casamento de Aidan. Elas protagonizam o último diálogo do episódio enquanto brindam.

Carrie: Hey, você está bronzeada, senhorita. Samantha: Eu estive no Rio com Richard. Carrie: Rio com o CEO? Erro!

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A câmera se afasta, mostrando as duas rindo no bar cheio e a tela vai escurecendo para terminar o episódio. Tivemos manifestação aqui das categorias Povo e Território. Do primeiro, através do viés sexual. O Brasil é citada por Richard praticamente com um refúgio sexual seu, um lugar para onde vai aos finais de semana para praticar seu “sexo livre”, coisa que só é possível porque escolheu ter uma vida ao invés de casar. O moralismo puritano, que é uma marca já pouco presente em Richard e Samantha, desaparece por completo quando eles estão dentro do jatinho particular, ainda antes mesmo de decolarem para o Rio de Janeiro. Eles não se constrangem quando são flagrados pelo piloto ou se importam com as recomendações de segurança. Querem apenas fazer sexo. O ato livre nos remete a cena do filme do 007 de 1979, em que o agente secreto simplesmente tira a roupa da moça brasileira, que nação reage, e dá a entender em sua fala que sexo é só o que se tem para fazer no Brasil se a pessoa não samba. No aspecto Território vemos um sutil destaque a natureza brasileira. Em apenas um final de semana no Rio de Janeiro, em meio a uma maratona sexual com Richard, Samantha conseguiu ficar bronzeada. Pudemos ver nos cinco episódios o aparecimento constante de alguns conceitos de nossa bacia semântica. Da categoria Cultura Popular, encontramos o uso de cores em todas as análises o uso de muitas cores vivas quando se fala ou identifica o Brasil. Em duas vimos o samba e nenhuma vez neste episódios de SATC pudemos ver características que se identificassem com o conceito de alegria. A categoria mais recorrente foi Território. Referências a natureza brasileira foram encontradas em todas as análises. Questões que pudemos considerar como nacionais vimos apenas duas vezes. A extravagância associada ao Brasil só foi encontrada em uma das três análises. A categoria Povo apareceu também nos três trabalhos de estudo, mas apenas pelo viés do sexo. As nossas questões de raça e (busca pela) modernidade não apareceram um única vez nestes episódio selecionados de SATC. O que ficou mais evidente foi a repetição de alguns conceitos que começaram a ser associados ao Brasil desde o princípio de sua existência no imaginário internacional, como a natureza, por exemplo. A alegria, entretanto, que passou a

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fazer parte da nossa bacia com Carmen Miranda, parece estar já caindo em desuso. As nossas próprias questões identitárias, como raça e (busca pelo) modernismo, não aparecem nenhuma vez nesta produção americana. Os macacos na parede do bar quando aparece o nome de Sonia Braga poderia ser apontado como algo de raça, mas consideramos muitos mais um gesto racista do que uma preocupação em compreender a formação racial do nosso país.

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6 CONCLUSÃO A formação do imaginário social a cerca de qualquer sociedade é formado pelos mais diversos produtos da cultura da mídia. Um deles são as series televisivas, que graças ao seu formato com qualidade textual e suas variadas formas de consumo graças ao contexto tecnológico atual, fidelizam seus públicos. Os conceitos trazidos pela mídia para os receptores a respeito de um determinado tema, grupo, país, por exemplo, vão se acumulando, formando uma bacia semântica a respeito do tema em questão. Este conceitos só começam a se alterar com uma mudança de gerações, mas ainda assim tendem a durar aproximadamente 200 anos. Esta monografia se propôs a descobrir através de quais elementos usados para apresentar o Brasil no sitcom americano Sex and the City. Para isso, entretanto, foi preciso um conhecimento prévio sobre a formação da bacia semântica do nosso país para as audiências internacionais. Num primeiro momento, vimos o destaque que Pero Vaz de Caminha deu a natureza, as cores e aos costumes indígenas na carta para El-Rei D. Manuel. Em seguida tivemos a ida de Carmen Miranda para o cinema dos Estados Unidos e seu sucesso por lá. As suas roupas, cores, acessórios, música e alegria se tornaram moda e ela foi usada como a cara do Brasil e da América Latina nos filmes que fez. Por último, passamos pelo filme da franquia 007, que teve parte gravada no Brasil, nos mostrando o carnaval de rua e algumas paisagens naturais. Tivemos, então, uma formação internacional de bacia semântica sobre o Brasil formada por conceitos de natureza, cores, alegria, extravagância e sexo. Aqui já pudemos ver uma repetição de conceitos, de modo que se perpetuam desde nosso descobrimento oficial. A natureza, por exemplo, foi destaque na carta de Caminha, depois apareceu na construção do brasão da casa Imperial brasileira (os ramos de café e tabaco), seguiu nos retratos tirados pelo próprio Imperador Dom Pedro II, se manifestou mais uma vez como um dos elementos levados por Carmen Miranda para o cinema americano e, de novo, no longa-metragem do 007. Ou seja, este termo formador do imaginário a respeito do Brasil, desde que foi estabelecido em 1500, se perpetuou pela falta de trabalho das gerações seguintes em desfazê-lo. Poderíamos dizer que a ida de Carmen Miranda para os Estados Unidos foi nossa última chance de iniciar um processo de mudança de conceito de nossa bacia

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aos olhos estrangeiros. Mas ao invés de desfazer o que existia, ela acabou por apenas adicionar mais alguns conceitos oriundos da imaginação dos roteiristas. Devido a já existência e conformidade das audiências mundiais com esta imagem do Brasil como um país que pode se resumir em natureza abundante, com muitas cores vibrantes, alegria e samba, a indústria cultural hoje provavelmente não tem interesse em começar uma ressignificação de Brasil. Como seu maior interesse é vender para o maior número possível de pessoas e como elas nem sempre questionam o que veem quando nós somos mostrados da mesma forma há quase um século, as mídias vão seguir trabalhando neste sentindo, provavelmente. Os brasileiros, entretanto, tentaram formar sua própria bacia semântica sobre o lugar em que nascerem apesar do que o exterior fazia. No início era um trabalho da intelectualidade nacional. Tivemos livros como Os Sertões falando sobre nossa formação, sobre como a geografia e clima afetavam a vida das pessoas. Os próximos grandes momentos do brasileiro tentando se entender como brasileiros foram a Semana de Arte Moderna de 1922 e a Revolução de 1930. Sob a ditadura do governo de Getulio Vargas, o imaginário sobre o Brasil passou a ser montado e mantido pelo DIP, através de propagandas políticas. O rádio ao lado do cinema era grandes armas deste programa de construção da nacionalismo, pois eram considerados como coisas modernas e, nesta época, o Brasil buscava ser o mais moderno possível. Por este motivo, houve investimento federal em Carmen Miranda, já que ela era conhecida pela população justamente pelos dois meios de comunicação. Devemos também lembrar que foi nestes anos também que o samba e o mestiço, até então marginalizados da sociedade, passaram a ser considerados como o mais puro fruto nacional. A Era Vergas iniciou a passagem de tentar definir o Brasil e, consequentemente, o brasileiro dos intelectuais para os veículos de comunicação. Com a popularização da televisão e o golpe militar de 1964, pensar o Brasil passa a ser atividade quase que exclusiva da mídia. Nesta época em que se pode dizer que passa a existir uma indústria cultural em nosso país. Alguns pontos da cultura popular passam a ser exaltados e protegidos, numa tentativa vã de criar uma heterogeneidade. Nossos produtos de TV ganham qualidade e passam a se ficar na ideia de moderno tal qual exterior para que sejam considerados concorrência.

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Assim, o brasileiro não pode ter uma identidade definida, mas consegue se identificar com alguns conceitos da sua bacia a respeito do próprio país. A nossa indústria cultural trabalha misturando estes com os vindos de fora. Nosso objeto de estudo, SATC é um produto americano que foi sucesso mundial. Como pudemos ver na análise dos episódios selecionados, não há qualquer indício de preocupação com as nossas próprias questões de definição. Os escritores e produtores, quando quiseram falar e apresentar o Brasil, ficaram baseados ainda nos conceitos trazidos por Carmen Miranda, em 1939. Isto é perfeitamente compreensível se pensado dentro da lógica de bacia semântica. Eles apenas usaram imagens que não são suas contemporâneas porque ainda têm significado para a audiência. A crítica que pode ser feita é a aceitação da atriz Sonia Braga em representar o seu respectivo país de forma tão estereotipada, como quando é chamada de “chica”. SATC, para a internacional bacia semântica de Brasil, serviu apenas para garantir que alguns conceitos sobre nós sigam em uso por mais algumas décadas. A indústria cultural vai garantir isto, pois assim consegue vender, a menos que haja um enfrentamento contra esta hegemonia. Talvez se o brasileiro passar a ver de forma mais crítica e, em alguns momentos, combativa a forma como é representado em produções estrangeiras os conceitos desta bacia comecem a se alterar. Para além de a audiência brasileira mudar sua postura frente ao vindo de fora nos mostrando da mesma forma estereotipada, seria importante que a mídia nacional também se movimentasse. Como vimos, a cultura da mídia trabalha sempre no mesmo sentido para manter seu público. Assim, a nossa imagem, seja apresentada pelos produtos estrangeiros como pelos nossos tentando fazer frente a eles, sempre nos mostrou da mesma forma e não conseguimos ver a curto e médio prazo movimentos de mudança.

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