O Sistema de Informações da República Popular da China

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O SISTEMA DE INFORMAÇÕES DA REPÚBLICA POPULAR DA CHINA

Sofia Dias Ramos, Nº 212430 Unidade Curricular: Informações Estratégicas Docente: Professor Catedrático Heitor Romana

Lisboa 13 de Julho de 2015

Índice

1. Introdução

p. 3

2. Metodologia

p. 5

3. Conceitos Operacionais

p. 5

3.1. Intelligence e Counterintelligence

p. 6

3.2. Informações de Segurança e Informações Estratégicas

p. 7

4. O Sistema de Informações da RPC 4.1. Estrutura, Organismos e Funções

p. 8 p. 10

4.1.1. Ministério de Segurança de Estado

p. 12

4.1.2. Ministério de Segurança Pública

p. 13

4.1.3. Exército Popular de Libertação

p. 13

4.1.4. Outros Organismos

p. 14

5. Conclusão

p. 15

6. Referências Bibliográficas

p. 18

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1. Introdução

No âmbito do processo de tomada de decisão na condução da política interna e externa, um Estado procura alcançar três grandes objectivos estratégicos: diminuir o grau de incerteza ao longo do processo decisional, neutralizar ou diminuir o efeito surpresa e antecipar o futuro, através da concepção de futuros possíveis e futuros desejáveis. Para concretizar tudo isto são desenvolvidas técnicas institucionais e organizacionais a fim de obter o máximo de elementos informacionais necessários, o que por sua vez justifica a criação de estruturas informacionais precisamente com a função de auxiliar o Estado na prossecução dos seus interesses nacionais e internacionais. Estes elementos informacionais são designados de intelligence e têm um papel fundamental na actuação de um Estado, no plano interno e no plano externo. Com o advento da globalização decorrente da revolução das tecnologias da informação e da comunicação (TIC) deu-se o aumento do volume de informação veiculada, a intensificação do fluxo de circulação e a facilidade de acesso à mesma. Deste aumento explosivo, quantitativo e qualitativo, de activos informacionais surgiram a necessidade de um maior esforço na manutenção do secretismo característico das actividades dos órgãos estatais e a necessidade de gestão de um maior acervo informacional à disposição dos decisores políticos e com possibilidades de acesso pela sociedade civil, o que pode colocar em risco o propósito da acção dos primeiros. Portanto, o mundo “has been changing technologically, intellectually, and socially for individuals and commercial organizations, likewise it has been changing for governments, the military, and law enforcement agencies” (Rolington, 2013, p. 4) o que causou consequentemente transformações significativas, nomeadamente mudanças ao nível do paradigma sectorial das informações. Neste sentido, é essencial que a arquitectura institucional e organizacional de um Estado inclua um Sistema de Informações (SI) que congregue na sua estrutura os recursos necessários à actividade de intelligence – meios de recolha de informação útil, de gestão dos dados obtidos a partir da informação e de análise que permitam retirar mais-valias dos dados – e que esses sejam adequados à manutenção da sobrevivência e estabilidade interna do Estado, às circunstâncias e características do sistema internacional e ao posicionamento relativo do Estado no mesmo.

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No início do século XXI, os efeitos das mudanças políticas e económicas operadas desde o final dos anos 1970 do século XX na República Popular da China (RPC) começaram a fazer-se sentir. Ora, a política de abertura ao exterior, o conjunto das reformas económicas encetadas e as transformações decorrentes de tudo isso “geraram sinergias que conduziram a China a uma gradual integração económica no sistema global, a um aumento do protagonismo no areópago internacional e à sua afirmação como um Estado director regional” (Romana, 2005, p. 298). No contexto das pretensões de uma nova ordem económica e política internacional, a RPC iniciou então um processo de ascensão geopolítica sem precedentes. A elite política do Partido Comunista Chinês (PCC) e, como tal, do governo do país, reorientou a abordagem à arena internacional com uma política externa mais assertiva, confiante e sofisticada e muito pragmática. Na mesma medida em que emergiu neste século como um actor internacional mais relevante e integrado no sistema de poder mundial e na estrutura de governação global, a RPC também se apresenta deste modo mais exposta e vulnerável a possíveis ameaças, tanto à sua segurança nacional como aos seus objectivos de política externa. Neste sentido, o SI chinês passou desde então a desempenhar um papel mais relevante no que diz respeito à função de auxiliar e apoiar os líderes políticos chineses, também com um papel mais significativo, na tomada de decisão política na China, um polo de poder mundial em emergência sobretudo desde o início do século XXI. No entanto, é muito diminuto o conhecimento sistematizado acerca das entidades que integram e participam nas actividades do SI chinês, do seu respectivo funcionamento e funções, do tipo de informações que são recolhidas pelas mesmas e da finalidade com que tal é feito e da importância de tudo isto para a China. O principal objectivo da presente investigação é então problematizar, de forma analítica e descritiva, o SI da RPC e contribuir para um melhor conhecimento sobre a forma como esse funciona e como influencia e é influenciado pela actuação interna e externa chinesa e pelo papel relativo do país no sistema internacional. Os objectivos específicos são, por sua vez, caracterizar o actual SI da RPC, identificar os principais elementos caracterizadores do aparelho de intelligence chinês através da sua estrutura organizacional, aferir quais as instituições, organismos e agências responsáveis e intervenientes na operacionalização do ciclo de produção de

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intelligence – processo de recolha, análise, processamento, produção e difusão de informações – na RPC e definir as vertentes da metodologia operacional dos mesmos. Finalmente, depois de traçado este quadro, concluiremos acerca da reorientação do SI chinês na actualidade, da reorganização dos serviços de intelligence nacionais, da reinterpretação do papel dos mesmos na evolução do país e na condução da sua política interna e externa e dos desafios futuros inerentes.

2. Metodologia

No que diz respeito à metodologia que fundamenta o processo de pesquisa no âmbito da presente investigação, isto é, os instrumentos e técnicas utilizados na recolha de informação para a concretização dos objectivos propostos, o grande objectivo é problematizar o SI da RPC com recurso a open-source intelligence (OSINT), que consubstancia “the systematic collection, processing, analysis and production, classification and dissemination of information derived from sources openly available to and legally accessible by the public” (Schaurer & Störger, 2010, p. 2). No contexto das designadas fontes abertas optámos pela análise documental, nomeadamente análise de conteúdo bibliográfico relacionado com a temática em apreço. Esta estratégia metodológica será aplicada ao caso de estudo do SI chinês e com finalidades holísticas, ainda que delimitadas, de carácter descritivo e explicativo. É nesta óptica que realizaremos a análise ao SI da RPC e às respectivas características e estrutura institucional e organizacional a partir da informação que é possível ser obtida a partir de OSINT. O resultado será a produção de conteúdo informacional sistematizado, útil à redacção de um relatório de informações.

3. Conceitos Operacionais

Antes da concretização dos objectivos propostos no âmbito da presente análise, importa clarificar de forma sistematizada os principais elementos relevantes para a compreensão do funcionamento de um SI. Importa, portanto, operacionalizar os conceitos basilares à análise do SI da RPC, que permitem por sua vez fundamentar e compreender de uma forma mais adequada os fenómenos, as acções e os processos associados a essa mesma temática.

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3.1. Intelligence e Counterintelligence

Sendo esta uma análise acerca do sistema de intelligence da RPC, importa definir em termos operacionais esse mesmo conceito e as noções associadas. Para Kent (1949) intelligence “is knowledge for the practical matter for taking action” (p. 3). Rollington (2013) define o conceito como sendo “one part of a nation’s, or a commercial organization’s, thinking about the current situation and the actions they might take to achieve their specific, advantageous goals, or defeat or deflect the enemy or competition in their actions against you” (pp. 18-19) e por isso como sendo um tipo de conhecimento “that offers specific advantage in short, operational term, contributes to the longer-term, strategic planning process, and should include the different sides’ changing viewpoints” (pp. 20-21). Mattis (2012) afirma que “Chinese military scholars today frame intelligence as a distinct subset of knowledge, defined by its relevance to decision makers and a competitive environment” (p. 49), uma tipologia de informação que é transmissível e resolve satisfatoriamente um problema específico no âmbito da tomada de decisão. Também no que diz respeito à intelligence no contexto específico da RPC, Eftimiades (1994) defende que “intelligence activities are tied to a government’s decision-making processes” (p. 4). A intelligence pode assumir várias facetas, de acordo com as fontes das quais é originária. No caso do SI da RPC destacamos as seguintes disciplinas de recolha de intelligence: a OSINT, a human-source intelligence (HUMINT), a intelligence obtida através de fontes humanas, por norma espiões tradicionais, a signals-source intelligence (SIGINT), obtida através da intercepção de sinais de comunicação humana ou electrónica, a imagery-source intelligence (IMINT), obtida por meio da obtenção de imagens, por exemplo de satélites, e a technical-source intelligence (TECHINT), obtida por intermédio da recolha e análise de equipamento militar estrangeiro e material associado utilizado pelas forças armadas de outros Estados. Por sua vez, a counterintelligence corresponde a um “a set of tactical activities to protect and enable successful intelligence operations” (Cleave, 2013, p. 58), ou seja, “the mission or organizations that gather the information and conduct the activities to counter foreign intelligence activities” (Cleave, 2013, p. 59).

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Uma das principais actividades de intelligence, no âmbito da HUMINT e muito praticada pela China, é a espionagem: “an orchestrated, all-encompassing attempt to extract information from multiple levels of society” (Eftimiades, 1994, pp. 6-7) através do recrutamento de indivíduos que se tornam agentes desse tipo de actividades. Ora, as operações de contra-espionagem implicam e envolvem de igual forma “the recruitment of agents and are designed to penetrate foreign intelligence organizations in order to collect information and manipulate the adversary” (Eftimiades, 1994, p. 23). É, portanto, com base neste conhecimento, apresentado sob os mais variados formatos, que apoia a prossecução de objectivos nacionais e a promoção de interesses externos e na óptica da compreensão da realidade corrente, com recurso a factos passados, que consideramos que a intelligence deve trabalhar com a finalidade de injectar previsibilidade e permitir a obtenção de vantagens estratégicas competitivas em termos informacionais para a tomada de decisão. Citado por Romana (2008) Lowenthal afirma que existem três abordagens sobre as informações (intelligence), designadamente: como processo, “as the means by which certain types of information are required and requested, collected, analysed, and disseminated, and as the way in which certain types of covert action are conceived and conducted” (p. 99), como produto, “as the product of these processes, that is, as the analyses and intelligence operations themselves” (p. 99) e como organização, “as the vains that carry out its various functions” (p. 99).

3.2. Informações de Segurança e Informações Estratégicas

De acordo com alvos e objectivos diferenciados, as informações são categorizadas em informações de segurança e informações estratégicas. Estas são o que Romana (2008) define como as componentes operacionais da intelligence (p. 99). Segundo Romana (2008), as informações de segurança são, em termos de estrutura e de objecto, de natureza defensiva, e são vocacionadas para a identificação de ameaças ao Estado e à sociedade e para a avaliação de vulnerabilidades próprias. Quanto às análises resultantes, podem assumir a forma táctica – para definir e percepcionar ameaças, situacional – para uma leitura factual sobre ameaças, preventiva – quando existem implicações de uma ameaça à segurança interna, e preemptiva – para definir cenários de antecipação e neutralização de ameaças (p. 99).

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Por sua vez, as informações estratégicas são de carácter ofensivo e projectivo e resultam por isso de um processo proactivo. São “parte integrante da hierarquização da gestão dos interesses externos” (Romana, 2008, p. 99) e são “necessárias à concepção e execução de uma “grande estratégia” considerada assim pelo alcance dos seus efeitos mas também pela sua permanência no tempo” (Romana, 2008, p. 99). Ainda, são estratégicas na medida em que “contribuem para a activação de mecanismos operativos que têm por fim ajudar à eficácia máxima na tomada de decisão” (p. 99). Ambas as tipologias de intelligence são importantes nas análises e decisões estratégicas do Estado. Dada a sua natureza, complementam-se no âmbito da percepção e definição de ameaças à segurança do Estado e à condução da sua política externa, no sentido em que cada contribui para diferentes vectores do auxílio ao processo decisório. No caso do SI chinês existem instituições, organismos e agências encarregues da recolha, pesquisa, análise e disseminação de ambas as categorias de informações.

4. O Sistema de Informações da RPC No âmbito da tomada de decisão, “a actividade de Intelligence constitui um pilar na definição e execução da estratégia adoptada pelo núcleo duro do Partido Comunista Chinês” (Romana, 2005, p. 233) e como tal Mattis (2012) considera o SI chinês uma ferramenta primordial para a preservação do poder do PCC (p. 47). As operações e métodos de intelligence da China podem ser novos para o Ocidente mas não são de todo recentes, bem como não o é a própria actividade de intelligence no país, milenarmente influenciada sobretudo pela Arte da Guerra (Bing Fa) de Sun Tzu, que “put a high value on accurate and timely intelligence in daily affairs of state and in support of militar campaigns” (Eftimiades, 1994, p. 3). No entanto, as necessidades informacionais actuais da RPC “are far more numerous and complicated than those of ancient times” (Eftimiades, 1994, p. 4). Ora, uma análise ao actual SI da RPC permite perceber quais são as entidades que recolhem, pesquisam, analisam, processam e disseminam intelligence, de que forma as mesmas intervêm no processo e ainda “how the Chinese government uses information to inform its policy formulation, guidance to diplomats and security officials, and the execution of its policies” (Mattis, 2012, p. 47) e como é que são moldadas as percepções, acções e interacções estratégicas da China.

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O SI chinês caracteriza-se pelo seu funcionamento ao serviço dos interesses militares, político-diplomáticos, económico-financeiros e tecnológicos do país e as actividades e operações dos serviços de intelligence funcionam segundo as necessidades e prioridades dos decision makers desses vectores estratégicos. Então, “the PRC’s perception of internal and external threats dictates the information requirements levied on its intelligence services” (Eftimiades, 1994, p. 12). No plano interno os objectivos são a manutenção da estabilidade política, económica e social e no plano externo são o fomento de uma imagem internacional positiva, a obtenção de conhecimento tecnológico, comercial e industrial útil ao desenvolvimento e progresso nacionais e a promoção e defesa dos demais interesses de política externa. Tudo sob o signo da obsessão com o controlo própria da cultura e do pensamento estratégico chineses. O funcionamento da sociedade chinesa é marcado por uma peculiar característica comportamental: as relações guanxi. Este tipo de relações consiste no uso de contactos pessoais nas interacções de interesses do quotidiano. O guanxi “constitui a base de uma complexa rede de tráfico de influências e de esquemas de entreajuda entre indivíduos e grupos” (Romana, 2005, p. 132). A estrutura dirigente do PCC, o aparelho governamental e a instituição militar acabam por ser fortemente condicionadas pelo que é a “capacidade de influência e de autoridade a partir de laços informais construídos com base em interdependências pessoais” (Romana, 2005, p. 132). Como tal, são portanto um meio instrumental de condução das actividades no campo da intelligence. Sendo que as informações são fundamentais à análise e decisão estratégica, Romana (2005) enumera os principais os aspectos-chave na caracterização do SI chinês: a distinção funcional entre órgãos de pesquisa e órgãos de análise, a subordinação da componente civil a uma estrutura formal não visível e à Comissão Militar Central (CMC) do PCC, a permeabilidade do SI chinês ao jogo político no seio do PCC e o trabalho dos núcleos políticos restritos (p. 239). Para além da estrutura formal visível do SI da RPC existe, concomitantemente, um conjunto de mecanismos informais, ou formais não visíveis, de transmissão e gestão de informações. Esta estrutura formal não visível existe tanto no seio do PCC como no seio do governo e reflecte “a complexidade dos canais de comunicação e de hierarquia de decisão política que caracteriza o sistema de poder chinês” (Romana, 2005, p. 236). Ora, é segundo o quadro acima traçado que abordaremos, em linhas de análise gerais mas o mais abrangentes possível, os principais pilares do SI chinês.

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4.1. Estrutura, Organismos e Funções

A estrutura do SI da RPC reflecte as características acima referidas. Na China existem organismos civis e organismos militares responsáveis pela recolha, tratamento, disseminação e utilização de activos informacionais de segurança e activos informacionais estratégicos, com origem nas mais variadas fontes de intelligence, a nível nacional, provincial e local, com maior especialização em assuntos externos e/ou com maior incidência em questões internas. Em termos genéricos, a organização do aparelho de intelligence da RPC surge “by combining a schematic of the functional bureaus that provide intelligence-related services with an outline of the standard ministerial structure and then adding information from open sources” (Eftimiades, 1994, p. 11). Nessa lógica, o aparelho de intelligence chinês é constituído por uma “vast array of intelligence agencies, militar departments, police bureaus, party organs, research institutions and media outlets” (Stratfor Global Intelligence, 2010, p. 4) que espelham o interlocking que caracteriza o sistema político chinês no geral. Isso demonstra que “is more than just a support department for policymakers” (Eftimiades, 1994, p. 4) e “is inextricably linked to the foreign policy decision-making process and internal methods of economic development and political control” (Eftimiades, 1994, p. 4). Na prática, verifica-se um fenómeno de liderança paralela no âmbito sectorial da intelligence (Stratfor Global Intelligence, 2010, p. 4). Para além do SI institucional do governo chinês existe também uma estrutura de pesquisa de informações do PCC. As entidades intervenientes reportam aos órgãos executivos do governo chinês e as instituições do PCC têm a última palavra mas a opacidade característica da liderança chinesa “makes it difficult to determine exactly where or with whom the intelligence authority really lies” (Stratfor Global Intelligence, 2010, p. 4). Desde logo, o regime político assente num Partido-Estado, a relação entre as estruturas do Partido e as estruturas do Governo bastante estreita e intricada e os vários níveis políticos (nacional, provincial, local) nos quais existem entidades que exercem actividades de intelligence aumentam a probabilidade de os produtos informacionais finais serem enviesados e influenciados pela sua origem geográfica e institucional e tornam difícil a realização de uma análise completa apenas por meio de OSINT.

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Ainda assim, dada a complexidade no seio da liderança política e partidária e da própria estrutura organizacional das informações e a multidimensionalidade de fontes de intelligence, é fundamental compreender a composição e o funcionamento desta que pode ser encarada como uma estrutura bidimensional, os conflitos de interesses que existem e enformam o aparelho de intelligence chinês “and its contribution to Chinese policy-making, especially as Beijing’s interests abroad grow and create new bureaucratic space and possibly greater influence for the intelligence service most able to respond to leadership needs” (Mattis, 2012, p. 51). Assim, enumeraremos e descreveremos as principais estruturas orgânicas que compõem os sistemas de intelligence governamental e partidário, que constituem o SI chinês e operacionalizam o ciclo de produção de informações (Eftimiades, 1994, p. 5). O Comité Permanente do Politburo (CPPB) do PCC, o órgão supremo do poder da RPC, “é o centro de todo o processo de coordenação, produção e difusão de informações” (Romana, 2005, p. 235) na China. O Núcleo Político Restrito (Leading Small Group) para a Política Externa, uma estrutura formal não visível, porque não faz parte do Partido, que faz a ligação entre os órgãos de topo do PCC e os principais núcleos de execução burocrática, “assessora as decisões do Comité Permanente do Politburo e dá orientações e recebe informações processadas pelos órgãos de pesquisa e análise na dependência directa de entidades do Conselho de Estado” (Romana, 2005, p. 236), como é o caso do Ministério de Segurança de Estado (MSE), do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), do Ministério de Segurança Pública (MSP) e da New China News Agency (NCNA). Especificamente no sector militar, a CMC, que exerce autoridade suprema sobre o sistema militar chinês no seu conjunto, “orienta a pesquisa produzida pelo Departamento de Operações (2º Departamento)” (Romana, 2005, p. 235) do EstadoMaior do Exército Popular de Libertação (EPL). Também no seio do PCC, a Comissão de Ciência Política e Assuntos Legais (CCPAL) é “responsável pela recolha de informações sobre a actividade dos principais líderes do Partido e dos seus familiares” (Romana, 2005, p. 237) e pela monitorização das operações realizadas conjuntamente entre os serviços de informações e as forças de segurança. A CCPAL recebe orientações não do CPPB mas da CMC, o que demonstra “o peso político da CMC na decisão política global” (Romana, 2005, p. 237).

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Ora, o CPPB, a CMC e o Leading Small Group para a Política Externa são os consumidores primários das informações produzidas, tendo a seu cargo as entidades analisadoras e disseminadoras, e o EPL, o MSE, o MNE, a Xinhua – a que acrescentamos o Conselho de Estado e o MSP – são os consumidores secundários das mesmas informações produzidas, tendo a seu cargo os processadores e produtores primários e secundários (Swaine, 1998, p. 59).

4.1.1. Ministério de Segurança de Estado

O MSE foi criado em 1983, fundindo as funções de espionagem, contraespionagem e segurança anteriormente atribuídas ao MSP e as funções anteriormente atribuídas ao Departamento de Investigação do Comité Central do PCC, e é a principal agência no seio dos serviços de informações civis e militares, quer de segurança, quer estratégicas (Romana, 2005, p. 237) na China. É responsável pelas operações de foreign intelligence, uma função em comum com agências de intelligence militar do EPL, pelas operações de intelligence doméstica (Feakin, 2013), função ainda em comum com o MSP, pela contra-espionagem e pela contra-informação. Os seus principais targets são os diplomatas estrangeiros em território nacional e tem também a função de recolher intelligence tecnológica, “gathered by ethnic Chinese agentes in three primary ways: Chinese nationals are asked to acquire targeted technologies while traveling, foreign companies with the desired technologies are purchased by Chinese firms, and equipment with the desired technologies is purchased by Chinese front companies” (Stratfor Global Intelligence, 2010, p. 6), e de identificar e influenciar a política externa de outros países, nomeadamente no que diz respeito ao que pode ter implicações nos interesses e objectivos estratégicos chineses. A grande base das operações de intelligence doméstica são as unidades de trabalho (danwei), “designed to promulgate CPC policies down to the lowest levels of society, and they work closely with the MSS” (Eftimiades, 1994, p. 44). Cada uma dessas mantém dossiers sobre a vida dos seus membros (família, trabalho, crenças ideológicas, viagens), responsáveis por transmitir informações aos quadros superiores do PCC, sem a opção de recusar cooperar. Em termos de foreign intelligence, o MSE “co-opts vast numbers of Chinese citizens living or travelling overseas” (Eftimiades, 1994, p. 27) e nesse âmbito é capaz

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de “fielding case officers under both official government (legal) covers and nongovernment (illegal) covers” (Eftimiades, 1994, p. 21), capazes de recolher avultados volumes de activos informacionais. Recentemente, o MSE tem vindo a desenvolver cada vez mais as suas cibercapacidades “to increase the collection of political and economic data on foreign governments, non-government organisations and those opposed” (Feakin, 2013, p. 3) ao país e aos seus interesses e objectivos estratégicos.

4.1.2. Ministério de Segurança Pública O MSP “has responsibility for national policing and, to a lesser degree, domestic intelligence” (Feakin, 2013, p. 3). As suas responsabilidades estão relacionadas com dissidentes e estrangeiros em território nacional e com actividades de intelligence no plano interno, estas últimas coordenadas com o MSE, o que pode causar sobreposição e discordância entre as duas agências em termos de campo de acção. O principal papel deste organismo é, pois, “the physical security of the nation” (Eftimiades, 1994, p. 47) e “is charged with supervising the operations of all local police forces, civilian security functions (airport, railroad, and industrial security, as well as customs), and the People’s Armed Police (PAP)” (Eftimiades, 1994, p. 47). O sucesso das operações de intelligence domésticas é muitas vezes comprometido pela falta de comunicação e de eficácia na transmissão de informações no seio das províncias, entre províncias e a nível nacional e devido à já referida estrutura de liderança paralela: “all intelligence has to be reported to the CPC before going to other government offices” (Stratfor Global Intelligence, 2010, p. 9), os organismos provinciais demoram a fazer chegar a informação aos níveis superiores e “little information is shared in any orderly way between the party bureaucracy and the government bureaucracy” (Stratfor Global Intelligence, 2010, p. 9).

4.1.3. Exército Popular de Libertação

A intelligence militar está a cargo do EPL, o braço militar do PCC, que o controla politicamente através do Departamento Geral de Política. Tal como as outras instituições, organismos e agências, o EPL serve os interesses da RPC. No seio do

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exército chinês existem, pelo menos, quatro departamentos cujo desenvolvimento de actividades de intelligence é conhecido. O Departamento de Informações Militares (DIM), conhecido também como Segundo Departamento do EPL (2PLA), é responsável pela recolha de foreign intelligence e de IMINT, pelo Defense Attaché System, pela realização de operações de reconhecimento táctico (Feakin, 2013, p. 3) e por “acquiring foreign technology to better develop China’s military capabilities” (Stratfor Global Intelligence, 2010, p. 9). Este organismo “is known to put a great emphasis on open-source intelligence” (Stratfor Global Intelligence, 2010, p. 10). No seio do DIM, existe igualmente uma estrutura departamental. O 1º Departamento é responsável pela recolha de HUMINT no exterior, “for obtaining much of the technologic intelligence used to improve China’s military capabilities and for finding customers for Chinese arms exports” (Stratfor Global Intelligence, 2010, p. 9). O 2º Departamento tem a seu cargo a coordenação dos fluxos de informação originários de cada uma das regiões militares chinesas. O 3º Departamento é composto por adidos militares em serviços nas embaixadas da RPC no exterior, “tacitly accepted worldwide as open intelligence collection points” (Stratfor Global Intelligence, 2010, p. 10). O 4º, 5º, 6º departamentos “handle the analysis of different world regions” (p. 10). Um outro departamento dissemina intelligence aos oficiais militares e à CMC e o Departamento da Ciência e Tecnologia planeia e gere operações de cyberintelligence. O Terceiro Departamento do EPL (3PLA) “is the primary signals intelligence (SIGINT) collection and analysis agency” (Feakin, 2013, p. 3) e supervisiona uma das mais sofisticadas infraestruturas de SIGINT e recolha cibernética de intelligence do mundo responsável pela intercepção e pela monitorização doméstica de comunicações internacionais diplomáticas e militares. O Quarto Departamento do EPL (4PLA) “is responsible for electronic warfare, countermeasures and computer network attack” (Feakin, 2013, p. 4). A diferença entre o 3PLA e o 4PLA é a missão defensiva daquele e a missão ofensiva deste.

4.1.4. Outros Organismos

Para além dos organismos referidos, existem outras entidades que desenvolvem actividades e operações de intelligence na China.

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A NCNA, também conhecida como Agência Xinhua, é a agência de notícias oficial da RPC e “has historically been a major cover for MSS officers and agents as well as a collector of open-source material abroad” (Stratfor Global Intelligence, 2010, p. 11). Além disso, tem publicações noticiosas que reúnem e traduzem notícias estrangeiras direccionadas para os cidadãos chineses comuns, para os funcionários de alto nível para os e ministros. O

Departamento

de

Ligações

Internacionais

(DLI),

controlado

pelo

Departamento Geral de Política do EPL, é “responsible for estbalishing and maintaining liaison with communist groups worldwide” (Stratfor Global Intelligence, 2010, p. 12), isto é, com os partidos comunistas de outros países. Tem as seguintes funções: recolha de informações estratégicas, controlo das actividades dos estrangeiros na China e “colocação de elementos da comunidade de informações nos diferentes postos nas embaixadas e nas organizações de frente” (Romana, 2005, p. 89). O Departamento da Frente Unida (DFU), organismo do PCC, tem a função de “help carry out China’s foreign policy with nongovernmental communist organizations worldwide” (Stratfor Global Intelligence, 2010, p. 12), está envolvido em covert actions, que a RPC tem vindo cada vez mais a evitar, em recolha de intelligence e na monitorização dos dissidentes chineses que se encontram no exterior.

5. Conclusão

O estado das relações internacionais actuais demonstra que, dada a instabilidade e tensões no sistema internacional, os serviços de intelligence têm cada vez mais importância, muitos deles com níveis de actividade e operações bastante elevados e intensos, na medida em que “a nation’s need for accurate and timely intelligence corresponds to the level of global or regional instability and the scope of its interests worldwide” (Eftimiades, 1994, p. 4). Tal como outras potências, a liderança política chinesa baseia as suas acções nos interesses nacionais. E tendo em conta o actual panorama internacional e a posição relativa da China no mundo os serviços de intelligence nacionais são “required to play a greater role in supporting national policy objectives” (Eftimiades, 1994, p. 6). Não há dúvida de que o SI chinês e os serviços de intelligence e counterintelligence por esse desenvolvidos são, em termos de questões-alvo, bastante

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abrangentes, são marcadamente complexos e as estruturas que o compõem apresentamse tendencial e fortemente intricadas. Podemos distinguir um sistema de informações do Estado chinês e um sistema de informações do próprio PCC, mas o que acontece é que os organismos partidários e os organismos governamentais responsáveis por este segmento da política interna e externa chinesa intersectam-se e por vezes sobrepõem-se e competem entre si. De tudo isto surgem, obviamente, um conjunto de potencialidades, limitações e desafios futuros. Em primeiro lugar, importa referir uma evolução evidente e crucial no papel e na vocação dos serviços de informações da RPC. Tradicionalmente, o foco têm sido as operações de intelligence direccionadas para o interior do país. No entanto, tem vindo a dar-se, sobretudo desde o início do século XXI, uma mudança de paradigma: a China “is taking advantage of the historic migration of Chinese around the world, particularly in the West, to obtain the technological and economic intelligence so crucial to its national development” (Stratfor Global Intelligence, 2010, p. 2). Como prova desta vocação dos serviços de informações para o exterior, “recent developments suggest Beijing may be placing more emphasis on the MSS and other intelligence services to develop stronger foreign intelligence capabilities” (Mattis, 2012, p. 52). Além disso, emergiram também recentemente operações de intelligence chinesas conduzidas inteiramente do exterior da China, pois que “until then, no exposed Chinese espionage case occurred without operational activity inside China – that is, no operation occurred without a physical connection to China” (Mattis, 2012, p. 52). Depois, deu-se também uma mudança no que diz respeito aos princípios de recrutamento de agentes. Se antes eram apenas recrutados agentes na China, por motivos económicos e securitários, hoje já são também recrutados chineses que residem noutros países, para efeitos de recolha de intelligence a um nível mais profundo relativamente a questões específicas, e estrangeiros dos mais variados quadrantes da sociedade (jornalistas, académicos, diplomatas, homens de negócios) “to influence events overseas on behalf of the PRC, or to provide business intelligence and restricted technology” (Eftimiades, 1994, p. 57). As potencialidades do SI da RPC são significativas. Durante a Guerra Fria, um período marcado pelo confronto bipolar entre os Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), permitiu aos serviços de informações chineses “to operate outsider the focus of mainstream counterintelligence

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concerns” (Eftimiades, 1994, p. 5). Isto permitiu, por sua vez, o apetrechamento dos serviços com mecanismos adequados ao seu desenvolvimento e o fortalecimento de objectivos, doutrinas e capacidades. O resultado foi o estabelecimento de uma estratégia de intelligence de longo-prazo (Stratfor Global Intelligence, 2010, p. 13) e um aparelho de intelligence com uma metodologia operacional única. O SI chinês é conhecido pela sua opacidade, pela sua pesada natureza burocrática e pela relação estreita e intricada, em termos de existência e de actuação, entre o Estado e o PCC. Assim sendo, as limitações dos serviços de informações chineses apresentam-se quando “many of the agencies have overlapping responsibilities and capabilities” (Feakin, 2013, p. 4) e porque, de facto, “the omnipresence of the Party, so necessary for internal control, is an impediment to the effective administration of government at all levels” (Eftimiades, 1994, p. 113). Posto isto, não podemos deixar de apresentar desafios futuros e cenários prospectivos. Devido às complexidades que a RPC enfrenta neste momento enquanto potência em emergência, “it is likely that their intelligence services will play an even greater role than they have in the past” (Mattis, 2012, p. 54) e tornar-se-ão cada vez mais sofisticados, devido à ampla gama de recursos ao dispor. Nessa lógica, “will likely increase the effectiveness of operations in support of China’s foreign policy, its military-industrial sector, and ultimately its force projection capabilities” (Eftimiades, 1994, p. 116) e, internamente, continuará o investimento em elementos de controlo da sociedade, da economia e da política nacionais. O SI da RPC influencia e é claramente influenciado pela actuação interna e externa chinesa e pelo papel relativo do país no sistema internacional, em período de ascensão geopolítica e manutenção geoestratégica do seu estatuto de polo de poder mundial. A elite política chinesa terá, portanto, que articular de forma equilibrada a necessidade de a China se adaptar a uma arena internacional fortemente competitiva e actualmente em ambiente de tensões desestabilizadoras e de incertezas complexificadas com a determinação nacional na manutenção da essência cultural política e estratégica do país em matéria de informações.

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6. Referências Bibliográficas 

Livros

Eftimiades, Nicholas (1994) – Chinese Intelligence Operations. Annapolis (Maryland): Naval Institute Press. Kent, Sherman (1949) – Strategic Intelligence for American World Policy. Princeton: Princeton University Press. Rolington, Alfred (2013) – Strategic Intelligence For The 21st Century. Oxford: Oxford University Press Romana, Heitor Barras (2005) – República Popular da China: A Sede do Poder Estratégico - Mecanismos do Processo de Decisão. Coimbra: Almedina 

Artigos em publicações periódicas

Cleave, Michelle K. Van (2013). “What is Counterintelligence? – A Guide to Thinking and Teaching about CI”. The Intelligencer, 20(2), pp. 57-65. Feakin, Tobias (2013). “Enter the Cyber Dragon: Understanding Chinese intelligence agencies’ cyber capabilities”. Australian Strategic Policy Institute, 50, pp. 1-12. Mattis, Peter (2012). “The Analytic Challenge of Understanding Chinese Intelligence Services”. Studies in Intelligence, 56(3), pp. 47-57. Romana, Heitor Barras (2008). “Informações: Uma Reflexão Teórica”, Segurança e Defesa, 6, pp. 98-101. 

Relatórios

Schrauer, F., & Störger, J. (2010). OSINT Report 3/2010. Zurich: International Relations and Security Network. Stratfor Global Intelligence, (2015). INTELLIGENCE SERVICES, PART 1: Espionage with Chinese Characteristics (pp. 1-13). Austin, Texas: Stratfor. Swaine, Michael D., (1998). The Role of the Chinese Military in National Security Policymaking. Santa Monica (California): RAND.

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