O SITCOM E A CLAQUE: as origens do formato e uma reflexão sobre o desuso do som das risadas da audiência

May 22, 2017 | Autor: F. Manzo Ceretta | Categoria: Sitcoms, Televisão, Claque
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O SITCOM E A CLAQUE: as origens do formato e uma reflexão sobre o desuso do som das risadas da audiência
SITCOM AND THE LAUGH TRACK: the origins of the format and a reflection on the disuse of the sound of audience laughter
Fernanda Manzo Ceretta


Resumo: o presente artigo resgata as origens do formato sitcom e suas características mais tradicionais, como o esquema de câmera three-headed monster e a claque, que pode ser considerada o maior índice do formato sitcom. O formato permaneceu, grosso modo, imutável durante décadas, até o século XXI, quando o sitcom conheceu um momento de atualização de alguns de seus aspectos primordiais. Utilizando como principal corpus da presente pesquisa o sitcom The Office, será possível compreender o que significa o recente desuso da claque em algumas produções e como a linguagem do formato resolveu esta ausência para manter sua comicidade.
Palavras-Chave: Sitcom. Claque. The Office.

Abstract: this article captures the origins of the sitcom format and its more traditional features, such as the three-headed monster cameras and the laugh track, which can be considered the major indication of the sitcom format. The format remained roughly unchanged for decades, until the twenty-first century, when the sitcom experienced a moment of upgrade of some of its key aspects. Being The Office the main corpus of this research, it is possible to understand what the recent disuse of the laugh track in some productions means and how the format solved the absense to keep its comic intentions
Keywords: Sitcom. Laugh track. The office.


INTRODUÇÃO

A comédia esteve presente na leva dos primeiros gêneros a serem televisionados. Em 1950, o formato mais popular era o comedy-variety show, definido como "um vaudeville eletronicamente transmitido" (LITTLE, 2006) e também conhecido como vaudeo, uma abreviação de vaudeville e vídeo. Entre as emissoras, estavam presentes 25 comedy-variety shows. Programas como The Colgate Comedy Hour (1950-1955) e Cavalcade of Stars (1950-1952) traziam uma miscelânea de atrações que incluíam música, dança e, em destaque, sketch comedies: pequenos quadros ficcionais de comédia com início, meio e fim, como os dos programas de rádio da época.

Ainda em 1950, as redes norte-americanas NBC, CBS e ABC apresentavam no total mais 11 sitcoms, uma modalidade de comédia que, com o passar dos anos, tornou-se a mais popular da televisão. Já a partir de 1951, o sitcom tornava-se a modalidade de show de comédia mais volumosa e bem-sucedida na televisão norte-americana, e essa marca se mantém até os dias atuais.

A situation comedy, mais conhecida pela abreviação sitcom, torna-se popular no rádio e, posteriormente, na televisão como uma conjunção dos formatos de comédia já existentes em music halls e vaudevilles (MILLS, 2005, p. 37). Trata-se, inicialmente, de uma conjunção de propostas já consolidadas, além de uma reciclagem de atores e artistas que já haviam conquistado o público naqueles outros meios.

Segundo Bonaut e Grandío (2009, p.759), podemos apontar como principais características dos sitcoms tradicionais:

Tabela 1. Principais características do sitcom segundo pesquisa de Bonaut e Grandío.

Repetição
O sitcom é um produto audiovisual de entretenimento cuja narrativa de cada episódio apresenta introdução, desenvolvimento e conclusão, categorizando-a como fechada. Possui curta duração (cerca de 22 minutos). Geralmente rodado em interiores e com a presença de um público, utilizando cores vivas em uma única locação dividida em vários cenários fixos que se repetem ao longo de todos os episódios.
Claque
O formato se caracteriza principalmente pela claque, ou seja, o som da reação da audiência, que enfatiza os momentos de humor.
Estrutura
A estrutura narrativa e decupagem: o sitcom tradicional possui sua estrutura em três atos, ficando claras as divisões entre eles através dos intervalos comerciais. Existe geralmente uma trama principal e uma ou duas tramas adjacentes. Faz-se uso de teaser, um prólogo que, com uma pequena cena, pretende segurar a audiência após o primeiro corte publicitário e exibição da abertura. Também utiliza-se o tag, pequena cena que acompanha os créditos finais e traz um último momento cômico do episódio.
Decupagem
Sobre a captação, são usadas três ou mais câmeras, com poucos movimentos, geralmente limitados a plano/contra plano.
Roteiro
A construção do humor através de piadas por diálogos, imagens e som: é frequente a utilização de técnicas como a surpresa, o mal-entendido verbal, a mudança de papéis, o engano e a confusão. As personagens falam mais do que atuam e, sendo assim, a comicidade constrói-se comumente baseada em diálogos. E, finalmente, pela temática tradicional e personagens baseadas em estereótipos: originalmente a maioria dos sitcoms era centrada em uma família, como em Father Knows Best (NBC, 1954). Aos poucos, o local de trabalho também ganhou espaço, como em Mary Tyler Moore Show (CBS, 1970). Os sitcoms foram, através das décadas, moldando a personalidade e a profissão de suas personagens em referência à cultura da época.

A serialidade de transmissão também pode ser apontada como algo determinante para o formato. Estando o aparelho de televisão dentro das residências, foi possível contar com a formação de um hábito entre os espectadores e pensar em produções que estimulassem e ao mesmo tempo favorecessem a ação de ligar a TV em determinados dias e horários.

A comédia surge, portanto, como uma das maiores favorecidas do formato seriado, pois ajuda na construção de uma familiarização dos espectadores com as personagens (MILLS, 2009, p. 17), o que auxilia na identificação com os espectadores e potencializa os momentos cômicos.

A serialidade dos sitcoms difere de acordo com os programas. Algumas produções apresentam textos fechados, ou seja, os acontecimentos de um episódio dificilmente interferem nos seguintes. Já o conteúdo seriado aberto aproxima-se do que é visto em telenovelas: os episódios trazem acontecimentos mais complexos que desenvolvem-se no decorrer de toda a série e ultrapassam as barreiras do episódio enquanto unidade. Sendo assim, a narrativa fechada favorece o espectador casual, que não pode ou não procura assistir TV nos mesmos horários, enquanto que a narrativa aberta demanda maior dedicação por parte do espectador, dado o seu caráter de continuidade (SAVORELLI, 2010, p. 17-18).

Os sitcoms nem sempre estão categorizados exatamente como seriados abertos ou fechados. É bastante comum que a primeira temporada apresente as narrativas mais fechadas. Se o programa sobreviver na emissora e for acordada a produção de uma segunda temporada, geralmente observa-se tendência à maior abertura das narrativas. Ainda que não seja um "sitcom tradicional", como veremos em breve, The Office (NBC- 2005-2013) ainda mantém esta característica. The Office retrata acontecimentos inusitados em uma fábrica produtora de papel nos Estados Unidos, cujo chefe tem métodos bastante peculiares de se relacionar com seus funcionários. Na primeira temporada, o sitcom ressaltou as características de cada personagem e trabalhou acontecimentos isolados dentro do escritório. Já na segunda temporada, os criadores passaram a construir o progressivo romance entre Pam e Jim, a secretária do escritório e um dos vendedores, tratando-se do primeiro dos conflitos que passaria a evoluir no decorrer dos episódios do sitcom. Relacionamentos amorosos são recorrentemente os principais traços de abertura das séries que inicialmente apresentam episódios mais fechados.

Parte das características presentes no sitcom tradicional desde a década de 1950 até a atualidade foi resultado das influências culturais e da conjuntura encontrada por produtores no início da transição rádio-televisão. A mudança do meio apresentou problemas para o sitcom, principalmente no que tange ao aspecto visual.

Adaptar a comédia a um novo meio representava um problema, uma vez que ela tinha longa tradição em apresentações teatrais, na literatura, na música e outros. Talvez por isso o sitcom televisivo não tenha abandonado a característica teatral na forma como se organiza para a apresentação ao público. Segundo Mills (2009, p. 14), a configuração que se tornou a práxis do sitcom por tantas décadas pode ser considerada um híbrido teatral, pois trata-se de uma tentativa de passar para o público em casa a sensação de uma apresentação humorística teatral ao vivo, o que fica bastante claro nas reações expansivas dos atores (que precisariam ser vistos até nas últimas fileiras de um teatro) e nas claques, que, entre outras contribuições, traz uma sensação de apreciação coletiva.

As câmeras de televisão na época de shows como Amos n' Andy (1951-1953) eram pesadas e difíceis de transportar, o que fez com que produtores evitassem externas e construíssem a narrativa dentro dos limites de uma locação interna (estúdio). Os sitcoms adotam um formato simplificado, caracterizado por produções baratas com a utilização de locações e cenários amplamente explorados por diversos episódios (DUARTE, 2003, p. 30).

Foi I Love Lucy (1951-1957) o sitcom que instituiu muitos dos recursos de linguagem encontrados até hoje no formato, através das criações do diretor e fotógrafo Karl Freund. Freund, após fotografar clássicos como Metropolis (1927), de Fritz Lang, e Dracula (1931), de Tod Browning, acompanhou os sete anos de I Love Lucy no ar. Entre suas criações está uma iluminação específica que possibilita o uso de câmeras simultâneas sem que haja diferença de luz entre os diferentes ângulos de captação. Esse jogo de (muitas) luzes permite o uso do Three-Headed Monster, ou "monstro de três cabeças", uma alusão às três câmeras estrategicamente posicionadas à frente do cenário que capturam o diálogo entre dois ou mais atores, possibilitando o uso de três enquadramentos na edição: um plano mais aberto, mostrando o conjunto dos atores e duas opções de plano americano ou fechado, em parte das personagens ou em um ator específico. Essa configuração mostra que a importância do plano de quem fala é equivalente à importância do plano de quem reage ao que é dito. Uma piada seguida de reação traz duas possibilidades: a de deixar clara a estranheza e, portanto, a comicidade do que foi dito e a de gerar duas risadas em vez de uma (MILLS, 2009, p. 39).

A claque

É possível reconhecer um sitcom tradicional imediatamente na televisão ao detectarmos a presença da claque. Esta talvez seja sua característica mais marcante. O som da risada não é importante apenas porque é a finalidade do gênero, mas também porque, através do uso da reação do público presente no estúdio e também das risadas enlatadas, pode-se dizer que o riso faz parte do texto do sitcom (MILLS, 2005).

A claque é considerada por alguns teóricos o substituto eletrônico para a experiência coletiva (MEDHURST; TUCK, 1982), alinhando o público presente nas gravações com a audiência em casa. A voz coletiva reage dentro de uma gama de risadas mais discretas, interjeições de surpresa, gargalhadas e algumas poucas outras opções.

Em Burns and Allen Show (1950-1958), o programa era gravado com duas câmeras cruzadas, de modo que, em um diálogo entre duas personagens, cada câmera enfatizava a reação de uma delas. Após a gravação, o episódio era então mostrado a uma audiência para a gravação das claques. Essa apresentação determinava a edição: se a piada fazia os espectadores rirem, a segunda câmera mostrando a reação da outra personagem entrava na edição. Caso contrário não havia o corte e a audiência permanecia vendo o ator que fez a piada.

Já nos primórdios do sitcom televisionado, a risada "enlatada" também era utilizada. Gravações contendo o áudio de plateias em reações diversas eram inseridas, em processo de pós-produção, para forjar a presença de um público presente no espaço por trás das câmeras, a quarta parede cuja visualização não era permitida aos telespectadores. Bancos de dados contendo esses áudios são utilizados por produtores até os dias atuais.

Em entrevista para o site On the Media, Joe Adallian, colunista de TV da New York Magazine, comenta que o motivo pelo qual os produtores passaram a optar pelas risadas previamente gravadas é que, durante as filmagens, por vezes era necessário refazer a mesma cena. É bastante comum haver algum erro por parte dos atores, algum imprevisto técnico ou qualquer outro fator que os fizesse ter que repetir a ação. O público, após assistir à mesma piada mais de uma vez, não tinha a reação desejada.

As risadas enlatadas, em contrapartida, soam artificiais. Era comum a repetição dos mesmos áudios em diferentes shows, por décadas. Segundo Adallian, claques gravadas nos anos 1950 ainda eram utilizadas nos anos 1960 e 1970. Alguém com uma percepção mais aguçada poderia até pensar: "acho que conheço essa risada!". Provavelmente já a ouvira antes mesmo. Produtores brincavam entre si com o fato de que muitas pessoas já mortas estariam rindo em seus programas.

Na década de 1970, acreditava-se que, se não houvesse o som de risadas, os telespectadores não iriam rir. Por serem vistas como algo tão primordial na fórmula dos sitcoms, as claques estavam presentes até mesmo quando não havia um espaço adequado no texto. Os criadores de M.A.S.H. eram contra o uso das claques, mas foram vencidos pelas determinações da emissora. É possível perceber, nesse caso, que a inserção da claque parece inadequada, tanto pelo humor diferenciado do texto quanto pelo fato de o programa não ter as configurações tradicionais de um sitcom, a começar pela ambientação, um cenário de guerra. Apesar disso, M.A.S.H foi muito bem-sucedido.

Quando possui claque, o foco do espectador costuma manter-se na história contada, e o riso cria uma atmosfera cômica, sem que o espectador preste atenção em todos os momentos em que é possível ouvi-la. A importância da claque na construção do humor remete a hábitos de consumo de comédia em ambientes anteriores à televisão, como os teatros. Vladimir Propp procurou entender, em sua obra Comicidade e riso, o porquê de o riso ser algo contagiante. Para ele, nós rimos quando transferimos nossa atenção do caráter espiritual para as formas exteriores de manifestação, que por sua vez revelam os defeitos daqueles que observamos. "O riso é um sinal sonoro desse deslocamento de atenção" (PROPP, 1992, p. 181). Assim que esse sinal é percebido por outras pessoas, elas também podem deslocar o olhar, ver o que antes não percebiam e começar a rir.

Sobre o teatro de comédia, Ivo Bender diz: "De fato, o riso coletivo confere ao gênero a qualidade de celebração ruidosa em que a alegria e a convivência feliz são as marcas distintivas" (BENDER, 1996, p. 18). Propp afirmava, no entanto, que "o autor não deve nos transmitir o objetivo do seu relato através de artifícios como uma linguagem que revele que a intenção é fazer rir" (PROPP, 1992, p. 206). Ou seja: o riso viria da plateia e contagiaria a própria plateia, sendo um artifício gerado do público para o próprio público. A claque de sitcoms contraria essa afirmação de Propp, sinalizando o que é engraçado na cena. Mas a claque funciona há décadas, apesar de novos sitcoms conseguirem provar que ela não é indispensável para o formato.

Através das décadas, o sitcom mostrou tendências diferentes. O foco do texto transitou por temas como família, ambiente de trabalho, ascensão feminina, universos fantasiosos etc. Em contrapartida, suas principais características mantiveram-se as mesmas.

Na década de 1990, o sitcom vivia um de seus momentos mais frutíferos desde o surgimento da televisão. Programas como Frasier (NBC, 1993-2004) e Friends (NBC, 1994-2004) consolidaram-se como grandes sucessos e símbolos culturais da época (BONAULT; GRANDÍO, 2009, p. 47). São apenas dois exemplos que mostram a força e a influência do gênero no século XX. Quando esses e outros grandes títulos da década de 1990 já haviam encerrado ou exibiam seus episódios finais, revistas especializadas decretaram a morte do sitcom. "Não existe nenhum sitcom entre os 10 programas mais assistidos nos Estados Unidos", atestava o Daily Telegraph (PILE, 2004). Apesar disso, na mesma publicação, Robert Thompson, professor de Estudos de Cultura Contemporânea e Mídia da Syracuse University de Nova York, afirma a resiliência do Gênero:

Quando um meteoro atingir o planeta, duas coisas vão sobreviver: baratas e sitcoms. Quando estivermos todos em Marte, posso garantir que estaremos assistindo a sitcoms. É uma unidade gramatical básica da TV norte-americana. Televisão é uma forma artística em um espaço doméstico, e sitcom é o programa mais amigável aos espectadores de todos os tempos. Você pode apreciá-lo se estiver meio adormecido ou meio morto. (PILE, 2004, tradução nossa)

O motivo pelo qual os sitcoms perdiam força na época era principalmente a popularidade dos reality shows. O forte apelo frente ao público e a grande conveniência na produção desses títulos fizeram com que a reality TV tomasse conta de horários tradicionalmente ocupados por sitcoms. "Se as emissoras produzem apenas quatro novos sitcoms em um ano e apenas um a cada oito é um sucesso, então existe apenas meia chance por ano de surgir um sitcom que dure várias temporadas" (PILE, 2004, tradução nossa).

A exclusão da claque em alguns sitcoms

O caráter comercial das emissoras norte-americanas pode ter sido um dos motivos pelos quais o sitcom ficou, durante tanto tempo, sem inovações mais significativas, partindo-se do princípio de que toda inovação representaria um risco, alterando o que funcionava há décadas.

Isso não significa que o sitcom jamais tivesse experimentado mudanças em relação à práxis tradicional na história da TV anteriormente. Programas como Seinfeld (NBC, 1989-1998) e M.A.S.H. (CBS, 1972-1983) são dois exemplos de rompimento que antecedem as reviravoltas comerciais da televisão nos anos 2000. M.A.S.H. era um híbrido de gêneros, o que tornava sua classificação enquanto sitcom um pouco confusa, levando a denominações alternativas como dramedy (drama + comédia). Além disso, não organizava sua decupagem como os sitcoms tradicionais.

A crise na comédia televisiva no começo do século XXI levou a uma abertura maior para a tentativa de repaginar o sitcom nos Estados Unidos. Essa mudança foi impulsionada por dois motores: o sucesso de emissoras como HBO, TNT e Showtime, com seus novos programas de temática polêmica e linguagem audiovisual mais sofisticada, apresentando requintes cinematográficos; e os reality shows, com a utilização de práticas documentais. "As origens desse novo tipo de comédia foram motivadas por razões industriais e por transformações televisivas derivadas da hibridização de formatos" (BONAULT; GRANDÍO, 2009, p. 38).

Um grande volume de novos títulos com mudanças expressivas em relação ao sitcom tradicional passou a integrar as grades de programação: Extras (BBC-HBO, 2005-2007), Spaced (Channel 4, 1999-2001), Curb your Enthusiasm (HBO, 2000-), Scrubs (NBC, 2001-2008) (ABC, 2008-), Arrested Development (Fox, 2003-2006), 30 Rock (NBC, 2006), entre outros. Em termos de ruptura, cada programa possui suas especificidades, mas os dois diferenciais mais marcantes certamente são a exclusão da claque e a invasão da diegese por parte da câmera, semelhante às práticas cinematográficas, contando também com movimentos de grua, steadycam, travelling e câmera na mão. Além disso, a maior mudança de cenas e locações intensificou o ritmo da narração, e os temas abordados ficaram mais polêmicos, havendo também uma maior abertura para o humor politicamente incorreto e o nonsense, ou absurdo.

"A maioria dos sitcoms atualmente não possui claques, com exceção das produções da CBS" (ADALLIAN, 2012). Os produtores de Two and a Half Men, Big Bang Theory e 2 Broke Girls afirmam que a claque é proveniente de uma audiência presente no estúdio, sem recursos para incrementar essas reações. A única de suas produções que admite o uso de risadas enlatadas é How I Met your Mother, que, diferentemente das demais produções de comédia citadas, possui uma maior variação de locações e usos mais variados de câmera. E este apresenta risadas abrandadas em relação às encontradas nos programas que contam com a audiência presente. How I Met your Mother é um sitcom que traz inovações sobretudo no que diz respeito ao roteiro, contando a história a partir de vários pontos de vista (apesar de o ponto de vista do pai, Ted, ser o principal) e fazendo um intenso jogo com o tempo, rompendo diversas vezes a cronologia dos fatos.

Mesmo sem admitir as manipulações nas reações do público através da captação, é possível mudar a percepção dos espectadores em casa, seja com posicionamento de microfones em relação a plateia ou em relação ao que é dito pelos atores. O quanto esses ou outros recursos são utilizados na CBS, como diria o próprio Adallian, "apenas a cabeleireira do estúdio sabe ao certo". Essa discussão é evitada pelos produtores, pois pode sugerir que o programa não é engraçado, tornando-se uma espécie de tabu.

Um rompimento ainda maior surgiu com as séries que flertam com a linguagem documental e de reality shows. The Office, já mencionado no presente artigo, é considerado um marco dessa hibridização na televisão. Originalmente produzido pela BBC, emissora britânica, o formato do programa chamou a atenção de produtores norte-americanos que, sob algumas adaptações, passaram a exibir uma versão estadunidense da série na NBC em 2005.

Emissoras públicas, tanto da Inglaterra quanto da Austrália, trouxeram novas propostas de sitcom para suas grades de programação antes dos Estados Unidos. Talvez pelo fato de não serem tão dependentes de audiência e publicidade, elas possam ter testado novos formatos com maior liberdade. E não seria apenas o sucesso de The Office na BBC uma justificativa suficiente para a adaptação do título para televisões norte-americanas, já que os dois públicos diferem em hábitos e preferências. A afinidade do formato com o apresentado pelos reality shows que encantavam os norte-americanos seria uma garantia a mais de que The Office, com uma adaptação textual, pudesse atrair a audiência.

Michael Schur, co-criador de The Office, ressalta como os programas com decupagem estilo "câmera única" têm um jeito particular de fragmentar a narrativa. Constantemente, em outros programas de TV, quando uma personagem, em diálogo, refere-se a algum evento passado, acontece um corte para um flashback e testemunhamos o evento como uma inserção. Após o flashback, o plano anterior, ou seja, o tempo presente da narrativa, é retomado. É comum também que a voz da personagem assuma o caráter de voz over enquanto o flashback é mostrado. Segundo Schur, essa é a forma pela qual esses shows contam uma história e dão uma deixa para a risada da audiência em shows como Family Guy e 30 Rock (VANDERWERFF, 2011). Já em sitcoms como The Office, essa fragmentação acontece nos confessionários, quando vemos o depoimento das personagens para a câmera, ou para supostos entrevistadores. Esse rompimento pode ser utilizado para fazer uma piada, para auxiliar em elipses temporais na história, explicando o que acontece, ou para mostrar o que uma personagem realmente sente sobre algo, ou finge sentir.

Evidenciar as reações das personagens pode ser encarado, sob determinado prisma, o substituto para a claque. Se as risadas da plateia procuravam uma conjunção com o momento do riso nas casas dos espectadores, a reação das personagens, em sitcoms que utilizam códigos de linguagem factuais, passa a ser o momento em que a estranheza/surpresa/etc. de quem está na diegese corresponde a uma reação emocional do espectador, muitas vezes risível. É a pausa narrativa para a "digestão" do momento cômico ou dramático que acabamos de acompanhar.

No sitcom tradicional, a inserção das risadas de uma audiência (presente ou não) nos estúdios, dividindo a quarta parede com aqueles que assistem aos programas em casa, é a proposta de uma experiência coletiva. Bergson afirma que "Não desfrutaríamos do cômico se nos sentíssemos isolados. O riso parece precisar de eco. [...] algo começando por um estalo e para continuar ribombando, como o trovão nas montanhas" (BERGSON, 1983, p. 28). Em The Office, durante a ação, os olhares dos espectadores cruzam com o de uma personagem em cena. Ela nos olha como quem quer nos dizer "você viu isso?" ou "vê o que eu tenho que aguentar?". Além disso, há o privilégio de enquadrar essa personagem em um canto e ouvir, com exclusividade (em relação às demais personagens), seus sentimentos e reflexões, em confessionários. Mais à frente, em sua obra "O riso", Bergson diria: "o riso oculta uma segunda intenção de acordo, diria eu quase de cumplicidade com outros galhofeiros, reais ou imaginários" (BERGSON, 1983, p. 28). Esse estilo de decupagem aproxima o espectador das personagens de tal forma que é possível rir com eles, ou deles, pois há uma forte identificação com a personagem, sendo que esses sitcoms possuem a premissa de uma invasão de privacidade. Aqui o cômico fica, portanto, ligado à familiaridade, à conexão cultural. A responsável por construir essa conexão é a câmera e o novo papel que ela agora adquire nas comédias televisivas.

Além disso, o ato de espionar alguém, ligado à proposta dos reality shows que inspiram sitcoms como The Office, costuma ser uma atividade solitária. O privilégio voyeur de quem vê algo íntimo e exclusivo, no caso o espectador, é incompatível com a ideia de uma presença coletiva compartilhando os sentimentos e as risadas.

Ao pensar em uma transposição dessa nova forma de fazer sitcom para a tradicional, é possível perceber que o áudio das risadas e as reações em geral da audiência (claque) entrariam na montagem no momento em que a personagem esboça uma reação para a câmera, ou até mesmo quando o enquadramento ressalta uma reação sem que a personagem enderece à câmera, como também é comum. Ou seja: em vez de uma plateia – legítima ou não – reagir à piada com os espectadores, uma personagem reage. São duas formas de trabalhar o mesmo mecanismo desse tipo de comédia. A questão é que a forma utilizada pelos novos sitcoms parece bastante ligada a linguagem de reality shows.

A reação também é uma das ferramentas de atração que fundamenta o ápice cômico de situações em inúmeros realities, como Extreme Makeover (ABC) e Queer Eye for the Straight Guy (NBC). Annete Hill, pesquisadora de audiências da mídia na University of Westminster, comenta a importância da reação dos participantes em reality shows:

A essência dos programas baseados em estilo de vida é o envolvimento de pessoas comuns e de seu lazer comum (jardinagem, culinária, moda, decoração) com experts que transformam o ordinário em extraordinário. Geralmente, a transformação de pessoas ou lares é relacionada a uma competição, só que ganhar não é o que conta e sim o momento da surpresa, a revelação, quando pessoas ordinárias respondem aos resultados finais. (HILL, 2005, p. 22, tradução nossa)

O desuso da claque em alguns títulos é a mudança mais significa para os sitcoms, sobretudo porque esta representou, durante décadas, a característica sonora não-diegética e de linguagem em geral mais marcante do gênero.

O recente abandono da claque por muitos dos sitcoms (particularmente na Grã-Bretanha) tem um grande significado. A combinação de um estilo visual diferente da estética teatral tradicional e a remoção da claque resultam em textos que precisam sinalizar suas intenções cômicas de uma forma diferente, ou lidar com a possibilidade de a audiência não apenas perder as piadas, mas não perceber que se trata de um sitcom. [...] O abandono da claque representa a evolução mais significativa no gênero. (MILLS, 2005, p. 51, tradução nossa)

Ao descaracterizar o gênero de tal forma, os produtores parecem ter enfrentado dificuldades para encontrar outro elemento que substituísse a leitura que a claque permitia. Sitcoms como The Middle (ABC, 2009-), entre muitos outros, aboliram a claque mas utilizam exageradamente a trilha musical para guiar o espectador: em momentos emotivos ouve-se uma melodia doce; em momentos engraçados, ouve-se uma música debochada, divertida. É como se esses títulos tivessem recorrido a uma linguagem de programas de TV infantis ou novelas mexicanas, sendo dois expoentes desse tipo de uso da trilha musical, para sinalizar os momentos cômicos e dramáticos.

Outro gênero que utiliza a música para guiar a leitura é a reality TV. Sobretudo por não trabalhar com atores ou com grandes acontecimentos, muitas vezes a trilha musical ajuda a construir o teor das cenas e a quebrar a monotonia dos diálogos e ações dos participantes. Como a premissa desses programas é a de ausência de ensaio e participação de pessoas "comuns", uma pós-produção mais trabalhada não costuma quebrar a confiança dos espectadores de que trata-se, em algum nível, de reality.

Considerações finais

O sitcom tradicional foi criado para ser um entretenimento familiar. O posicionamento das câmeras, simulando uma audiência, estava ligado ao fato de que, nas casas, famílias estariam reunidas diante da TV. A claque seria a reverberação da risada de uma audiência no mesmo lugar dessas pessoas, rindo com elas ou por elas, dando a sensação de uma experiência coletiva dentro dos lares.

Já sitcoms como The Office, são de um humor voyeur. Adotar características tradicionais do sitcom, como a claque, não faria sentido, pois o ato de espionar algo ou alguém é uma experiência geralmente solitária ou bastante exclusiva. Muito do que fazemos na internet, principalmente nas redes sociais, está ligado a uma forma de espionagem, a um desejo voyeur. Através de um dispositivo, vemos fotos, vídeos e textos a uma distância segura, geralmente em anonimato, o que nos deixa confortáveis para espionar ainda mais. Tanto nos reality shows quanto nos sitcoms mencionados, o anonimato da equipe de filmagem se confunde com o nosso próprio anonimato.
A ousadia dos produtores de The Office e demais sitcoms que excluiram a claque representou uma renovação na comédia televisiva e abriu portas para tantas outras produções que figuram entre as de maior audiência atualmente. Isso acontece, provavelmente, pela sua maior sintonia com o contexto cultural atual, dada a importância da identificação para a geração de risadas.

REFERÊNCIAS
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Doutoranda e Mestre em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Docente na Universidade Anhembi Morumbi. [email protected]




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