O Supremo de \"portas abertas\": a colegialidade em ação

May 30, 2017 | Autor: C. Nascimento dos... | Categoria: Etnografia, Supremo Tribunal Federal, Colegialidade
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O SUPREMO DE “PORTAS ABERTAS”: A COLEGIALIDADE EM AÇÃO1 Carlos Victor Nascimento dos Santos2 Resumo: O objetivo da apresentação da pesquisa é o de promover discussões a respeito de insights obtidos a partir da realização de um trabalho de campo no Supremo Tribunal Federal. A pesquisa está em andamento e a categoria em análise é a colegialidade. Para a investigação empírica dessa categoria, estou frequentando há um ano as sessões de julgamento do plenário e turmas do STF. Serão destacados alguns insights obtidos por meio da observação e descrição das dinâmicas e interações ocorridas apenas nas sessões de julgamento do plenário. E para demonstrar tais insights, algumas situações observadas serão descritas, promovendo reflexões acerca do espaço e momento em que ministros do STF se reúnem diante do público para discutir e deliberar a respeito de questões que lhes são demandadas. Por fim, será refletida a possibilidade do espaço e momento reservados ao “exercício” da colegialidade, representar uma administração de conflitos entre: (i) as partes envolvidas no litígio; (ii) as partes e os magistrados; e (iii) os próprios magistrados. O que ocorreria devido um elemento constantemente presente nas dinâmicas e interações ali ocorridas: o constrangimento. Palavras-chave: etnografia; Supremo Tribunal Federal; colegialidade.

THE SUPREME COURT OF "OPEN DOORS": THE COLLEGIALITY IN ACTION

Abstract: The research objective is to promote discussions on insights obtained from carrying out field work in the Brazilian Supreme Court. Research is in progress and the category analysis is the collegiality. For the empirical investigation of this category, I am attending for a year, the judgment of the plenary sessions of the Brazilian Supreme Court. It will be highlighted some insights obtained through observation and description of the dynamics and interactions that occurred only in the plenary sessions of the judgment. And to demonstrate the insights, some observed situations are described, promoting reflections on the space and the moment that Justices of the Brazilian Supreme Court gather before the public to discuss and decide. Finally, the possibility of space and the moment reserved to the collegiality will be reflected, represent a conflict management between: (i) the parties involved in the dispute; 1

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IV ENADIR, 15 . Processo, construção da verdade jurídica e decisão judicial.

Doutorando em Teoria do Estado e Direito da Constitucional na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PPGD/PUC, bolsista CAPES. Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal Fluminense. Graduado em Direito pela Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (2010). Atualmente, é Professor Substituto da Universidade de Brasília.

2 (ii) the parties and Justices; and (iii) the Justices themselves. What would happen because of a constantly present element in the dynamics and interactions that happness place there: the embarrassment.

Keywords: ethnography; Federal Supreme Court; collegiality.

Introdução O cenário jurídico proporcionado pela promulgação da Constituição Federal de 1988 permitiu visíveis e sensíveis mudanças no Poder Judiciário brasileiro, principalmente a partir das mudanças no Supremo Tribunal Federal (STF). Após 1988, as discussões sobre o Poder Judiciário brasileiro, e especificamente o Supremo Tribunal Federal, tramitam em torno de pelo menos quatro movimentos: mudança do desenho institucional a partir da ampliação de competências proporcionadas pelo Constituinte, ampliação de competências por meio das próprias decisões proferidas, controle ao Poder Judiciário sob o argumento da publicidade e transparência de seus atos, e a reação do Poder Judiciário diante da tentativa de exercício ao referido controle. De forma mais detalhada, o primeiro dos movimentos listados acima pode ser notado a partir da ampliação tanto do rol de direitos fundamentais quanto dos legitimados à propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn), além da criação de mecanismos que aumentem as possibilidades de o STF se manifestar acerca da constitucionalidade de atos do poder público (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ADIn por omissão, Mandado de Injunção, Reclamação, dentre outros) e a consolidação de um sistema misto de controle de constitucionalidade. Essa ampliação de competências proporcionadas pela Constituição de 1988 permitiu uma inflação judicial por acumular a análise de processos de competência originária do órgão com os recursos que chegam ao tribunal, após a insatisfação de alguma das partes envolvidas no caso com a decisão proferida por instância inferior. Algumas das mudanças jurídicas e institucionais mencionadas, que podem ser visualizadas não apenas sob a ótica da ampliação de competências de um órgão, mas também do acesso à Justiça, estimula que os próprios órgãos do Poder Judiciário se movimentem e organizem administrativamente para lidar com esta nova realidade. Essa autonomia administrativa concedida ao Poder Judiciário para organizar seus tribunais a partir da possibilidade de organizarem a sua força de trabalho por meio dos seus regimentos internos, sem ingerência de outros Poderes da República, e a autonomia financeira conquistada

3 principalmente a partir do recolhimento de custas processuais, são alguns dos fenômenos também estimulados pela inflação judicial mencionada acima. O processo de autonomização do Poder Judiciário brasileiro é visto por alguns autores inclusive como uma forma de fortalecimento ou até mesmo supremacia deste Poder em relação aos demais, após a promulgação da Constituição de 1988 (BRANDÃO, 2012). O processo destacado acima deu maior visibilidade ao Poder Judiciário brasileiro a partir também do olhar atribuído ao Supremo Tribunal Federal. Isto é, as mudanças jurídicas e institucionais geradas pela Constituição de 1988, a inflação judicial e o processo de autonomização do Poder Judiciário mencionados anteriormente contribuíram a um maior ativismo judicial3, permitindo que órgãos do Poder Judiciário (principalmente o Supremo Tribunal Federal) tenham cada vez mais legitimidade e segurança para se manifestar sobre demandas que influenciam diretamente na vida dos cidadãos. Essa postura mais ativa ganha maior visibilidade no cenário nacional com a realização de estudos que demonstram que o STF tem aumentado a sua competência por meio das próprias decisões que profere (COUTINHO; e VOJVODIC, 2009; VOJVODIC; MACHADO; e CARDOSO, 2009), caracterizando o segundo movimento. A ampliação de competências do STF feitas pelo Constituinte e pelos próprios membros da Corte Constitucional brasileira ao proferir decisões, além de atribuir maior visibilidade pública à sua atuação estimulou um movimento contrário: o do controle ou freio à “atuação” do Supremo. Esse movimento de tentativa de controle ao Poder Judiciário pode ser argumentado de diversas formas, como uma busca de esvaziamento das competências e maior fiscalização dos atos do STF com (i) a criação da repercussão geral e da súmula vinculante, que objetivam diminuir o número de questões a serem apreciadas pelo tribunal, (ii) ampla divulgação de dados sobre o tribunal (Supremo em Números, da FGV; CNJ em Números; IDJus, do IDP etc.), (iii) a criação da TV Justiça, dentre outras medidas. É possível identificar que, após o aumento da visibilidade pública do STF e sua maior atuação perante a sociedade, buscou-se criar meios de constranger o tribunal a modificar a sua “postura”, como os destacados acima, gerando reações nos ministros do Supremo e dando ensejo ao quarto movimento citado acima. As reações podem ser notadas de diversas formas: antecipação de votos de ministros em concessão de entrevistas, maior manifestação sobre políticas de governo, estímulo ao fortalecimento da categoria

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A expressão “ativismo judicial” é utilizada aqui tão somente para demonstrar uma postura mais ativa e visível do Poder Judiciário a partir do aumento tanto ao número de provocações que lhes são feitas (demandas) quanto das manifestações sobre ao que lhes são demandados (decisões judiciais).

4 (magistratura) etc.. Todo esse cenário se torna ainda mais visível a partir (i) da criação da TV Justiça, que estimula a percepção de total transparência e publicidade do que ocorre nas sessões de julgamento do STF, mas que, na verdade, apenas transmite falas dos envolvidos em cada um dos casos apreciados pelo tribunal, e (ii) de estudos que analisam a postura dos ministros (OLIVEIRA, 2012; PRADO; e TURNER, 2009; RIBEIRO; e ARUELHES, 2010). O protagonismo conquistado pelo Poder Judiciário brasileiro, em especial o Supremo Tribunal Federal, tem sido objeto de inúmeros estudos que buscam compreender de alguma forma a dinâmica e forma de “atuação” do tribunal. Estudos como o desenvolvido por Prado e Turner (2009), e Ribeiro e Arguelhes (2010), por exemplo, buscam compreender a dinâmica decisória dos ministros a partir do estabelecimento de uma relação com a indicação dos ministros feita pelos Presidentes da República. Aproximando-se da teoria política com vistas à utilização do modelo atitudinal (PRADO; e TURNER, 2009), seus estudos buscam traçar um perfil dos ministros por meio da identificação de sua linha ideológica e a relação existente com os votos que proferem. Por outro lado, estudos realizados por Fabiana Luci de Oliveira apresentam metodologia diversa: por meio da criação de um banco de dados manipuláveis por técnicas propostas pela pesquisa quantitativa, a autora busca compreender a Corte Constitucional brasileira a partir do traço de diferentes perfis ou grupos existentes no tribunal (OLIVEIRA, 2012). Apesar das metodologias distintas, ambos os estudos objetivam a identificação de perfis entre os ministros. Há estudos que priorizam a leitura e análise de decisões judiciais proferidas pelos ministros, como o desenvolvido por Diogo Coutinho e Adriana Vojvodic (2009) e Adriana Vojvodic, Ana Machado e Evorah Cardoso (2009). Esses estudos buscam identificar a existência ou não de uma racionalidade jurídica nas decisões proferidas pelos ministros do STF, tendo como parâmetro a complexidade e singularidade dos casos, o alto número de demandas e a coerência dos ministros com votos anteriores e a jurisprudência do tribunal. Todos os estudos indicados possuem algo em comum: o enfoque na deliberação que ocorre no órgão colegiado do Supremo Tribunal Federal. A deliberação, considerada um dos momentos característicos do julgamento colegiado (LIEBMAN: 1959, 223) no Brasil, tradicionalmente é pública e ocorre à pluralidade de votos4, fenômeno que se tornou ainda mais visível a partir da transmissão ao vivo das sessões de julgamento da TV Justiça. Para De Seta (2012), as características próprias

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A Lei de 18 de setembro de 1828, que cria e organiza administrativamente o Supremo Tribunal de Justiça, atual Supremo Tribunal Federal, dispõe, dentre várias medidas, que a deliberação do colegiado seria pública e que ocorreria à pluralidade de votos. Assim como ocorre nos dias atuais.

5 ao sistema jurídico brasileiro permitem inclusive a identificação de uma possível inocorrência de deliberação na Corte, fenômeno também identificado por Conrado Hübner (2010) ao comparar o colegiado do STF a “onze ilhas”, expressão utilizada pelo autor para destacar a falta de diálogo e deliberação entre os ministros, diagnóstico dado também por vários dos estudos citados acima. Os estudos indicados analisam um mesmo objeto a partir de diferentes métodos e perspectivas. A proposta deste paper é a de apresentar uma nova perspectiva de análise ao colegiado do Supremo, por meio de observações e descrições às dinâmicas, interações, rituais e procedimentos capazes de atribuir um caráter explicativo da colegialidade no tribunal, abordagem que será mais bem construída no tópico seguinte. Sendo assim, a possibilidade de realização de uma pesquisa empírica qualitativa, nos moldes aqui proposto, se justifica principalmente a partir da inexistência de trabalhos já realizados e publicados sobre o problema de investigação destacado. Tendo por base o método etnográfico, a pesquisa proposta permitiria descrever e compreender as dinâmicas, interações, procedimentos, rituais, dentre outras questões, passíveis de observação nas sessões de julgamento do Supremo Tribunal Federal, a partir das ações dos atores envolvidos neste processo. Além das questões acima, a pesquisa também se justifica na tentativa de aproximação do Direito com outras áreas do saber, como as ciências sociais, de modo a ampliar não apenas a capacidade explicativa do objeto pesquisado, mas proporcionar um diálogo maior entre essas diferentes áreas. O aumento de interlocutores sobre o tema de pesquisa permite um diálogo maior e mais qualificado sobre o tema proposto, o que será buscado a partir da investigação de um tema próprio ao Direito, mas com uma metodologia característica da antropologia: o método etnográfico. O que já vem sendo feito por diversos pesquisadores que utilizam o Direito como objeto de estudo a partir de um olhar antropológico ou sociológico, utilizando-se do método etnográfico (MELO, 2013; GERALDO, 2013; FIGUEIRA, 2007; FONSECA, 2008; EILBAUM, 2006; e BAPTISTA, 2008). A partir do método proposto, pretende-se uma relativização nativa das categorias jurídicas utilizadas pelos sujeitos da pesquisa como forma de ampliar o poder explicativo das dinâmicas e interações que ocorrem nas sessões de julgamento do STF. O estranhamento estimulado e radicalizado pelo trabalho de campo será o recurso necessário e fundamental nesse processo interpretativo, permitindo uma interseção entre duas ou mais disciplinas e enriquecendo o debate sobre questões que lhes são afins. Essa investigação das práticas

6 sociais tendo por base a dimensão empírica contribuirá para desvendar o significado de eventos e situações que têm lugar no grupo social objeto da pesquisa (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1993). Neste sentido, o grupo social objeto da pesquisa será o composto pelos ministros do STF; o espaço de observação e descrição das dinâmicas, interações, procedimentos, rituais etc. será aquele institucionalmente estabelecido a este fim; e o momento, aquele em que se reúnem diante do público para supostamente discutir e deliberarem a respeito de questões que lhes são demandadas. E a categoria que sintetiza tais momentos, capaz de descrever as relações entre (i) as partes envolvidas no litígio; (ii) as partes e os magistrados; e (iii) os próprios magistrados, além de ser objeto do presente estudo, é a colegialidade - representando essa reunião institucional, pública e que tem por objetivo produzir uma decisão judicial. 1. Construindo o problema Conforme mencionado anteriormente, as pesquisas indicadas que possuem o STF como objeto de estudo sinalizam a existência de uma atuação, postura, comportamento da Corte Constitucional ou perfis de ministros. No que se refere a este último aspecto, os perfis de ministros são criados e identificados a partir de variáveis como dados fornecidos pelo próprio site oficial do STF (OLIVEIRA, 2011 e 2012) ou leituras de decisões judiciais, o que se aproxima de uma análise do discurso ao ter como instrumento de pesquisa os documentos produzidos pelos próprios ministros capazes de representar seus posicionamentos sobre casos que lhes são demandados. Em relação à atuação, postura ou comportamento do STF vale destacar estudo de Mary Douglas (1998) em que desconstrói esta ideia apropriada também pelo Direito de que as instituições têm vida. Segundo Douglas, existem características distintivas acerca das instituições. A primeira delas é a compreensão enquanto um grupo de indivíduos, dotados de um discurso que conceda legitimidade à instituição. É preciso que indivíduos de grupos tenham algo em comum: um pensamento, um sentimento, uma reivindicação, algo que se assemelhem. No entanto, tal característica apenas os une enquanto um grupo, não significando que, por estarem constituídos como tal, ainda que legalmente, possam pensar, sentir, ter atitudes próprias etc.. Enquanto indivíduos, as pessoas sentem, pensam e possuem atitudes próprias, mas enquanto grupo precisam se apropriar de um discurso capaz de lhe conceder legitimidade para agirem como tal. A característica acima pode nos indicar a possibilidade de uma instituição representar uma associação de indivíduos, uma convenção em que se demonstra a reunião de indivíduos

7 em prol de um interesse ou objetivo comum, mas que aponta um traço objetivo e retira do corpo de análise os pensamentos e sentimentos, que são próprios dos indivíduos singularmente considerados. Isto é, incorporado à ideia de convenção, há também o requisito da organização dos indivíduos enquanto grupo, que ocorre a partir de um processo cognitivo contínuo (DOUGLAS, 1998, p. 58). O referido processo cognitivo aponta a uma passagem e consolidação no tempo do interesse ou objetivo que uniu o grupo. Assim, Mary Douglas vai entender instituição como um “agrupamento social legitimado”: A expressão instituição será usada no sentido de um agrupamento social legitimado. A instituição em questão pode ser uma família, um jogo ou uma cerimônia. A autoridade legitimadora pode ser pessoal, tal como um pai, um médico, um juiz, um árbitro ou um maftre d’hôtel. Ou então pode ser difusa, baseada na concordância comum em torno de algum princípio fundante. O que está excluído do conceito de instituição, nestas páginas, é qualquer arranjo prático puramente instrumental ou provisional, reconhecido enquanto tal. Aqui, presume-se que a maior parte das instituições mais estabelecidas, quando desafiadas, sejam capazes de concatenar suas reivindicações à legitimidade com sua adequação à natureza do universo. (DOUGLAS: 1998, p.59) Neste sentido, as instituições podem ser entendidas como decorrentes de práticas sociais (reiteradas e consolidadas), perenes, capazes de dar sentido a um agrupamento de indivíduos a partir do interesse em comum que possuam. As instituições têm como características fundamentais a organização grupal, podendo atribuir uma unidade de sentido, um rótulo que sintetize a sua significação e atuação perante a sociedade, capaz de sustentá-la inclusive a partir de múltiplas gerações. Isto é, por ser uma prática perene e consolidada, que atravessa múltiplas gerações e ainda assim se mantém como tal, essa passagem no tempo contribui à atribuição de sentido e reconhecimento perante os atores sociais e demais instituições. Entretanto, a sobrevivência das instituições após atravessarem múltiplas gerações não representa em si uma resistência às mudanças. Como exemplo, é possível citar a família, que vem se modificando ao longo dos tempos, flexibilizando a ideia de que é composta tão somente por homem e mulher, mas que não deixou de ser chamada como tal para destacar uma relação de afeto. Por representarem práticas sociais - e assim são consideradas por serem formadas e conduzidas pela espécie humana - as instituições ou associação de indivíduos se mantém mesmo diante das transformações sociais, mas os seus componentes são substituídos por outros com o passar dos anos. O que além de demonstrar o caráter transitório de seus

8 membros, permite uma adaptação das instituições às transformações sociais, nos conduzindo ao pensamento que pode ser refletido a partir da assertiva de que instituições são representadas por pessoas que praticam atos. Considerando o raciocínio proposto por Douglas, e associando ao objeto de análise do presente projeto, falta-nos ainda um estudo sobre o Supremo Tribunal Federal sob o enfoque das práticas daqueles que compõem o colegiado para, a partir das dinâmicas, interações e procedimentos ali adotados seja possível atribuir um caráter objetivo a tais práticas, explicando melhor a colegialidade no tribunal, e não o tribunal em si. Isso porque, o método eleito para proceder à pesquisa impede a compreensão do funcionamento de toda a instituição, ou de todos os tribunais brasileiros, objetivando conhecer melhor tão somente a colegialidade no tribunal pesquisado, o que permitiria um olhar diferenciado dos já propostos pelos estudos que possuem o Supremo Tribunal Federal como objeto de pesquisa. Neste sentido, o presente paper tem por escopo a observação e descrição das dinâmicas, interações e procedimentos ocorridos no momento em que os ministros se reúnem às “portas abertas”5. A TV Justiça, neste cenário, ganha especial relevo, principalmente por estimular a percepção de que todas as dinâmicas ali ocorridas são publicizadas pela transmissão ao vivo das sessões de julgamento e, por seu intermédio, ser possível compreender o que acontece quando os ministros se reúnem às “portas abertas”. No entanto, é possível que a TV Justiça não faça uma cobertura de todos os atos ocorridos nas sessões de julgamento que ela mesma transmite ao vivo pela necessidade que possui de atribuir enfoque especial àqueles que se manifestam oralmente a respeito das questões apreciadas pelo colegiado. Assim, frequentar o ambiente em que ocorrem as sessões de julgamento do tribunal permitiria uma observação e descrição mais ampla em comparação à proporcionada pela TV Justiça, além de estimular a compreensão do que é (se existe) e como ocorre a colegialidade do tribunal, que funções os seus principais atores exercem, dentre outras questões.

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Expressão utilizada por D. Pedro I ao editar a Lei de 18 de setembro de 1828, que cria e organiza administrativamente o tribunal: Art. 13. Quando o ultimo tiver visto o processo, o apresentará na mesa no dia, que o Presidente designar, e a portas abertas, illustrado o Tribunal pelos tres Juizes, que viram os autos, e debatida a questão por todos os membros presentes, decidir-se-ha á pluralidade de votos, se se deve, ou não, conceder a revista: o resultado se lançará nos autos com as razões, em que elle se fundou.

9 2. Law in books versus Law in action

Apesar da reflexão aqui proposta partir da empiria, foi necessário, antes mesmo da realização de um trabalho de campo, pesquisar a forma como os livros de Direito tratam da colegialidade nos tribunais. Para tanto, realizei uma arqueologia conceitual da categoria jurídica da colegialidade (FOUCAULT, 1999). A pesquisa foi iniciada por meio de consulta a diferentes fontes (GIL: 49-50), onde foi obtida parte dos trabalhos mais recentemente desenvolvidos sobre o tema. Posteriormente, recorri aos autores citados nestes trabalhos como fundamento do argumento desenvolvido em relação ao tema pesquisado, o que permitiu: (i) o alcance do autor citado como referência aos trabalhos mais recentes; (ii) o diálogo estabelecido entre este autor e outros da mesma época, identificando, assim, uma rede de debate sobre o tema na doutrina clássica brasileira; (iii) os autores e sistema jurídico citados como referência ao fundamento do defendido pela doutrina clássica brasileira; (iv) além da identificação de três redes de debates sobre o tema (doutrina clássica brasileira, doutrina brasileira mais recente e doutrina italiana). Por meio da arqueologia conceitual realizada foi possível verificar que o direito brasileiro reivindica uma apropriação da colegialidade do sistema jurídico italiano, sob o fundamento de correção das decisões judiciais proferidas pelos juízos singulares devido o potencial cometimento de injustiças do ser humano. Por estes motivos, a colegialidade estaria relacionada a um conjunto de magistrados que reapreciaria a decisão já proferida pelo magistrado de primeira instância. O fundamento atribuído pelos autores brasileiros à colegialidade, como o fim político da decisão, o cometimento de injustiças, dentre outros, permitiu a identificação da colegialidade enquanto uma ideologia proveniente do sistema recursal. Enquanto uma ideologia recursal, a doutrina clássica do direito processual civil brasileiro construiu o argumento de que a pluralidade de julgadores geraria uma hierarquia entre a primeira e segunda instância, devido a possibilidade de um número de magistrados superior ao que proferiu a decisão recorrida melhor analisar o mérito da causa. Posteriormente, identificou-se que a doutrina clássica brasileira se referia constantemente à doutrina italiana do processo civil para fundamentar a colegialidade e reivindicar uma proximidade entre os sistemas jurídicos brasileiro e italiano. A partir disso, foi feita uma consulta à doutrina italiana sobre o tema da colegialidade, a fim investigar a proximidade ao menos do sistema recursal, reivindicada por autores brasileiros. E tendo acesso à literatura italiana sobre o tema, com referência aos principais autores italianos citados por brasileiros, confirmou-se que a colegialidade estava associada ao sistema recursal,

10 mas sob fundamento diverso. No direito processual civil italiano, a colegialidade é fundamentada na oralidade, o que contribuiu à identificação de alguns distanciamentos à colegialidade no Brasil. A partir do aprofundamento da oralidade, percebeu-se que o direito brasileiro incorporou a ideia da colegialidade do direito italiano, mas sem importar categorias fundamentais à sua compreensão e funcionamento, como a discussão oral do mérito da causa e a deliberação secreta. Essas categorias são responsáveis por imprimir uma dinâmica ao órgão colegiado italiano diferente da existente no colegiado brasileiro, onde a discussão oral do mérito é mitigada e a deliberação é pública. Apesar de as distinções serem visíveis, merece destaque o fato de a colegialidade, após se fundamentar enquanto uma ideologia, se firmar no pensamento jurídico como uma categoria fundamental ao sistema recursal brasileiro. A ideia da colegialidade foi completamente aceita pela comunidade jurídica, chegando-se a convencionar entre os autores brasileiros tratar-se de uma regra. A colegialidade nos tribunais passou a ser considerada característica básica do sistema jurídico brasileiro. Mesmo no período identificado como havendo um déficit de textos escritos sobre o tema, a colegialidade não foi extinta ou até mesmo mitigada. O modelo criado para revisar decisões judiciais de juízos singulares tornou-se avesso a quaisquer tipos de questionamentos devido a superioridade do número de julgadores a apreciar a decisão recorrida, prevalecendo o jargão “duas cabeças pensam sempre melhor que uma”. Ao ser considerado um dogma, a categoria da colegialidade volta a ser discutida a partir de um possível esvaziamento de suas funções com o aumento dos poderes do relator. Algumas modificações legislativas permitiram que o relator do processo ou recurso resolvesse a questão judicial envolvida antes mesmo da sua submissão ao colegiado. É possível pensarmos inclusive que o agravo interno, que é uma figura criada para recorrer da decisão do relator e finalmente submetê-la ao colegiado, representaria uma tentativa de preservação ao dogma da colegialidade, demonstrando que o objetivo das modificações legislativas não era esvaziar a sua competência até se inverter a lógica do sistema recursal para o julgamento singular ou monocrático. Entretanto, autores do processo civil viram mais que um possível questionamento ao dogma da colegialidade nessas medidas, enxergando uma violação cada vez maior à categoria. Iniciou-se, assim, um debate relacionando as medidas legislativas e a colegialidade como um campo de disputa pelo “o que é dito” e “como é dito”. Segundo Pierre Bourdieu, “o campo jurídico é o lugar de concorrência pelo monopólio do direito de dizer o direito (...)” (BOURDIEU, 1998, 212). E os juristas que escreviam à época, em sua grande maioria

11 advogados e juízes aposentados não satisfeitos com as possíveis mudanças no sistema recursal brasileiro, que estaria deixando ser colegiado para se tornar monocrático, passam a se apropriar do discurso constitucional a fim de elevar categorias supostamente violadas ao estatuto constitucional e reivindicá-las enquanto princípios. Ao se referir à disputa no campo jurídico como sendo uma organização social da produção do conhecimento, da ação dos atores e da sua reprodução, Bourdieu destaca como essa dinâmica pode se operar:

As práticas e os discursos jurídicos são, com efeito, produto do funcionamento de um campo cuja lógica específica está duplamente determinada: por um lado, pelas relações de força específicas que lhe conferem a sua estrutura e que orientam as lutas de concorrência ou, mais precisamente, os conflitos de competência que nele têm lugar e, por outro lado, pela lógica interna das obras jurídicas que delimitam em cada momento o espaço dos possíveis e, deste modo, o universo das soluções propriamente jurídicas. (BOURDIEU: 1998, 211) Por fim, relacionando o espaço de disputas destacado por Bourdieu com o que até agora foi construído, é possível perceber uma mobilização da doutrina jurídica em elevar a categoria da colegialidade a um princípio constitucional, sob o argumento de uma possível constitucionalização do processo civil. No entanto, essa mobilização doutrinária equivaleria tão somente a empoderar um argumento por meio do empenho de um trabalho intelectual específico ao elevar uma determinada categoria jurídica a princípio constitucional. Assim, a categoria elevada a “princípio constitucional” é colocada em posição hierarquicamente superior, dentro do debate, às categorias nativas no Direito. Assim, a construção da autoridade do argumento no Direito passa por um processo de elevação de status a partir da apropriação de discursos que o torne hierarquicamente superior, construído principalmente em um ambiente de disputas em que os atores reivindiquem o direito de dizer como a própria realidade social funciona. Assim, a arqueologia conceitual permitiu ao menos duas observações. A primeira refere-se à herança ibérica dos tribunais brasileiros. A organização do trabalho jurídico no Brasil teria sofrido influência direta dos tribunais portugueses, contribuindo à estruturação do Poder Judiciário brasileiro (HESPANHA, 1982). Apesar de a história das instituições aproximar a estruturação e organização do trabalho jurídico no Brasil dos tribunais ibéricos, a doutrina brasileira indica que a ideia da colegialidade é importada do direito italiano (MORTARA, 1906; AMARAL, 1941; PONTES DE MIRANDA, 1947; LIEBMAN, 1959).

12 Isto é, diferentes movimentos foram identificados: a influência exercida pelos portugueses na estrutura e organização judiciária do Brasil e a importação da ideia da colegialidade tal como ocorria no direito italiano. Mapeados os movimentos acima, duas reflexões são estimuladas. A primeira está relacionada ao possível distanciamento entre a história das instituições e a circulação das ideias (BOURDIEU, 2002), capaz de resultar do suposto combate à ideia de inferioridade causada pela colonização ibérica, estimulando que ideias sejam importadas de países mais “avançados” e tradicionais em relação à sua estrutura e organização judiciária (LYNCH, 2013). E a segunda, refere-se à recepção da ideia de colegialidade pela comunidade jurídica brasileira e a sua elevação a uma categoria constitucional, devido a possíveis flexibilizações a já estabelecida “regra da colegialidade”, encaradas como representações das disputas ocorridas no campo jurídico pela produção do conhecimento (BOURDIEU, 1998). Apesar de possuir como interesse e objeto de estudo tanto o tratamento jurídico concedido pelos livros de Direito à categoria da colegialidade - o que foi pesquisado a partir da realização de uma arqueologia conceitual (FOUCAULT, 1999) -, quanto pela “colegialidade em ação” - demonstração de como os sujeitos da pesquisa interpretam as suas próprias práticas a partir de sua observação e descrição -, a pesquisa e insights apresentados a seguir se referirão apenas a este segundo momento. E, a fim de suscitar reflexões com vistas a ampliarmos o poder explicativo da colegialidade a partir das práticas observadas, destacarei a seguir algumas situações que me permitam apresentar ao menos alguns “problemas de pesquisa”.

3. A colegialidade em ação

Com o problema de pesquisa mais bem construído e a investigação empírica à categoria da colegialidade direcionada, me mudei para Brasília a fim de morar por um período não inferior a um ano e que me permitisse assistir as sessões de julgamento das turmas (terças-feiras) e plenário (quartas e quintas-feiras) do Supremo Tribunal Federal, momento em que poderia observar e descrever as dinâmicas, interações, rituais e procedimentos que ocorressem no espaço destinado à discussão e deliberação de demandas jurídicas de competência do tribunal. No entanto, o meu primeiro contato com os ministros do Supremo Tribunal Federal não foi após a mudança para Brasília, e sim com a participação como assistente de pesquisa do Projeto História Oral do STF, coordenado pelo Ministro Nelson Jobim e pelo Prof.

13 Fernando Fontainha, no âmbito da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas, no período de 2012 a 2014. Neste período, a FGV Direito Rio buscou entrevistar todos os ministros que registram passagens pelo Supremo Tribunal Federal nos vinte e cinco anos da atual Constituição Federal – período compreendido entre 1988 e 2013. O objetivo da pesquisa foi construir uma base de dados a partir de entrevistas concedidas pelos próprios ministros (aposentados e em exercício) e recontar a história do tribunal a partir de tais narrativas, demonstrando o olhar especificamente dos atores objetos da pesquisa. E, na qualidade de assistente de pesquisa, participei ativamente como um dos entrevistadores de alguns ministros do Supremo, podendo conhecer também algumas narrativas sobre temas em específico. Com a experiência acumulada acima, passei a frequentar as sessões de julgamento do plenário e turmas do Supremo, me deparando de início com uma mudança na presidência do órgão: o então Presidente do STF, Min. Joaquim Barbosa, aposentou-se antes do tempo previsto à aposentadoria compulsória, sendo substituído pelo Min. Ricardo Lewandowski. Essa mudança na presidência impulsionou a realização de algumas mudanças nas dinâmicas e procedimentos ocorridos do plenário, sentidos inclusive por alguns ministros. Em um primeiro momento, o novo Presidente do STF, Min. Ricardo Lewandowski, passou por um período de cometimento de vários “erros de procedimento”, apresentando dúvidas oralmente pronunciadas a respeito (i) do quórum necessário para dar início a determinados julgamentos, (ii) da ordem de fala de cada um dos inscritos para as sustentações orais, (iii) do posicionamento de cada um dos ministros após os votos por eles proferidos, dentre outros. Tais situações ocorreram principalmente no início de sua presidência, o que pode determinar a existência de um período de adaptação do novo presidente às dinâmicas do tribunal, que contava com a colaboração e auxílio dos ministros mais antigos do Tribunal, como a do chamado de “Decano” pelos próprios colegas – Min. Celso de Mello. Após esse período de maturação no exercício do cargo, o que durou cerca de dois meses, notados a partir da diminuição de tais “erros de procedimento”, os ministros da Corte começaram a notar determinadas mudanças de procedimentos adotadas pelo próprio Min. Presidente, como a modificação no colhimento dos votos, por exemplo: Ao proferir o seu voto, o Min. Luiz Fux pergunta ao Min. Presidente se a forma de votação mudou, porque não foi colhido o voto individual dos ministros. E o Min. Presidente responde:

14 - Estou fazendo um teste. Eu abro para o livre debate e, se alguém divergir, eu colho os votos das divergências. Considero esta forma mais célere. - A votação simbólica é importante para a celeridade. Complementa o Min. Marco Aurélio. O procedimento acima passou a ser adotado em casos específicos, possivelmente considerados pelo Presidente como de menor complexidade, fácil resolução e inexistência de inscritos para sustentações orais. Isso porque, não é um procedimento adotado em todos os processos apreciados pela Corte. A discussão oral do mérito da causa ocorre entre os ministros durante a manifestação individual de seus posicionamentos, o que a torna difícil de ser implementada no procedimento acima. Istp é, o novo procedimento pode mitigar a discussão oral do mérito da causa. E a oralidade é constantemente notada nas observações como um dos meios tanto da criação quanto da administração de conflitos ocorridos nas práticas observadas. Vejamos: A manifestação oral de posicionamentos dos julgadores presentes à sessão de julgamento, por diversas vezes, gera a ocorrência de acalorados debates. Em alguns momentos, o Presidente invocou o intervalo da sessão de julgamento como meio de conter os ânimos daqueles que se exaltam durante as discussões em plenário. Em discussão entre os Ministros Marco Aurélio (M.A.) e Roberto Barroso (R.B.), por exemplo, este propõe ao plenário a retirada de tema da lista de repercussão geral: R.B.: - Min. Presidente, este tema é irrelevante à apreciação do plenário. Quando gastamos muito tempo discutindo coisas irrelevantes, ficamos também muito tempo sem discutir coisas relevantes. M.A.: - Min. Barroso, se o tribunal aceitou a repercussão geral do tema é porque ele é relevante. Eu não consigo ver tema de repercussão geral irrelevante. R.B.: - Desculpa, Ministro. Mas eu consigo ver dezenas. M.A.: - O Min. Barroso desde o seu primeiro dia está a criticar o colegiado. PRES.: - Agradeço o posicionamento de V. Exas. E invoco o intervalo pelo tempo regimental. Após tocar a sirene, o Min. Luiz Fux se dirige até o Min. Roberto Barroso, aperta a sua mão e diz: - Tô contigo.

15 Nesse exemplo é possível perceber como a oralidade é capaz de construir um espaço de constrangimentos entre magistrados (GOFFMAN, 2012), necessitando inclusive ser mitigada pelo “Guardião dos Procedimentos” (Presidente do Tribunal). O que demonstra que a oralidade e o constrangimento caminham unidos em diversas práticas ocorridas nas sessões de julgamento. Por exemplo: as sustentações orais feitas pelas partes envolvidas no processo invocam casos já apreciados por ministros presentes à sessão de julgamento como precedentes, possuindo a provável intenção de vincular o julgador que já se manifestou sobre a matéria discutida a votar de forma semelhante no caso discutido. Por outro lado, ao manifestar oralmente os seus votos, os ministros do STF invocam constantemente, e talvez com maior frequência, casos já apreciados pelo tribunal com votos liderados por ministros já aposentados, possivelmente na tentativa de não constranger e vincular os ministros presentes a casos já apreciados e decididos por eles mesmos. Além destes, existem diversos outros exemplos de como são buscadas alternativas para diminuir os constrangimentos causados nas sessões de julgamento, como a determinação de corte da transmissão ao vivo da sessão de julgamento pela TV Justiça, em que o Presidente do STF apresentou proposta de aumento de subsídio dos próprios ministros da Corte, sendo aprovada por eles mesmos de forma célere (cerca de três minutos) e unânime para, posteriormente, ser enviada ao Congresso Nacional. Enfim, esses são apenas alguns exemplos de como a oralidade é capaz de causar constrangimentos em todos os sujeitos de pesquisa, capaz de gerar intervenções dos próprios atores no sentido de ora constranger alguém a fim de que objetivo pessoal ou institucional seja promovido, ora criar medidas que evitem ou diminuam possíveis constrangimentos, como: o auxílio ao presidente na condução dos procedimentos, a mudança no colhimento de votos em casos específicos, a invocação do intervalo em momentos de acalorados debates, a não vinculação de posicionamento dos colegas julgadores em matérias semelhantemente apreciadas, dentre outras medidas. Esse espaço de criação e contenção de constrangimentos, estimulados também pela oralidade, demonstra a ocorrência de diversos conflitos, como demonstrado anteriormente em relação às partes envolvidas no litígio, as partes e os magistrados, e os próprios magistrados. Desse modo, a pesquisa apresentada busca refletir também possíveis formas institucionais ou convencionais (criadas a partir de movimentos não institucionais) de administração

desses

conflitos

ocasionados

pelo

ambiente

de

constrangimentos

proporcionados por elementos como a oralidade e até mesmo a TV Justiça, responsável por transmitir ao vivo as sessões de julgamento ocorridas no plenário.

16 Considerações finais

O objetivo do draft apresentado é, além de apresentar o percurso feito até a realização do trabalho de campo, demonstrar também alguns insights obtidos a partir da observação e descrição de algumas dinâmicas e interações obtidas principalmente no plenário da sessão de julgamento do Supremo Tribunal Federal. Se nos livros de Direito a colegialidade parece ser criada e desenvolvida como um mecanismo de proteção ao magistrado, de modo a garantir um julgamento neutro e imparcial, a investigação empírica à categoria da colegialidade indica que a reunião de magistrados com o objetivo de discutir e deliberar acerca de questões jurídicas que lhes são demandadas aponta o constrangimento como elemento central à contenção e administração dos conflitos existentes no grupo social. Desse modo, os insights aqui destacados referem-se à possibilidade de discussão da temática a partir tanto do olhar à proteção do magistrado quanto ao seu constrangimento ao ser colocado para proferir julgamentos em sessão de julgamento transmitida ao vivo pela TV Justiça.

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