Obra Completa de Alberto Caeiro

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obra completa de alberto caeiro fernando pessoa edição de

jerónimo pizarro · patricio ferrari

coordenador da colecção jerónimo pizarro

LISBOA m m xv i

tinta-da-china

nascimento de alberto caeiro. «bravo!» (21-72 r)

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folha de rosto do plano de uma edição de tiragem limitada (68-11 r)

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Eu nunca guardei rebanhos, Mas é como se os guardasse. Minha alma é como um pastor, Conhece o vento e o sol E anda pela mão das Estações A seguir e a olhar. Toda a paz da Natureza sem gente Vem sentar-se a meu lado. Mas eu fico triste como um pôr de sol Para a nossa imaginação, Quando se vê acabar lá ao longe E se sente a noite já entrada Como uma borboleta com a janella aberta.

I [c. 4-3-1914]

Mas a minha tristeza é socego Porque é natural e justa E é o que deve estar na alma Quando já pensa que existe E as mãos colhem flores sem ella dar por isso. Como um ruido de chocalhos Para além da curva da estrada, a No caderno de O Guardador figura a data «8-3-191/4\», isto é, a data «oficial» do denominado «dia triumphal» (8 de Março de 1914); mas no bifólio 67-38 | 38a, a data «4-III-1914», anterior por cinco dias. Guiamo-nos sempre pelas datas dos testemunhos mais antigos.

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Quando eu não te tinha Amava a Natureza como um monge calmo a Christo… Agora amo a Natureza Como um monge calmo á Virgem-Maria, Religiosamente, a meu módo, como d’antes, Mas de outra maneira mais commovida e proxima. Vejo melhor os rios quando vou comtigo Pelos campos até á beira dos rios; Sentado a teu lado reparando nas nuvens Reparo n’ellas melhor… Tu não me tiraste a Natureza… Tu não me mudaste a Natureza… Trouxeste-me a Natureza para ao pé de mim, Por tu existires vejo-a melhor, mas a mesma, Por tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais, Por tu me escolheres para te ter e te amar, Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente Sobre todas as cousas. Não me arrependo do que fui outrora Porque ainda o sou. Só me arrependo de outr’ora te não ter amado.

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I | 50 6-7-1914

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poema de o pastor amoroso (67-64 r) apenas os dois primeiros poemas do ciclo foram numerados pelo autor

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poema de o pastor amoroso (67-67 r) apenas os dois primeiros poemas do ciclo foram numerados pelo autor

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Passar a limpo a Materia Repor no seu lugar as cousas que os homens desarrumaram Por não perceberem para que servem Endireitar, como uma boa dona de casa da Realidade, As cortinas nas janellas da Sensação E os capachos ás portas da Percepção Varrer os quartos da observação E limpar o pó das idéas simples. Eis a minha vida, verso a verso.

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O que vale a minha vida? No fim (não sei que fim) Um diz: ganhei trezentos contos, Outro diz: tive trez mil dias de gloria, Outro diz: estive bem com a minha consciencia e isso é bastante… E eu, se lá aparecerem e me perguntarem o que fiz, Direi: olhei para as cousas e mais nada. E porisso trago aqui o Universo dentro da algibeira. E se Deus me perguntar: E o que viste tu nas cousas? Respondo: apenas as cousas… Tu não puzeste lá mais nada. E Deus, que apesar de tudo é esperto, fará de mim uma nova especie de santo.

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17-9-1914

17-9-1914

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folha de papel almaço de pautas azuis (145 v)

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primeiro poema, primeira folha (145-1 r) no canto superior esquerdo, as datas «1889-1915»

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Preface to translationa France: Art[icle] in Mercure de France Pref[ace] to translation. Spanish: (through Guisado3) & perhaps Renascimento. Italian: ◊4 German: ◊

But the most astonishing circumstance is that C[aeiro] possesses in an extraordinary degree that metaphysical subtlety which is generally, if not universally, considered as associated with spiritualistic and Transcendentalist5 doctrines. This pure & absolute materialist, who admits no reality outside things as he feels them, writes, quite in accordance with his theory of things, but quite outside the state of mind that generally accepts it, this is ◊ his ◊th poem: ◊ There is something not less than scholastic & ◊ in the extreme subtlety of this metaphysics. Yet no one can6 ignore that it is natural from beginning to end.

a Este e outros textos em inglês encontram-se depois de uma série de textos em português (como o artigo para A Águia).

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um grande poeta materialista (14b-16 r)

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carry back the study of Portuguese poetry to the middle of last century, when Anthero de Quental broke with Portuguese sanctioned ways5 to forge ideas and to convey sub-metaphysical ideas,6 and created at once the essential Portuguese attitude towards the Universe and the attitude7 towards anything which is essentially Portuguese. The attitude in question may be described as the subjective sentiment of Nature; not subjective in the sense of feeling Nature in accordance with us as Wordsworth & Shelley did, nor of feeling it symbolically as V[ictor] Hugo did, but subjective in the sense of, so to speak, looking at Nature from within & seeing a tree or a stone, not from outside it8, with however mellow a feeling, but from inside it, the poet identifying9 himself with the natural object. All Portuguese poetry has run in this line, threading this intellectual image in all directions – either finding spiritualistic paths with Abilio Guerra Junqueiro10, or pantheistic spiritualism11 with Ant[oni]o C[orrêa] d’O[liveira], or pantheistic transcendentalism12 with T[eixeira] de Pascoaes. All poets not classifiable as pertaining to this current will be found13 either to base their inspiration on a lower basis, as, for instance, on directly popular sentiment, as in the case of João de Deus, or to have dwelt upon entirely foreign elements, as is the case of João de Barros14, who is a pure Verhaerean poet.a It is the astonishing fact about Alberto Caeiro, whose first book has just been published, that he does not belong to either of these currents, that he is himself with a clearness & independence so astonishing as to be well nigh unexplainable on hard critical lines. Yet he is easy to understand if we interpret him as a horizon of new15 intellectual elements into a poetry so full of them as Modern Portuguese poetry16 is, and his appearance needs no explanation but a Um livro deste autor, hoje de localização desconhecida, fez parte da Biblioteca Particular de Pessoa: Émile Verhaeren, Poèmes: Les Flamandes; Les moines; Les bords de la route; augmenté de plusieurs poèmes. 8ème éd, Paris, Mercure de France, 1911 (Cf. Pizarro, Ferrari e Cardiello, 2010, p. 422).

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I | 1 [67-38v e 38ar] [67-2r a 5r] [145-1r a 3r] [Athena 4] [Anexo 67-1r] [Anexo 65-60r]

Registam-se aqui as variações de cada texto a partir dos originais do espólio de Fernando Pessoa (Biblioteca Nacional de Portugal/Espólio n.Ø  3; BNP/E3). Nas notas podem ocorrer os símbolos seguintes, também utilizados na edição crítica das obras do autor: ◊ * † // /\ [↑ ] [↑ ] [↓ ] [→ ] [← ]

espaço deixado em branco pelo autor leitura conjecturada palavra ilegível passagem dubitada pelo autor segmento autógrafo riscado substituição por superposição substituição por riscado e acrescento acrescento na entrelinha superior acrescento na entrelinha inferior acrescento na margem direita acrescento na margem esquerda

Nesta secção, as palavras dos editores figuram em tipo itálico.

Poema publicado na revista Athena, n.º 4, 1925, pp. 145-146. Em 1925, 23 poemas do ciclo O Guardador de Rebanhos foram publicados na revista dirigida por Fernando Pessoa e Ruy Vaz, sob o título «Escolha de Poemas de Alberto Caeiro | (1889-1915) || De “O Guardador de Rebanhos” | (1911-1912)». Existem intervenções manuscritas no exemplar da Athena que Pessoa conservou na sua biblioteca; consulte-se, na página web da Biblioteca Digital da Casa Fernando Pessoa, o livro que recebeu a cota 0-28MN. (O exemplar anotado por Pessoa da revista Athena não faz hoje parte dos livros à guarda da Casa Fernando Pessoa. Estava na posse de Manuela Nogueira, sobrinha-herdeira de Pessoa, no momento da digitalização em Abril de 2008, mas foi leiloado a 13 de Novembro desse ano pela soma de 1600 euros; cf. The Fernando Pessoa Auction, 2008, item 60.) Do primeiro poema de O Guardador existem quatro testemunhos longos e dois mais curtos: A (67-38v e 38ar), B (67-2r a 5r), Cad (145) e Ath (Athena 4), são os mais longos; C (67-1r) e D (65-60r), os mais curtos. É interessante notar que em A – um bifólio pautado de grandes dimensões – figura a data mais antiga que se conhece do ciclo de poemas caeirianos: o dia 4 de Março de 1914 (cf. 67-38av). Esta data seria extensível aos poemas xvi, xix, xxxv e xxxix, de que existe um testemunho no mesmo bifólio.

Para a descrição material dos suportes de escrita, vejam-se a página web da Biblioteca Nacional de Portugal dedicada a Alberto Caeiro (http://purl.pt/1000/1/alberto-caeiro/ index.html) e o volume Poemas de Alberto Caeiro (2015), editado por Ivo Castro. N O TA S

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ABCad guardasse... Ath guardasse. ] na versão impressa desaparecem quase todas as reticências. A Minha alma é como um pastor B Minh’ alma é como um pastor, Cad [↑ ] [→  ] [←  ↑ Minha alma] Ath Minha alma é como um pastor AB Pertence ao Cad /Pertence/[↑ *Vive com] [← Conhece] ao [↑ o] vento e ao [↑ o] sol Ath Conhece o vento e o sol ABCadAth E anda pela mão das Estações] em 65-60r existe uma variante: Vive lá fora com as estações, AB A correr e a brincar... Cad A correr e a brincar [↑ variar.] [→ acompanhar ↓ seguir] [← A seguir e a olhar.] Ath A seguir e a olhar. ] em 65-60r existe uma variante: A ficar [↑ passar] e a olhar. A sem o homem [↑ gente] BCadAth sem gente ABCad lado... Ath lado. A Mas eu fiquei triste como um pôr de sol B Mas eu fico triste como um pôr de sol Cad [← ] /T\riste como [↓ o que] um pôr

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Talvez quem vê bem não sirva para sentir252 Tambem sei fazer conjecturas.2114 Todas as opiniões que ha sobre a Natureza284 Todas as theorias, todos os poemas269 Tu, mystico, vês uma significação em todas as cousas.292 Ultima estrella a desapparecer antes do dia,287 Um dia de chuva é tão bello como um dia de sol.266 Um renque de arvores lá longe, lá para a encosta. 2XLV Uma gargalhada de rapariga soa do ar da estrada.296 Verdade, mentira, certeza, incerteza...295 Vive, dizes, no presente;2105

índice onomástico

A Aristóteles2373 Arkhurst, John23102 Assis, São Francisco de 272, 95, 311, 334, 366, 431, 459

B Barros, João de218, 235, 270, 453 Blackie, John Stuart 2373 Blake, William217, 245, 267, 271, 309, 311, 454, 456

Blavatsky, Helena Petrovna2367 Browning, Robert217, 267, 270 C Caeiro, Antonio L.221 Caeiro, Julio221 Cagliostro, Conde Alessandro di2367 Camões, Luís de2251, 294, 296, 364, 452, 455, 483

Campos, Alvaro de212-15, 18, 21-22, 49, 127, 284, 286-287, 290, 292-293, 323, 338, 349, 366 -369, 371, 374, 431

Chateaubriand, François-René de2282, 288

Coelho, Adolfo2363 Coleridge, Samuel Taylor Côrtes-Rodrigues, Armando216-17, 223, 422

Cortesão, Jaime2363 Crosse, I.I. 21, 343-345 Crosse, Thomas220-21, 275, 302, 304, 343-344, 456, 461

Crowley, Aleister2363, 367, 465 D Deus, João de217

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E2 Emerson, Ralph Waldo218 Ésquilo G Garrett, Almeida2251 Guedes, Vicente214, 368 Guisado, Alfredo Pedro2223, 448 H Horácio2334 Hugo, Victor217, 264, 269, 282, 288 J Jammes, Francis217-18, 259, 263, 267, 271, 282, 288, 451

Junqueiro, Abílio Guerra217, 234, 250, 267, 270, 453

K Kant, Immanuel 2358 Keats, John215, 442 L Lourenço, Eduardo218, 483 Lopes, Artur Ribeiro2223 M Meynell, Alice218 Milton, John2366, 454, 465 Mora, Antonio212, 14, 21, 303, 305-306, 323, 350, 354, 360, 368, 441, 446, 458, 463, 465

Mourão, Fernando Carvalho2223 N2 Nietzsche, Friedrich216, 302, 304 Noailles, Comtesse Mathieu de 2365 Nordau, Max215

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