Ocidente vs Islão? (transcrição por Luis Emauz de uma conferência que fiz no quadro dos Diálogos para a Ciência, no Salão Nobre da Reitoria da Universidade do Porto)

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Conferência inserida no ciclo Diálogos com a Ciência II Novembro de 2010 - Março de 2011 "Ocidente vs Islão" - parte 1 | 16 de Dezembro de 2010 Sessão apresentada pelo Pró-Reitor Manuel Janeira Comissário: Vicente Ferreira da Silva Oradores: Armando Marques Guedes, Maria do Céu Pinto e Rodrigues do Carmo.

[Introduções.] […] AMG – Eu estava aqui a tomar notas sobre aquilo que ia dizer e, obviamente, aquilo que me ocorreu foi – «Eu tenho que dizer alguma coisa que seja simultaneamente inteligível e inteligente; dizer alguma coisa que faça algum sentido». E pensei em começar fazendo uma citação de quem eu considero o maior filósofo português, porventura o maior filósofo lusófono. E gostava de citar esse filósofo em guisa de abertura de maneira a delinear, de algum modo, aquilo que vou dizer a seguir. O maior filósofo português, em minha opinião, é o Cristiano Ronaldo… Eu queria citar o Cristiano Ronaldo numa entrevista que eu ouvi, do Cristiano Ronaldo, em Maio passado em que uma jornalista lhe perguntou: «– …é absolutamente extraordinário, você em 2009 foi o melhor jogador de futebol do mundo, em 2010 tornou a ser nomeado como maior jogador de futebol do mundo; futebol é um jogo muito complexo, como é que você faz?» E ele disse «- É, de facto, é um jogo complicado.», e ela, instou-o a continuar; disse «-Sim?...», «-É um jogo muito complicado, ‘tá a ver… cada equipa tem onze jogadores, ou seja, quando há um jogo simultaneamente em campo estão vinte e… vinte e…… vinte e tal jogadores em cada momento, portanto, ‘tá a ver, é um jogo muito complicado!»

Eu acho esta extraordinária, não quis deixar de partilhar convosco esta inteligência profunda que marca uma parte deste povo – o povo português – que se relacionou com um mundo muçulmano. Num jantar que nós tivemos agora tive a oportunidade de perguntar porque é que no título, não há um ponto de interrogação - «O Ocidente vs. Islão?». O não haver um ponto de interrogação torna o título «Ocidente vs. Islão» numa asserção em que certamente o Bin-Laden se reveria. É exactamente aquilo que ele quer; é construir o Ocidente como uma entidade antinómica relativamente ao Islão, e em função dessa antinomia, desse antagonismo, o Islão tem que reagir, tem que se constituir em actor internacional bona fide para ter eficácia no combate contra a nova cruzada que significaria os ataques sistemáticos a muçulmanos levados a cabo pelos ocidentais. Esta é a perspectiva do Bin-Laden. O título ficaria, em minha opinião, melhor se tivesse um ponto de interrogação a seguir para problematizar a questão, se efectivamente está em causa – e é isso que vou tentar fazer – se o que está em causa é efectivamente uma luta entre o Islão e o Ocidente. E queria começar por agarrar no conceito de «O Islão enquanto actor político internacional eficaz» por um lado, e o conceito de «Ocidente enquanto actor político internacional» pelo outro, e depois focar na relação hipoteticamente antinómica entre um e outro; tentar de alguma maneira desconstruir estas ideias e portanto “desBinLadizar” de algum modo, fazendo alguns comentários inteligíveis e minimamente inteligentes quanto a isto, e portanto, começo por… queria dividir isto em três partes: começo por olhar para o conceito de «Islão enquanto actor político internacional», olharei em paralelo para o «Ocidente enquanto actor político internacional», num segundo momento, falarei da confrontação a nível macro e a nível micro – se ela existe a nível macro entre o Ocidente e o Islão (a minha resposta é que não há uma confrontação a nível macro), e em terceiro lugar falarei prospectivamente do que me parece poder se a evolução futura do relacionamento complexo, multifacetado, multidimensionado entre estas duas entidades tão diferentes uma da outra, tão semelhantes uma com a outra e tão pouco coesas como na primeira parte tentarei demonstrar, são. Começo portanto com a primeira parte para falar do Islão enquanto actor político internacional […] A primeira pergunta é saber se o Islão e o Ocidente, e eu vou começar pela parte mais fácil: se são, tanto o Islão como o Ocidente, actores políticos bona fide, como disse há bocado, do ponto de vista internacional. A questão do Ocidente, porventura mais fácil que a questão do Islão, e põe-se certamente em termos muito diferentes do que a do Islão. A criação de um Ocidente enquanto entidade política coesa, enquanto um actor internacional efectivo, é uma coisa que tem uma genealogia e uma arquitectura muito específicas, que vêm de trás. O Ocidente - a palavra «Ocidente» - nestes termos, no quadro de qualidade de actor político, vem pelo menos desde a formação do Império Romano, a noção de que havia um mar que seria a pertença do Império Romano - o mare nostrum - o nosso mar, o Mediterrâneo no caso, e depois cristalizou-se com o fim do Império Romano do Ocidente e a separação e a permanência durante mil anos, na prática mais - um milénio mais - do chamado Império Romano do Oriente. Portanto, o Ocidente, de alguma maneira começou por se constituir como indexado na criação do Império Romano. Este mesmo Império Romano que expandiu o Cristianismo, que por sua vez se subdividiu em duas alas que correspondiam, grosso modo, uma ao Império Romano do Ocidente e outra ao Império Romano do Oriente, mas esta noção e esta divisão entre um Ocidente e um Oriente são divisões

antigas. De resto, a nossa concepção, que hoje temos, de «O Oriente» como oposto ao «Ocidente», fazia alusão inicialmente, etimologicamente, não ao oriente, ao extremo-oriente, à Coreia do Norte, às Filipinas, às Ilhas do Sudeste, à Ásia em que falamos hoje em dia, mas àquilo a que hoje chamamos o «Médio-Oriente». É curioso que se chame o «Médio-Oriente», porque é o «PróximoOriente» – outro termo que também hoje usamos – aquilo que está em causa. Este «Médio-Oriente» tornou-se numa coisa completamente diferente a partir do primeiro capítulo das guerras civis europeias, que convencionamos chamar a Primeira e a Segunda Guerra Mundial. Retrospectivamente, reparem que a Primeira Guerra Mundial, quando ocorreu, era conhecida como «A Grande Guerra», a guerra que ia acabar com todas as guerras e não como «Primeira Guerra Mundial». Só quando houve uma segunda muito mais mundial do que essa é que essa segunda se passou a chamar Primeira e foi recrismada Primeira Guerra Mundial – a grande guerra para acabar com todas as guerras. Efectivamente o alinhamento dos amigos e inimigos era quase exactamente o mesmo. Até poderia arqueológica e genealogicamente dizer que radica nas ignomínias imputadas ao tratado de Versailles celebrado em 1919, o facto de ter havido uma reemergência de uma aliança que depois se propagou a nível global pela criação do «Eixo» contra os mesmos países numa guerra civil muito mais internacionalizada mas essencialmente; teve essencialmente lugar, pelo menos numa primeira fazer, a primeira guerra mundial, sobretudo na Europa. A primeira guerra mundial depois propagouse para a África… a Segunda guerra mundial propagou-se para a África, envolveu a América Latina - o Brasil estava do lado aliado, do lado do «Eixo» estava a Argentina - e depois expandiu-se para a Ásia onde de resto continuou com os japoneses como outra potência do «Eixo». O «Ocidente» que daqui saiu, saiu depois do tratado de São Francisco em 1945, quando a União Soviética - anterior aliado contra o «Eixo»,do grupo auto-intitulado «Aliados», contra o grupo autointitulado «o Eixo», basicamente os alemães, os japoneses e os italianos – este Ocidente, era um Ocidente completamente diferente do que se virou contra a União Soviética. Era um Ocidente cuja linha divisória era o que os alemães chamam a Mitteleuropa, que começa se quiserem nos países Bálticos, passando porventura… ou começando porventura na Finlândia, passa pelos países Bálticos, vem para a Polónia, passa para a antiga Checoslováquia, hoje desdobrada em república Checa e Eslováquia, passa pela Hungria, inclui uma parte da Ucrânia e por aí abaixo até aos Balcãs. Para o lado de lá… era o «Leste», como oposto ao «Oeste». O Ocidente versus o Leste. O Ocidente, aqui, a linha divisória, reparem, não era muito diferente, embora fosse muito mais extensa do que a do Império Romano. De alguma maneira há alguma semelhança. Se quiserem, a nível macro, da mesma maneira que a divisão que houve nos Estados Unidos da América durante a guerra civil em meados do Século XIX entre o Norte e o Sul, corresponde grosso modo à divisão eleitoral hoje em dia entre o partido Democrático e o Partido Republicano. Há alguma correlação, embora não haja um ajustamento de pormenores entre as duas. Este segundo Ocidente que remete ao mundo bipolar – que por isso mesmo se chama mundo bipolar – era entre «the West and the East» e tornou-se, com o fim do mundo bipolar, com a queda do muro de Berlim em 89 e a implosão da União Soviética em 91, como a divisão entre – o que com alguma graça se chama – «the West and the rest». O Norte e o Sul. Um terceiro – notem- Ocidente que está claramente em processo de constitucionalização, e queria acabar este momento sobre o Ocidente dizendo que o processo a que chamo

«constitucionalização» por uma maneira quase alegórica do Ocidente, tem três, porventura quatro, momentos constitutivos, que no fundo são dois mais dois. Primeiro, a criação da Aliança Atlântica, cujo objectivo foi claramente delineado, retrospectivamente, pelo Lord Ismay, um general britânico que se notabilizou no Norte de África contra o Rommel e que ascendeu a primeiro Secretário Geral da NATO, quando nos anos sessenta lhe perguntaram «para que é que vocês criaram a NATO no final dos anos quarenta?», a que ele respondeu «NATO exists fot three reasons: To keep the Americans in, to keep the Russians out and to keep the Germans down.» É interessante esta visão, e suponho que de alguma maneira isto tenha redundado na criação de um «Ocidente». Um «Ocidente» que tinha que conter a Alemanha, que se destacava relativamente à União Soviética e que queria envolver a Europa no elo transatlântico e daqui saiu – não é um «Ocidente» – o ponto central desta, a maior aliança militar da história é The North Atlantic Treaty Organization – a Organização do Tratado do Atlântico Norte. Portanto foi uma bacia atlântica que foi indexada ou na qual foi indexada a correlação deste novo «Ocidente». A constituição deste novo Ocidente. Este momento constitutivo, constitucionalizante, diria eu, deu um passo gigantesco em frente há três semanas na Cimeira de Lisboa – extraordinariamente importante – em que a Rússia, pelo menos putativa e nominalmente – se associou ao Ocidente. Argumentaria eu, como uma série de artigos de geopolítica têm argumentado – com o objectivo de «keep the Germans down». Certamente é um dos objectivos. Notem que na semana passada foi celebrado um tratado militar entre a França e a Grã-Bretanha – pasme-se! (Que é um tratado de Século XIX - completamente.) Soletra de alguma maneira o fim do projecto neo-funcionalista da integração europeia, sem dúvida nenhuma em minha opinião. Portanto temos aqui um momento um mais um, que é: um, a criação da NATO; dois, a consolidação constitucional da NATO há três semanas na Cimeira de Lisboa. O segundo momento constitutivo do Ocidente, mais uma vez se desdobra em dois pontos: um, a criação no início dos anos 50 aquilo a que inicialmente o Winston Churchill chamou de «United States of Europe», que depois se transformou na União Europeia e que depois, há um ano, um ano e picos, com o tratado de Lisboa - também em Lisboa – se tentou constitucionalizar num tratado que primeiro se chamava um tratado constitucional. A ideia era escrever – Valéry Giscard d’Estaing liderou o processo, sem grande eficácia – uma constituição para a Europa. E portanto temos aqui claramente dois momentos de constitucionalização do Ocidente: por um lado a cristalização; a consolidação; a solidificação de uma entidade europeia, sem grande sucesso, pelo menos não com o sucesso que se esperava que tivesse – eu certamente esperava que tivesse, como disse o Vicente, sou vice-presidente do Conselho Superior do Movimento Europeu, portanto sou um europeísta convicto – as coisas não estão a correr bem. Por outro lado, a consolidação do antigo Ocidente, mas agora incluindo «nominalmente», repito, a União Soviética. Passo à segunda entidade: o Islão. Será que o Islão é um actor político Bona fide no mesmo sentido? Tenho a maior das dúvidas. A maior das dúvidas. Reparem: a centralidade que atribuem no primeiro Ocidente, etimológica e genealogicamente como lhe chamei - ao Império Romano, é que depois de deslizou de alguma maneira para um Ocidente em contra distinção com o Oriente lato sensu, e que depois de tornou um Ocidente contra a União Soviética e depois se tornou num Ocidente centrado na aliança transatlântica e agora um Ocidente com alguma articulação com a Rússia – sucedâneo de alguma maneira, da União Soviética – isto é, sempre centrado na vontade de

três actores, pelo menos: a Europa, os Estados Unidos e a Rússia. (Nos vários avatares que a Rússia teve, nos vários avatares que a Europa tem tido em crescimento contínuo, a Rússia em decrescimento e crescimento em harmónio, de alguma maneira, e os Estado Unidos num crescimento muito mais lento, mas também contínuo. Do ponto de vista nacional, do ponto de vista estadual; não estou a falar das áreas de influência ou das influências dos Estados Unidos.) Nada disto se passa relativamente ao Islão. O Islão não tem - para usar a terminologia do Clash of Civilizations do Samuel Huntington - A Core State; Um estadonúcleo, uma cabine de controlo que mande no Islão. De resto tem o problema exactamente oposto: é que há vários pretendentes a esse lugar de Core State no Islão. Eu posso ver o Core State – reparem… Mais! Isto é representado de uma outra maneira: enquanto relativamente ao Ocidente, eu falo ou posso falar, e faz sentido, tentar fazer; falar num processo de constitucionalização do Ocidente, eu não posso em nenhum sentido paralelo minimamente semelhante falar num processo de constitucionalização do Islão. Por uma razão muito simples: a ideia de que o Islão seria uma unidade e um actor político, remete para um conceito islâmico que é o da ummah islâmica, da comunidade islâmica mundial – um conceito teológico, do domínio do wishful thinking e não do constitucionalização do Islão. A ummah islâmica tem que centro? Notem, eu aqui tenho imediatamente um problema: obviamente a ummah islâmica vai ter um centro gnoseológico, ontológico, se quiserem, teológico; num ponto de vista mais genérico, eu posso dizer Meca e Medina, que são os lugares fundacionais do Islão. Mas posso dizer «não senhor!». Porque efectivamente a consolidação do Islão depende do exarar fatwas no quadro da sharia Islâmica, e têm sido sobretudo universidades egípcias, e agora sauditas bahabitas, que têm consolidado o Islão, a ummah islâmica, enquanto actor político internacional; ou na zona tribal do Paquistão e do Sul do Afeganistão, no chamado AFPAK, a que os militares apelidam AFPAK, que neste momento tão na moda está. Mas também posso dizer «Não senhor! Depende da população dos muçulmanos», e o grosso da população dos muçulmanos está no maior país, do ponto de vista demográfico muçulmano, que é a Indonésia. Ou no país mais forte dos muçulmanos, o único que tem armas, até agora nucleares, o Paquistão. Nem a Indonésia nem o Paquistão são países árabes. O Egipto, é. A Arábia Saudita é, mas temos aqui vários candidatos. Mais! Eu posso argumentar que as comunidades islâmicas que residem no Ocidente – os turcos, por exemplo na Alemanha – ou a própria Turquia, são o Core State do Islão, a cabine de controlo, de alguma maneira. Ou o Nation of Islam nos Estados Unidos, ou as comunidades argelinas em França, porque são a linha da frente da modernidade e até da acção política internacional; as células em Hamburgo e em Frankfurt da Al-Qaeda, que têm tido actuações gigantescas. Os somalis e os iemenitas agora, que fizeram a semana passada, os somalis, uma acção em Estocolmo, na Suécia, e os iemenitas de que há alguns têm vindo um ramo, não da Al-Qaeda prime mas de outra Al-Qaeda. Portanto, reparem: o mecanismo de consolidação do Islão enquanto actor internacional é completamente diferente do que a do Ocidente, muito mais ténue do que a do Ocidente e tem… há uma espécie de embarras du choix. Há várias maneiras como eu posso pensar

esse processo de consolidação política, todas têm elementos constitucionalização, mas também incluem elementos teológicos.

de

modernidade,

de

Queria passar a uma segunda – e são mais rápidas estas duas partes – linha desta minha argumentação, perguntando –«O Islão é efectivamente este Islão in fieri, em constituição, é efectivamente um inimigo, um adversário ou uma entidade antinómica que politicamente desafia o Ocidente?» Certamente que sim. Mas não é o único. O Samuel Huntington, por exemplo, em 1993 num artigo Clash of Civilizations - ponto de interrogação, e depois num livro de 96, Clash of Civilizations já sem ponto de interrogação (diz-se com alguma graça que ele escreveu o livro – e isto é um facto – a filha divorciou-se e precisava de uma casa nova e ele precisava das royalties da venda do livro. Isto genuinamente aconteceu.), o livro diz pouco mais do que o artigo de 93, mas é intrinsecamente interessante e indica que à época, em meados da década de 90, entre 83 e 86 por cento, depende de como é que se mede, os conflitos internacionais que estavam a ter lugar eram naquilo a que o Samuel Hungtinton apelidou The Bloody Borders of Islam, a tradução portuguesa foi denotado como «As Fronteiras Sangrentas do Islão», e empiricamente isto é verdade. Se um número, uma quantidade maciça, oitenta e tal por cento (muitos mais votos do que o professor Cavaco Silva certamente irá ter nas próximas eleições) se oitenta e tal por cento dos conflitos são na zona de contacto, se quiserem, ou porventura de fractura entre o Islão e o Ocidente, parece estar aí uma linha da frente e haver efectivamente um Ocidente versus Islão. Mas repensem isto à luz dos processos de constitucionalização e teologização constitucionalizante das duas entidades e façam a pergunta – «Será que o Islão é um actor político internacional no mesmo sentido em que o Ocidente está a tentar ser?» E eu dou duas respostas: Obviamente o Islão está a tentar ter uma coesão, uma coerência intrínseca semelhante à que o Ocidente tem, com muito menos sucesso que o Ocidente – Graças a Deus!! Devo dizer que me preocuparia muitíssimo mais se um virgula dois ou três biliões de pessoas, como são os muçulmanos do mundo, se estivessem a insurgir contra o Ocidente. Graças a Deus, não é assim. Não é verdade que os muçulmanos sejam todos radicais, não é verdade que os muçulmanos sejam dados à violência, embora o Jihad esteja embutido na religiosidade e na auto representação que eles fazem do que é o Islão, pura e simplesmente não é verdade. Todos nós conhecemos [cinco minutos] imensos muçulmanos, pura e simplesmente não é verdade que os muçulmanos sejam intrinsecamente agressivos. Devo dizer que, se eu pensar; se algum de nós pensar nos horrores históricos, nos piores personagens históricos, os que eu consigo imaginar assim de repente são… o Estaline, o Hitler, o Milosevic… Os três são europeus. Pura e simplesmente não é verdade! Não há equivalente lateral. Quem? O Saladino? O Bin Laden? Do ponto de vista islâmico, nunca tiveram escala suficiente para gerar os horrores, nem coesão política interna, que foram geradas no Ocidente, portanto há aqui uma beau vue que eu acho que faz sentido.

Quero acabar numa terceira parte dizendo – Qual é que é, em minha opinião, simultaneamente o risco e a oportunidade; a tensão e o desenlace; a transformação de uma amálgama difusa, de uma partilha teológica de uma religiosidade no interior do Islão e a efectiva criação de um actor político internacional eficaz a que possamos chamar Islão já sem (ou) má política que são os processos de modernização (no sentido técnico de modernização) que estarão ou não a ter lugar no Islão; onde no Cristianismo houve um momento de modernização. A reforma e a contra-reforma. Claramente, consistiram, sem querer fazer interpretações excessivas, sem querer fazer grandes interpretações, porque é num quadro comparativo que eu estou a falar, e portanto as comparações remetem para a relação com a constituição do outro objecto e não para o interior do objecto; a pergunta que eu queria fazer [é], ou o comentário às asserções que eu queria fazer é – a modernização na reforma e na contra-reforma redundou efectivamente numa separação entre a fé e a razão, entre a religião e a política, entre o discurso teológico e o discurso empírico-operacional próprio dos políticos; pragmático. O Maquiavel é um momento de ruptura da criação dessa separação. Maquiavel não era protestante desse movimento de reforma e da contra-reforma, estou a desindexar a reforma e contra-reforma num processo de modernização num sentido técnico da palavra. No mesmo sentido que damos ao «pós» no moderno do Ocidente. Isto aconteceu no Ocidente no Cristianismo. Ainda há, residualmente, fundamentalistas que não acreditam no Darwinismo; uns evangélicos, são muitos os evangélicos nos Estados Unidos, há movimentos de renascimento [de] conservadorismo que negam a separação entre a razão e a fé, entre a política e a religião dentro do Cristianismo, mas em boa verdade não têm impacto nenhum na dinâmica de crescimento das sociedades ocidentais de hoje em dia. A mesma coisa se verifica naquilo a que no judaísmo se chama a Haskalah, em hebraico, literalmente, as luzes. No Século… havia por exemplo o Moses Montefiore, no Século, no princípio do Século XIX; durante todo o Século XIX, e isto culminou depois com a ideia Zionista, começou a aparecer obviamente uma separação a que reagiu um movimento dos pios, os rabbas no pale (of) settlement à volta da Rússia, (os judeus que usam os caracóis, os chapéus e as roupas a manifestar a ancestralidade do Século XVII de não separação entre a fé e a razão, entre a religião e a política. O meu ponto é que, também no judaísmo também houve esta separação. Não houve esta separação, esta modernização no Islão. Excepto – e acabo com isto – em três momentos, extraordinariamente importantes, e nem sempre reconhecidos enquanto tais. (E acabo com isto para ver se desencadeio as perguntas e respostas depois dos meus colegas de mesa fazerem as palestras e charlas, deles). Um primeiro momento óbvio de modernização de Haskalah, de iluminação, de abertura, de reforma de racionalização de separação entre fé e religião, entre a política e a religião foi, sem dúvida - houve muitos outros, mas um momento macro foi - o Mustafa Kemel Aka Turk. Que criou a Turquia moderna. Que garantiu que a religião e a política se tornavam em coisas separadas. Que proibiu a utilização de símbolos religiosos. Que acabou com o alfabeto árabe introduzindo o alfabeto ocidental, e que tentou garantir com um módico sucesso, não só a instalação, uma ocidentalização, se quiserem, uma espécie de, em paralelo, restauração Meiji, como no Japão houve; uma ocidentalização do que era o Império Otomano, do que era o maior bloco, se quiserem, civilizacional para usar a terminologia do Huntington. E esta foi ocidentalização assumida enquanto ocidentalização como reacção / continuação dos movimentos dos jovens turcos depois do desmembramento em 1915 do Império Otomano. Este é um primeiro movimento de modernização que pôs como entidade reguladora do

processo de modernização os militares. No quadro constitucional turco, têm essa função de garantir uma separação entre a religião e a política. Há uma segunda… Esta é óbvia. Há uma segunda muito menos óbvia, um momento de constitucionalização, para usar a terminologia ocidental, de modernização, de reforma, de Haskalah para usar a palavra hebraica, no Islão, que é muito mais surpreendente. Mais il faut penser… O Ayatollah Khomeini no Irão. O Ayatollah Khomeini fez uma coisa que até aí era totalmente interdito. Eu chamo-lhe o paradoxo de Alexandria. Quando perante Alexandria foi dito: Na biblioteca de Alexandria, ou o que lá está vem no Corão caso em que é desnecessário; ou não vem, caso em que é herético, e portanto é dispensável – é deitar-lhe o fogo. É uma espécie de mito urbano, não foi assim que aconteceu, foram os cristãos os primeiros a destruir a biblioteca de Alexandria, mas é verdade que depois os muçulmanos o também levaram a cabo nesses termos. Se nós olharmos para o Corão, o Corão é uma espécie de tratado de direito civil, que regula o comportamento das pessoas em tudo, desde o lavar as mãos até… As primeiras suras do Corão, uma é sobre mulheres outra é sobre as vacas… Sem que haja associação. Exactamente para evitar a associação houve um consenso por via de fatwas exaradas no Egipto de que se podia alterar a ordem para não parecer tão mau. O que o Ayatollah Khomeini fez foi criar uma teocracia no Irão, nos anos 70, como se lembrarão, escrevendo uma constituição para o Irão. Escrever uma constituição para o Irão é absolutamente impossível, porque o código de direito civil que é o Corão é relativo a uma comunidade política a nível de coesão e integração tribal. Aquilo fala em retaliações, fala em roubos, fala em raids, fala em trocas, fala em casamentos, fala em aspectos jurídicos, se quiserem com alguma juridicidade, da relação entre as entidades políticas a nível micro, existente na Arábia, in illo tempore, há mil e duzentos anos, quando no ano setecentos o Profeta escreveu o Corão. Pela primeira vez um xiita, o Ayatollah Khomeini arrogou-se o direito de, por analogia, estender o que vinha no Corão e criar uma sociedade política moderna, o que até aí era impensável. Isto é um gesto de modernização óbvia. Qualquer outra pessoa que não tivesse o carisma e a aceitação interna dele, pura e simplesmente era destruído, porque o que ele fez foi um gesto de heresia que violava o paradoxo de Alexandria, claramente. E portanto, ao contrário do que pode parecer, digo eu, anti-intuitivamente, a separação entre a fé e a razão; ente a religião e a política, foi levada a cabo, um passo gigantesco pelo Ayatollah Khomeini. Eu não sou simpatizante, como é evidente, do Ayatollah Khomeini, estou só a constatar observacionalmente um facto. E o terceiro e último, (e é aqui mesmo que eu acabo), é para mim fascinante, mais uma vez é a minha opinião, é do Bin Laden e da Al-Qaeda. A Al-Qaeda e o Bin Laden são momentos de modernização do Islão, de transformação, de Haskalah, de reforma do Islão. Pela primeira vez, a acção política torna-se pensável como separada enquanto separada da acção religiosa e teológica. Um dos livros que aconselho vivamente, que leiam os livros todos que produzem ideologia no interior da Al-Qaeda, e como aquilo é um grupo descentralizado há vários movimentos, chama-se, na tradução que a CIA fez The Management of Savagery – A Gestão da Selvajaria. E é um livro sobre – os selvagens somos nós – é um livro sobre a recriação

do califato através da domesticação dos selvagens que somos nós, produzido no interior da AlQaeda, por uma das tendências no interior da Al-Qaeda. Isto é completamente impensável, porque isto é tomar como adquirido a ummah islâmica como entidade política e actor político, o mundo não-islâmico como um actor não político… ou não aceitavelmente político, o Jihad como uma luta global pela supremacia planetária se quiserem, geopolítica. Isto indicia uma [separação]; e o managment, o termo administrativo se quiserem, ou económico-administrativo, indicia uma separação entre a fé e a razão; entre a política e a religião que redunda num passo de modernização que me parece óbvio. Portanto, ao contrário do que pode parecer, julgo que estamos em câmara lenta, mas o tempo histórico corre tão rápido hoje em dia e nós vivemos tanto mais tempo do que antes, do que antes vivíamos, que não conseguimos destrinçar claramente entre a câmara rápida e a câmara lenta, aquilo que nós estamos a ver desde o princípio do Século XX com o Kemel Aka Turk até meados, meados finais, do segundo ou primeiro quartel da segunda metade do Século XX com o Ayatollah Khomeini e depois com o fim do Século XX e princípio do Século XXI com o Osama Bin Laden, um movimento de reforma dentro do Islão que irá a breve, espero que brevíssimo, prazo, transformar o Islão numa religião igual às outras, tal como o Judaísmo e tal como o Cristianismo, deixam de ser agressivas pela via da missionarização e da Jihad relativamente ao exterior, em todo o caso, o espaço é curto.

Muito obrigado pela atenção.

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