Olhar analítico e subjectivo sobre as carências da intervenção e valências existentes no Sistema Português no âmbito da Alienação Parental

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Olhar analítico e subjectivo sobre as carências da intervenção e valências existentes no Sistema Português no âmbito da Alienação Parental

Dra Ana M. Campelos Advogada, Examinadora nacional, Formadora e de formadores em Igualdade de Género e Cidadania e nas áreas técnico-científicas de Direito e sócio-cultural e Consultora

e Dra. Helena Monteiro, Mestranda, Licenciada em Serviço Social pelo ISCET, Comissária na Comissão de Protecção de Crianças e Jovens- Porto Ocidental

Porto, Janeiro de 2014

As alterações dos modos de vida da nossa sociedade, no que respeita aos novos arranjos familiares têm proporcionado uma maior facilidade de divórcios e separações que se traduzem numa maior vulnerabilidade das relações familiares, num aumento do número de famílias monoparentais e, por fim, numa maior propensão destes agregados desestruturados e em conflito para a Alienação Parental. Propomos a reflexão sobre as dificuldades de intervenção existentes junto das famílias, mais concretamente de famílias desestruturadas pela Alienação Parental. Todo o trabalho técnico desenvolvido com estas famílias carece de acompanhamento paralelo especializado e adequado e célere, isto é, de respostas que possam ser eficazes para combater o sofrimento das crianças ou Jovens implicados neste seio, com a brevidade e urgência que a problemática exige.

“O superior interesse da criança assume eminente natureza e relevo público. A criança tem o direito ao apoio da comunidade (Juiz conselheiro Dr. Armando Leandro, 2010)

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A problemática da Alienação Parental está patente em quase todas as famílias a serem acompanhadas em fase de separação ou divórcio e não inclui somente os progenitores mas também outros membros da família como os avós, ou outros familiares e afins mais chegados ( e.g., tio/as, primo/as) muitas das vezes residentes ou co-residentes com o progenitor alienante. Pela perspectiva legal, considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. (Artigo 2º da Lei 12.318/2010). A Alienação Parental consiste em programar uma criança para odiar, sem motivo, um de seus genitores até que a própria criança ingresse na trajetória de desconstrução desse genitor (Trindade, Jorge., Manual de Psicologia Jurídica para operadores do Direito. 6ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012). Contudo, a sua intensidade e grau vão variando consoante as situações específicas de cada agregado , bem como a tipificação do elemento alienante . Para além disso, a Alienação Parental nem sempre é identificada dada a complexidade dos casos pela diversidade de problemas existentes que envolvem os progenitores. Podemos dizer ainda que a problemática em causa é uma temática pouco abordada e sustentada legalmente, no seio dos profissionais porque surge muitas vezes mascarada por outras problemáticas que a envolvem não sendo, por esse motivo, trabalhada da melhor maneira. As respostas a esta temática são escassas e pontuais e pouca evolução se tem sentido em termos do surgimento de novas soluções, sendo a mediação familiar a opção mais viável na maioria dos casos. Como é do conhecimento de nós todos, a evolução das sociedades requer o ajustamento e adaptação dos modos de vida das populações como forma de acompanhamento das atuais mudanças estruturais que se vão instalando.

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Mais concretamente às mudanças ao nível das estruturas familiares que têm sofrido drásticas alterações, tanto ao nível dos seus arranjos/constituição como ao nível das formas de relacionamento entre os seus elementos. Mais concretamente falamos do aumento do número de famílias monoparentais, do aumento do número de separações e divórcios, e da diminuição do número de casamentos. Contudo, parece que em consonância com estas alterações, ou quem sabe, como factor desencadeador destas questões surgem-nos as relações sentimentais mais esporádicas entre os cônjuges, “formalizadas” pelos casais em coabitação. Esta nova configuração de conjugalidade que valida a união entre dois elementos torna as relações sentimentais e amorosas muito mais fáceis de desfazer uma vez que não existe a legitimação através do casamento. Por assim dizer, existe uma emergência de novos valores, que também estão relacionados com a alteração do papel da mulher na nossa sociedade: o sexo feminino deixa de ser submetido à esfera da vida doméstica/familiar e ao poder do homem que dominava a vida em sociedade. O casamento enquanto consumação de uma relação deixa de ser um objectivo de vida e perde valor, sendo socialmente mais fácil para a mulher separar-se sem ser alvo de repúdio social. As relações por obrigação que antigamente eram impostas por interesse das famílias perdem também o seu valor. Com isto dizemos, que as inúmeras alterações nas mentalidades e valores, propiciaram à emergência de novas estruturas familiares e à diluição dos laços familiares com maior facilidade. As causas da separações e/ou divórcios comtemplam os desentendimentos entre o casal. Uma realidade que também tem tido uma grande expressão nos últimos anos é o número de separações de casais com filhos. Vejam-se os números por demais reveladores nos gráficos 1 e 2 em anexo. E, por este motivo, as situações de separação complicam-se e tornam-se mais delicadas, uma vez que envolvem a vida e uma criança ou jovem que nada pode fazer a não ser aceitar a decisão de dois progenitores, no fundo, as duas figuras mais importantes na sua vida, que decidiram seguir a sua vida em separado. Mais grave ainda para a criança ou jovem é vivenciar a situação de conflitos e divergências permanentes entre os seus progenitores, seja antes, durante e após

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separação/divórcio. Todavia, a situação mais extrema que a criança ou jovem pode vivenciar neste processo de diluição familiar é ele/a próprio/a ser utilizada como uma arma ou trunfo de um contra o outro, muitas vezes por inconsciência dos próprios pais que estão focados em atingiram-se um ao outro como se de um alvo de tratasse. É desta forma que muitos pais tentam ao máximo afastar a possibilidade de que irão ficar sem os seus filhos, ou irão perdê-los para o ex-companheiro/a e envolvem os filhos no enredo de conflitos intensos que desencadeiam tentando que o filho/a partilhe a sua perspetiva a cerca do outro cônjuge, tentado colocá-lo contra este último e afastando-o do mesmo. Todo o comportamento do cônjuge que tem este objectivo está inteiramente direccionado para o desenvolvimento de estratégias que façam com o que o outro perca gradualmente o contato com o menor e, por conseguinte, a relação que estes detinham. Assim, estamos perante a Alienação Parental. Diagnosticar a Alienação Parental requer contacto direto e aprofundado, bem como uma série de avaliações comportamentais perante a criança ou jovem e os respetivos progenitores que a maioria das intervenções carece logo à partida. Esse contacto é privado pelo próprio sistema Português, pois os recursos técnicos estão atualmente fragilizados, derivado a um acentuado decréscimo no número de técnicos disponíveis contrariamente ao aumento do volume processual dos mesmos, quer em CPCJ´S, quer em tribunais a instância superior. Quando diagnosticado ou mesmo decidido através de ata realizada em audiência do Tribunal de Família e Menores, existe uma série de projetos existentes para mediações familiares e acompanhamento. Mas as respostas são ineficazes devido ao elevado número de famílias crescentes, com alienadores e alienantes a promover uma educação desajustada ao bem-estar destas crianças e jovens, que diariamente estão na eminência do próximo bombardeamento ou chantagem ou ato mais perigoso, no seio do alienador maioritariamente. Outro factor que potência essa ineficácia é o espaçamento das consultas inicialmente procedem à avaliação e posterior mediação familiar. Os indivíduos, naturalmente, acabam por não adquirir e assimilar as fases e etapas necessárias dentro do timing necessário, acabam por dissipar o trabalho realizado pelos técnicos ao longo do tempo e pelo afastamento e ausência de acompanhamento. Tornando-se as respostas existentes muitas das vezes pontuais. 5

Este desfasamento temporal vai permitir que o elevado número ou o aumento do incumprimento das actas das Responsabilidades Parentais e o agravamento do contexto emocional destes menores. Como já foi dito anteriormente, este factor é promovido pela ausência de técnicos disponíveis para a monitorização das intervenções junto dos indivíduos intervencionados. De resto, a regulaçao do poder parental, que deveria começar pela mediação, nao o é. Paralelamente, ainda sem diagnóstico e ou avaliação respectivas a estas questões, surgem as decisões judiciais opositoras ao processo de melhoria e facilitador da diminuição do sofrimento dos menores, que tem vindo a ser feito junto destas famílias por outras instâncias. Destas decisões surgem visitas dos menores ao progenitor alienado que derivado à estrutura ou ausência de trabalho técnico resulta numa ação infrutífera, por parte do Tribunal de Menores, uma vez que a supervisão técnica é ausente não tendo o Tribunal capacidade ou recursos humanos para supervisionar ou criar estratégias necessárias para a melhoria desses encontros junto dos domicílios destas famílias. Note-se, por exemplo, que os Tribunasi de Familia não têm Gabinetes de apoio Psicológico; Têm a total ausência de permanência de Assistentes sociais, Pedopsiquiatras disponiveis; as Pericias médico legais, e, refira-se, de passagem, às vezes “por especial favor” demoram em regra mais de um mês, implicando todo um deturpe e avaliações psicológicas defeituosas e deturpadas, seja pela delonga, seja peela manipulaçao da criança ou do genitor, seja ainda pela nevitável manipulação e esquecimento factual da realidade acontecida; já para não refererir alguns tribunais, como acontecia em Sintra, no qual a falta de meios humanos e técnicos conduzia a que um Relatório Social demorasse mais de um ano a ser feito...; Não existem recursos humanos no IRS para que as visitas presenciais, acompanhadas ou supervisionadas possam ser efectuadas, como devido e determinado em decisão judicial.E sem que por último se refira a incongruência, face à Lei Tutelar Educativa do funcionamento dos centros de Acolhimento e nas medidas de promoçao e protecçao em que uns funcionam em regime fechado e outros abertos , mas que os meiso humanos escassos e as instalações precárias os tornam invariavelmente abertos, escancarados, em que a quase “promiscuidade” de entradas e saidas é timbre,

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com todas as consequências que nos escusamos aqui de referir e que são inferíveis de tal. Depois, muitas vezes as intervenções das várias instâncias envolvidas (tribunais, CPCJ’s e EMAT’s, por exemplo) sobrepõem-se umas às outras, umas interrompendo ou contradizendo o trabalho umas das outras, não surtindo, qualquer uma delas, o efeito desejado.

Destes contextos aumentam as estratégias do alienador para dificultar todo o processo que envolve o contato do menor com o progenitor alienado. O aumento consideravelmente das queixas ou denúncias junto da PSP (maioritariamente despoletadas por situações provocadas pelo alienador), daí surge mais matéria que compromete uma evolução clara destas situações. Enquanto isso debatemos, que estas crianças e jovens continuam na guerra, por vezes cruzada destes progenitores e não estão preparados para tais decisões derivada a toda a manipulação existente do progenitor alienador neste menor. Incorrendo por vezes destas visitas relâmpago decretadas pelo juiz um afastamento do menor ao progenitor alienado, levando assim a um recuar do trabalho já iniciado por um técnico especializado.

Sendo um dos principais objectivos técnicos e da Lei Promoção e Proteção das Crianças e Jovens em Risco 147/99 de 1 de Setembro, intervir pelo superior interesse dos menores em risco o mais importante é diminuir ao máximo o sofrimento destes, pois as consequências que a alienação parental pode provocar no menor são devastadoras para o seu desenvolvimento e possível reprodução geracional.

A IMPORTANCIA DA MEDIAÇÃO FAMILAR Uma das respostas neste âmbito de intervenção é a mediação familiar. Veja-se, em direito comparado, o que já acontece em Espanha, em que o primeiro passo da Regulação passa obrigatóriamente pela Mediação.

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Pois pretende-se que os progenitores em “guerra aberta” exponham os seus problemas e assumam, eles próprios, a responsabilidade de encontrar as soluções tendo em conta os interesses das partes envolvidas na primeira pessoa. Pressupõe-se que a resolução definida por mútuo acordo venha a atenuar o conflito permanente e, de certa forma, a apaziguar o ambiente em que a criança ou jovem permanece. Sendo este o nosso principal interesse: atenuar o sofrimento da criança ou jovem que vivência a Alienação Parental. Como não podia deixar de ser, as estratégias dos progenitores, no sentido de evitarem frequentar a mediação com este propósito, é também um comportamento muito frequente. Muitas vezes adotam uma postura fechada (mais comum no progenitor alienante) perante qualquer tipo de intervenção que vise facilitar a proximidade da criança ou jovem ao progenitor alienado. No entanto, e não retirando importância à técnica de mediação, enquanto esta técnica surte o seu efeito as crianças e jovens que se vêem envolvidos neste enredo de episódio fatídicos, continuam em constante sofrimento pelo afastamento e manipulação dos progenitores.

A Alienação Parental é uma problemática actual muito em voga em casais que se encontram ou já vivenciaram o processo de separação. Contudo, é um problema que muitas vezes parece ser legitimado pelo amor que os pais têm pelos seus filhos, como parece ser também legitimado pela sociedade, ou pelo nosso senso comum: “Qual é o pai que não ama o seu filho?” ou “ Mãe é mãe.” Assim é dissimulado muitas vezes este grave síndrome que mais não faz do que causar sofrimento e mau estar á criança ou jovem. Por passar muitas vezes despercebido não é tratado e não é tido em conta pela intervenção técnica que prioriza a resolução de outras questões que determinam como prioritárias, também por não estarem sensibilizadas para esta questão. Dos intervenientes legais ouvidos, não tiramos outra conclusão que não a que a falta, a ausência de meios e/ou instrumentos que possam ajudar a identificar e a determinar esta problemática é também um entrave para a determinação da resolução deste problema. A má articulação de respostas entre os vários técnicos, as intervenções especializadas concretizadas de forma pontual e esporádica, sem

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esquecer a demora e delonga das respostas dos organismos oficiais, contribui para a permanência efectiva da criança na guerra entre os seus progenitores. A mediação familiar é ainda a resposta que os técnicos mais recorrem neste tipo de situações, juntamente ao apoio Psicológico e Psiquiátrico. Neste sentido, apela-se à criação de novas e inovadores respostas direccionadas para esta problemática, tendo em vista a escassez de recursos humanos, recursos técnicos e económicos para atenuar os comportamentos respectivos à Alienação Parental. Todos os entraves e/ou dificuldades aqui identificados vão abrindo as brechas estruturais no nosso sistema português, ou seja, danos que mais não fazem do que provocar a ineficácia das intervenções das várias instâncias neste âmbito.

Assim e, em conclusão, para colmatar as lacunas do Sistema Nacional Português seria necessário reestruturar todas as valências existentes, atribuir mais legitimidade para os técnicos poderem intervir; efectuar maior sensibilização aos técnicos para esta temática, dar maior acuidade nos procedimentos legais dos nossos Magistrados e demais operadores judiciais, como advogados e funcionarios judiciais, no que concerne à atribuição do poder paternal, bem como a regularização das Responsabilidades Parentais.

Anexos: Quadro 1: grafico divórcios Quadro 2: gráfico das famílias monoparentais Biobliografia: Trindade, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para operadores do Direito. 6ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012). OTM- D.L. 314/78, de 27/10 Código Civil Lei de Protecção de crianças e jovens em perigo – Lei 147/99, de 1/9 e legislação conexa.

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