OLIVEIRA, Pedro Aires; ROSAS, Fernando; MACHAQUEIRO, M. (Ed.) – O Adeus ao Império. 40 Anos de Descolonização Portuguesa. Lisboa: Vega, 2015, 260 pp. ISBN 978-989-750-040-4.

June 2, 2017 | Autor: Pedro Aires Oliveira | Categoria: Portuguese Colonialism and Decolonizaton, Decolonization, Contemporary Portuguese History
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O Adeus ao Império 40 ANOS DE DESCOLONIZAÇÃO PORTUGUESA

ORGANIZAÇÃO DE FERNANDO ROSAS, MÁRIO MACHAQUEIRO E PEDRO AIRES OLIVEIRA

Nova Vega, 1.ª Edição Lisboa, novembro de 2015

Índice ........................................................................ 3 Introdução ........................................................... 4 Notas Biográficas dos Autores ............... 10

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ÍNDICE Introdução .............................................................................................................................. 7 Fernando Rosas, Mário Machaqueiro, Pedro Aires Oliveira O Anticolonialismo tardio do antifascismo português ................................................. 13 Fernando Rosas

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Os partidos nacionalistas africanos no tempo da revolução ........................................ 25 Malyn Newitt

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O balanço militar em 1974 nos três teatros de operações .............................................. 44 Norrie MacQueen A descolonização portuguesa: o puzzle internacional ................................................... 60 Pedro Aires Oliveira Visões das forças políticas portuguesas sobre o fim do império, dois planos em confronto e uma política exemplar de descolonização (1974-1975) ............................ 78 Bruno Cardoso Reis

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Guiné-Bissau: libertação total e reconhecimentos portugueses ................................. 102 António Duarte Silva O processo de descolonização de Cabo Verde .............................................................. 125 Ângela Sofia Coutinho

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Moçambique, descolonização e transição para a independência: herança e memória ............................................................................................................ 141 Amélia Neves de Souto

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O processo de descolonização de Angola ..................................................................... 157 Fernando Tavares Pimenta

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A inelutável independência ou os (in)esperados ventos de mudança em São Tomé e Príncipe .................................................................................................... 175 Augusto Nascimento O inacabado processo de descolonização de Timor .................................................... 191 Fernando Augusto de Figueiredo Retornos e recomeços: experiências construídas entre Moçambique e Portugal .......................................................................................... 209 Marta Vilar Rosales Memórias em conflito ou o mal-estar da descolonização ............................................ 227 Mário Machaqueiro Índice remissivo ................................................................................................................ 247 Notas biográficas dos Autores ........................................................................................ 254

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Em 1984, uma sondagem à atitude dos portugueses relativamente à descolonização revelava uma tendência que, três décadas volvidas, talvez ainda permaneça válida – 69 por cento dos inquiridos concordava com a descolonização “independentemente da forma como se deu”, mas 73 por cento dos mesmos considerava que o processo de retirada imperial havia sido mal conduzido1. O modo como essa opinião foi construída é ainda pouco claro, mas algumas conjecturas talvez não sejam implausíveis. O repatriamento de cerca de meio milhão de portugueses das ex-colónias africanas, em condições dramáticas e por vezes caóticas; o espectáculo da impotência da antiga metrópole face ao colapso do acordo do Alvor e a irrupção de uma impiedosa guerra civil em Angola; a anexação de Timor-Leste pela Indonésia face a um pequeno e desmoralizado contingente português; enfim, a edificação de vários regimes de partido único, alinhados com o campo “adversário” de Portugal no contexto da Guerra Fria, tudo isto terá, de uma forma ou de outra, concorrido para que a fórmula da “descolonização exemplar”2, brevemente articulada na euforia que se seguiu aos acordos e cerimónias de independência, desse lugar a uma visão desencantada, se não mesmo negativa, do modo como decorreu o desmantelamento do império lusitano, celebrado por sucessivos regimes políticos desde o século XIX como um pilar inegociável da “identidade” e soberania nacionais. Embora essa percepção nunca tenha chegado a pôr em xeque a legitimidade do 25 de Abril e do regime estabelecido em 1976 (tanto essa sondagem como um outro estudo de opinião realizado em 1978 demonstram que a grande maioria da população

Cf. “Descolonização e nacionalizações – muitos a favor mas de outro modo”, O Jornal, 19-26 de Abril de 1984. 2 Sobre o progressivo desencanto com este conceito, ver Michael Harsgor, “Aftereffects of an ‘exemplary decolonization’”, Journal of Contemporary History, 15, 1 (1980): 143-167 e Norrie MacQueen, The Decolonization of Portuguese Africa. Metropolitan Revolution and the Dissolution of Empire (Londres: Longman, 1997). 1

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olhava para a independência das colónias como algo de inevitável)3, as feridas abertas pela descolonização permaneceram por sarar durante largos anos. Essa circunstância foi em boa medida alimentada por uma literatura polémica, na qual se destacavam elementos ligados às causas dos retornados ou militares desafectos ao MFA, muitos deles ideologicamente próximos do salazarismo e da sua “mística” ultramarina. Ela conheceu o seu pico nos primeiros anos que se seguiram às independências africanas – sobressaindo, nessa vaga, títulos como Acusamos! A Descolonização (1976), O Livro Negro da Descolonização (1977) ou Os “Descolonizadores” e o Crime de Traição à Pátria (1983)4. Muitos dos seus argumentos eram caucionados, e amplificados, pela imprensa conservadora mais militante do período pós-revolucionário, se bem que a direita com representação parlamentar tenha revelado alguma relutância em explorar esse filão, pelo menos de forma explícita. A existência de um significativo público de pieds-noirs oriundos de Angola e Moçambique, muitos deles ressentidos e inconformados com os desfechos das independências, fez com que o foco desses libelos acusatórios incidisse principalmente na dimensão africana do fim do império – mas Timor não deixaria também de oferecer o seu punhado de histórias de martírio e vergonha aos adversários da descolonização. Como seria de esperar, o interesse de muita desta literatura residirá mais naquilo que nos poderá revelar acerca dos seus autores e respectivas obsessões do que em quaisquer interpretações formuladas com sentido de isenção. Regra geral, o que aí encontramos é uma denúncia da “entrega” ou “abandono” do ultramar pelas figuras cimeiras do MFA e alguns políticos civis, por razões que poderiam oscilar entre a cobardia, a ingenuidade ou o maquiavelismo (o caso paradigmático desta última atitude seria o de Rosa Coutinho em Angola, manobrando para favorecer os interesses do MPLA). Fosse como fosse, quase todos convergem na conclusão de que o resultado prático da “debandada” de África acabou por ser o mesmo: uma transferência integral das antigas colónias portuguesas para a esfera de influência soviética (ou cubano-soviética no caso de Angola). Mais desconcertante pelo seu desfecho (a Indonésia era uma sólida aliada dos EUA, a superpotência que não poupara esforços para derrotar a deriva radical da revolução metropolitana), o caso de Timor não deixou de figurar também no catálogo das acções “desonrosas” da dissolução imperial5. Prudentemente, alguns dos protagonistas implicados na condução política do processo de descolonização e nas negociações que conduziram aos acordos de independência, ou que exerceram cargos de chefia em todo esse período transitório, de Cabo Verde a Timor, optaram, regra geral, por observar uma postura reservada face a tais injunções (excepção feita quando elas eram articuladas por figuras intelectuais inesperadas, como António José Saraiva6). Mário Bacalhau, Sondagem à opinião pública. Os portugueses e a política quatro anos depois do 25 de Abril (Lisboa: Instituto de Estudos de Desenvolvimento/Editorial Meseta, 1978), na qual 59 por cento dos inquiridos se revelava favorável à concessão da independência às colónias, embora “garantindo os direitos dos portugueses lá radicados”. Apenas 2 por cento se afirmava favorável à continuação da guerra contra os movimentos de libertação. 4 Acusamos! A Descolonização (Lisboa: Ed. Literal-Selecta, 1976); Luiz Aguiar, O Livro Negro da Descolonização (Lisboa: Intervenção, 1977); Silvino Silvério Marques et al., Os “Descolonizadores” e o Crime de Traição à Pátria (Lisboa: Ulisseia, 1983). 5 Ver, entre outros, L. F. Thomaz, “Timor”, in A Descolonização Portuguesa – Aproximação a um Estudo, ed. Grupo de Pesquisa da Descolonização Portuguesa (Lisboa: Instituto Amaro da Costa, 1982), 167-199. 6 Foi o caso das reacções de Vasco Lourenço e Melo Antunes ao artigo “O 25 de Abril e a História”, publicado por António José Saraiva, prestigiado intelectual com um passado de oposição à ditadura e ligação ao PCP, Diário de Notícias, de 26 de Janeiro de 1979. 3

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Essa atitude começou todavia a ser modificada em meados dos anos 1990. Com as instituições democráticas consolidadas e os benefícios tangíveis da integração europeia a criarem o sentimento de que as grandes opções estratégicas da revolução tinham sido acertadas, era natural que uma atmosfera mais apaziguada em relação ao 25 de Abril e à descolonização sobreviesse. Não menos importante, o fim da Guerra Fria, em 1989-91, pareceu criar condições para uma resolução dos conflitos que durante anos devastaram Angola e Moçambique, e para que todos os regimes marxistas da África Lusófona, seguindo uma tendência geral, aceitassem o jogo do multipartidarismo e do capitalismo laissez-faire. Um a um, os constrangimentos que haviam obstado à criação de uma comunidade pós-colonial para o espaço lusófono – um marco importante na “normalização” dos traumas coloniais – foram caindo. Entre 1998 e 2002, três acontecimentos altamente simbólicos pareciam anunciar o fim do luto imperial – a realização da EXPO-98, um evento concebido para celebrar uma identidade pós-colonial que não enjeitava a memória das “Descobertas”; a transferência pacífica e ordenada da administração portuguesa em Macau para a República Popular da China (1999); e o advento da independência de Timor-Leste (2002), no termo de um longo processo político-diplomático que mobilizou não apenas a elite governante mas também segmentos significativos da sociedade portuguesa. Contra este pano de fundo, dar testemunho sobre o seu papel na descolonização terá parecido menos problemático a uma série de figuras que nesta conjuntura concederam “entrevistas de vida” ou redigiram as suas memórias, de Mário Soares a Almeida Santos, passando por individualidades cimeiras do MFA (Costa Gomes, Melo Antunes, Vasco Gonçalves, entre outros). Em termos historiográficos, as abordagens à descolonização têm-se inscrito num campo híbrido, onde obras de recorte mais polemizante coexistem com aproximações baseadas em metodologias próprias da história e outras ciências sociais. Trata-se, todavia, de um campo onde antigos protagonistas, geralmente militares, têm também procurado marcar o seu território – desde antigos membros da Comissão Coordenadora do MFA, como Pezarat Correia7, a oficiais mais identificados com a visão spinolista da descolonização, como Manuel Amaro Bernardo8 –, abordagens que, como seria de esperar, evidenciam o “engajamento” dos autores no processo que se propõem analisar. Numa veia mais académica, tentando evitar as questões da responsabilização individual e dos juízos morais subjacentes, é justo destacar duas obras de síntese, as de Norrie MacQueen9 e António Costa Pinto10, que nos fornecem um quadro geral do fim do império tomando em consideração as dimensões identificadas como chave pela literatura de referência para um entendimento desses fenómenos – o centro metropolitano; a periferia imperial (aqui se incluindo tanto os agentes do poder colonial como os grupos 7 Pedro Pezarat Correia, Descolonização de Angola – a Jóia da Coroa do Império Português (Mem Martins: Editorial Inquérito, 1991) e “Descolonização”, in Do Marcelismo ao Fim do Império, coord. J. M. Brandão de Brito (Lisboa: Editorial Notícias), 101-224. 8 Manuel A. Bernardo, Combater em Moçambique: Guerra e Descolonização, 1964-1975 (Lisboa: Prefácio, 2003). 9 Norrie MacQueen, The Decolonization of Portuguese Africa. Metropolitan Revolution and the Dissolution of Empire (Londres: Longman, 1997). 10 António Costa Pinto, O Fim do Império Português. A Cena Internacional, a Guerra Colonial e a Descolonização (Lisboa: Livros Horizonte, 2001).

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que se lhe opunham); e o contexto internacional11. A estas poderíamos acrescentar a monografia de Kenneth Maxwell sobre a transição democrática em Portugal12, ou o volume coordenado por José Medeiros Ferreira para a História de Portugal de José Mattoso13, nas quais a dialéctica entre as dinâmicas metropolitanas, as vicissitudes da política africana e o papel dos factores internacionais é igualmente equacionada. Sendo impossível dar aqui conta dos numerosos estudos de caso que nas últimas décadas têm sido produzidos para cada um dos territórios, retenham-se contudo algumas tendências. Angola é porventura o caso que mais tinta fez correr desde 1975, não só pela sua posição ímpar no cômputo geral dos interesses portugueses (pelo número de colonos aí fixados e pela sua expressão económica), como também pela saliência geopolítica que o seu acesso à independência adquiriu14. Embora alguns hiatos persistam, um conjunto de estudos e monografias publicados em vários países oferece-nos uma visão muito mais complexa e nuançada da trajectória do nacionalismo angolano, por exemplo, completando ou desafiando as narrativas mais oficiosas15 ou socialmente redutoras.16 Território a território, os últimos anos assistiram à emergência de uma literatura que procura inserir a cesura de 1975 num arco temporal mais amplo e numa teia de influências (económicas, sociais e culturais) muito mais multifacetada do que se supunha. Questões até aqui apenas tratadas de forma impressiva ou tangencial, como as dinâmicas e transformações características do colonialismo tardio (crescimento dos centros urbanos, expansão do sistema de ensino, tensão e interacção entre igrejas, minorias religiosas e estado colonial, o papel do desporto, a música e outras formas de expressão cultural), deram azo a estudos que gradualmente estão a mudar a nossa percepção de um fenómeno que, tanto em termos descritivos como analíticos, parecia confinado a um núcleo restrito de actores históricos.17 A distância temporal, e a atitude mais inquisitiva que por vezes só a passagem dos anos permite, tem também facilitado o escrutínio dos aspectos melindrosos ou traumáticos que estão invariavelmente presentes na história de todas as descolonizações. Embora ainda de forma impressiva, situações como a da repressão que se abateu sobre os antigos combatentes africanos das forças armadas portuguesas, ou outros “colaboradores” do poder colonial, começam finalmente a ser examinadas, quer em Portugal quer nos chamados PALOP. Curiosamente, aquela que poderá ser vista como uma das mais emotivas facetas da desagregação do império – o grande êxodo da comuJohn Darwin, The End of the British Empire. The Historical Debate (Oxford: Basil Blackwell, 1991). Kenneth Maxwell, A Construção da Democracia em Portugal (Lisboa: Presença, 1999). 13 José Medeiros Ferreira, “Portugal em Transe”, in História de Portugal. Vol. VIII, dir. José Mattoso (Lisboa: Círculo de Leitores, 1994). 14 Ver, entre outros, John Marcum, The Angolan Revolution. Vol. 2. Exile Politics and Guerrilla Warfare 1962-1976 (Cambridge, Mass; MIT Press, 1978); Franz-Wilhelm Heimer, O Processo de Descolonização em Angola 1974-1976 (Lisboa: Regra do Jogo, 1980); Fernando Andresen Guimarães, The Origins of the Angolan Civil War. Foreign Intervention and Domestic Political Conflict (Londres: MacMillan, 2001); Piero Gleijeses, Conflicting Missions: Havana, Washington and Africa (Chapel Hill, NC: University of North Carolina Press, 2002). 15 Marissa Moorman, Intonations. A Social History of Music and Nation in Luanda, Angola, from 1945 to Recent Times (Ohio UP, 2008) e Jean-Michel Mabeko Tali, Dissidências e poder de Estado. O MPLA perante si próprio 1962-1977, 2 volumes (Luanda: Nzila, 2001). 16 Fernando Tavares Pimenta, Angola, os Brancos e a Independência (Porto: Afrontamento, 2008). 17 Para além de Moorman, cf., entre outros, Cláudia Castelo et alia, Os Outros da Descolonização. Ensaios sobre o colonialismo tardio em Moçambique (Lisboa: ICS, 2012). 11 12

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nidade europeia (ou euro-africana nalguns casos) –, embora estudado numa perspectiva socio-demográfica pioneira nos anos 198018, permanece um campo de inquérito ainda pouco estudado, nomeadamente se atendermos à riqueza das suas ramificações em termos sociais e culturais. Mais do que um objecto de estudo histórico, essa faceta tem sobretudo constituído matéria-prima para registos ficcionais (literários e audiovisuais) e memorialísticos, ou quanto muito para reportagens realizadas numa óptica de history from bellow.19 Mas, tudo somado, será que a história conseguiu estabelecer um quadro interpretativo que, não obstante as inevitáveis (e salutares) diferenças de perspectiva, possa viabilizar uma discussão mais serena acerca das circunstâncias em que se operou o fim do ciclo imperial português? Talvez ainda não tenhamos chegado a esse ponto. A opção por títulos como Ficheiros Secretos da Descolonização20 ou Segredos da Descolonização21, ou uma série de ensaios recentemente publicados num portal de notícias22, sugere a persistência de uma visão “conspirativa” ou moralizante em relação ao modus operandi da retirada imperial portuguesa. Uma vez mais, a ideia de que aquilo que teve lugar nos diferentes territórios terá correspondido mais a uma fuga às responsabilidades, ou a uma parcialidade a favor de alguns dos grupos nacionalistas, do que a uma tentativa de organizar uma saída tão “honrosa” quanto possível, revela uma resiliência assinalável. Em contraste, porém, com a persistência desta visão, a produção historiográfica que referimos acima tem contribuído para integrar o processo da descolonização portuguesa no quadro mais vasto do que foram outras descolonizações, nomeadamente as que conduziram ao desmantelamento dos impérios britânico e francês, permitindo diluir, em grande medida, o que em leituras mais enviesadas aparece como a excepcionalidade da descolonização que o Estado português empreendeu no período de 1974-75, uma excepcionalidade quase sempre entendida como anátema. Tudo aponta, aliás, para que futuros trabalhos de investigação que aprofundem um enfoque comparativo venham dissolver ainda mais essa ideia de uma excepção “maldita” que teria marcado o processo de descolonização portuguesa. De certa forma, foi este o desígnio que esteve na origem do desafio lançado pela editora aos coordenadores do presente volume: oferecer ao público um conjunto de ensaios que permitisse situar o problema da descolonização de forma menos emotiva e desejavelmente dando conta dos avanços que a investigação história tem produzido. Tal solicitação obrigou-nos, porém, a fazer algumas opções editoriais. Estamos conscientes de que um entendimento mais abrangente e multifacetado do fim do império português requer uma escala de análise mais ampla, mormente em termos de cronologia, do que aquela que foi possível empreender neste volume. Mas os inevitáveis constrangimentos de espaço obrigaram-nos a impor aos autores uma compressão do leque temporal, na expectativa de que com essa indicação os estudos de caso aqui presentes adquirissem uma maior densidade em termos descritivos e analíticos. Rui Pena Pires, Os Retornados: Um Estudo Sociográfico (Lisboa: Cadernos do Instituto para o Desenvolvimento, 1987). 19 Sarah Adamopoulos, Voltar. Memória do Colonialismo e da Descolonização (Lisboa: Planeta, 2011). 20 Maria Leonor Figueiredo, Ficheiros Secretos da Descolonização de Angola (Lisboa: Alêtheia, 2009). 21 Alexandra Marques, Segredos da Descolonização de Angola (Lisboa: Dom Quixote, 2013). 22 Vejam-se, por exemplo, Helena Matos, “Afinal, quem realizou a descolonização?”, 11 de Outubro de 2014; “Descolonização: o terror do batalhão em cuecas”, 28 de Fevereiro de 2015; “Chamaram-lhes retornados”, 11 de Abril de 2015; e Fernando Martins, “Uma descolonização voluntarista”, 24 de Janeiro de 2015 – todos no website Observador (http://observador.pt/). 18

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Aos autores foi igualmente recomendada parcimónia na construção do aparato crítico dos seus capítulos, visto ser esta uma obra de divulgação e não um trabalho de erudição. Na escolha dos colaboradores, procurámos assegurar algum equilíbrio e representatividade – a par de académicos portugueses de créditos firmados, o volume conta com a colaboração de dois especialistas anglo-saxónicos bem conhecidos do público que segue estas temáticas, bem como de duas reconhecidas historiadoras de dois países africanos saídos da descolonização portuguesa. De todos os antigos territórios que constituíam o chamado “Ultramar” em 1974, deixámos apenas de fora Macau, por razões que são fáceis de explicar. Embora a mudança de regime na metrópole tenha obviamente tido as suas repercussões locais, as autoridades chinesas enjeitaram a ideia da abertura de quaisquer negociações tendentes à revisão do ambíguo estatuto do enclave – um misto de motivações políticas internas, de desconfiança face à orientação estratégica e ideológica da revolução portuguesa, bem como de reafirmação da supremacia da RPC sobre um território onde os últimos vestígios do poder português haviam sido reduzidos a uma expressão quase residual em finais dos anos 1960.23 Quarenta anos volvidos sobre processos e acontecimentos que tiveram um impacto estruturante, quer no Portugal democrático, quer nas nações que deles emergiram, e que pelo caminho cruzaram muitas esperanças com não poucos traumas, julgamos que é tempo de fazer não apenas um balanço crítico, mas, sobretudo, de contribuir para aumentar a compreensão do fenómeno complexo que foi a descolonização portuguesa. Esse constitui o propósito maior deste livro.

João Pina Cabral, “A composição social de Macau”, in História da Expansão Portuguesa. Vol. V: Último Império e Recentramento 1930-1998, dir. Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri (Lisboa: Círculo de Leitores, 1998), 275-298. 23

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Amélia Neves de Souto. Historiadora moçambicana, doutorou-se em História Institucional e Política Contemporânea na Universidade Nova de Lisboa. É pesquisadora no Centro de Estudos Sociais Aquino de Bragança (CESAB). Os seus interesses actuais de pesquisa versam o estudo dos movimentos de libertação, transição para a independência e questões da história, memória e identidade. Entre as suas últimas publicações destacam-se: “Memory and Identity in the History of Frelimo: Some Research Themes”, Kronos 39, 2013, 280-296; “Relações entre Portugal, África do Sul e Rodésia do Sul e o Exercício ALCORA: elementos fundamentais na estratégia da condução da guerra – 1960-1974”. In: Maria Paula Meneses e Bruno Sena Martins (org.). As Guerras de Libertação e os Sonhos Coloniais: alianças secretas, mapas imaginados (2013), 143-169, e “Moçambique (1970-1974): guerra, repressão, violência e contestação”. In: Teresa Cruz e Silva (org.). Zedequias Manganhela: uma biografia contextualizada 1912-1972 (2013), 193-247.

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Ângela Sofia Benoliel Coutinho. Doutorada em História da África Negra Contemporânea pela Universidade de Paris I – Panthéon Sorbonne, em 2005. Foi leitora na Universidade de Paris X – Nanterre, docente no ensino superior privado em Cabo Verde e bolseira de pós-doutoramento da FCT (Ministério da Ciência – Portugal). É investigadora no IPRI – Universidade Nova de Lisboa e no CEIS20 – Universidade de Coimbra. Colabora com as Fundações António Canuto e Amílcar Cabral, em Cabo Verde, e com a Cape Verde Jewish Heritage Project, Inc. (Washington, EUA) estando presentemente a levar a cabo um projecto financiado pela World Monuments Fund (NY, EUA). António E. Duarte Silva. Jurista aposentado e investigador associado do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa. Tem vários escritos nas áreas do Direito Constitucional, do Direito Colonial e da Descolonização, nomeadamente os livros: A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa (1997); Amílcar Cabral – Documentário/Textos políticos e culturais (apresentação e organização) (2008); Invenção e Construção da Guiné-Bissau (2010); e os artigos (publicados em volumes de Estudos em Homenagem…): “Movimentos de libertação nacional, descolonização e formação do Estado”, “Amílcar Cabral e o direito da descolonização” e “Estado constitucional e poder marcial na Guiné-Bissau”.

Notas Biográficas dos Autores

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Augusto Nascimento. Licenciou-se em História em 1981 pela Universidade de Lisboa. Em 1992, obteve o grau de Mestre, em 2000, o de Doutor em Sociologia e em 2015 o de Agregado em História Contemporânea pela UNL. Investigador integrado no Centro de História da Universidade de Lisboa (CH-UL). É autor de vários livros, entre eles, Órfãos da Raça. (2002); Desterro e contrato (2002); O sul da diáspora (2003); A misericórdia na voragem das ilhas (2003); Entre o mundo e as ilhas (2005); O fim do caminhu longi (2007); Vidas de S. Tomé segundo vozes de Soncente (2008); Histórias da Ilha do Príncipe (2010), Desporto em vez de política no São Tomé e Príncipe colonial (2013).

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Bruno Cardoso Reis. Mestre em Historical Studies pela Universidade de Cambridge. Doutorado em História e Teoria das RI com especialização em Segurança Internacional (War Studies) pelo King’s College. É actualmente Investigador Auxiliar no ICS-UL, Investigador Associado do Sir Michael Howard Centre do King’s College e tem assessorado o IDN-Ministério da Defesa Nacional. Entre as suas publicações recentes cabe referir: The theory and practice of irregular warfare [com A. J. Mumford] (2013); “Portugal and the UN: a rogue state resisting the norm of decolonization (1956-1974)”, Portuguese Studies, 29/2 (2013), 251-276; “A vida política” in J. L. Cardoso (ed.), História Contemporânea de Portugal 1808-2010. 4 Olhando para dentro 1930-1960 (2014), 33-71; e “Myths of Decolonization: Britain, France, and Portugal Compared” in Miguel Bandeira Jerónimo & António Costa Pinto (eds.), The ends of european colonial empires: cases and comparisons (2015), 126-147.

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Fernando Augusto de Figueiredo. Doutor em História pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Investigador do CEH e do CHAM da UNL. É autor de Timor: A Presença Portuguesa 1769-1945 (2011), Timor-Leste: A Presença Portuguesa desde a Reocupação à Invasão Indonésia (1945-1975) (em fase de publicação), e tem em preparação O Café de Timor: Cultura e Comercialização 1815-2012. Colaborador nas obras História dos Portugueses no Extremo Oriente, na Nova História da Expansão Portuguesa e nas revistas Oriente, Negócios Estrangeiros e Veritas.

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Fernando Rosas. Professor Catedrático do Departamento de História da FCSH e investigador integrado do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa. Da sua bibliografia sobre vários aspectos da História Contemporânea de Portugal, fazem parte títulos como O Estado Novo nos Anos Trinta 1928-1936 (1986); Portugal entre a Paz e a Guerra 1939-1945 (1990); O Estado Novo 1926-1974. Vol. VII. História de Portugal (1994); Portugal Século XX: 1890. Pensamento e Acção Política (2003). O seu último livro, Salazar e o Poder. A Arte de Saber Durar (2012), foi galardoado com o Prémio Pen (na categoria de Ensaio). Mais recentemente foi o autor e apresentador da série televisiva História a História (RTP). Fernando Tavares Pimenta. Doutor em História e Civilização pelo Instituto Universitário Europeu de Florença e Investigador da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH-UNL). É também colaborador do Instituto de História Contemporânea de Ferrara. Entre as suas obras destacam-se os livros: Brancos de Angola. Autonomismo e Nacionalismo, 1900-1961 (2005), Angola. Os

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Brancos e a Independência (2008), Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização, 1890-1975 (2010), Storia Politica del Portogallo Contemporaneo, 1800-2000 (2011) e, na qualidade de coordenador, República e Colonialismo na África Portuguesa (2012). Em 2009 foi galardoado com o Prémio Victor de Sá de História Contemporânea pela Universidade do Minho.

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Malyn Newitt. Foi professor nas Universidades da Rodésia e Exeter, onde exerceu funções como Deputy Vice Chancellor. De 1998 até à sua aposentação em 2005 foi Charles Boxer Professor of History no King’s College da Universidade de Londres. Especialista em história colonial portuguesa, é autor de Portuguese Settlement on the Zambesi (1973), Portugal in Africa (1981), São Tomé and Príncipe. From Plantation Colony to Microstate [com Tony Hodges] (1989), History of Mozambique (1995), East Africa. Portuguese documents in translation (2002), A History of Portuguese Overseas Expansion 1440-1668 (2004) e War, Revolution & Society in the Rio de la Plata: Thomas Kinder’s Narrative of a Journey to Madeira, Montevideo and Buenos Aires (2010).

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Mário Artur Machaqueiro. Licenciado em Filosofia em 1985, realizou em 2006 o seu doutoramento na área da Sociologia Histórica com uma dissertação sobre a Revolução Soviética, cuja versão reduzida foi publicada, em 2008, pela Afrontamento com o título A Revolução Soviética, Hoje – Ensaio de releitura da revolução de 1917. Os seus artigos publicados têm versado áreas como a teoria dos processos identitários, a articulação entre imagens coloniais do Islão e formas de governança colonial das comunidades muçulmanas, bem como as relações diplomáticas entre o Portugal colonial e o Médio Oriente. É investigador integrado do Instituto de História Contemporânea da FCSH da Universidade Nova de Lisboa.

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Marta Vilar Rosales. Investigadora auxiliar do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Doutorou-se em Antropologia (2007) na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde exerce funções docentes no Departamento de Antropologia na qualidade de professora auxiliar convidada. Desenvolveu trabalho de terreno em Moçambique, Canadá, Brasil e Portugal sobre migrações portuguesas nos séculos XX e XXI, estudando os quotidianos e a cultura material doméstica destas populações. Tem igualmente desenvolvido trabalho na área da antropologia dos media em contextos migratórios. Norrie MacQueen é Honorary Research Fellow na Escola de Relações Internacionais da Universidade de St. Andrews. É autor de A Descolonização da África Portuguesa: a Revolução Metropolitana e a Dissolução do Império (1998) e tem escrito extensamente sobre o fim do colonialismo português e o processo de ajustamento pós-colonial, bem como sobre as Nações Unidas e as missões de manutenção da paz. Cooperante em Moçambique nos anos imediatamente posteriores à independência, fez também parte da Unidade de Apoio à Governação na fase final da Missão da ONU em Timor-Leste em 2012.

Notas Biográficas dos Autores

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Pedro Aires Oliveira. Doutorado em História Contemporânea e professor auxiliar no Departamento de História da FCSH-UNL. Faz parte da direcção do Instituto de História Contemporânea e é investigador associado do Instituto Português de Relações Internacionais. Os seus interesses de investigação têm incidido principalmente na História das Relações Externas Portuguesas e na História do Colonialismo e da Descolonização. Autor de vários livros, entre os quais Os Despojos da Aliança. A Grã-Bretanha e a Questão Colonial Portuguesa 1945-1975 (2007); A Primeira República Portuguesa. Diplomacia, Guerra e Império (co-org. com Filipe R. de Meneses, 2011) e História da Expansão e do Império Português (em co-autoria com J. P. Oliveira e Costa e J. Damião Rodrigues, 2014).

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