\"On the Battlefield\": A violência nas visões de liberdade dos negros na Guerra Civil Americana (1861-1865)

October 8, 2017 | Autor: Lara Taline Santos | Categoria: History, American History, History of Slavery, American Civil War
Share Embed


Descrição do Produto

25





Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná -UFPR, integrante da linha de pesquisa Espaço e Sociabilidades. Projeto: Visões de liberdade e escravidão dos soldados negros na Guerra Civil Americana (1861-1865), sob orientação da Professora Doutora Martha Daisson Hameister.

Os border states eram estados escravistas que não declaram secessão a União desde 1861. Eram eles: Missouri, Delaware, Maryland e Kentucky. Em 1863, West Virginia separou-se do estado confederado da Virginia e também tornou-se um border state ao declarar-se um novo estado escravista na União.
A batalha de Shiloh foi a maior batalha realizada no sul durante a guerra civil. Deflagrada entre seis e sete de abril de 1862 no Tennessee, foi uma das grandes vitórias do notório general nortista Ulysses S. Grant. Sobre a Batalha de Shiloh ver: DANIEL, Larry J. Shiloh: The Battle That Changed the Civil War. New York: Simon & Schuster, 1997.
A Proclamação de Emancipação, outorgada pelo Presidente Abraham Lincoln e válida a partir de 01 de janeiro de 1863, decretou o fim da escravidão nos dez estados que permaneciam rebeldes. Como Kentucky não havia declarado secessão à União, a lei permitia que se mantivessem escravistas. Sobre a Proclamação de Emancipação ver: FONER, Eric. The Fiery Trial: Abraham Lincoln and American Slavery. W.W.Norton & Company, New York - NY, 2010 e "The Emancipation Proclamation". National Archives and Records Administration. Retrieved 2013-06-27. Disponível em: http://www.archives.gov/exhibits/featured_documents/emancipation_proclamation/ Acesso em: 18/12/2013.
A Décima Terceira Emenda da Constituição dos Estados Unidos aboliu a escravidão e a servidão involuntária, a não ser em caso de pena por algum delito. Aprovada pelo senado em 8 de abril de 1864 ela só foi completamente adotada em 18 de dezembro de 1865. Sobre a décima terceira emenda ver: FONER, Eric. The Fiery Trial: Abraham Lincoln and American Slavery. W.W.Norton & Company, New York - NY, 2010
As tropas negras que integravam o serviço militar norte-americano eram designadas pela sigla USCT – United States Colored Troops. Os regimentos de infantaria compostos por negros que integravam o serviço militar norte-americano era designados pela sigla USCI – United States Colored Infantry. Os regimentos de artilharia pesada compostos por negros que integravam o serviço militar norte-americano eram designados pela sigla USCHA – United States Colored Heavy Artillery.
"On the Battlefield": A violência nas visões de liberdade dos negros na Guerra Civil Americana (1861-1865)
Lara Taline dos Santos
[email protected]

Resumo
Tomando por base o marco teórico de Sidney Chalhoub, entende-se que é preciso considerar que escravos e libertos produziam valores próprios, resultantes de experiências particulares e coletivas. Centenas de negros que adentraram o exército norte-americano durante o período de guerra civil (1861-1865) forjavam suas visões e perspectivas sobre a liberdade tomando por base a vivência no fronte de batalha, no enfrentamento físico contra o inimigo. Tendo em vista esta abordagem metodológica, o objetivo consiste em realizar alguns apontamentos acerca da influência e importância da violência nas visões de liberdade forjadas durante o combate seccional tendo por base cartas escritas por soldados e civis negros que vivenciaram a experiência da guerra.
Palavras-chave: violência, soldados negros, guerra civil americana

Abstract
Based on Sidney Chalhoub´s theoretical framework, we consider that slaves and freedmen produced their own values, as a result of individual and collective experiences. Hundreds of blacks who joined the U.S. Army during the Civil War (1861-1865) forged their views and perspectives about freedom, built based on the experience on the front lines of battle, on the physical confrontation with the enemy. Therefore, the objective is to make a few remarks about the importance and influence of violence to the views of freedom created during the civil war based on letters written by black soldiers and civilians who experienced the war.

Palavras-chave: violence, black soldiers, american civil war

1. Introdução
A guerra civil americana foi deflagrada entre os anos de 1861 e 1865 envolvendo estados na porção norte contra aqueles situados ao sul dos Estados Unidos. A eclosão deste embate transformou a ameaça separatista em realidade com o desmembramento dos rebeldes em um novo país: Os Estados Confederados do Sul. Essa organização manteve-se apenas no período de guerra, entretanto seu impacto político e econômico para toda a federação foi incalculável. (IZECKSOHN, 2003, p. 47)
O conflito foi produto de profundas divergências - políticas, sociais e econômicas - que somaram-se a uma a questão central: a escravidão. A antiga instituição escravista, herança do período colonial, constituiu o ponto de divergência mais profundo entre norte e sul, contribuindo para que outros aspectos de desacordo emergissem e acabassem por encaminhar o jovem país à secessão.
Os diferentes projetos de colonização evidenciam diferenças internas recobertas por uma capa de unidade que era a federação dos estados. Esses eram muito diferentes entre si, porém mantinham-se unidos porque gozavam de uma forte autonomia dentro da federação. Ou seja, só podiam ser "um só", porque o tipo de organização adotada permitia que essas diferenças existissem, já que o pressuposto dessa organização era a autonomia dos estados. Este panorama também corrobora a hipótese de que no momento da guerra civil a questão da escravidão era tão forte que o princípio da autonomia dos estados da federação foi à breca quando o norte interferiu no modelo de organização política, social e econômica do sul.
Em fevereiro de 1861, South Carolina, Mississippi, Florida, Alabama, Georgia, Louisiana e Texas deixaram a União em resposta à política governamental da gestão Abraham Lincoln compreendida como abolicionista. Meses depois, em 12 de abril de 1861, após a investida confederada contra os soldados da União que ocupavam o Forte Sumter em South Carolina, o então presidente Abraham Lincoln convocou cerca de setenta e cinco mil voluntários a apresentarem-se ao exército. Contrariando a expectativa republicana de que a causa seccional obteria pequeno apoio, poucos dias após a convocatória outros quatro estados - Virginia, Arkansas, Tennessee e North Carolina - retiraram-se dos Estados Unidos para formar os onze estados da Confederação. (HORTON, 2007, p. 16)
Com a eclosão e recrudescimento das batalhas, o problema da insuficiência militar evidenciou-se. Os exércitos do norte e sul não possuíam contingente humano - em idade e condição de combate - suficiente em um conflito de dimensões tão grandes. Desta maneira, rapidamente passaram a depender das tropas formadas por homens de cor. Os soldados negros, sendo grande parte ex-escravos fugidos de estados confederados e border states, cunhavam suas próprias concepções sobre a liberdade e a escravidão. O passado de escravidão não impossibilitava o soldado negro de tomar atitudes e criar visões próprias sobre sua condição, nem tão pouco fazia de todos bravos guerreiros, paladinos da liberdade. Dessa forma, é preciso considerar que escravos e libertos produziam seus próprios valores, resultantes de experiências particulares e coletivas. (CHALHOUB, 1990, p. 20)
O sentido da liberdade para o soldado negro que havido sido escravizado possuía ligação direta com o passado de escravidão e, em alguma medida, com a maneira com a qual seu deu seu ingresso na corporação militar. Para além disso, o fronte de batalha e os horrores da guerra ajudaram a moldar uma racionalidade própria dos soldados sobre o processo de obtenção da liberdade individual e coletiva.
A elaboração de concepções que versavam sobre a liberdade e a escravidão passavam pela vivência de guerra do soldado negro. Impressões sobre o enfrentamento físico contra o inimigo e sobre a relação entre violência e liberdade podem ser encontradas na correspondência remetida por esses soldados diretamente do fronte para suas famílias, oficiais de patente maior e autoridades políticas. Por outro lado, a brutalidade da guerra também ajudou a moldar a visão de liberdade de quem ficava, das centenas de negros e negras que não chegaram a pegar em armas mas que viviam, cotidianamente, uma batalha pela liberdade.
Desta maneira, nas próximas páginas buscaremos na documentação concepções que expressem a idéia de que o caminho para a liberdade passava, inevitavelmente, pelo enfrentamento físico, dor, sofrimento e morte. Visões da guerra como luta pela liberdade permearam a ideologia do conflito como um todo e certamente impulsionaram centenas de soldados negros a lutarem no exército, e ainda outros tantos civis fora do fronte a empreenderem batalhas por seus direitos e dos seus irmãos negros.
2. Uma breve aproximação à historiografia da secessão
Durante décadas, os historiadores da secessão dividiram-se basicamente em duas linhas interpretativas bem definidas: uma dita tradicionalista e outra conhecida como revisionista. Enquanto tradicionalistas como compreendiam a guerra como inevitável, os revisionistas a consideravam uma carnificina desnecessária que poderia ter sido evitada pela via moral e política. (GENOVESE, 1976, p. 11)
Outras vertentes historiográficas emergiram dessas abordagens, tais quais o neorevisionismo, que mesmo alegando desprendimento do antigo revisionismo ainda reiterava que os conflitos que levaram a secessão eram facilmente evitáveis.(GENOVESE, 1976, p. 12) Entretanto, é a partir da década de 1960 que uma alternativa a essas interpretações emerge com força na produção norte-americana sobre o tema. Esta linha historiográfica é assumida por historiadores como Eugene Genovese, Ira Berlin e Edward Redkey, que procuram compreender aspectos do processo histórico de emancipação dos escravos através do olhar daqueles que vinham de um passado de escravidão, apreendendo a variedade e complexidade de suas experiências. Esses autores propõem uma saída ao dualismo interpretativo estabelecido na historiografia: pensar a guerra como um "antagonismo multifacetado" (GENOVESE, 1976, p. 13) no qual o principal ponto de desacordo versa à respeito da destruição da escravidão.
Desde a década de 1980, acentuou-se o número de estudos que privilegiam análises relativas aos soldados na Guerra Civil. Quem eram os soldados? Como viviam? Por quem lutavam? Como se sentiam? No que acreditavam? São as principais preocupações desta corrente que propõe a análise da complexidade das experiências do fronte a partir dos soldados comuns, rasos. (BARTON E LOGUE, 2002, p. 02). Ao propor a análise da influência da experiência da guerra na elaboração de visões sobre a liberdade pelos soldados e civis negros residentes no norte e do sul, o artigo insere-se nesta última linha historiográfica.
3. Os efeitos psicológicos do conflito
A experiência da guerra civil mudou os homens que dela participaram, combinando elementos particulares com a crueldade da realidade física do conflito que mais matou americanos em seu próprio continente. A grande maioria dos soldados que passaram efetivamente algum tempo no fronte sofreu transformações psicológicas profundas e irreparáveis que mudaram seu relacionamento com a sociedade civil e seu entendimento sobre as demandas do conflito. (MITCHELL, 2002, p. 354)
Mesmo que escapassem da morte, os efeitos psicológicos do conflito eram inevitáveis. A velha lógica de "matar ou morrer" permeava os dias e noites daqueles que iam para o fronte. Munidos de baionetas os soldados deixavam ser vítimas e transformavam-se também em assassinos. Especificamente para os soldados negros matar outros homens, não raro escravos e ex-escravos que igualmente lutavam por uma vida melhor, trazia um impacto moral difícil de ser assimilado. A natureza da guerra trazia o fardo de matar outros homens, porém nem sempre aceitá-lo era fácil, mesmo tendo em vista as representações criadas acerca do inimigo visando desumanizá-lo. Abraçar livremente a idéia do assassinato demandava desistir dos rígidos impulsos de autocontrole - ditados pela sociedade - que afetavam também aqueles que tinham suas origens no cativeiro. Por outro lado, existiam aqueles soldados que compreendiam o impacto de tirar a vida de outras pessoas de forma diferente, chegando a usar isto como estímulo. Daí a complexidade de se compreender como um soldado negro, vindo de um passado de escravidão, criava uma nova identidade mesclando o fato de que era, simultaneamente, vítima e algoz da guerra.
O combate homem a homem ajudou a moldar concepções sobre temas mais amplos, como a liberdade e a luta que era empreendida para a conquistá-la. Os motivos que levavam os combatentes à continuar lutando eram inúmeros e muito particulares. Pete Maslowski mapeou e dividiu o comportamento ideológico dos soldados em três grandes linhas: o primeiro deles referia-se ao amor pelo país, assumindo, traços patrióticos. O segundo relacionava-se à crença em um mundo melhor que viria com o fim da guerra. Finalmente, o terceiro referia-se à confiança na luta, tendo em vista os benefícios que seriam adquiridos com a vitória sobre o inimigo. (MASLOWSKI, 2012, p. 315)
Para os soldados negros, particularmente, o maior desses benefícios era a destruição da escravidão. Logo, era válido enfrentar os horrores do fronte, matar e morrer em prol da causa da emancipação. Havia diferentes maneiras de se refletir essa carga psicológica da batalha, uma das mais comuns era através de expressões de raiva. No caso dos soldados que vinham de um passado de escravidão, a ira poderia auxiliar na elaboração de concepções que versam acerca da liberdade.
Para muitos, o sentimento de liberdade vinha atrelado à vingança. O combate físico, o enfrentamento contra o inimigo confederado, era representação da luta individual contra o senhor de escravos, uma chance não só de se libertar das amarras da escravidão, mas também de vingar-se daquele que o tinha mantido em cativeiro por tantos anos. Só a morte poderia sanar a dívida dos senhores que os exploraram durante toda uma vida. Desta maneira, participar de uma tropa era uma oportunidade de fazer justiça para si e, em alguns casos, para seus "irmãos" que continuavam sofrendo os horrores da escravidão nos estados confederados e nos border states. Daí também a confiança e a esperança que as centenas de negros - muito ainda escravizados - que não foram à guerra depositavam nos soldados de cor.
Assim, percebe-se que a violência do conflito estimulou diferentes respostas emocionais. (MITCHELL, 2002, p. 365) Soldados e civis negros reagiram diferentemente aos estímulos da guerra e a violência apresentou-se de forma variada, porém constante, em suas concepções sobre a liberdade individual e coletiva.
4. Tropas fatigadas: violência, racismo e desmotivação entre soldados negros
A violência era parte do cotidiano de um país dividido pela guerra dentro e fora do fronte. A batalha trouxe à tona sentimentos limites entre a população negra de forma geral, visto seu anseio por liberdade passar diretamente pelo conflito armado. Entretanto, aqueles que alistavam-se e chegavam a ir ao campo de batalha além de lidar com situações extremamente extenuantes fisicamente, ainda tinham de lutar contra a violência e o racismo presentes na estrutura militar.
Antes mesmo de entrar nas fileiras do exército, as centenas de homens que vieram a ocupar postos nos regimentos de cor já sofriam com situações limites de violência física e psicológica. Muitos escravos viam nos estados do norte uma chance de viver em liberdade e ascender socialmente alistando-se nas forças militares. Assim, os acampamentos da União possuíam número expressivo de soldados que outrora foram cativos no sul e nos border states e que conseguiram fugir para as linhas nortistas. Paralelamente, as tropas negras da União também concentravam homens livres e libertos.
No sul, muitos escravos - sobretudo nos anos derradeiros do conflito - garantiram sua liberdade no ato do alistamento, porém uma das modalidades mais freqüentes de recrutamento previa que o soldado ganharia sua liberdade apenas ao final do conflito em caso de vitória das forças confederadas. O alistamento compulsório também era muito comum, tendo dois modelos principais. O primeiro se referia a escravos que eram enviados ao exército como forma de compensação por senhores que desejavam eximir a si e a seus filhos da batalha. O segundo tornou-se bastante comum conforme o findar da batalha se aproximava e as tropas federais avançavam em terreno confederado. Os assaltos freqüentes de soldados da União as plantations, minaram os esparsos recursos - tendo em vistas os bloqueios impostos pelos federalistas a fim de dificultar o trânsito de mercadorias nos estados confederados - e praticamente acabaram com as chances de colheitas proveitosas. Assim, muitos senhores viram-se sem controle sobre suas escravarias ou sem ter como mantê-las, optando por enviá-las ao exército.
Independente da forma de recrutamento, muitos soldados acreditavam que o exército era a oportunidade ideal para provar sua coragem e valor derrotando o inimigo e com isso, talvez, angariar uma posição social melhor. Entretanto, em muitos casos, o que se seguiu à euforia do combate corpo-a-corpo foi o sentimento de desapontamento com a estrutura militar e o tratamento recebido. A realidade do exército, não raro, não trazia condições de vida melhores. (MITCHELL, 2012, p. 354)
A vida militar se provava mais difícil do que se previra. Alojamentos precários, má alimentação e doenças assolavam os acampamentos. Os próprios hospitais de guerra, ironicamente, eram símbolos de indiferença e medo. Eles representavam a burocracia militar e a desumanização do soldado americano, sobretudo aquele que era negro. A própria prática médica era bárbara e faltosa em quase todos os casos. (MITCHELL, 2002, pp. 357-358) Também o tratamento com os mortos era extremamente precário para todos os soldados - tendo em vista as dificuldades e o número excessivo de mortos - mas, sobretudo, para aqueles que eram negros. Nas exéquias dos soldados o racismo presente em todas as estâncias militares ficava evidente mais uma vez.
A negligência e miséria presente na maioria dos acampamentos de tropas federais e confederadas, acrescia o sentimento de que o exército e o governo não eram capazes de prover uma vida descente para seus soldados, desmotivando ainda mais as fatigadas tropas. Ao negar a humanidade do soldado, a corporação militar negava a eles o senso de si próprio, desestimulando a luta. (MITCHELL, 2002, p. 358)
Paralelamente à miséria da vida militar, a questão do racismo no exército dificultou a interação entre brancos e negros, fomentando a violência no âmbito militar. Conseguindo a liberdade mediante ingresso em uma tropa ou ao empreender uma fuga de estados escravistas, a maioria dos soldados negros passaram por mais perigos do que a maioria de seus capitães brancos jamais passaram em todas as suas vidas no exército. Oficias inexperientes e com pouco treinamento procuravam estender o tratamento dado aos escravos nas plantations ao exercício militar. Não raro, os superiores na cadeia de comando pouco distinguiam-se dos antigos senhores, sobretudo para aqueles soldados que possuíam um passado recente de escravidão. Parte considerável dos soldados não aceitou esse tipo de tratamento, mesmo se tratando de afrontar um soldado de patente maior ou um oficial. Brigas e disputas intestinas enfraqueciam o exército, dificultando o treinamento e diminuindo a moral dos soldados. Manter a moral elevada era tão fundamental quanto difícil em uma guerra tão longa. Desta maneira, passou-se - sobretudo no norte - a evitar esse tipo de abordagem, sendo recomendado aos oficiais que procurassem marcar a diferença entre soldado e escravo. (HIGGINSON, 2002, p. 145)
Os fatores para desestimular os soldados eram muitos, sentimentos e oscilações de humor tinham reflexos dentro e fora do campo de batalha. Situações extremas - tais como: ferimentos, dor, estafa e morte - eram recorrentes na vida militar, exaurindo os soldados física e psicologicamente. O medo era um sentimento tão comum quanto forte e afetava os soldados de formas variadas. Para a maioria a luta no fronte era dupla: contra o inimigo e o medo. (FRANK E REAVES, 2002, p. 386)
Randall Collins afirma que é difícil para as pessoas, até mesmo soldados, compreenderem o sentido da guerra, da morte e da violência, não importando o quanto se acredite na causa pela qual se lute. (COLLINS, 2008) Muitos soldados negros aceitavam que manchar o solo americano de sangue era a única maneira de garantir a emancipação, porém o medo ainda os paralisava. O temor pela família que ficava, pelo futuro do conflito ou de uma morte angustiante e dolorosa permeavam as visões de liberdade mesmo daqueles que tinham convicção que a luta armada era o único caminho para a libertação.
Entretanto, podemos aventar que a motivação é maior entre aqueles que tem mais pelo que lutar. Apesar do medo, para a maioria dos soldados negros, valia a pena arriscar a vida por uma chance de poder garantir a liberdade individual e coletiva. Na luta pela liberdade geral e irrestrita, era preciso dar um pouco da sua própria liberdade - quase sempre conseguida com muita dificuldade.
5. A violência nas visões de liberdade
O passado de escravidão não impossibilitava o soldado negro de tomar atitudes e criar visões próprias sobre sua condição, nem tão pouco fazia de todos bravos guerreiros, paladinos da liberdade. Dessa forma, é preciso considerar que escravos e libertos produziam seus próprios valores, resultantes de experiências particulares e coletivas. (CHALHOUB, 1990, p. 20)
Os soldados negros que eram alistados nos exércitos do norte e sul elaboraram suas próprias visões sobre o processo de obtenção da liberdade. Visões diferenciadas ligadas diretamente a violência inerente à guerra contra o inimigo - muitas vezes a representação do próprio senhor de escravos - demonstram as diferentes posturas psicológicas que poderiam assumir esse soldados no fronte. Frank e Reves, a partir da análise de cartas e diários de soldados, brancos e negros, que lutaram na Batalha de Shiloh , mapearam e dividiram os principais comportamentos psicológicos verificados no fronte: ativo-agressivo e passivo-defensivo. (FRANK E REAVES, 2002, p. 393).
Em 28 de setembro de 1863, desde o acampamento da União em Morris Island no estado confederado de South Carolina, o soldado negro James Henry Gooding escreveu uma carta endereçada diretamente ao décimo presidente dos Estados Unidos, Abraham Lincoln. Na carta percebemos que a visão de liberdade do soldado raso parecer ligar-se a um comportamento muito mais ativo-agressivo.

Today, the Anglo Saxon Mother, Wife, or Sister, are not alone, in tears for departed Sons, Husbands, and Brothers. The patient Trusting Decendants of Africs Clime, have dyed the ground with blood, in defense of the Union, and Democracy. Men too your Excellency, who know in a measure, the cruelties of the Iron heel of oppression, which in years gone by, the very Power, their blood is now being spilled to maintain, ever ground them to the dust. But When the war trumpet sounded o'er the land, when men knew not the Friend from the Traitor, the Black man laid his life at the Altar of the Nation,–and he was refused. When the arms of the Union, were beaten, in the first year of the War, And the Executive called more food. for its ravaging maw, again the black man begged, the privelege of Aiding his Country in her need, to be again refused (...) Not that our hearts ever flagged, in Devotion, spite the evident apathy displayed in our behalf, but We feel as though, our Country spurned us, now we are sworn to serve her. (Disponível em: http://www.freedmen.umd.edu/gooding.htm Acesso em: 17/12/2013.)

O soldado Gooding salienta a qualidade da paciência e da confiança que possuem os soldados de cor desejosos do combate. Entretanto, sua visão de liberdade está ligada diretamente ao sacrifício no campo de batalha. Tendo em vista o passado recente de escravidão, os soldados negros haviam experimentado horrores muito piores do que qualquer pessoa viesse a imaginar. Isso encoraja o autor da carta, que encontra na morte pela causa um motivo honroso para viver.
Ao relatar os impedimentos para que os negros pudessem alistar-se no exército do exército nortista de Massachusetts o soldado revela o desejo de muitos negros ex-escravos - como ele próprio provavelmente o era - de lutarem pela União e ajudarem seu país em tão conturbado momento, suplicando por uma chance do presidente para que esses homens que ansiavam tanto pelo combate pudessem provar seu valor no campo de batalha.
Através das palavras do soldado raso James Gooding podemos perceber que a visão da liberdade construída por ele - e provavelmente por muitos outros soldados da União que se encontravam em situação semelhante - liga-se a morte, ao sofrimento e ao combate homem-a-homem. O único caminho para a liberdade é o sacrifício. Para Gooding a guerra, manchar o solo inimigo com sangue rebelde e o seu próprio, era a única maneira de garantir que por fim todos seriam livres.
Em correspondência anônima endereçada igualmente ao presidente Lincoln em agosto de 1864 um soldado negro do estado nortista de New York servindo no Camp. Parpit no território confederado de New Orleans, Louisiana, escreve a respeito a necessidade da morte em prol do dever, justiça e direitos coletivos.

And Come Down hear to Lose thire Lives in For the Country thy Dwll in or stayd in the Colored man is like A lost sheep Meney of them old and young was Brave And Active. But has Bin hurrided By and ignominious Death into Eternity. But I hope God will Presearve the Rest Now in existance to Get Justice and Rights we have to Do our Duty or Die and no help for us. (Disponível em: http://www.freedmen.umd.edu/anonymous%208-1864.html Acesso em: 17/12/2013).

O soldado anônimo dirige-se ao presidente afim de tratar da "morte honrosa" para os soldados negros, qual seja, aquela em prol da nação. O autor descreve a existência de muitos homens velhos, em idade avançada para o combate. Por outro lado, destaca-se a presença de inúmeros homens jovens e bem dispostos, corajosos e desejosos de cumprir seu dever com a pátria.
Para o autor, que escreve diretamente de um acampamento de batalha incrustado no meio do território inimigo, a guerra é quase que pessoal, mesmo tendo como objetivo um benefício coletivo. No combate homem-a-homem não há ninguém que possa ir em socorro do soldado, por isso a adoção de uma postura ativa-agressiva é quase uma necessidade. No campo de batalha os anseios se confundem, cada soldado está sozinho ao mesmo tempo em que a luta por algo comum, um bem maior, é coletiva. Daí podemos aventar que muitos soldados cunhavam sua visão de liberdade baseando-se neste ideal coletivo. A batalha pela emancipação era de todos, levar a liberdade até os "irmãos" escravizados no sul era tarefa comum aos soldados de cor, mas dependia do desempenho e do sacrifício de cada um individualmente.
A violência da guerra não influenciava apenas a visão de liberdade daqueles que iam para o conflito, mas igualmente daqueles que ficavam - muitos, ainda mantidos em cativeiro. A luta virava instrumento de barganha para aqueles que não pegaram em baionetas, mas igualmente batalharam, ao seu modo, por igualdade e liberdade.
No início de 1865 as exaustas tropas confederadas já haviam sofridos revezes consideráveis e perdido longos territórios para a União. Nashville, Tennessee, havia sido a muito perdida para as tropas da União. Desde o primeiro ano do conflito a cidade esteve tomada. Em nove de janeiro de 1865 um grupo de residentes negros enviou para a Confederação da União reunida na cidade uma carta na qual expressa seu apreço por ideais como honra e sacrifício.
É surpreendente a dedicação dos residentes à causa da União. Logo, presumimos que moravam ali a tempo considerável e que o estabelecimento das tropas federais no local era absoluto. A correspondência evidencia a existência de postos de recrutamento na cidade, alistando centenas de negros em território a princípio confederado.
Os autores atrelam a vida honrada à defesa da União e da liberdade, mesmo que não pudessem dedicar-se integralmente ao trabalho em prol da causa. A carta - em tom de justificativa - afirma que a situação de pobreza em que vivia a comunidade os impedia de ajudar ainda mais o seu país. Assim, um grupo negro pobre, certamente formado por ex-escravos, residentes de um território que a princípio estivera ao lado dos rebeldes, dirigia-se diretamente à Confederação da União para requerer maior espaço na vida militar e política da nação.
Assim como nas cartas do soldado anônimo e de Gooding, para a comunidade negra de Nashville morrer com dignidade envolvia morrer em combate pela União, pela nação e pelo direito de todos serem livres. A causa federal é a causa da emancipação, por isso a dedicação à ela tem de ser absoluta. É preciso, sem receios ou hesitações, dar a própria vida por isso se necessário for.
In the contest between the nation and slavery, our unfortunate people have sided, by instinct, with the former. We have little fortune to devote to the national cause, for a hard fate has hitherto forced us to live in poverty, but we do devote to its success, our hopes, our toils, our whole heart, our sacred honor, and our lives. (Disponível em: http://www.freedmen.umd.edu/tenncon.htm. Acesso em: 17/12/2013)

O amor pela pátria não era menor devido a cor, e a comunidade negra de Nashville procura demonstrar isso ao presidente. Eles viviam e morriam pela União como qualquer compatriota branco faria. Segundo a correspondência aproximadamente 200,000 homens negros serviram no exército da União. Muitos deles já haviam morrido em combate, mas a comunidade está disposta a sacrificar mais. Se mais vidas fossem necessárias para levar à vitória da União, então assim deveria ser. Não havia espaço para comportamentos mais passivos, a vitória teria de vir a todo custo.

We will work, pray, live, and, if need be, die for the Union, as cheerfully as ever a white patriot died for his country. The color of our skin does not lesson in the least degree, our love either for God or for the land of our birth.
Near 200,000 of our brethren are to-day performing military duty in the ranks of the Union army. Thousands of them have already died in battle, or perished by a cruel martyrdom for the sake of the Union, and we are ready and willing to sacrifice more. (Disponível em: http://www.freedmen.umd.edu/tenncon.htm. Acesso em: 17/12/2013)


Por outro lado, aqueles que ficavam também tinha um dever para com a nação. Os autores da carta constroem uma analogia com a guerra, pois assim como o soldado vai ao campo de batalha, também o cidadão vai às urnas. Era um dever e um privilégio poder participar da vida política do país, assim como o era lutar.
A comunidade compreende que a vitória da União não passaria apenas pelo enfrentamento físico, mesmo que ele fosse fundamental. A vitória na guerra deveria ser consolidada pela via política, e eles queriam ser parte disso, pois um país verdadeiramente democrático não mantém boa parte de sua população aquém dos assuntos da nação. Afinal, pessoas que vivem e morrem por um governo não devem ser parte dele? Em uma crítica ferrenha ao preconceito, sobretudo nas estâncias institucionais, os moradores negros de Nashville criticam seu pouco espaço de participação nas decisões relativas a um país devastado por um conflito tão violento quanto longo.
But what higher order of citizen is there than the soldier? or who has a greater trust confided to his hands? If we are called on to do military duty against the rebel armies in the field, why should we be denied the privilege of voting against rebel citizens at the ballot-box? 
This is not a Democratic Government if a numerous, law-abiding, industrious, and useful class of citizens, born and bred on the soil, are to be treated as aliens and enemies, as an inferior degraded class, who must have no voice in the Government which they support, protect and defend, with all their heart, soul, mind, and body, both in peace and war. Let no man oppose this doctrine because it is opposed to his old prejudices. The nation is fighting for its life, and cannot afford to be controlled by prejudice. Had prejudice prevailed instead of principle, not a single colored soldier would have been in the Union army to-day. (Disponível em: http://www.freedmen.umd.edu/tenncon.htm. Acesso em: 17/12/2013)

Inicialmente poucos acreditavam em um desempenho regular das tropas negras. Segundo a carta, haviam acusações que negros eram covardes e incompetentes, porém seu valor provado no campo de batalha. De fato, o desempenho do regimentos de cor foi tão satisfatório que até mesmo o exército da Confederação passou a alistar homens negros. Mesmo sob a ameaça de colocar em cheque a lógica escravista que permeava sua política e economia desde os tempos coloniais, os estados rebeldes do sul - segundo a correspondência - chegaram a colocar meio milhão de negros em campo de batalha.
The opponents of the measure exclaimed on all hands that the negro was a coward; that he would not fight; that one white man, with a whip in his hand could put to flight a regiment of them; that the experiment would end in the utter rout and ruin of the Federal army. Yet the colored man has fought so well, on almost every occasion, that the rebel government is prevented, only by its fears and distrust of being able to force him to fight for slavery as well as he fights against it, from putting half a million of negroes into its ranks. (Disponível em: http://www.freedmen.umd.edu/tenncon.htm. Acesso em: 17/12/2013)

Ao longo da carta o grupo continua reclamando sua pouca participação da vida política do país. O sistema judicial também não aceitava homens negros, excluindo a validade de seus testemunhos. Fruto dessa iniqüidade de um sistema que propunha-se justo, foi a reação do povo negro de levar a uma espécie de justiça própria aos rebeldes e senhores de escravos. Os autores chegam a falar em tormento e perseguição, pois o os inimigos da liberdade e da nação não devem escapar impunes.
If this order of things continue, our people are destined to a malignant persecution at the hands of rebels and their former rebellious masters, whose hatred they may have incurred, without precedent even in the South. Every rebel soldier or citizen whose arrest in the perpetration of crime they may have effected, every white traitor whom they may have brought to justice, will torment and persecute them and set justice at defiance, because the courts will not receive negro testimony, which will generally be the only possible testimony in such cases. (Disponível em: http://www.freedmen.umd.edu/tenncon.htm. Acesso em: 17/12/2013)

Entretanto, toda essa dedicação, todo o sacrifício feito pelas centenas de vidas perdidas ou atormentadas pelos horrores da guerra não eram suficientes para provar ao governo dos Estados Unidos que os negros eram capazes de participar da vida política do país? Todos os dias centenas de negros sacrificavam seu próprio bem-estar por civis e oficiais, logo, não seriam eles merecedores de maior confiança?
 Has not the colored man fought, bled and died for the Union, under a thousand great
disadvantages and discouragements? Has his fidelity ever had a shadow of suspicion cast upon it, in any matter of responsibility confided to his hands? When has the colored citizen, in this rebellion been tried and found wanting? (Disponível em: http://www.freedmen.umd.edu/tenncon.htm. Acesso em: 17/12/2013)

As demandas do grupo de moradores negros de Nashville por participação política, militar, jurídica e por liberdade total e irrestrita à população de cor tinham em comum a justificativa de que o sangue negro que manchava o solo norte-americano tinha de ser recompensado. É a violência da guerra e o número altíssimo de vítimas que autoriza esta comunidade pobre a reclamar maior participação nas decisões políticas de sua terra natal.
Ao final de junho de 1865 os últimos tiros eram disparados pela embarcação confederada CSS Shenandoah e chegava ao fim o conflito mais sangrento da América. Simultaneamente, uma delegação de negros do Kentucky, border state aliado à União, escreveram uma carta reportando-se diretamente ao presidente Lincoln afim de tratar de possíveis benefícios que a morte de milhares de soldados negros poderiam lhes garantir

The State of Kentuckey Has contributed of her colored Sons over thirty thousand Soldiers who have illustrated their courage and devotion on Many battle fields and Have Poured out their blood Lavishly in defence of their Country and their Country's flag and we confidently hope this Blood will be carried to our credit in any Political Settlement of our Native State– yet if the government Should give up the State to the control of her civil authorities there is not one of these Soldiers who will Not Suffer all the grinding oppression of her most inhuman laws if not in their own persons yet in the persons of their wives their children and their mothers
Therefore your Excellency We Most Earnestly Petition and pray you that you will give us Some security for the future or if that be impracticable at least give us timely warning that we may fly to other States where law and Christian Sentiment will Protect us and our little ones from Violence and wrong.( Disponível em: http://www.freedmen.umd.edu/Roxborough%20et%20al.html Acesso em: 17/12/2013)
Segundo relatado na correspondência somente o estado do Kentucky enviou mais de trinta mil soldados negros para o fronte de batalha. Esse número é bastante expressivo quando pensamos que o Kentucky mantinha-se escravista e que o alistamento negro deste porte poderia colocar tudo a perder em um tempo que tanto se temiam rebeliões escravas. O temor de perder o conflito e não conseguir restaurar a federação foi maior que o medo de qualquer rebelião escrava, talvez por isso o alistamento maciço de negros na região.
Como nas três correspondências analisadas anteriormente, os negros do Kentucky eram provavelmente, em sua grande maioria, ex-escravos, e podemos aventar que alguns talvez nem houvessem se livrado ainda dos grilhões da escravidão. Igualmente, eles defendem que a causa da liberdade e da Reconstrução valia a vida de seus irmãos no fronte. Centenas morreram em defesa do seu país, e os que ficaram esperavam que o sacrifício dos que morreram pela União não fosse em vão.
Assim como os negros de Nashville, os de Kentucky também esperam ser recompensados politicamente, o que demonstra que a demanda negra por maior participação nas decisões do país era, possivelmente, ampla e bastante difundida, ainda que seus esforços acabassem resultando em poucas ações práticas para colocar fim ao preconceitos nas diversas esferas políticas, militares e sociais.
Uma vez mais, são os horrores da guerra que autorizam o grupo a reclamar um futuro melhor. Não bastasse a violência sofrida no fronte, as marcas irreparáveis de um conflito tão duro, ainda os soldados e suas famílias tinham de lidar com leis injustas e opressoras.
Os autores da carta demonstram como a violência ia além do campo de batalha, passando à perseguição dos negros e a pouca segurança que as leis lhes garantiam. Viver em um estado no qual não se tem nenhum segurança é também conviver com a violência física e psicológica diariamente. Daí a urgência da carta ao alertar irmãos negros para buscarem outros estados mais justos e igualitários, caso o Kentucky não revisse sua postura e legislação. Sendo o estado ainda escravista é muito provável que a população livre que o habitava ainda sofresse abusos freqüentes. Apesar da Proclamação de Emancipação de 1863 e da Décima Terceira Emenda do ano seguinte, o Kentucky manteve a escravidão legal até 18 de dezembro de 1865, meses após o término da guerra.
Desta maneira, a carta da comunidade do Kentucky bem com as outras anteriormente abordadas denunciam a violência sofrida pela população negra em duas frentes: no fronte, a violência física do enfrentamento contra o inimigo, e na vida social, a violência do preconceito, da injustiça, dos senhores de escravos e de uma sociedade que tentava a todo custo manter-se pautada em ideais aristocráticos e escravistas.
6. Considerações Finais
A violência da guerra civil mudou a forma com que inúmeros negros que integraram o corpo de soldados do USCT, USCI e USCHA relacionavam-se entre si e com a sociedade civil e os ajudou a forjar um entendimento próprio sobre a liberdade e a escravidão. As novas visões da liberdade que surgiam baseavam-se na experiência e na vivência, coletiva ou não, dos soldados. Assim, para aqueles que conviviam diariamente com variadas formas de violência física e psicológica, a visão de liberdade muitas vezes acabou atrelada à concepções que versavam sobre a violência brutal do conflito.
A confiança de que a violência, o sacrifício, a dor e a morte levariam a emancipação dos escravos permeou o imaginário de muitos soldados que dirigiam-se ao campo de batalha, bem como moldou as visões de liberdade também daqueles que não foram à guerra. Os que não se dirigiam ao fronte foram igualmente afetados pela realidade extrema do conflito. Algumas vezes, a violência e o número elevado de baixas entre a população negra parece ter autorizado comunidades inteiras a reclamarem melhores condições de vida e participação nas decisões político-administrativas do país.
União e confederados foram para a guerra acreditando em uma vitória rápida. Os dois lados foram rapidamente – mas não completamente – desiludidos quanto a esta perspectiva. O conflito que se estendeu de 1861 à 1865 matou centenas de milhares e deixou outros tantos convivendo com mutilações, problemas de saúde, ira, vingança e traumas. Porém, o alistamento foi visto na maioria das vezes como uma oportunidade do homem negro, ex-escravo, ascender socialmente e provar o seu valor a partir do desempenho no campo de batalha. Logo, uma postura agressiva era extremamente necessária quando se tratava de "matar ou morrer" em nome da liberdade individual e coletiva.
Desta forma, centenas de soldados encontravam coragem para lutar não só pelo seu bem estar ou de suas famílias, mas pelo desígnio sublime da liberdade que deveria se estender a todos. Manchando a terra com o sangue do inimigo os soldados poderiam levar a liberdade até seus irmãos que continuavam escravizados no sul, libertando-os dos propósitos maléficos dos traficantes e senhores de escravos. A partir disso, cunhou-se um visão da liberdade como um propósito que deveria ser defendido a todo o custo. Para muitos, valia a pena sofrer com o fardo de marchar todos os dias sem saber ao certo se voltaria, com a pressão e o conflito psicológico de ser vítima e algoz de um conflito tão violento. A liberdade e a esperança de uma vida melhor valia o sacrifício de cada soldado.
7. Fontes
Delegação de negros do Kentucky para o Presidente, Washington, D.C. final de junho de 1865. Letters Received from the President & Executive Departments, Office of the Secretary of War, Record Group 107, National Archives. U.S. War Department, The War of the Rebellion: A Compilation of the Official Records of the Union and Confederate Armies, 128 vols. (Washington, 1880–1901), ser. 1, vol. 49, pt. 2, p. 1116. Disponível em: http://www.freedmen.umd.edu/Roxborough%20et%20al.html Acesso em: 17/12/2013
À Convenção da União no Tennessee reunida no Capitólio em Nashville, 9 de janeiro de 1865: recorte de jornal não identificado de Andrew Tait. U.S. Army Continental Commands, Record Group 393 Pt. 1, National Archives. Disponível em: http://www.freedmen.umd.edu/tenncon.htm. Acesso em: 17/12/2013
Sem assinatura para "meu querido amigo", Agosto de 1864. Anexado com: R-268 1864, Letters Received, ser. 360, Colored Troops Division, Adjutant General's Office, Record Group 94, National Archives. Disponível em: http://www.freedmen.umd.edu/anonymous%208-1864.html. Acesso em: 17/12/2013.
Soldado James Henry Gooding para Abraham Lincoln, 28 de Setembro de 1863. Anexado em: [Harper & Brothers] to [Abraham Lincoln], 12 de Outubro de 1863, H-133 1863, Letters Received, ser. 360, Colored Troops Division, Adjutant General's Office, Record Group 94, National Archives. Disponível em: http://www.freedmen.umd.edu/gooding.htm. Acesso em: 17/12/2013.
8. Referências Bibliográficas
BARTON, Michael; LOGUE, Larry (ed) The civil war soldier. A historical reader. New York and London: New York University Press, 2002. Print.
CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade. Uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Cia das letras, 1990. Print.
COLLINS, Randall. Violence: A micro-sociological Theory. Princeton: Princeton University Press, 2008. Print.
FRANK, Joseph Allan; REAVES, George A. "Emotional responses to combat". In: The civil war soldier. A historical reader. Ed. BARTON, Michael; LOGUE, Larry. New York and London: New York University Press, 2002. Print.
GENOVESE, Eugene. A Economia Política da Escravidão. Rio de Janeiro: Pallas S.A. 1976. Print.
HIGGINSON, Thomas Wentworth. "The negro as a soldier". In: The civil war soldier. A historical reader. Ed. BARTON, Michael; LOGUE, Larry. New York and London: New York University Press, 2002. Print.
IZECKSOHN, Vitor. "Deportação ou Integração. Os dilemas negros de Lincoln". In: TOPOI Revista Semestral do Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ. Vol, 11. Nº 20, 2010.
MASLOWSKI, Pete. "A study of morale in the civil war soldiers". In: The civil war soldier. A historical reader. Ed. BARTON, Michael; LOGUE, Larry. New York and London: New York University Press, 2002. Print.
MITCHELL, Reid. "From volunteer to soldier. The psychology of service". In: The civil war soldier. A historical reader. Ed. BARTON, Michael; LOGUE, Larry. New York and London: New York University Press, 2002. Print.



Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.