Onde estão as trincheiras da luta LGBT?

June 6, 2017 | Autor: Mario Carvalho | Categoria: Social Movements, Politics, LGBT Issues, Brazil, Feminist and LGBT Cultural History, Movimentos sociais
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PACO’S DIGITAL

VERSÃO DIGITAL ELABORADA POR PACO’S AGÊNCIA DIGITAL

ÍNDICE 03

Mythos Editora

CURAR OS QUE QUEREM CURAR A HOMOSSEXUALIDADE

Diretor-Executivo: Helcio de Carvalho

08 O APOIO FAMILIAR NA DIVERSIDADE SEXUAL

13 A HOMOFOBIA NO CAMPO PSICANALÍTICO

20 A ADOÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES POR CASAIS HOMOSSEXUAIS

Diretor-Financeiro: Dorival Vitor Lopes Editor-Executivo: Alex Alprim ([email protected]) Revisão: Giacomo Leone Neto Produtor Gráfico: Ailton Alipio ([email protected]) Colaboradores: Alexandro da Silva, Arilda Ines Miranda Ribeiro, Bruno Pereira, Christian Ingo Lenz Dunker, Eduardo Lomando, Fabio Ortolano, Franciele Castilho dos Reis, Fuad Kyrillos Neto, Jamilly Nicacio Nicolete, Mario Felipe de Lima Carvalho, Orlando Soeiro Cruxên, Rafael Morello Fernandes e Vagner Matias do Prado. Gerente de Vendas/Livros: Adriana Ferreira S. Costa Coordenação de Consignação: Mônica A. Silva

25 NA LINHA DO DEBOCHE

Números Atrasados: Fabiana Dionísio Circulação: Antonia B. Coelho

31 REGULAÇÕES DO DESEJO

36 MICHEL FOUCAULT E A CRIAÇÃO DA HOMOSSEXUALIDADE

42 SEXUALIDADE, GÊNERO E EDUCAÇÃO

48 ONDE ESTÃO AS TRINCHEIRAS DA LUTA LGBT?

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Impressão: Gráfica São Francisco Distribuição Nacional: Fernando Chinaglia Reclamações, Sugestões, Dúvidas: [email protected]

(PRODUÇÃO, PROJETO GRÁFICO, DIAGRAMAÇÃO E PUBLICIDADE) Paco´s Serviços Gráficos Dir. Executivo/Projetos: Alex Alprim Dir. Financeiro: Paula Francisquini Designer-Chefe: Percila Souza Designer-Júnior: Pedro Faria Designer-Assistente: Jefferson Rodrigues, Fabiano Gomes

Revista de Psicologia Especial é uma publicação da Mythos Editora. Redação e Administração: Av. São Gualter, 1296, São Paulo - SP CEP. 05455-002 - Fone: (11) 3024-7707 - Os artigos aqui publicados, quando não assinados, seguem a licença de CREATIVE COMMONS, sendo vedada no entanto, qualquer reprodução ou uso que se faça desse material para fins de lucro ou financeiros; no mais, quando o artigo for assinado, seu © Copyright pertence ao autor e é dele a total e completa responsabilidade jurídica e civil sobre o mesmo. Fica proibida a reprodução total ou parcial de qualquer foto ou artigo desta revista que tenha sido assinado por seus autores. A revista não se responsabiliza por conceitos emitidos em artigos assinados. NÚMEROS ATRASADOS: temos estoque limitado de nossas publicações. Se deseja alguma edição anterior desta publicação, entre em contato com Fabiana Dionísio, pelo telefone (11) 3021-7039 ou enviando uma carta para NÚMEROS ATRASADOS: Av. São Gualter, 1296 - São Paulo - SP. PROMOÇÃO ESPECIAL: na compra de cinco ou mais revistas, a taxa de correio não será cobrada. Distribuída pela Dinap S/A – Distribuidora Nacional de Publicações, Rua Dr. Kenkiti Shimomoto, nº 1678, CEP 06045-390 – São Paulo – SP

REVISTA DE PSICOLOGIA - ESPECIAL

CURAR OS QUE QUEREM CURAR A HOMOSSEXUALIDADE Que tipo de doença ou de redução moral leva alguém a postular que o seu modo particular de desejo deve ser universalizado em norma universal?

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M JULHO DE 2009, A IMPRENSA BRASILEIRA DEU DESTAQUE AO CASO DE UMA PSICÓLOGA PUNIDA PELO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA POR OFERECER AOS SEUS PACIENTES UM TRATAMENTO QUE SUPOSTAMENTE CURAVA A HOMOSSEXUALIDADE1. AO SER INTERPELADA SOBRE SUA PRÁTICA, A PROFISSIONAL APELA PARA A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, QUE ADOTA, COMO CATEGORIA DO DIAGNOSTIC AND STATISTICAL MANUAL OF MENTAL DISORDERS – DSM, A HOMOSSEXUALIDADE EGODISTÔNICA. OU SEJA, AMPARADA PELO MANUAL, ELA INFERIA QUE, SE A PESSOA SE QUEIXA DE SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL, A TAREFA DO CLÍNICO É ALTERAR TAL ORIENTAÇÃO E NÃO TRABALHAR PARA QUE A PESSOA SE CONCILIE E SOFRA MENOS COM ISSO. Lê-se na tese da cura da homossexualidade o estabelecimento da heterossexualidade, como se esta fosse a forma de desejo universal, única e normal. Mas por que a antiga e equivocada ideia de que a orientação homoerótica do desejo constitui, por si só, uma patologia, uma anormalidade ou um disfuncionamento, persiste em nossa cultura, quando sabemos que esse é um erro não apenas clínico, mas também uma simplificação ética? Nossa pergunta é, portanto, inversa: que tipo de doença ou de redução moral leva alguém a postular que o seu modo particular de desejo deve ser universalizado em norma universal? Kant estabeleceu um critério rela-

1 - Jornal O Estado de São Paulo. 31/07/2009. “Psicóloga que diz curar homossexualidade é punida”. 3 Correio Brasiliense. 01/08/2009. “Psicóloga diz que ‘cura’ gay sofre censura pública”. Jornal

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tivamente simples para a apreciação de juízos morais: considere se a máxima que governa sua ação pode ser erigida em lei universal. O que aconteceria então se resolvêssemos curar os heterossexuais de sua heterossexualidade? Uma das teses mais antigas desenvolvidas pela psicanálise diz respeito à natureza bissexual das fantasias humanas. Ou seja, faz parte da constituição de todo e qualquer sujeito experimentar-se em situações que mimetizam, atualizam ou conjecturam o que significaria ser atraído ou sentir atração por alguém do mesmo sexo. Aqui, estamos diante de uma conjectura que resiste à prova ética estabelecida por Kant: para todos os sujeitos dá-se a crença de que suas experiências podem ser ajuizadas quer de forma masculina, quer de forma feminina. Contudo, aqui a situação se complica ainda mais porque, se do lado da sexuação podemos confiar no binarismo não complementar entre os sexos, há ainda a dimensão indefinidamente extensa dos gêneros. Por exemplo, até o século XVII havia apenas um gênero, o masculino (o feminino era uma forma involuída do masculino). Para os gregos, a diferença entre o masculino e o feminino era como

a que se verifica entre o quente e o frio (com infinitas formas intermediárias). Os gêneros dizem respeito à identidade, não à orientação de desejo ou à economia de gozo de um sujeito. Ou seja, entre nosso desejo e nossa identidade, dá-se uma ligação contingente, e essa contingência se duplica quando introduzimos um terceiro elemento nesta equação que é o organismo. Corpo simbólico, organismo imaginário e carne real são três dimensões de nossa experiência que se reúnem de forma não necessária. Curar alguém de sua homossexualidade significa desconhecer esta contingência e imaginar que a norma é a sobreposição entre estas três coisas. A proposição está de acordo também com a antiga e errônea ideia de que curar implica corrigir, retornar ao estado anterior ou restabelecer o funcionamento saudável do corpo, da mente e, consequentemente, da sexualidade. Ora, mesmo o argumento de que “o cliente tem sempre razão” não pode ser aplicado devidamente nesta situação, uma vez que desde o juramento de Hipócrates estamos impedidos de fazer mal ao paciente “mesmo que ele peça”. Mesmo que ele considere que sua sexualidade não é normal, ainda assim

“Para os gregos, a diferença entre o masculino e o feminino era como a que se verifica entre o quente e o frio (com infinitas formas intermediárias).”

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REFLEXÕES

não se poderia comparar esta demanda por falta absoluta de um padrão outro nesta matéria. O que seria a sexualidade normal? Aquela que tem um interesse reprodutivo? Aquela se se ajusta ao prazer? Mas como fazer se o prazer de cada um depende de fantasias diferentes? Esse estado “normal” da sexualidade seria o que Butler chamou, criticamente, de “heterossexualidade genital compulsória”. Para essa autora, esta norma estaria na base dos mais diversos dispositivos jurídicos, sociais e, sobretudo, de saúde. Se tivéssemos, portanto, que inventar uma patologia para aqueles que querem curar a psicanálise ela estaria ligada a uma crença sistemática, quiçá delirante, na coerência e na identidade que alguém deve ter para com seu desejo. Ou seja, em vez de considerar, da ideia de “homossexualidade egodistônica”, o tratamento deveria recair sobre o sentimento de inadequação a si (egodistonia) ou de aversão ao próprio desejo. Ele deveria enfatizar as dificuldades em situar-se fora de certo horizonte de expectativas de normalidade, atravessado por preconceitos e autopreconceitos. Portanto, se fosse preciso diagnosticar a homofobia ela pertenceria a um grupo mais genérico de transtornos chamados de normalopatia, ou seja, a obsessão incorrigível em adaptar-se e conformar-se à norma, submetendo-se irreflexivamente aos ideais sociais vigentes. Mas além de um erro clínico e de um equívoco ético tentar converter a homossexualidade corresponde a uma falácia política. Não há forma de totalitarismo que não tenha perseguido ou desprezado os homossexuais e isso não deixa de ser curioso, apensar de ser apenas uma regularidade histórica. A pergunta aqui é porque aquilo que corresponde a uma prática tão íntima e privada pode ameaçar o que é da ordem da lei, do Estado e do espaço público? Até a década de 1970 manuais de psiquiatria, como o DSM, consideravam a homossexualidade um transtorno. Ainda hoje, códigos jurídicos de muitos países tipificam práticas sexuais dentro do mesmo gênero como um crime. Textos canônicos como a Bíblia e o Corão mencionam a homossexualidade como algo pouco recomendável, mas se lemos em detalhes, a maior parte das coisas pouco recomendadas pelo antigo testamento, tal como hábitos alimentares, regras de casamento e práticas devocionais tornaram-se trivialmente ignoradas. Poucos estão dispostos a admitir que se uma mulher perde seu marido e ele tem um irmão, ela deve, pela lei, casar-se com este irmão (levirato). Contudo, essa lei era muito mais importante do que a menção a não se deitar com o mesmo sexo. Portanto, porque precisamos tanto da lei para legislar sobre a prática íntima das pessoas? O que isso importa ao Estado e à ordem social?

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O discurso político, moral e religioso tentam descrever uma anomalia o que justificaria, automaticamente, a necessidade de sua erradicação, inversão ou cura. Notamos aqui ecos do discurso jurídico no qual não há crime que não esteja especificado como artigo do Código Penal. Consequentemente, tudo o que está no Código Penal constitui crime e deve ser evitado, banido ou coibido. Mas assim como o direito pode ser exercido sem justiça, a saúde mental pode ser praticada de forma insalubre. O problema em considerar a homofobia um transtorno mental remonta ao fato de que nenhuma orientação política, moral ou religiosa pode ser considerada em si uma patologia. Essa é uma das regras mais consensuais entre todas as abordagens e tendências em psicopatologia, psiquiatra e psicanálise. Alguém pode ter o que Adorno chamou de personalidade autoritária, ou o que o DSM chama de personalidade dependencial, ambas são condições clínicas que expõe o sujeito a uma ideologia baseada na submissão a um líder carismático, mas isso jamais estipulará que este líder será de esquerda ou de

“Textos canônicos como a Bíblia e o Corão mencionam a homossexualidade como algo pouco recomendável, mas se lemos em detalhes, a maior parte das coisas pouco recomendadas pelo Antigo Testamento, tal como hábitos alimentares, regras de casamento e práticas devocionais tornaram-se trivialmente ignoradas.”

REFLEXÕES

“A homossexualidade não pode ser curada, pois não é uma doença, porque o conceito de cura não se aplica ao contexto e porque isso corresponderia a um particularismo ético.”

direita ou que ele se submeterá a ideias mais virtuosas ou mais néscias. Ainda que se descubra uma genética da homossexualidade isso só provará que ela faz parte da variância da espécie humana, como ser loiro ou moreno, nunca de uma anomalia. Portanto, estamos diante de um problema que os lógicos chamam de “moving tiger” (tigre movente). A homossexualidade não pode ser curada, pois não é uma doença, porque o conceito de cura não se aplica ao contexto e porque isso corresponderia a um particularismo ético. Contudo, ao explicitar a infiltração política dos discursos que historicamente se apossaram da medicina, do direito e das religiões para defender isso perdemos a possibilidade de enxergar que a verdadeira anomalia está nesta tendência a reduzir os outros à nossa própria forma desejante, ou à forma que nós mesmos achamos normal. Ou seja, se acuamos o tigre para a direita, dizendo que ele é um tigre de papel feito de opiniões morais e de política (e não de clínica), ele se move para a esquerda dizendo que política por política vale a do mais forte, portanto a da heterossexualidade compulsória. No entanto se acuamos o tigre para a esquerda, dizendo que políticas conservadoras podem ser transformadas por no-

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vas práticas e novas leis, o tigre move-se para a direita afirmando que na verdade isso não é uma questão política, mas de saúde pública, de respeito à biologia ou que os sentimentos egodistônicos demandam uma mudança na realidade, e não uma mudança no ego. Na verdade foi apoiandose em um argumento deste tipo, também chamado de cínico, que a psicóloga condenada pelo CRP pode dizer que estava curando pacientes homossexuais de sua egodistonia. Se considerarmos esta confusão de argumentos ela mesma como uma espécie de transtorno do pensamento, aí sim podemos dizer que os homofóbicos sofrem de uma patologia, que poderia ser chamada de Síndrome do Tigre Movente (STM). Tal síndrome caracteriza-se por uma tendência antikantiana a confundir um particular generalizado com um universal. Aliás, Piaget mostrou que em matéria de ética, o universal kantiano é a regra universal de nosso juízo moral, em todas as crianças, em todas as culturas. Em segundo lugar a STM caracteriza-se pela recusa em reconhecer a divisão, a incoerência e a contingência no campo do desejo, tal como a imagem do tigre que se move, mas que não percebe que se move. De tal maneira que ele se acha “o mesmo” tigre mesmo quando se trans-

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forma em um tigre diferente. Aqui podemos integrar a nossa pesquisa uma explicação adicional. Se a homossexualidade não é uma doença, seria preciso explicar porque ela foi tão persistentemente entendida assim na história da humanidade. E aqui se poderia entabular a hipótese de que esse entendimento preconceituoso é fruto de um verdadeiro transtorno, o transtorno da unificação identitária do desejo também conhecido como déficit de reconhecimento da autonomia do desejo em relação às disposições morais. O terceiro grupo de sintomas da STM pertence ao espectro da fobia. Uma vez que o particular de sua identidade é elevado à dignidade de universal compulsório e uma vez que a divisão que nos caracteriza quando o tema é a sexualidade, a bissexualidade freudiana, é recusada o outro só pode aparecer como representante daquilo que ele não suporta ... em si mesmo. Mas se se trata de uma fobia esta é de um tipo especial, pois ela não representa uma limitação ou uma interdição simbólica diante da qual fugimos ou evitamos. O objeto fóbico do homofóbico e, consequentemente da STM, corresponde ao medo típico gerado pela mera existência de algo. E esse algo é inequivocamente ligado com a fan-

tasia daquele portador de STM. Como um tigre enjaulado a fantasia anda de um lado para outro até atacar alguém que lhe sirva de carapuça. Há curiosas provas experimentais deste fenômeno. Pacientes STM expostos a cenas de sexo explícito entre pessoas do mesmo sexo, apresentam níveis consistentemente mais altos de microexcitação peniana do que pessoas que são indiferentes à homossexualidade. A cura da STM ainda está por ser tentada. O problema maior é que não podemos usar contra ela os métodos tradicionais e históricos empregados para tratar seu falso transtorno associado. Não podemos disciplinar crianças ao homoerotismo, nem repudiar as práticas heterossexuais, nem mesmo propagar religiões da santíssima homossexualidade (curiosamente estas são fantasias comuns que os portadores de STM desenvolvem em relação ao desejo dos homossexuais). E não podemos fazer isso porque tais métodos se mostraram simplesmente ineficazes. Todavia, se olharmos bem de perto, todos aqueles métodos psicológicos, psicanalíticos ou psiquiátricos (ainda que raros nesse caso) que tentaram tratar as patologias do excesso de identidade são, no fundo, formas de lidar com a heterossexualidade patológica. Ainda que em muitos casos o tratamento seja meramente paliativo. * Christian Ingo Lenz Dunker é psicanalista e professor titular do Instituto de Psicologia da USP (2014) junto ao Departamento de Psicologia Clínica. Obteve o título de Livre Docente em Psicologia Clínica (2006) após realizar seu Pós-Doutorado na Manchester Metropolitan University (2003). Possui graduação em Psicologia (1989), mestrado em Psicologia Experimental (1991) e doutorado em Psicologia Experimenta (1996) pela Universidade de São Paulo (1996). Atualmente é Analista Membro de Escola (A.M.E.) do Fórum do Campo Lacaniano. Tem experiência na área clínica com ênfase em Psicanálise (Freud e Lacan), atuando principalmente nos seguintes temas: estrutura e epistemologia da prática clínica, teoria da constituição do sujeito, metapsicologia, filosofia da psicanálise, ciências da linguagem. Coordena, ao lado de Vladimir Safatle e Nelson da Silva Jr., o Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise da USP. Em 2012 ganhou o prêmio Jabuti de melhor livro em Psicologia e Psicanálise com a obra Estrutura e constituição da clínica psicanalítica (Annablume, 2010) e de Mal-estar, sofrimento e sintoma (Boitempo, 2015).

“Se a homossexualidade não é uma doença, seria preciso explicar por que ela foi tão persistentemente entendida assim na história da humanidade.”

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** Fuad Kyrillos Neto possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (1993), mestrado em Psicologia pela Universidade São Marcos (2001) e doutorado em Psicologia (Psicologia Social) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2007). Concluiu o pós-doutorado no Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (2014). Atualmente é professor-adjunto III do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ). Tem experiência na área de Psicologia, atuando principalmente nos seguintes temas: clínica, subjetividade, psicanálise, reforma psiquiátrica, inclusão, escuta e instituições.

REVISTA DE PSICOLOGIA - ESPECIAL

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A N R A I L I M A F O I O P A

E D A D I S R E V I D L A U X SE Entre a saúde e a homofobia.

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ADOLESCENTE PAULO TRAZIA SEU NAMORADO PARA CASA ESCONDIDO OU DIZENDO QUE ERA SEU AMIGO. NUNCA CONTOU QUE GOSTAVA DE MENINOS POR QUE IMAGINAVA COISAS RUINS ACONTECENDO. SUA IMAGINAÇÃO VIROU REALIDADE. QUANDO SEUS PAIS PERGUNTARAM DIRETAMENTE SE “ELE SE SENTIA HOMOSSEXUAL”, PAULO AFIRMOU QUE NÃO ERA UM SENTIMENTO. Os pais o levaram para terapia e o momento foi ruim para todos. Seu pai disse lhe disse que sua opção sexual era a pior coisa que o filho já tinha feito contra ele na vida e o proibiu de contar ao resto da família. Ficou mais furioso ainda quando percebeu que o “amigo” de Paulo que vinha à sua casa, na realidade era seu namorado. Paulo disse que ser gay não era uma opção, pois ninguém decide ser heterossexual ou homossexual. Gostar de meninos era sua orientação sexual, algo bem mais complexo e que sempre sentira. A irmã e mãe de Paulo choravam e pouco falaram. Esta atitude delas, apesar de não ser diretamente contra Paulo, não o ajudou. Pelo contrário, Paulo sentiu que ambas apoiaram o pai ao não criticarem sua posição homofóbica. Ele e o pai se afastaram e até hoje tem uma relação ruim e distante, principalmente quando o assunto é a sexualidade. Paulo já está noutro relacionamento amoroso, mas estar com a família ainda é uma situação que o deixa triste e com raiva, principalmente quando vê a diferença que os pais tratam seus genros em eventos sociais. Lúcia é uma jovem adulta e mora há três anos com sua namorada, mas nunca contou aos pais que ama mulheres, pois teme que eles a violentem mais do que já a violentam física e emocionalmente. Sua família é muito sexista, ou seja, coloca uma hierarquia entre ser homem e mulher, inferiorizando o último. Lúcia vive essas violências desde a infância, simplesmente pelo fato de ser menina. A única pessoa de sua família que sabe

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“A mãe, mesmo ansiosa pela nova situação, disse que sempre iria amá-lo e que queria conhecer quem era a pessoa que seu filho gostava.”

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é sua prima. Um dia, Lúcia e a prima discutiram e esta foi até a casa de sua família e deixou subentendido que seus pais souberam que Lúcia era lésbica através de uma fofoca e a intimaram para se explicar. Lúcia está com muito medo, vai mentir o máximo que puder para evitar a violência de ambos os pais, mas diz que isto nunca vai lhe impedir de viver seu amor pela namorada. Lúcia não pode contar com ninguém de sua família, está muito deprimida, tem ideação suicida e já tentou tirar sua vida mais de uma vez. Ela não sabe o que fazer, pois apesar O pai de Rafael é militar e sua mãe enfermeira. Ele tinha 7 anos quando seus pais se separaram. O novo parceiro de sua mãe logo percebeu que Rafael não gostava de meninas e dizia a ela que o filho se tornaria homossexual se nada fosse feito. “Tem que dá uma surra nele pra aprender a ser homem” era o que o padrasto dizia. Rafael o odiava e passou a ficar triste com a mãe por não fazer nada a respeito dos insultos. Aos seus 17 anos, os pais de Rafael, muito mudados pelas suas experiências de vida após a separação, reconciliaram-se e recasaram. Entretanto, Rafael tinha muito medo de contar que gostava de homens. Rafael tinha muita ansiedade e chegou a ter um ataque de pânico antes de contar a verdade sobre sua orientação sexual. Mas se surpreendeu quando contou. A mãe chorou e perguntou se ele iria parar a faculdade e se drogar. Rindo, Rafael disse que não e que tinha um namorado. A mãe, mesmo ansiosa pela nova situação, disse que sempre iria amá-lo e que queria conhecer quem era pessoa que seu filho gostava. O pai de Rafael, diferente das expectativas do filho, abraçou-o forte e disse que ele era brilhante como pessoa, que tinha um grande futuro pela frente e que toda esta tristeza era algo que eles, pai e mãe, teriam que lidar e superar. O pai enfatizou que Rafael não tinha responsabilidade pela tristeza deles e que também gostaria de conhecer seu namorado para que eles pudessem conviver mais e melhor. Estas três histórias, apesar de fictícias, são baseadas nas diversas histórias verídicas que venho acompanhando como psicólogo, psicoterapeuta e pesquisador nestes últimos onze anos de trabalho com a diversidade sexual e de gênero. Histórias como essas são comoventes e extremamente marcantes na vida de qualquer família. Afinal de contas, que família não tem alguém, seja homem ou mulher, que se relaciona com outras pessoas do mesmo sexo? Talvez você possa rapidamente responder: “na minha família não tem ninguém que seja homossexual ou bissexual”. Mas então sugiro se perguntar: não tem ou talvez eu não saiba? Será que somente as pessoas que se identificam como homossexual, lésbica, gay ou

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bissexual são as únicas a terem experiências afetivo e/ou sexuais com pessoas do mesmo sexo? Estamos, cada vez mais, nos aproximando de um momento histórico em que as expressões afetivas e sexuais com pessoas do mesmo sexo não são somente uma questão de quem se identifica como homo ou bissexual, mas de todos nós. As homossexualidades e bissexualidades (uso o plural para enfatizar as diversas e infinitas formas de amar/sexualizar), ou seja, a diversidade sexual, não está mais lá fora, além das nossas vistas e fora da nossa realidade. A orientação sexual, a forma como as pessoas orientam seus desejos afetivo-sexuais, se materializa nos nossos filhos, nas nossas irmãs, nos nossos amigos, nas nossas colegas de trabalho, na nossa mãe, no nosso pai, nos nossos avós, etc. As pessoas estão se sentindo mais livres e protegidas para expressar sua sexualidade sem medo e mais fortes e resilientes para enfrentar o preconceito. Tudo isto se deve aos diversos câmbios sócio-políticos que temos passado, principalmente nos últimos trinta anos. A diversidade sexual, que antes era entendida somente como pecado, crime ou doença, agora também é vista como saúde, direito e pro-

dutora de cultura (Lomando & Wagner, 2009). Isto se deve em grande parte pelas lutas e mudanças lideradas pelos movimentos militantes, que usam uma grande sigla. A mais completa é LGBTTTQI1. Além destes ativistas, estas mudanças também se devem aos profissionais de saúde e direito e a sociedade em si. Mas por que, depois de tantas mudanças, ainda vemos histórias como a de Lúcia e Paulo? A resposta é muito simples e está numa norma social: a heteronormatividade (Butler, 2012). De forma simples e rápida, a heteronormatividade é um paradigma social, uma macroverdade compartilhada pelas pessoas que exclui, corrige e pune todas as formas de identidade e expressão sexual e de gênero fora do estereótipo heterossexual. Esse pensamento heteronormativo é compulsório, ou seja, está tão intrínseco nas relações sociais que é necessário as pessoas pararem para pensar. Além disto, ele está infiltrado dentro de diversos conhecimentos: leigos, religiosos e inclusive científicos, que pensavam as homossexualidades como doença mental ou desvio do comportamento saudável. Esta lógica criou pesquisas científicas que apontavam seus

“A orientação sexual, a forma como as pessoas orientam seus desejos afetivo-sexuais, se materializa nos nossos filhos, nas nossas irmãs, nos nossos amigos, nas nossas colegas de trabalho, na nossa mãe, no nosso pai, nos nossos avós, etc.”

1 - Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Travestis, Transexuais, Queers e Intersex.

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objetivos à busca de uma origem. Será ela a homossexualidade é biológica, um defeito num gene ou excesso de hormônios? Será que a homossexualidade é um resultado de uma infância que deve seu desenvolvimento refreado e não atingiu a heterossexualidade plena? Será que as imposições sociais fazem das pessoas potenciais homossexuais? Apesar de serem hipóteses interessantes, nenhuma delas conseguiu se sustentar com evidências suficientes para comprova-las como afirmativas (Castanheda, 2009). Ou seja, a falha no estabelecimento de uma única determinação (ou biológica, ou psicológica, ou social) nos ajuda a inferir que a diversidade sexual é um fenômeno complexo, biopsicossocial, parte da vida de muitas pessoas, não somente das pessoas que se identificam como LGB. Na década de 1940, o pesquisador americano Alfred Kinsey (1948; 1953/98) entrevistou mais de 10 mil homens e mulheres e demonstrou que a sexualidade humana é totalmente diversificada, se expressa de inúmeras formas e não pode ser compreendida apenas a partir dentro de um binômico heterossexual-homossexual. A partir disto e de diversos estudos sociais em sexualidade e gênero, compreende-se que existe uma diversidade de práticas eróticas, afetivas e sexuais que, dependendo do momento sócio-histórico-político, são mais ou menos aceitas e reforçadas, mais normais ou anormais, mais objetos dos nossos desejos ou “abjetos” a eles. Os pais de Paulo, Lúcia e Rafael foram ensinados a esperar e reforçar estas práticas heteronormativas e seria estranho, apesar de desejado, um comportamento inicial diferente destes. Uma vez que seus filhos/a não seguiram esta suposta linearidade pelo fato de não desejarem somente pessoas do sexo oposto, estes pais são tomados por um mal estar profundo, provavelmente criado por pensamentos de culpa a si (“Onde foi que eu errei?”), culpa projetiva (“Foi erro seu por ter mimado este garoto/a!”, “Tu és assim por que queres!” ou “Foi culpa de alguém que o/a levou a isto!”,), resgate (“por que ela/e não pode ser normal como as outras crianças”), medo (“se descobrirem será muito ruim para ele/a e para nós”), patologia (“Isto é problema que teremos que tratar”) e negação (“Isto é só uma fase, irá passar”), entre outros. Todos estes pensamentos e os sentimentos despertados a partir deles são produtos desta norma social. Se estes pais não os desafiarem, assim como os pais de Rafael fizeram, eles provavelmente entrarão um jogo complicado de ações coercitivas, corretivas e punitivas contra a orientação sexual não heterossexual de seus filhos. Isto é o que chamamos de homofobia. Fobia, apesar de significar medo, nesta palavra denota pensamentos, sentimentos e ações que violam e

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desrespeitam as orientações sexuais direcionadas a pessoas do mesmo sexo. A homofobia exercida pelos pais, assim como pela sociedade em geral, tem consequências muito graves na vida de crianças, jovens e adultos que se percebem dentro da diversidade sexual (Nardi, 2010). Além disso, a falta de apoio social de redes como família, amigos, trabalho e escola também são fatores que deixam estas pessoas em maior vulnerabilidade. As piores consequências destes fatos são os suicídios e os assassinatos. Ideações suicidas e tentativas de suicídio são proporcionalmente mais altos na população LGBT, assim como assassinatos de travestis, transexuais, gays e lésbicas somam os números mais altos do mundo. Em 2012, o último relatório brasileiro sobre violência homofóbica no Brasil, “foram reportadas 27,34 violações de direitos humanos de caráter homofóbico por dia. A cada dia, durante o ano de 2012, 13,29 pessoas foram vítimas de violência homofóbica reportada no país” (Brasil, 2012, p.18). Os que mais sofrem

“Na década de 1940, o pesquisador americano Alfred Kinsey (1948; 1953/98) entrevistou mais de 10 mil homens e mulheres e demonstrou que a sexualidade humana é totalmente diversificada, se expressa de inúmeras formas e não pode ser compreendida apenas a partir dentro de um binômico heterossexual-homossexual.”

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“Esta nova atitude pode fazer uma grande diferença na saúde mental e no bem-estar social de qualquer pessoa LGBT.”

estas violências, tanto física como psicológica, são homens jovens de 15 a 29 anos, perpetuadas na sua maioria por vizinhos e familiares. Entretanto, estes dados são extraídos Disque Direitos Humanos (número 100) e representam os resultados que vem fez a ligação, mas imagine quantos outros casos não são reportados? Prova disso é que o Brasil é país com maior índice de assassinato de travestis no mundo (GGB, 2010). Mediante esses tristes fatos, é extremamente importante que familiares, sejam pais, mães, irmãos/as, primas/os, tias/os, avós, etc., possam rever seus conceitos frente à diversidade sexual e de gênero. Esta nova atitude pode fazer uma grande diferença na saúde mental e no bem estar social de qualquer pessoa LGBT. Afinal de contas, relacionar-se com pessoas do mesmo sexo é apenas mais uma forma de expressar o afeto, o amor e a sexualidade humana. As homossexualidades e bissexualidades não são um desvio, transtorno ou falha no desenvolvimento psicológico, pois não impedem nenhum ser humano de desfrutar de uma vida pessoal, familiar, relacional ou de trabalho com plenas capacidades. Apesar das restrições de

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reprodução, esse fato não impede gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais de serem pais e mães, uma vez que as técnicas de reprodução assistida e a adoção têm ajudado a concretizar seus desejos parentais. O que atrapalha, piora e destrói a vida das pessoas LGBTTTQI é o preconceito, guiado pela heteronormatividade e exercido através de práticas homofóbicas. Isso, sim, deve ser combatido. Coloque-se nesse lugar, na pele de quem vive esse preconceito, não podendo apresentar ao mundo aquela ou aquele que ama. Imagine que no meio deste sofrimento alguém de sua família estende a mão e lhe diz: “Eu sei que vai ser duro enfrentar tudo isso lá fora, mas eu estarei do seu lado. Conte comigo.” Sentiu? É esse sentimento de apoio e amor que, no fim das contas, poderá fazer uma grande diferença. * Eduardo Lomando é psicólogo, mestre e doutor em Psicologia Social. É psicoterapeuta sistêmico de casais e famílias, Coordenador do NAPSE – Núcleo de atendimento e promoção de saúde na diversidade sexual e gênero em Porto Alegre/RS, Professor de Psicologia/FADERGS.

Fotodivulgação: Flickr-Guillaume Paumier

REVISTA DE PSICOLOGIA - ESPECIAL

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REVISTA DE PSICOLOGIA - ESPECIAL

A HOMOFOBIA NO CAMPO PSICANALÍTICO Ainda há preconceito contra a homossexualidade no exercício de certos psicanalistas que desviam a psicanálise de seu intuito enquanto prática libertadora que respeita os desejos singulares do sujeito.

Geni e o zepelim Chico Buarque De tudo que é nego torto Do mangue e do cais do porto Ela já foi namorada O seu corpo é dos errantes Dos cegos, dos retirantes É de quem não tem mais nada Dá-se assim desde menina Na garagem, na cantina Atrás do tanque, no mato É a rainha dos detentos Das loucas, dos lazarentos Dos moleques do internato E também vai amiúde Co’os velhinhos sem saúde E as viúvas sem porvir Ela é um poço de bondade E é por isso que a cidade Vive sempre a repetir Joga pedra na Geni Joga pedra na Geni Ela é feita pra apanhar Ela é boa de cuspir Ela dá para qualquer um Maldita Geni Um dia surgiu, brilhante Entre as nuvens, flutuante Um enorme zepelim Pairou sobre os edifícios Abriu dois mil orifícios Com dois mil canhões assim

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A cidade apavorada Se quedou paralisada Pronta pra virar geléia Mas do zepelim gigante Desceu o seu comandante Dizendo – Mudei de idéia - Quando vi nesta cidade - Tanto horror e iniquidade - Resolvi tudo explodir - Mas posso evitar o drama -Se aquela formosa dama -Esta noite me servir Essa dama era Geni Mas não pode ser Geni Ela é feita pra apanhar Ela é boa de cuspir Ela dá pra qualquer um Maldita Geni Mas de fato, logo ela Tão coitada e tão singela Cativara o forasteiro O guerreiro tão vistoso Tão temido e poderoso Era dela prisioneiro Acontece que a donzela - E isto era segredo dela Também tinha seus caprichos E a deitar com homem tão nobre Tão cheirando a brilho e a cobre Preferia amar com os bichos Ao ouvir tal heresia A cidade em romaria Foi beijar a sua mão

O prefeito de joelhos O bispo de olhos vermelhos E o banqueiro com um milhão Vai com ele, vai Geni Vai com ele, vai Geni Você pode nos salvar Você vai nos redimir Você dá pra qualque um Bendita Geni Foram tantos os pedidos Tão sinceros, tão sentidos Que ela dominou se asco Nessa noite lancinante Entregou-se a tal amante Como que dá-se ao carrasco Ele fez tanta sujeira Lambuzou-se a noite inteira Até ficar saciado E nem bem amanhecia Partiu numa nuvem fria Com seu zepelim prateado Num suspiro aliviado Ela se virou de lado E tentou até sorrir Mas logo raiou o dia E a cidade em cantoria Não deixou ela dormir Joga pedra na Geni Joga bosta na Geni Ela é feita pra apanhar Ela é boa de cuspir Ela dá pra qualquer um Maldita Geni

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Geni, uma travesti, na peça Ópera do malandro, obra de Chico Buarque, é tratado no enredo como uma mulher, mais especificamente como uma santa, prostituta, tal como Geni, de Toda nudez será castigada, de Nelson Rodrigues. Ela ocupa o lugar de bode expiatório, de idiota da família social. Catalisa a violência da sociedade, que, ao mesmo tempo, precisa dela para manter sua sobrevivência e coesão. Quem mais aceitaria ser a rainha dos detentos, das loucas, dos lazarentos? Situa-se na atopia do não todo, de um gozo suplementar mais além do falo. Ao deitar com o nobre invasor em seu imenso zepelim, preferia amar com os bichos. Traduz-se como uma donzela pós-moderna violada em prol do interesse da família normopata. Na junção do arcaico e do contemporâneo foi musa do queer, do estranho, que se mantém à margem do Todo social. Objeto abjeto nas circunvoluções da santidade. Objeto de opróbio. “Joga pedra na Geni!”, coro da tormenta homossexual contemporânea, legitimada pelo discurso pseudocientificista de alguns psicanalistas atuais. Cientificista não seria melhor. Fizemos questão de transcrever a canção inteira, posto que ela transcende o recorte que

possamos fazer dela. Na tradição de Freud e Lacan, o artista sempre antecede o cientista, com seus testemunhos do Inconsciente. A canção é provocativa, militante e suscita, portanto, várias questões, que a ditadura da heteronormatividade pretende calar. A Psiquiatria e a Psicologia nascem como lugares de um poder normativo excludente. A Psicanálise, em seus desvios da letra freudiana, desenvolveu-se no esteio de um poder e saber coercitivos. O objetivo deste texto inscreve-se como um alerta e sensibilização para uma postura reacionária de alguns psicanalistas, acerca da questão das homossexualidades. Temos como método uma linha de raciocínio embasada em Freud e Lacan, bem como uma discussão sobre o tema cotejada com os desenvolvimentos teóricos de alguns autores.

CONSIDERAÇÕES FREUDIANAS SOBRE A ORIENTAÇÃO SEXUAL De acordo com Freud (1996 [1905], 132), a homossexualidade é uma orientação sexual que não se muda com uma psicanálise. A sexualidade é uma secção que coloca o sujeito em um ou outro

“De acordo com Freud (1996 [1905], 132), a homossexualidade é uma orientação sexual que não se muda com uma psicanálise.”

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lado, o lado homem ou o lado mulher, independente de seu sexo biológico. O sujeito se inscreve no “sexão”, pela via simbólica: Ao contrário, a psicanálise considera que a escolha de um objeto, independentemente de seu sexo- que recai igualmente em objetos femininos e masculinos -, tal como ocorre na infância, nos estágios primitivos da sociedade e nos primeiros períodos da história, é a base original da qual, em consequência da restrição num ou noutro sentido, se desenvolvem tanto os tipos normais quanto os invertidos. Assim, do ponto de vista da psicanálise, o interesse sexual exclusivo de homens por mulheres também constitui um problema que precisa ser elucidado, pois não é um fato evidente em si mesmo, baseado numa atração, afinal, de natureza química. Já em Uma lembrança de infância de Leonardo da Vinci, Freud deixa de se utilizar do termo inversão, uma vez que não haveria uma orientação correta e natural ao giro da pulsão em torno de seu objeto. Em As pulsões e seus destinos ele assinalará que o objeto é aquilo que há de mais variável para uma pulsão específica. A homossexualidade atual situa-se como herdeira da revolução sexual possibilitada por Freud. Este, nas suas considerações sobre as neuroses atuais, considerava que as práticas sexuais empobrecidas (masturbação, coito interrompido, abstinência, etc), mantinham as toxinas sexuais capazes de alimentar os sintomas. Segundo Ney Matogrosso, em entrevista ao Canal Brasil “A AIDS caretizou tudo...” O sexo se virtualizou... mas a perspectiva do “Sexo é bom” teve uma grande contribuição freudiana. Em uma carta dirigida a uma mãe americana, cujo filho era homossexual, em 9 de abril de 1935, Freud escreve que a homossexualidade não é motivo de vergonha e que vários expoentes de nossa cultura foram homossexuais. Testemunhamos o boy de uma sauna dizendo a um cliente “Você é uma das minhas noivas!...). O cliente assustado, com um leve sorriso, olhou ao redor...Tratava-se de seu gozo também, ante a partilha sexual estabelecida pelo boy... Se eu sou o homem, você é minha mulher! Independentemente do seu sexo biológico. Isso quer dizer que há heterossexualidade na homossexualidade fenomênica, tanto quanto o contrário. Heterossexualidade é todo amor pela diferença, seja aonde ela estiver posta. A heterossexualidade ocorre pela secção (sexão) entre os significantes que tem o valor de oposição, de pura diferença. Onde houver metáfora, haverá, portanto, substituição. O processo em si, já revela a marca do Outro, da Outra cena.

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“A homossexualidade atual situa-se como herdeira da revolução sexual possibilitada por Freud.”

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Evidentemente, vários homossexuais se posicionam no lado homem e valorizam o falo. Alguns se organizam pela mesmice narcísica e portam o horror feminae. Sem a tonalidade pejorativa, eles se inserem na perversão. Ou seja, numa certa versão do pai, pèreversion.

A POSIÇÃO DE ALGUNS AUTORES SOBRE O PRECONCEITO RACISEXISTA A psicanálise é o tratamento pela fala, até mesmo a cura de alguns sintomas pela dialética da fala. Que efeito pode ter um discurso estatal, ou aqueles de alguns psicanalistas, que pretendem calar? Os efeitos já se fazem sentir nos consultórios. Uma supervisionanda relatou que uma analisanda sua assistira a uma entrevista de uma psicanalista na TV, que apontou o preconceito raci-sexista existente em muitos psicanalistas. Sua analisanda homossexual, afetada por isso, desenvolveu uma transferência negativa. Entretanto, a psicanalista entrevistada fez uma constatação óbvia. Os psicanalistas reacionários não estariam fomentando aversão à psicanálise em possíveis futuros analisandos? O sujeito (cidadão), desde a Grécia antiga é aquele que toma a palavra, na linguagem que o divide. Nasce imerso num banho de anterioridade, cunhado pelo patronímico, que lhe fornece os significantes primordiais que o constituem. Qual o sentido de impossibilitar o laço, liame, social, possibilitado pela fala, em sua relação intrínseca com a castração? Toda a estrutura da lei, do desejo e da diferença, já está posta para aquele que bem diz. O que assistimos com psicanalistas obtusos é a retrocesso indicativo de novas formas de repressão sexual e de boicote à fala. Jorge (2011, 68) repertoria alguns retrocessos culturais que estão na contra corrente da psicanálise. A reeleição de Bush há alguns anos, teria sido incrementada por sua atitude contrária ao same sex marriage. “Eles (os americanos) preferiram optar por exterminar outros povos e ver morrer seus filhos do que admitir a diferença posta em jogo pelo desejo homossexual. Diferença essa que se resume na formulação lacaniana: ‘a relação sexual não existe’ ”. Um evento reacionário foi empreitado por evangélicos cariocas, comandados por Rosinha Garotinho “nome graciosamente bissexual”. De acordo com JORGE (2011, 69): “Os psicanalistas, nesse caso, se pronunciaram para sustentar a posição de Freud apresentada em Três ensaios e desenvolvida ao longo de toda a sua obra. Acyr Maia manifestou seu repúdio em relação à ABRACEH – Associa-

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ção de Apoio ao ser Humano e à Família, liderada pela psicóloga evangélica Rosângela Alves Justino e cujo objetivo seria ‘fornecer apoio aos homossexuais que voluntariamente desejam deixar a homossexualidade’”. Roudinesco (2009) historicisa o preconceito nascente no âmago das sociedades de psicanálise. A triste situação foi, principalmente, obra de Ernest Jones e de Anna Freud. Anna, que manteve distância dos homens enquanto se aproximava de mulheres. Pediu a um jornalista que não publicasse a carta de Freud à mãe de um jovem homossexual, já mencionada aqui. A estenografia de liberdade que é Paris foi traída por vários psicanalistas franceses contemporâneos. De acordo com Roudinesco (2009, 69): “Charles Melman e Jean-Pierre Winter, que, em nome do lacanismo e da psicanálise, lançaram-se numa verdadeira cruzada midiática contra os homossexuais, recorrem efetivamente à concepção lacaniana de paternidade simbólica com fins de restaurar a figura perdida do pai autoritário, a qual estaria, a seu ver, ameaçada pela nova ordem homossexual”. Ao final da escrita do esboço deste artigo, foi publicado o livro As homossexualidades na psicanálise - na história de sua despatologização. Trata-se de uma obra vasta e ricamente documentada sobre o tema das homossexualidades. Suas linhas mestras corroboram nossas teses, aqui propostas. Vejamos algumas ideias dos organizadores, dadas em entrevista. Indagado sobre o lugar das chamada identidades sexuais na teoria e prática psicanalíticas, Antono Quinet(2013, 343), comenta: “O parceiro do sexo é um objeto que, na cama, o sujeito recorta do corpo do outro. E isso independe do gênero dos parceiros sexuais. A pulsão é sempre parcial. E o coito genital não é absolutamente uma exigência da sexualidade nem uma suposta “maturidade” da pulsão. E muito menos uma norma. A psicanálise se opõe a uma pedagogia do desejo, pois esta é uma falácia. Não se pode educar a pulsão sexual. Não se pode desviá-la para acomodá-la aos ideais da sociedade”. Mais adiante, Marco Antônio (2013, 346) se reporta ao preconceito de certos analistas: “ É impressionante ver psicanalistas lacanianos assumirem posturas tão conservadoras e malsãs, condizentes com as opiniões menos esclarecidas da população. Os psicanalistas, quando se trata de homossexualidade, tornamse frequentemente religiosos, no sentido de que pregam uma versão única da verdade para todos. Ora, nós sabemos que a singularidade do desejo do sujeito é a mola mestre da ética da Psicanálise, tal como sustentada por Lacan, de modo que

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qualquer ideal de normativização do pensamento ou do comportamento deve ser considerada anti freudiana e antilacaniana.” O preconceito contra as homossexualidades é fundado no narcisismo das pequenas diferenças, num repúdio à castração, no não reconhecimento de uma falta constitutiva do Outro. Ele é uma repetição do preconceito xenófobo, racial ou contra as mulheres, consideradas castradas. Funda-se com ódio à alteridade. Encontramos um aprofundamento dessas premissas, com o texto de Betty B. Fuks: “Psicanálise, xenofobia: algumas reflexões”. Betty conjuga as raízes do preconceito à judeidade da obra freudiana que se articula ao estranho dos conceitos de Inconsciente e sexualidade na subversão do desejo. Jung foi um dos expoentes que tentou uma assepsia ariana da “peste” freudiana. FUKS (2013,78) comenta que “O antissemitismo de Jung – ‘com Freud e Adler são propagados pontos de vista especificamente judeus e, como também pode ser comprovado, pontos de vista que têm um caráter essencialmente desagregador’” .

Mais adiante (2013,79) explica que Freud estava voltado “à escuta dos destinos das pulsões na cultura, o que lhe permitiu situar a xenofobia na dimensão agressiva do sujeito à diferença no outro”. A própria dimensão do estranho, comporta uma ambiguidade que faz com o que existe de mais íntimo seja sentido com vindo de fora, ou “extimo” na expressão cunhada por Lacan. Ainda na espessura sintomática do preconceito contra as homossexualidades, a autora (2013, 79) situa que “a raiz inconsciente mais forte para o sentimento de superioridade sobre as figuras da mulher e do judeu é a diferença sexual”. Assim, vemos que as nervuras inconscientes do preconceito contra as homossexualidades têm uma epistemologia fundada no horror ao feminino incorporada ao antissemitismo pela via de um repúdio à circuncisão. Seguindo Freud, Fuks (2013, 79) assinala que longe “de fazer apenas uma analogia entre o Judeu e o feminino, (Freud) insistiu em demonstrar que a vivência sinistra diante da circuncisão é homóloga à impressão inquietante causada pelo sexo da mulher”.

“O preconceito contra as homossexualidades é fundado no narcisismo das pequenas diferenças, num repúdio à castração, no não reconhecimento de uma falta constitutiva do Outro.”

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Se os judeus transmutaram seu horror em testemunho ético contra o extermínio da alteridade, os homossexuais no Pós-Guerra foram constrangidos a permanecer no mutismo. A desculpa do governo alemão aos homossexuais perseguidos, só veio à luz em 2002. Na França, a homossexualidade só deixou de ser ilegal em 1981. Um grito de revolta, entretanto, ecoou da voz de Pierre Seel em Moi, Pierre Seel, deporté homosexuel. FUCKS (2013, 82) transcreve seu testemunho ante as atrocidades que antecederam o assassinato de seu namorado num campo de concentração: “Um dia os alto-falantes ordenaram-nos que fôssemos imediatamente ao centro do campo. Gritos e latidos induziram-nos a chegar rapidamente. Rodeados por homens da SS, devíamos formar um quadrado e esperar firmes, como fazíamos durante as formaturas da manhã. O comandante estava presente com todos os seus colaboradores mais importantes. Pensei que nos iam inundar de novo com sua fé cega no Reich, em conjunto com uma lista de instruções, insultos e ameaças – emulando as famosas verborreias do seu chefe, Adolph Hitler. Mas a situação era muito pior: uma execução. Dois soldados da SS trouxeram um jovem até o centro do quadrado que formávamos. Horrorizado reconheci Jo, o meu doce amigo de 18 anos”. Nem temos estômago para transcrever a carnificina nazista a qual foi submetido o jovem amado de Pierre Seel...

PARA NÃO CONCLUIR, MAS REVERBERAR... Em uma de duas malfadadas consultas com o filósofo Jacques-Alain Miller, o mesmo nos assinalou que um homossexual nunca poderia contar com muitos pacientes. Só se poderia dizer não ao início de um tratamento ideológico desse tipo. Vários psicanalistas esquecem que muitos homossexuais não procuram análise devido ao discurso moralista dos clínicos cínicos. Os mesmos são reféns de uma burrice não atravessada pela lógica freudiana. Instalam assim um silêncio gerador de angústia, precisamente para aqueles que têm muito a dizer. Constatamos com Freud, a complexidade da vida sexual, bem com as singularidades do sujeito em suas escolhas sexuais, Assim, as homossexualidades são tão enigmáticas quanto as heterossexualidades. A partir de autores mais contemporâneos, assinalamos a existência de uma força ideológica naturalista e raci-sexista, no dizer de Braunstein, no âmbito do movimento psicanalítico atual. Tal

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“Se os judeus transmutaram seu horror em testemunho ético contra o extermínio da alteridade, os homossexuais no Pós-Guerra foram constrangidos a permanecer no mutismo. A desculpa do governo alemão aos homossexuais perseguidos só veio à luz em 2002. ”

corrente mostra-se contrária à singularidade e subversão do desejo Ficamos aturdidos com o fato citado por Freud de que é espantosa a falta de modificação subjetiva com o Outro que deveria se esperar de uma análise exitosa. De acordo com Fucks (2013, 85): “Não seria esta uma das condições requeridas ao analista, em seu exercício de levar adiante a descoberta do país do Outro – O Inconsciente?” Em nosso hiper terceiro mundo, o horror continua... A atriz transexual Viviane Beloni desenvolveu uma perfórmance no Gay Pride 2015. Ela surgiu linda e crucificada na Avenida Paulista. O simbolismo é óbvio e cristão. Aterrorizada ela disse no the day after: “Acordei cedo com uma ligação anônima, dizendo que, eu iria morrer”. Continuam jogando bosta na Geni!... * Orlando Soeiro Cruxên é psicanalista do Corpo Freudiano. Professor-associado III da Faculdade de Psicologia da UFC. Autor de Léonard de Vinci et le Caravage. Paris: L’Harmattan, 2005 ; A sublimação, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004; e de vários artigos científicos e capítulos de livros. Endereço: Rua Dr. José Lourenço, 781/103. Meireles. 60115-280. FortalezaCE. Tel.: 85-3224-7771. e-mail: [email protected].

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A ADOÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES POR CASAIS HOMOSSEXUAIS Transformações e resistências às novas configurações de família.

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ORNA-SE CADA VEZ MAIS VISÍVEL EM NOSSOS DIAS ARRANJOS FAMILIARES QUE DESTOAM DA CONCEPÇÃO CLÁSSICA DE FAMÍLIA FORMADA PELO NÚCLEO “PAI, MÃE E FILHOS”. APESAR DA FORÇA DESSA IMAGEM IDEALIZADA, PENSEMOS NOS COMERCIAIS DE “MARGARINA” E SEUS IDÍLICOS CAFÉS DA MANHÃ, A REALIDADE INEGÁVEL APONTA PARA UMA PLURALIDADE DE FORMAS DE FAMÍLIA: CASAIS SEM FILHOS, MÃE SOLTEIRA COM FILHOS, CRIANÇAS CRIADAS POR SUAS AVÓS, OUTRAS, SOB A RESPONSABILIDADE DIRETA DE UMA AMPLA GAMA DE FAMILIARES, PARENTES E “AGREGADOS”. Dentre todas essas configurações, ganham cada vez mais visibilidade, e geram as maiores controvérsias, os núcleos familiares formados por pais ou mães homossexuais. Este artigo, fruto da minha pesquisa de mestrado em Ciências Sociais sobre adoção por casais homossexuais (MORELLO 2015), trata das recentes mudanças jurídicas que permitiram a adoção por casais homossexuais no Brasil e de algumas resistências sociais a ela, especialmente pelo estigma que ainda ronda a homossexualidade quando associada aos cuidados infantis. Nas sociedades ocidentais contemporâneas, a homossexualidade vem passando nas últimas décadas por um processo de ressignificação. Tradicionalmente interpretada como pecado pelo cristianismo, transformou-se, entre os séculos XIX e XX, de uma desordem moral em uma psíquica, às vezes endocrinológica no escrutínio da medicina e da nascente psicanálise (FOUCAULT 2005). Os homossexuais, tanto masculinos quanto femininos, de “pervertidos”, passaram a ser vistos como doentes e/ou pessoas com um insuficiente amadurecimento psíquico. Seria preciso procurar no mau funcionamento de suas

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glândulas ou nos primeiros anos de sua infância a causa de seu distúrbio. É importante lembrar que não estamos tão afastados dessas concepções nos dias atuais, que, volta e meia, ressurgem em pautas como as da “cura gay” ou dos esforços científicos para identificar a “origem da homossexualidade” (que migrou do campo da endocrinologia para o da genética). Ou quando, ainda hoje, a transexualidade é tida como desordem psíquica, doença. Apesar desses e outros resquícios e resistências, é inegável, no entanto, que, ao menos, a homossexualidade vem sendo ressignificada no sentido de ser entendida, cada vez mais, como uma das manifestações da imensa diversidade do que constituiu o humano e não como um desvio ou uma patologia. Fundamental para essa transformação na forma como a orientação homossexual é significada socialmente têm sido a construção de um sentido positivo para esta, por parte das próprias pessoas homossexuais a partir de suas experiências sexuais e amorosas, gerando discursos e representações sobre a homossexualidade que desafiam e desautorizam àquelas tradicionais associadas ao desvio e à doença. O reconhecimento pelo Estado dos núcleos familiares formados por casais homossexuais, com ou sem filhos, configura-se num capítulo atualíssimo deste processo. As disputas sociais sobre o que se deve considerar autenticamente como família estão na pauta do dia, no Brasil e em muitas outras sociedades contemporâneas. Vide a recente polêmica sobre o “Estatuto da família” no Brasil, definida neste como a união entre homem e mulher. A partir de uma perspectiva conservadora, o que seja “família” funda-se sobre a irrenunciável heterossexualidade do casal, garantia da reprodução, um dos objetivos tradicionais do matrimônio, e salvaguarda de que essas mesmas crianças venham a crescer num ambiente saudável já que um pai e uma mãe garantiriam, ao menos de forma ideal, as funções paterna e materna tão necessárias ao sadio desenvolvimento infantil, segundo algumas linhas da psicanálise (GROSSI, Miriam. MELLO, Luiz. UZIEL, Anna Paula, 2006). As representações tradicionais a respeito da homossexualidade como doença e desvio fazem com que o “casamento gay”, para muitos represente, uma ameaça à manutenção da própria ordem social já que a homossexualidade é tida como necessariamente promíscua e geradora de relações superficiais, o extremo oposto da “santidade” do casamento heterossexual (MISKOLCI 2009). Nas últimas décadas, no entanto, outros modelos de relações familiares vêm se tornando cada vez mais comuns. Apesar das diferenças entre eles, estes “novos arranjos familiares” flexibilizam os parâmetros familiares tradicionais. Isso possibilita a inclusão das uniões homossexuais no modelo de fa-

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“As disputas sociais sobre o que se deve considerar autenticamente como família estão na pauta do dia, no Brasil e em muitas outras sociedades contemporâneas.”

mília. Em tais arranjos a razão de ser do casamento aparece como puramente afetiva, as uniões são pautadas, pelo menos idealmente, no igualitarismo entre os/as parceiros e não há a obrigação de uma sexualidade reprodutiva (HEILBORN 2004). Além disso, a própria psicologia e áreas afins têm criticado o papel rígido e insubstituível da obrigatoriedade de que uma criança tenha pais de sexos distintos, quer de forma mais branda, mostrando que outras pessoas próximas a estes podem garantir de forma saudável a questão da diferença sexual, quer elaborando uma crítica mais incisiva por meio da argumentação de que “pai” e “mãe” são “cuidadores” e é de cuidado que a criança precisa para se desenvolver de forma sadia, independente do sexo de quem por ela se responsabiliza (ZAMBRANO 2006). Isso outorga aos casais homossexuais a possibilidade de ter filhos, seja criando filhos biológicos de relações heterossexuais passadas de um dos parceiros, por meio dos métodos de inseminação artificial (notadamente no caso de casais de mulheres), seja por por adoção. A decisão de um casal homossexual em ter filhos, embora mais comum hoje em dia, ainda

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causa estranheza em muitos setores sociais. Para o arranjo conjugal heterossexual, o filho parece ser um “destino social”. Uma etapa “logicamente” subsequente ao casamento/união. Uma espécie de “coroamento” da vida a dois. Para o homem o tornarse “pai”, pode significar uma espécie de comprovação de sua virilidade e, ao mesmo tempo, a entrada definitiva na idade “adulta”, pensada em termos de responsabilidade, ecos do papel social “de provedor” que ressoa ainda hoje. No caso da mulher, essa culminação da “feminilidade” na maternidade é ainda mais marcada. Fala-se de um “instinto materno”, naturalizando-se a relação “mulher = mãe” como se desempenhar tal papel fosse a realização da própria natureza feminina. Já para o casal homossexual, o lugar dos filhos parece ser outro. Esse estatuto diferenciado não é dado pelos próprios sujeitos. Nos discursos de homens e mulheres homossexuais pretendentes à adoção que entrevistei para a minha pesquisa de mestrado (MORELLO 2015), o desejo de paternidade/ maternidade aparece como algo “natural”, independente e, cronologicamente anterior, à própria “descoberta” da orientação sexual e à escolha conjugal. Isso se expressa na resposta mais frequente à pergunta sobre como surgiu o desejo de adotar, o “sempre quis adotar”. Quando se situa tais arranjos conjugais numa perspectiva mais ampla, a partir das múltiplas

aceitações, recusas, condenações que a homossexualidade acarreta no campo social, percebe-se que tanto o arranjo conjugal homossexual quanto os projetos de ser pai/mãe desses casais se situam num lócus distinto daquele ocupado pelos casais heterossexuais. O reconhecimento social da união homossexual não é “dado” como o da heterossexual, a homoparentalidade (o exercício da paternidade/maternidade por homossexuais) não se constitui em destino social de forma tão automática quanto no caso de heterossexuais. Os estranhamentos e resistências em relação ao exercício da paternidade/maternidade por homossexuais se expressam numa série de temores que tem em comum entre todos eles, a ideia de que, de algum modo a orientação homossexual dos pais prejudicaria a criança. À figura do homem está associada comumente a ideia de um apetite sexual mais exacerbado do que o da mulher, essa crença que alimentaria imaginariamente o perigo do abuso sexual, muitas vezes é enfatizada se o homem em questão for homossexual. Outro “perigo” na imaginação do senso comum em relação à paternidade/maternidade homossexual é a de um possível “contágio” da orientação sexual dos pais a seus filhos. Ao longo da minha pesquisa, encontrei alguns casos em que autoridades competentes, um juiz e os responsáveis pelo abrigo onde uma das crianças vivia, recomen-

“À figura do homem está associada comumente a ideia de um apetite sexual mais exacerbado do que o da mulher, essa crença que alimentaria imaginariamente o perigo do abuso sexual, muitas vezes é enfatizada se o homem em questão for homossexual.”

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daram que os casais homossexuais interessados adotassem ou apadrinhassem (o que estabelece um vínculo afetivo com a criança, mas sem adotá-la) crianças do sexo oposto ao deles, ainda fazendo restrição à idade da criança, pelo perigo de “influenciar na sua formação” (MORELLO 2015). Elizabeth Zambrano, antropóloga e psicanalista, num congresso em que participei sobre direito homoafetivo promovido pela OAB, afirmou que, dentre todos os medos que rondam a homoparentalidade, por exemplo, o do possível “contágio” da sexualidade da criança pela homossexualidade dos pais, o único verdadeiro é o preconceito que filhos de pais homossexuais podem vir a sofrer. Conversando com alguns casais homossexuais que se inscreveram juntos para a adoção, a preocupação com o possível preconceito em relação ao filho por este ter o nome de dois pais ou duas mães em seu registro civil também apareceu. É inegável que tal situação é um perigo real, o que, no entanto, não deve ser um impeditivo para a adoção de crianças ou adolescentes por homossexuais. Assim como há pouco tempo, por exemplo, ser filhos de pais separados provocava uma série de discriminações sociais, toda nova forma de família enfrenta preconceitos. Não seria diferente com as famílias cujos pais são homossexuais que apenas muito recentemente passaram a ser reconhecidas como tais pelo Estado brasileiro, e isso graças ao Judiciário, já que todos os projetos que visam regulamentar a questão no legislativo emperram no conservadorismo de nossos políticos. Os primeiros embates no campo jurídico no sentido do reconhecimento de uma união estável e duradoura entre duas pessoas do mesmo sexo se deram longe da vara de família, no direito civil, já que “família” era entendida como um núcleo formado por um homem e uma mulher. Casais de homossexuais que construíram ao longo de anos não só uma vida em comum, mas também um patrimônio em conjunto tinham de lidar, em horas muito difíceis como a da morte de um companheiro, com inúmeras dificuldades pelo não reconhecimento jurídico de sua união: Não poder ser o acompanhante na UTI, brigar com a família do companheiro pelo patrimônio deixado, etc. E isso apesar de a Constituição Federal de 1988 (BRASIL 1988) trazer importantes avanços na concepção de família em relação ao ideal tradicional dessa presente no ordenamento jurídico anterior. Até então “família” era formado por um homem e uma mulher tendo em vista a transmissão do patrimônio aos filhos legítimos do “pai de família”. A partir de 1988 com a Constituição, o que passa a caracterizar juridicamente as relações familiares é a substituição da ideia de “negócio legítimo” pela de “comunhão plena de vida” (ZARIAS, 2008, p. 95). A função da família é, então, encarada

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Fotodivulgação: Flickr-Maria Objetiva

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no direito como um instrumento para o desenvolvimento pessoal de seus membros. A partir desse marco legal, o afeto se erigiu como valor jurídico principal para caracterizar as relações familiares. Isso possibilitou, na própria Constituição de 1988, a ampliação dos modelos de família reconhecidas pelo Estado brasileiro. Doravante não só o casamento civil era “família”, mas também a união estável e a família monoparental, quando uma mãe ou um pai assume sozinho os cuidados de seu filho. Se o valor primordial a caracterizar juridicamente os laços familiares passa a ser o afeto, as entidades familiares não necessariamente precisam ser formadas a partir de uma configuração heterossexual. Apesar dessa conclusão ser coerente com o espírito que anima a definição de família na Constituição de 1988, o texto da mesma ao tratar da “união estável”, e da necessidade de se facilitar a conversão desta em casamento, explicita no parágrafo terceiro do artigo 226 que este se realiza a partir da união entre um homem e uma mulher (BRASIL 1988). Essa ambiguidade na possível amplitude de interpretação do que seja família a partir da noção do afeto como valor jurídico e sua restrição apenas às uniões heterossexuais, a partir da letra da lei, dava aos juízes no julgamento sobre os casos relativos às uniões homossexuais, um amplo espaço para a decisão pessoal no que toca ao reconhecimento legal destas uniões. Inclusive na questão

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“É também a consagração do ‘afeto’ como valor jurídico o dado fundamental na mudança do judiciário em relação às uniões entre homossexuais e na adoção de crianças e adolescentes por estes.”

sobre a adoção de crianças ou adolescentes por casais homossexuais. Segundo os artigos 29 e 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (BRASIL 1990), podem adotar os maiores de 18 anos, solteiros, casados ou em união estável. É preciso haver uma diferença de 16 anos entre o adotante e a criança ou adolescente a ser adotada. Estes seriam os requisitos objetivos que qualificam o pretendente à adoção. Há ainda os requisitos subjetivos. É preciso verificar a capacidade de tais pretendentes para serem pais de uma criança ou adolescente (BITTENCOURT 2010), ou seja, a orientação sexual não é critério para ser candidato a adotante. O Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL 1990), no entanto, no artigo 42, parágrafo 2, determina que só casais em união estável ou que contraíram casamento civil podem adotar. Como as uniões homossexuais não eram reconhecidas juridicamente em nenhum desses institutos, a adoção por casais dependia exclusivamente da interpretação do juiz. Para tentar contornar essa lacuna, os casais homossexuais adotavam a estratégia da adoção monoparental, por apenas um dos membros do casal e, posteriormente, tentavam, ou não, a adoção unilateral, quando o parceiro ou cônjuge adota o filho de seu companheiro(a). Essa situação de insegurança jurídica, de que casais homossexuais para adotar uma criança ou adolescente dependessem de uma inter-

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pretação benevolente da lei por um juiz mudou radicalmente em 2011. Em 13 de outubro de 2011, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar dois processos relativos ao tema, reconheceu às uniões estáveis entre homossexuais o mesmo estatuto de entidade familiar de que gozam as uniões estáveis heterossexuais a partir da Constituição Federal de 1988. A partir dessa decisão, a exigência de estar casado civilmente ou em união estável presente no ECA como obrigatória para a adoção em conjunto, pode ser satisfeita também pelos casais homossexuais (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 2011). O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou uma normativa, em 2013, que obriga os cartórios de todo o país a registrar, de forma direta, sem necessidade de ação judicial, o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, fruto direto da resolução do Supremo Tribunal Federal (CNJ 2013), garantindo, num sentido muito mais amplo do que até então, direitos aos casais homossexuais. Inclusive a possibilidade de adotar uma criança ou adolescente de forma conjunta, com o nome dos dois pais ou duas mães no registro civil. Este artigo pretendeu traçar um panorama geral, dentro do limite possível a um texto como esse, das mudanças pelas quais a concepção de “família” vem passando. Transformações que tem no afeto o valor interpretativo fundamental a caracterizar o que seja uma família, o que nos autoriza a compreender as uniões homossexuais, com ou sem filhos, como núcleos familiares. É também a consagração do “afeto” como valor jurídico o dado fundamental na mudança do judiciário em relação às uniões entre homossexuais e na adoção de crianças e adolescentes por estes. Isso não quer dizer que esta nova forma de compreender o que seja uma família tenha substituído completamente a concepção que a entende como calcada necessariamente na heterossexualidade dos pais. Ambos modelos coexistem, muitas vezes, de forma conflitiva, ressuscitando velhos temores sociais em relação à homossexualidade e cuidados infantis que, assim como antes, precisam ser enfrentados com coragem e lucidez. * Rafael Morello Fernandes é bacharel em Ciências Sociais pelo Instituto de Pesquisas Universitárias do Rio de Janeiro (IUPERJ) e mestre em Ciências Sociais pela UFRRJ, tendo defendido a dissertação “’Atrás do processo tem gente’: Homoparentalidade e suas repercussões no universo da adoção”. Interessado sobre temas de gênero e sexualidade.

REVISTA DE PSICOLOGIA - ESPECIAL

NA LINHA DO

DEBOCHE Reflexões históricas sobre o conservadorismo da escola em face das “outras” sexualidades.

O

AMOR ROMÂNTICO, ENTRE UM HOMEM E UMA MULHER, CUJA CONCRETIZAÇÃO SE DAVA MEDIANTE O CASAMENTO, AINDA PARECIDO COM O QUE CONHECEMOS HOJE É UMA CONSTRUÇÃO SOCIAL HERDADA DA SOCIEDADE BURGUESA. TODAVIA, ESSE AMOR TEM SIDO, AO LONGO DOS ANOS, MODIFICADO, ALTERADO E AMPLIADO. Podemos falar atualmente de formas de amores plurais, além do casamento, e principalmente não mais apenas em relações heterossexuais. Ainda que, com que frequência esse amor seja tão mal entendido, punido, confinado a ser um “amor que não ousa dizer o nome” (Oscar Wilde). Quando nascemos, ou mesmo antes do nascimento, via exames de ultrassonografia, temos nossos corpos marcados pela biologia. Em outras palavras, decidem, sem nosso consentimento, a partir de certas características (ter vagina, pênis, hormônios) se somos mulheres ou homens. Mas nem sempre, à medida que crescemos, concordamos com tal decisão. Vivenciamos ao longo de nossas vidas, por nossas identificações, comportamentos, roupas, afetividades, sociabilidades e preferências diversas a contestação da ideia dominante e restrita do que seja ser homem e mulher. Nesse sentido, quando pensamos em sexualidade, temos que ter em mente, que ela não é apenas uma questão pessoal, mas social e política; a sexualidade é construída ao longo de toda a vida, de muitos modos, por muitos sujeitos. O filósofo francês Michel Foucault (2010) elegeu a sexua-

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lidade como um de seus objetos de estudo. Segundo ele, a sexualidade é historicamente construída, um dispositivo com a função de marcar, regular e controlar os corpos e seus desejos. Nesse sentido, é possível compreender os sujeitos, seus modos de vida, seus comportamentos, suas formas de percepção do mundo e, inclusive, suas dimensões “sexuais” como produtos culturais da humanidade. Em 1868, o jornalista austro-húngaro Karl-Maria Kertbeny, introduziu nova terminologia sobre a homossexualidade no mundo, tendo sido o inventor do termo bem como heterossexual. O termo homossexual ganhou grafia acadêmica na segunda metade do século XIX, mais especificamente em 1870, num artigo sobre sexologia assinado pelo psiquiatra alemão Karl Westphal, que discutiu a “sensibilidade sexual contrária”. A partir daí o termo foi utilizado para designar um sujeito que sente atração, desejos e se relaciona afetiva, erótica e sexualmente com pessoas de seu mesmo sexo biológico. É nesse contexto que a homossexualidade, então denominada como “homossexualismo”, passa a construir a figura de um sujeito específico até então inexistente na história ocidental. Mas de que maneira pensar a homossexualidade na condição de uma produção cultural? Sujeitos homossexuais não existem? O que seria a homossexualidade? Homossexualidade comtempla relações de mulheres? Embora “estranhos”, esses questionamentos são produtivos para que possamos compreender

“As relações homoeróticas entre os homens livres gregos eram consideradas como uma prática pedagógica de transmissão de conhecimentos sobre a vida, denominada de pederastia.”

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a (homo)sexualidade como uma produção social. Nessa linha de pensamento a discussão em jogo não é a presença de certo desejo, antes, as tentativas sociais de nomeá-lo, categorizá-lo e enquadrá-lo em um sistema normativo que pretende dizer quais sujeitos poderão ser considerados como “normais” ou “anormais”. É preciso lembrar aqui, que as práticas relacionais entre dois homens já existiam desde a Grécia antiga. Todavia, nem o termo homossexual, nem a ideia de um sujeito psíquico portador de um desejo existia. As relações homoeróticas entre os homens livres gregos eram consideradas como uma prática pedagógica de transmissão de conhecimentos sobre a vida, denominada de pederastia. Embora seguisse regras específicas, poderia ser manifestada como uma dimensão contemplativa da vida humana. É apenas com o advento das ciências psicológicas do século XIX que a homossexualidade passou a se referir a um sujeito específico e que, segundo a apropriação por parte dos médicos e cientistas, precisaria ser “corrigida” (WEEKS, 2001). Nesse último contexto a palavra “homossexualismo” começou a ser utilizada pelo vocabulário médico com uma conotação patológica. O sufixo “ismo” passou a ser sinônimo de doença e foi inserido nos manuais diagnósticos sobre transtornos mentais. Contudo, felizmente, na década de 1970, a Associação de Psicologia Americana (APA), organização responsável pela elaboração de tal manual, retirou a palavra “homossexualismo” da lista de transtornos mentais, considerando a homossexualidade como uma dimensão possível da orientação sexual dos sujeitos. Atualmente, ao nos referirmos ao desejo homoerótico, o termo adequado a ser utilizado é homossexualidade. O sufixo “idade” nos remete a pensar em modos de existência. Durante um longo período a lesbianidade foi tratada como um apêndice da homossexualidade gay, um quase sinônimo, o que significa dizer que os estudos discutiam as homossexualidades de forma quase que homogênea, gerando, de acordo com Rich (2010), um apagamento da existência lésbica. Para pensarmos a extensão dessa invisibilidade que tratamos, focamos inicialmente nossa reflexão na construção discursiva sobre a existência lésbica. Foi somente após a década de 1970, que se iniciou o processo afirmativo da identidade lésbica, intensificando-se na década de 1990 e contribuindo para um crescimento nas produções sobre lesbianidade que falam a partir do e sobre o universo lésbico. Esse processo também vem se dando com o movimento trans, na medida em que se percebe a necessidade de se discutir políticas e produzir conhecimento considerando também as peculiaridades de cada grupo. Mas como a escola se insere nesse debate? O que ela tem a ver com isso? Infelizmente, a escola

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do fim do século XX e início do século XXI, que é a nossa, pouco tem avançado na abertura ou debate da sexualidade, muitas vezes, não reconhecendo o histórico que a acompanha. A professora e pesquisadora Guacira Lopes Louro já nos alertava desde a década de 1990 que a escola se tornou uma instituição que controla a vida dos sujeitos. Esse controle atravessa os comportamentos, os hábitos, os modos de aprendizagem, determinado assim o que é possível ou impossível de ser expresso pelo alunado. Nesse contexto, a sexualidade é capturada por micropráticas de controle que, às vezes de modo velado, instituem a heterossexualidade como única manifestação possível da orientação sexual. Segundo Louro (2003), a escola entende de diferenças, distinções, desigualdades, na verdade, a ela produz isso. Desde seus inícios, a instituição escolar exerceu uma ação distintiva. Ela se incumbiu de separar os sujeitos – tornando aqueles que nela entravam distintos dos outros, os que a ela não tinham acesso. Ela dividiu também, internamente, os que lá estavam, através de múltiplos mecanismos de classificação, ordenamento, hierarquização. A escola que nos foi legada pela sociedade ocidental moderna começou por separar adultos de crianças, católicos de protestantes. Ela também se fez diferente para os ricos e para os pobres e ela imediatamente separou os meninos das meninas. No que se refere ao desejo homossexual, lésbico ou trans, muitas práticas pedagógicas vem na contramão do conhecimento científico contemporâneo produzido sobre o tema. O que prevalece são perspectivas morais que, ao se ancorarem em determinadas doutrinas religiosas, negam a possi-

bilidade de o sujeito ser livre para sentir, desejar e estabelecer parcerias relacionais com outros a partir de sua autonomia. Afinal por que queremos ter o direito de legislar sobre a vida do outro? Por que a relutância em reconhecer as sexualidades não heterossexuais como possibilidades de existência humana? Por que não pensar em um contexto escolar que, efetivamente, contribua para a construção de uma cultura de reconhecimento da diversidade, inclusive, no que se refere às múltiplas possibilidades de vivência dos gêneros e sexualidades? As sociedades urbanas apostam muito na escola, criando mecanismos legais e morais para obrigar que todos enviem seus filhos e filhas à instituição e que eles ali permaneçam alguns anos. Passar ou não pela escola, muito ou pouco tempo, é uma das distinções sociais. Um corpo disciplinado pela escola é treinado no silêncio, adestrado para determinadas tarefas e desajeitado para outras tantas. Todavia algumas personalidades históricas conseguiram transgredir esse esquema e se tornaram notáveis para a contribuição da ciência, tecnologia e arte. Alan Turing, por exemplo, teve sua trajetória recontada no filme “Jogo da Imitação”, de 2014. O jovem estritamente lógico teve problemas de relacionamento com todos a sua volta por ser homossexual. Durante a Segunda Guerra Mundial, ele integrou uma equipe do governo britânico que tinha como objetivo quebrar o Enigma, famoso código que os alemães usavam para enviar mensagens aos submarinos. Apesar de ter sofrido perseguição e ser duramente cobrado por suas atitudes, Turing foi responsável por decodificar o enigma e evitar milhões de morte, além de reduzir o tempo de guerra.

“Desde seus inícios, a instituição escolar exerceu uma ação distintiva. Ela se incumbiu de separar os sujeitos – tornando aqueles que nela entravam distintos dos outros, os que a ela não tinham acesso.”

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“Outro exemplo é o irlandês Oscar Wilde. Criado no protestantismo foi um aluno brilhante, sobretudo no estudo das grandes obras clássicas gregas e autos conhecimentos dos idiomas.”

Ele também é considerado um dos precursores do computador. O reconhecimento por seu trabalho, no entanto, não ocorreu e ele foi condenado à castração química, por manter relações com sujeitos do mesmo gênero. Sua vida foi ofuscada por sua condenação pela sexualidade e apenas em 2013 “o perdão real” foi proposto pelo ministro da justiça do Reino Unido. Outro exemplo é o irlandês Oscar Wilde. Criado no protestantismo foi um aluno brilhante, sobretudo no estudo das grandes obras clássicas gregas e autos conhecimentos dos idiomas. Desde cedo, sobressaiase sobre os demais estudantes, por sua inteligência, temperamento forte e anticonvencional. Casou-se e teve dois filhos. Ganhou vários prêmios por seus trabalhos literários. Sua obra O retrato de Dorian Gray, que retrata a decadência moral humana, o colocou no rol de grandes escritores. Suas atitudes, um tanto audaciosas para a época, levaram a rumores sobre sua homossexualidade, severamente condenada por lei na Inglaterra. Wilde foi preso como réu de crime inafiançável. Ao sair da prisão, autoexilou-se na França, conhecendo a pobreza e se tornando alcoólatra. Morre de meningite, num quarto barato de hotel, em 1900. Diante dessas problematizações, devemos pensar: nossas escolas realmente contribuíram para uma construção participativa, ética e de reconhecimento da diversidade cultural? Tornou-nos menos racistas, classistas, homofóbicos, misóginos, xenofóbicos, machistas e preconceituosos? Preparou-nos para uma vivência social coletiva na qual as diferenças culturais não se tornam um empecilho para a

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(CON) vivência humana? A escola atual deveria reavaliar sua posição como instituição formativa. No que se refere à sexualidade, a equipe pedagógica poderia percebê-la à luz de referenciais teóricos críticos que contribuam para que possamos (des)construir as representações históricas negativas sobre as homossexualidades, lesbianidades, travestilidades, transexualidades e demais expressões desejantes. É preciso, ao tratar o tema, que exercitemos um afastamento de nossos valores morais que tentam doutrinar o outro. A escola não é local para disseminação de valores pessoais, pois atua com um coletivo multicultural. Não é espaço para achismos, mas para questionamentos ancorados em pressupostos filosóficos e científicos. Não é um contexto para o enaltecimento de uma única possibilidade de vivência, antes, deveria favorecer a interação, socialização e convivência entre os estudantes, docentes, gestores e funcionários. Não raro, quando a sexualidade adentra ao currículo escolar ela é apropriada pedagogicamente a partir do viés da prevenção: prevenir doenças sexualmente transmissíveis, HIV/aids e a gravidez na juventude. Tal ótica preventiva não contempla todos os sujeitos, pois, não raro, a que transpassa tais intervenções é a perspectiva heterossexual de compreensão da sexualidade humana. Em quais momentos, nas situações de educação sexual nas escolas, é favorecida a construção de conhecimentos sobre práticas de prevenção entre dois homens, duas mulheres e informações sobre a saúde sexual das travestis e transexuais? (RIBEIRO&PRADO, 2013).

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Não queremos dizer que é fácil abordar tais temáticas nas atividades escolares sobre sexualidade. Todavia, é necessário buscar conhecimentos que favoreçam a possibilidade de elaborar intervenções que possam estabelecer o diálogo sobre a diversidade sexual no contexto escolar. Até porque, dentre os estudantes, muitos e muitas não se reconhecem como heterossexuais. Se pensarmos em uma educação sexual unicamente pelo viés heteronormativo, qual a possibilidade de significação positiva para estudantes homossexuais, transexuais, travestis e lésbicas? Embora a prevenção seja um aspecto importante de ser abordado, o trabalho escolar sobre a sexualidade poderia ampliar o debate. Provocar os estudantes para que possam refletir sobre os mecanismos culturais que tentam regular nossos corpos ao considerar o desejo homossexual como algo pecaminoso, errado, ou doentio pode contribuir para a compreensão da diversidade humana e que, a partir do princípio da autonomia, todos, deveríamos ter o direito à livre orientação sexual. A construção da cidadania requer que reconheçamos a diversidade de nossa sociedade em diversos aspectos: étnico-raciais, de classe social, de geração, de gênero, de manifestação religiosa e, não menos importante, de orientação sexual. Os países do Norte da Europa que têm programas nacionais de saúde reprodutiva para todos os jovens são os que apresentam os menores índices de gravidez entre jovens, bem como de DSTs e de abortos do mundo desenvolvido. Na Suécia, as atitudes sociais em relação à sexualidade adolescente são liberais e a saúde sexual e reprodutiva constitui uma prioridade. Desde 1956, que a educação sexual é obrigatória nas escolas. O aconselhamento sobre contracepção é gratuito, e os contraceptivos são de baixo custo, estando a pílula do dia seguinte facilmente acessível em todo o país. O programa de Educação Sexual nas escolas suecas é bastante amplo, e engloba temas como a prostituição, a pornografia e as diversas orientações sexuais. A educação sexual na Suécia apresenta quatro fases distintas, dependendo da idade dos alunos. Dos 7 aos 10 anos, os assuntos estudados são a menstruação, o prazer com o próprio corpo, os contraceptivos, a fertilização, a gravidez e o parto, tópicos que são também considerados nos níveis etários seguintes ajustados à maturidade dos alunos. Entre os 10 e os 13 anos, estudam-se as alterações físicas na puberdade, as doenças venéreas, o exibicionismo, a homossexualidade e a pedofilia. No nível seguinte (dos 13 aos 16 anos), fazem parte do programa a desconstrução dos papéis sexuais e dos estereótipos, a família e o casamento do ponto de vista de diversas culturas, o aborto, a pornografia, a prostituição, a troca de carícias e o sexo seguro. O desejo sexual com as suas variações de

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força e orientação, as paixões, as disfunções sexuais são alguns dos temas introduzidos nos programas a partir dos 16 anos. Faz-se necessário que os profissionais da área da educação desconstruam seus próprios posicionamentos em face da questão da diversidade sexual, pois, é a partir de suas representações que intervenções pedagógicas serão viabilizadas ou não. Se um professor parte do princípio de que a homossexualidade é um pecado, qual seria a sua intervenção sobre o tema? Qual significação será possível de ser construída sobre a escola se, muitos estudantes, condicionam suas existências nesses espaços pela ótica do medo, da estigmatização, da perseguição e do preconceito? Pensar a homoafetividade sob a perspectiva do amor e da cidadania, privilegiando a igualdade de gênero é pensar nossa vivência em um estado laico e que se a escola seguisse esta perspectiva, nos ajudaria a construir uma sociedade com menos preconceito e discriminação. As polêmicas em torno do Plano Nacional de Educação (PNE) e dos Planos Estaduais e Municipais, de combate à discriminação e desigualdade de gênero tem provocado intenso debate público em todo o país. A PL 5069/2013 que está pronta para Pauta

“A construção da cidadania requer que reconheçamos a diversidade de nossa sociedade em diversos aspectos: étnico-raciais, de classe social, de geração, de gênero, de manifestação religiosa e, não menos importante, de orientação sexual.”

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“Dos 7 aos 10 anos, os assuntos estudados são a menstruação, o prazer com o próprio corpo, os contraceptivos, a fertilização, a gravidez e o parto, tópicos que são também considerados nos níveis etários seguintes ajustados à maturidade dos alunos.”

no Plenário, que tipifica como crime contra a vida o anúncio de meio abortivo e prevê penas específicas para quem induz a gestante à prática de aborto. Mostra que ainda temos muito trabalho a fazer. Pois o movimento de embate entre a igualdade de direitos e cidadania x um conservadorismo religioso, muitas vezes encontra vozes consonantes que ecoam dentro das instâncias políticas e legislativas. Apesar de algumas conquistas políticas (Brasil sem Homofobia – Programa de Combate à Violência e a Discriminação contra GLTB e de Promoção da Cidadania Homossexual (2004), do Ministério da Saúde e Programa GDE - Gênero, Diversidade e Educação) no âmbito acadêmico (grupos de pesquisa de estudos) e sociedade civil (CEPCOS - Centro de Estudos e Pesquisas em Comportamento e Sexualidade, GRUPO CORSA - Cidadania, Orgulho, Respeito, Solidariedade e Amor), as Conferências Nacionais de Educação (CONAEs) também sinalizaram a necessidade de a escola incluir a diversidade como foco de suas intervenções. Mas ainda há muito fundamentalismo religioso que impregna os meandros da sociedade, através de discursos homofóbicos, gerando um caminho de violência que vitimizam travestis, gays, lésbicas, transexuais (BRAGA:2014). Na medida em que deixamos esse tema de lado ou nos negamos a falar, estamos contribuindo para reforçar práticas discriminatórias – homofóbicas e transfóbicas. A invisibilidade com que o tema é tratado, o silêncio das instituições escolares, junta-se com a violência real dos corredores e dos recreios e faz com que adolescentes e jovens, no momento em que descobrem o desejo por pessoas do mesmo sexo, sintam-se acuados em vivenciar a sua sexualidade e consequentemente tendem a omitir a sua orientação sexual, ficando dentro do armário. Se a escola ou o professor não aborda o tema,

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ou quando aborda desqualifica e estigmatiza as expressões homossexuais, não será na escola que jovens gays, lésbicas e travestis encontrarão uma referência para compartilhar suas dúvidas e incertezas e angústias sobre sexualidade. Também não será no espaço escolar, local onde muitas vezes esses adolescentes são motivos de piadas, deboches e chacotas dos colegas e onde não encontram na gestão escolar ou no corpo docente seus espaços onde possam falar sobre as suas sexualidades e vivenciá-las sem o temor de serem julgados. * Arilda Ines Miranda Ribeiro é professora-doutora em História da Educação; titular do Departamento de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP-Presidente Prudente); e coordenadora do GPECUMA (Grupo de Pesquisa sobre Educação, Cultura, Memória e Arte) e do NUDISE (Núcleo de Diversidade Sexual na Educação). e-mail: [email protected]. ** Jamilly Nicacio Nicolete possui graduação, licenciatura e bacharelado, em História, pela Universidade Federal de Viçosa; mestrado em História Cultural, pela (UNESP-Assis); e é doutoranda em Educação, na Faculdade de Ciências e Tecnologia (UNESP-Presidente Prudente), como bolsista da FAPESP. Integrante do Grupo de Pesquisa sobre Educação, Cultura, Memória e Arte (GPECUMA) e do Núcleo de Diversidade Sexual na Educação (NUDISE). e-mail: [email protected]. *** Vagner Matias do Prado possui doutorado em Educação; é docente do Programa de Pós-Graduação em Educação (Mestrado) da Universidade do Oeste Paulista (Unoeste) em Presidente Prudente; e pesquisador do Núcleo de Diversidade Sexual na Educação (Nudise) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP-Presidente Prudente). e-mail: [email protected].

REVISTA DE PSICOLOGIA - ESPECIAL

REGULAÇÕES DO

DESEJO

Algumas reflexões sobre homofobia.

C

ONFORME APONTA JUNQUEIRA (2007), O TERMO HOMOFOBIA É UTILIZADO PARA DESCREVER TODAS AS FORMAS DE PRECONCEITO CONTRA AS HOMOSSEXUALIDADES. O TERMO FOI CUNHADO EM 1972 PELO PSICÓLOGO CLÍNICO GEORGE WEINBERG, AO AGRUPAR OS RADICAIS GREGOS RELATIVOS À SEMELHANTE, HOMO, E MEDO, FOBIA. A homofobia, efetua-se de diversas maneiras, desde as mais sutis e invisíveis, como olhares e outras formas de desdéns, até mesmo as mais explícitas e violentas, como agressões físicas e homicídios. Entretanto, é necessário compreender a noção de homofobia de uma forma expandida. Devido a

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HOMOFOBIA

terminologia ter sido criada no contexto médico, ela tende a patologizar a pessoa que realiza o ato homofóbico. Isso significa que a noção de homofobia, na época em que foi criada, poderia sugerir leituras de que a mesma é um problema do indivíduo, algo singular, desresponsabilizando a sociedade na qual vivemos, por entender que algumas pessoas seriam homofóbicas e outras não; e que a homofobia, assim, não seria um elemento constitutivo de nossa cultura. Essa noção, pensada desta forma, só inverte o processo que tendia a patologizar a homossexualidade, ao patologizar o agressor. Pois, a própria palavra homossexualidade, antes utilizada como homossexualismo, cujo sufixo ismo denota uma patologia, ao aparecer na literatura médica do século XIX, que já trazia consigo um estigma, uma marca, por designar aquilo que não deve ser desejado: uma doença. A homossexualidade, compreendida como uma doença naquela época, demorou quase cem anos para ser despatologizada pela APA (Associação Americana de Psiquiatria), em 1973, ao retirar o termo “homossexualismo” do DSM-III (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais). Ainda, é necessário compreender que quando falamos de homofobia, a dimensão do gênero é fundamental para entender como esse mecanismo se efetiva. Porque estas violências se dão também quando alguém não desempenha a performance de gênero que é tida como adequada ao seu sexo designado ao nascimento. Por exemplo, segundo a filósofa estadunidense Judith Butler (2003) se uma pessoa nasce com um pênis é esperado que o seu gênero seja o masculino, que o seu desejo seja por pessoas do sexo oposto e que a sua prática seja ativa. Da mesma forma seria em relação a uma pessoa “Ainda, é necessário compreender que, quando falamos de homofobia, a dimensão do gênero é fundamental para entender como esse mecanismo se efetiva.”

que nasce com uma vagina: que seu gênero seja o feminino, que seu desejo seja por pessoas do sexo oposto e que sua prática seja passiva. Dessa forma, se uma pessoa que entendemos, em nossa sociedade, como uma mulher se vestir de forma considerada como masculina, ela também sofrerá retaliações pela sua expressão de gênero e não, simplesmente, caso ela se relacione com outra mulher. É exigido uma adequação de todos estes elementos, configurando o que Butler define como sistema sexo/ gênero/desejo/práticas sexuais. Assim, de forma geral, seria melhor compreender a homofobia dentro de um espectro mais amplo, pautado pela heteronormatividade. A heteronormatividade é um conjunto de prescrições que enquadraria todas as relações, mesmo as relações entre pessoas do mesmo sexo, “em um binarismo de gênero que organiza suas práticas, atos e desejos a partir do modelo do casal heterossexual reprodutivo” (PINO, p.160, 2007). A homofobia, assim como a heteronormatividade, ainda operam fortemente em nossa sociedade. Conforme apontou uma pesquisa mundial de leis, criminalização, proteção e reconhecimento das relações amorosas entre pessoas do mesmo sexo, empreendida pelo ILGA (Aliança Internacional de Lésbicas e Gays), cuja última edição foi lançada em de maio de 2015 em Genebra, ainda em 76 países criminalizam as relações entre pessoas do mesmo sexo, por adultos em consentimento, sendo que em 5 países (Mauritânia, Sudão, Irã, Arábia Saudita e Iêmen) se tem como punição a pena de morte1. Pode-se ver, desta forma, que as homossexualidades já foram consideradas pecado no Ocidente, pela Igreja Católica, doença pela medicina, mas ainda são consideradas ilegais em muitos países. Ou seja, se pensarmos globalmente, o preconceito contra os e as homossexuais ainda está longe de ser erradicado. Contudo, se nos países em que a homossexualidade é criminalizada pode ser mais palpável compreender a dificuldade de vivenciar o desejo por alguém de seu mesmo sexo, nos países em que a homossexualidade é legal, como é o caso do Brasil, as leis não dão conta de compreender como se exerce a homofobia, na medida em que, ela ocorre, muitas vezes, de forma muito mais sutil. O que não significa que no Brasil, no que tange as leis, as pessoas dissidentes das normativas de gênero e sexualidade, tais como Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais, tenham os mesmos direitos reconhecidos em relação aos heterossexuais. Basta fazer uma rápida pesquisa na internet e encontra-se com facilidade inúmeras notícias que trazem casos como: “Travesti foi morta em...”. “Após beijo, casal gay é agredido por...”, “Adolescente lés-

1 - O relatório completo pode ser acessado no seguinte endereço: http://old.ilga.org/Statehomophobia/ILGA_State_ Sponsored_Homophobia_2015.pdf

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HOMOFOBIA

bica é agredida...”. Ainda, questões como um beijo, algo completamente banal se protagonizado por heterossexuais, é considerado problemático quando exibido em telenovelas, filmes, e outras formas midiáticas. A importância da mídia se dá no momento em que se entende que ela não apenas reproduz ditas realidades, mas é responsável pela produção de criação de mundos, disseminação de valores e crenças. Como definiu Teresa de Lauretis, (1994), as mídias são tecnologias de gênero e participam ativamente do processo de perpetuação das normas de gênero e sexualidade, mas também, poderia ser utilizada como um vetor de resistência. Com isso, podemos entender que a homofobia é uma norma não dita que busca, por meio da violência, assegurar a inviolabilidade da heterossexualidade. Isto se dá, porque, a homofobia é um modo de subjetivação. Ou seja, um dos meios pelos quais tornamo-nos sujeitos. Somos educados dentro de uma cultura que privilegia as relações heterossexuais e todas formas de relacionamento que fogem desta prerrogativa são vistas como menos dignas. Para evidenciar este aspecto, pode-se lembrar de um fato recente que teve grande repercussão, tanto nos jornais e revistas, quanto nas redes sociais: a propaganda do dia dos namorados do Grupo Boticário. A campanha foi lançada, em maio de 2015. Tomando o afeto, o abraço e as práticas relacionais como motivo para presentear com um perfume, o comercial mostra casais, aparentemente

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de diferentes orientações sexuais, para figurar o momento dado como especial. A peça publicitária passaria despercebida, já que apenas reitera o que costuma ser apresentado todos os anos em propagandas nesta mesma data, se não tivesse apresentado casais do mesmo sexo. Sendo acusada de ser desrespeitosa à sociedade e a família brasileira, a campanha foi repudiada pelo famoso pastor evangélico Silas Malafaia, juntamente com os seus fiéis. Em contrapartida, houve a oposição da cantora Daniela Mercury e do deputado Jean Wyllys em defesa da campanha e em defesa das diferentes formas de expressão de afetos, amores e desejos nas redes sociais. Em outubro de deste ano, a empresa ganha o prêmio Grand Effie no EffieWards Brasil 2015, uma premiação de estratégias de marketing e comunicação, pelo filme “Um dia dos namorados para todas as formas de amor”. Constata-se, neste contexto que, se por um lado as práticas afetivas que fogem do modelo heteronormativo são tomadas como anormais e obscenas, sendo obsceno entendido literalmente como aquilo que deve estar “fora de cena”, não sendo dignas de serem vistas, visões estas empreendidas por grupos conservadores da sociedade, como os fundamentalismos cristãos, da mesma forma, estas mesmas práticas são cada vez mais reconhecidas e acolhidas por outros setores da sociedade. E é difícil compreender tais argumentos pois, historicamente, as práticas homoeróticas tem sido alvo de uma constante violência e recriminação. Afinal, eles têm medo do que? A estrutura familiar seria tão frágil assim que qualquer forma de carinho, afeto e desejo que fuja das formas heterocentradas de amor abalaria suas estruturas? Urge pensarmos não somente nos casais constituídos por pessoas do mesmo sexo enquanto famílias, mas pensar como estes são tratados em suas famílias. Apreendemos desde a infância a família é o primeiro local no qual se vivencia a homofobia. A professora, escritora e ativista Sarah Schulman, em um de seus últimos livros intitulado como TiesthatBind: Familial Homophobiaand Its Consequences (2009), propõe uma análise do que ela vem chamar de homofobia familiar. A homofobia, como já dissemos, pode ser caracterizada como um conjunto de discursos e práticas violentas, nem sempre visíveis e de fácil identificação, que tem como objetivo assegurar à inviolabilidade das regulações de gênero e sexualidade. Por conta desta insistente violência, a fim de evitá-la, as pessoas não heterossexuais são obrigadas a ter um alto nível de conhecimento de como a homofobia é operada. Em contrapartida, quanto tempo os/as heterossexuais gastam pensando se suas ações são homofóbicas? Segundo Schulman (2009), existem algumas particularidades quando a homofobia é expressa pela família. Para a autora, as manifestações da homofobia familiar podem assumir diversas

HOMOFOBIA

formas: algumas famílias excluem completamente seus membros não heterossexuais; algumas lhes permitem uma participação parcial desde que sua vida amorosa não seja discutida abertamente na família; algumas lhes permitem que seus/suas companheiros estejam presentes, desde que estes não sejam reconhecidos em seu verdadeiro papel como tal na relação; algumas lhes permitem a presença, bem como a de seus companheiros, mas impõe a mensagem, nem sempre de forma explícita, de que eles não são tão importantes quantos os outros membros heterossexuais ou de que sua relação enquanto um casal é menor em relação aos casais heterossexuais membros da família; algumas ainda utilizam-se de inúmeras humilhações e meios de diminuir os membros não heterossexuais. O fato das pessoas não heterossexuais terem de tolerar ou serem cúmplices deste processo a fim de sentiremse amadas e “aceitas” em suas famílias é perturbador. Para a autora, diversas formas de responder à homofobia familiar também são possíveis, desde ceder às pressões familiares a fim de não serem punidos, ainda que não estejam fazendo nada que justificasse as violências infligidas, até mesmo contestar a homofobia familiar. Essa última opção, porém, é aquela que pode gerar maiores punições. A homofobia pensada enquanto um sistema de opressão não tolera oposições. É esperado que as pessoas cedam ao controle e sejam gratas pelas migalhas afetivas. Quando isso não acontece, suas reações

“Para a autora, as manifestações da homofobia familiar podem assumir diversas formas: algumas famílias excluem completamente seus membros não heterossexuais;(...).”

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são vistas como mais um exemplo de quão perturbados e inadequados eles são. Assim, quando se sentem agredidos, magoados, e reagem a tal violência, gera-se uma equação na qual a própria reação alimenta o discurso homofóbico, que visa culpar a reação de suas vítimas, e como consequência, utilizar-se disso como uma justificativa para as suas ações homofóbicas. Além da família, as escolas são um dos locais onde a homofobia se dá de forma extremamente violenta. A escola não é um lugar no qual se aprende somente conteúdos dentro de um rol variado de disciplinas, como Português, História ou Matemática. Mas também, um dos primeiros espaços nos quais a criança vai se relacionar com pessoas para além de seu núcleo familiar, assim, criar amizades e uma série de encontros que farão parte importante de sua constituição como sujeito e das suas concepções de mundo. Neste ano, houve uma grande discussão acerca da palavra gênero nos Planos Municipais de Educação (PME). Sendo estes um planejamento da educação de cada munícipio, com a participação tanto do governo quanto da sociedade civil, com objetivos de criar propostas a curto, médio e longo prazo para a educação municipal dentro de um período de dez anos. Em boa parte das cidades brasileiras houve uma grande discussão promovida pelos setores mais conservadores de nossa sociedade que tenderam a retirada da palavra gênero dos PME. As homossexualidades são tidas como fantasmas que assombram a nação brasileira. Essas discussões estão envoltas em um clima conspiratório em que se acredita que discutir gênero na escola seria uma tentativa de doutrinação gay para persuadir crianças e adolescentes. Mas já não estamos falando de gênero e sexualidade o tempo todo em nossas escolas? Quando é definido o que é algo pertencente ao universo do masculino e o que o é do universo feminino, já estamos falando de gênero e sexualidade. Quando se tolera o bullying nas escolas contra homossexuais, mulheres, travestis e transexuais, já é falar de gênero e sexualidade. Não é possível despir-se de nosso gênero e sexualidade para frequentar a escola. Concepções acerca de gênero e sexualidade estão desde na roupa em que vestimos até mesmo em nossas atitudes. A escola não é um espaço neutro e ignorar estas discussões é ignorar outras expressões de desejo e sexualidade, bem como a violência contra todos aqueles que transgridam de alguma forma os processos normativos, os quais nos são esperados cumprir. A homofobia é um problema de todos, no entanto, os heterossexuais gastam pouquíssimo tempo, quando o fazem, pensando se seu comportamento é homofóbico e qual o impacto deste sobre a sociedade e, principalmente, sobre gays e lésbicas, travestis e transexuais. Não pensar é um dos seus privilégios. Se os heterossexuais fossem forçados a

HOMOFOBIA

pensar e se tornarem responsáveis por seus comportamentos em relação aos não heterossexuais, eles teriam que justificar suas ações. E isso seria muito difícil de se fazer. Uma das razões pelas quais isso acontece é que a partir do momento em que a homofobia é criminalizada, seus perpetuadores serão obrigados a refletir e a se responsabilizar por suas ações. Pode-se pensar, como exemplo, nos ativismos LGBT, que por meio de suas ações contra os setores conservadores na sociedade brasileira também são acusados de “heterofobia” e/ou “cristofobia”, além de propagarem a “ideologia de gênero” ou ainda de quererem “destruir a família brasileira”. Esse embate torna visível um mecanismo perverso que além de tentar desqualificar as reivindicações daqueles contrários as discriminações de gênero e sexualidade, busca transformar suas vítimas em algozes. Neste contexto, a família pode ser compreendida aqui como modo para definir as construções culturais de pertencimento, pois ela é o lugar onde a maioria das pessoas, pela primeira vez, são instruídas na homofobia e onde também, as pessoas não heterossexuais irão vivenciar a homofobia pela primeira vez. A família é o primeiro modelo de exclusão social para gays, lésbicas, travestis e transexuais. E é ainda, apesar dos esforços para sua desconstrução, um elemento que molda a vida de todos nós. Temos de pensar em formas de romper com a homofobia, mas temos avanços. As pessoas que se relacionam com pessoas do mesmo sexo têm conquistado cada vez mais direitos, como uma série de planos e programas voltados à população LGBT, tais como: o Brasil Sem Homofobia (BSH) – Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLBT e de Promoção da Cidadania Homossexual (2004); o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – PNDCDH-LGBT (2009); ou o Programa Nacional de Direitos Humanos 3 – PNDH 3 (2009). Além disso, o reconhecimento da união estável homoafetiva reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal em 2011. No contexto da psicologia brasileira, temos a publicação da resolução do CFP n° 001/99, momento no qual a psicologia incluiu em sua agenda questões relativas à diversidade sexual, estabelecendo parâmetros de atuação para os psicólogos em relação à questão da Orientação Sexual (PINAFI, 2013). Também tem sido crescente a participação não estereotipada de personagens LGBT nas mídias, tais como, o cinema, televisão e afins. Contudo, a homofobia ainda não é criminalizada. E temos de pensar se esta seria a melhor saída para lidarmos com essa questão, já que o Brasil é um dos países com os maiores sistemas carcerários do mundo. Porém, necessitamos criar uma

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Fotodivulgação: Flickr-Guillaume Paumier

“ Esse embate torna visível um mecanismo perverso que além de tentar desqualificar as reivindicações daqueles contrários as discriminações de gênero e sexualidade, busca transformar suas vítimas em algozes.”

forma de responsabilização. Enquanto a homofobia for impune continuará a ser banal. É uma tarefa muito difícil gerar uma conscientização sobre como a homofobia é violenta, por isso, discutir gênero na escola se faz imprescindível. A escola deve ser um local de apreender com as diferenças, não somente tolerá-las, respeitar ao próximo, mas também acolhê-la. E, por mais que se tenha a impressão de que, de alguma forma, as retaliações e a homofobia estão mais intensas, esse movimento conservador está respondendo ao crescente avanço de conquista de direitos e de espaços na sociedade, ou seja, é sinal que o movimento LGBT também está mais forte. Somos todos responsáveis pela transformação da sociedade em que vivemos, bem como, pela construção de mundos mais dignos de serem habitáveis. O encontro com a diferença beneficia a todos nós. * Bruno Pereira é psicólogo e mestrando em Psicologia e Sociedade pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus Assis-SP, e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre as Sexualidades, GEPS/CNPq. e-mail: [email protected]. ** Franciele Castilhos Reis é psicóloga pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus Assis-SP. e-mail: [email protected].

REVISTA DE PSICOLOGIA - ESPECIAL

MICHEL FOUCAULT E A CRIAÇÃO DA HOMOSSEXUALIDADE Os saberes disciplinares e o derradeiro termo sobre as coisas.

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ICHEL FOUCAULT (1926-1984), FILÓSOFO FRANCÊS, FOI UM DOS PENSADORES MAIS INFLUENTES DO SÉCULO XX, ESTENDENDO A INCIDÊNCIA DE SEU TRABALHO NÃO SÓ AOS MAIS DIVERSOS CAMPOS DO CONHECIMENTO, MAS TAMBÉM ÀQUILO QUE HOJE CHAMAMOS DE MOVIMENTOS SOCIAIS. Tributário de um contexto social e acadêmico sui generis, sua produção intelectual reuniu condições que colocavam em xeque as formas tradicionais de pensar tanto a produção de conhecimento quanto a produção das relações sociais como um todo. O contexto de sua produção está ligado a uma rigorosa formação filosófica; Foucault foi aluno de Merleau-Ponti, entre outros, e publicou seu primeiro livro aos 28 anos de idade – Doença mental e personalidade (1954) – alcançando a cátedra no Collège de France com o tema da História dos Sistemas de Pensamento. Contemporâneo de uma sociedade que vivenciava um complexo movimento de transformação para o qual grande parte dos macro sistemas de ordenação social (política, religião, ciência) não conseguiam dar respostas, Foucault evidenciou no conjunto de sua obra a ruptura que estava em curso tanto na sociedade da qual fazia parte quanto da academia na qual produzia a problematização desse conjunto de fatos. De fato, isso significou uma importante transformação nas formas de produção de conhecimento e neste ponto podemos considerar Foucault como um dos grandes epistemólogos dos últimos tempos. Seu trabalho acadêmico colocou questões à forma de produzir ciência que até então não havia sido feita daquela forma. Sem desconsiderar a importância de seus antecessores, cujos trabalhos foram condição importante de sua ambiciosa empreitada, sua redescrição dos problemas filosóficos a que se detinha, ampliavam

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“Para o filósofo, o poder não é uma entidade absoluta que reside em algo ou em alguém.”

sobremaneira as possibilidades de compreensão não só dos temas em si mas sobretudo das possibilidades de constituição daqueles problemas em detrimento de outros. Se academicamente a tradição filosófica não se perguntava quanto às condições de emergência de determinados objetos, é de Foucault, através de sua arqueologia do saber, um dos métodos de investigação do conhecimento proposto, que vai demonstrar a importância de compreender o contexto no qual cada possibilidade de conhecimento ocorre. Na Filosofia o impacto foi importante. Deslocou problemas tradicionais do conhecimento nos quais os objetos em si tinham prevalência nas discussões para as relações que produziam aquele objeto, da forma como ele se apresentava para seu observador. Mas foi essencialmente nas disciplinas do conhecimento ou saber que seu impacto foi mais desestabilizante. Nesse ponto é preciso uma contextualização. Em suas pesquisas de campo (bibliográficas e etnográficas), Foucault se deparou com sólidas evidências de que o discurso disciplinar – aquele realizado pela ciência através de

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suas várias disciplinas do conhecimento – tinha assumido o lugar hegemônico de ordenador da vida. Se no passado a religião ocupava este lugar, o de ser a referência preferencial na organização da vida e das relações, no presente sua influência era secundarizada pelos discursos disciplinares. Ocorre que o sucesso científico do campo da biologia, e seu método experimental, serviu de passaporte legitimador do discurso para outros campos do saber (medicina, direito, psiquiatria, sociologia, psicologia, antropologia) cujos objetos não poderiam ser examinados somente a partir desse método. É Foucault, com seu trabalho de arqueologia do saber, que vai demonstrar o quanto à mera substituição dos ordenadores culturais (religião versus ciência) não opera uma possibilidade de conhecimento crítico, ou seja, não leva às perguntas a serem feitas sobre um objeto de modo a poder situá-lo dentro de sua múltipla constituição. Quando a ciência se torna o discurso autorizador de produção de verdades, através do discurso legitimador das disciplinas do saber que dela derivam, toda a produção da vida passa a ter – ao lado da religião, das práticas cotidianas e da história coletiva – uma nova forma de regulação. Esta regulação, como discutida em Microfísica do Poder (2013), visa manter a circulação de formas de poder desiguais, como pode-se observar no decorrer da história. Para o filósofo, o poder não é uma entidade absoluta que reside em algo ou em alguém. Ele está presente em todos, de forma reticular, circulando das mais diferentes maneiras de modo a manter-se diluído, sem evidenciar seu pertencimento a uma cadeia lógica tampouco organizada. Um dos elementos essenciais desta circulação é compreendê-la por meio da noção de discurso. Em A ordem do discurso (2005), temos acesso a como o filósofo entende a natureza do discurso, contrapondo-se às investigações da Linguística da época. Segundo Foucault, o discurso é aquilo que faz a linguagem funcionar, ou seja, a linguagem não é transparente; não quer dizer a mesma coisa sempre, independentemente do tempo e do espaço. As condições de sentido de uma linguagem precisam ser constantemente remetidas ao contexto de sua produção para que seu funcionamento ganhe sentido. Como já dissemos, esta percepção sobre as possibilidades de deslocamento de sentido sobre as coisas, dependendo do lugar de onde se fala e do tempo histórico que se toma por referência, ajudou Foucault a problematizar objetos estanques (a loucura, a prisão, a sexualidade, entre outros) que por sua vez revelaram as contingências sociais e históricas não só daqueles objetos, mas sobretudo das disciplinas do conhecimento

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e poder que as haviam criado. Ao dessacralizar a ciência como produtora de verdades que funcionam e fazem funcionar jogos de poder social, Foucault adiantou um debate que posteriormente foi aprofundado, qual seja, o mito da neutralidade científica. Se a ciência produz discursos e se esses discursos fazem funcionar dinâmicas sociais ao cristalizar determinados sentidos, em detrimento de outros igualmente possíveis, esta ciência perde o valor de produtora universal, tanto de conhecimento quanto de ordenação da vida. Para o cientista/pesquisador engajado nesta discussão esta questão está resolvida. No entanto, como observou o filósofo, o impacto do discurso da ciência na produção do senso comum não é algo irrisório. É neste ponto que vamos inserir a discussão sobre a homossexualidade. Do ponto de vista de uma produção endereçada, ou seja, com intencionalidade histórica, Foucault nunca dedicou uma obra específica à questão da homossexualidade. Temos acesso à discussão através de apontamentos e discussões nos três volumes da História da Sexualidade (1988, 1984, 1985), notas esparsas em outras publicações e por dedução através de seu método arqueológico. Foucault tratava a homossexualidade como um objeto de conhecimento e não como uma realidade em si, seja ela biológica, pertencente à natureza físico-química do sujeito; seja psicológica, pertencente a um desenvolvimento subjetivo próprio de cada um. O próprio título do artigo segue como uma provocação baseada nas discus-

sões feitas pelo filósofo. É através dele que observamos como a sexualidade, e, por conseguinte, a homossexualidade, emergiu como um problema a ser enfrentado junto ao nascimento dos saberes disciplinares. Na História da Sexualidade (I, II e III) compreendemos como o organização social do fim da Idade Média para o início da Idade Moderna, impulsionada pela nova regulação dos corpos, da ordenação dos espaços público e privado e da economia das relações de reprodução, impunha a constituição de mediações que pudessem justificar as novas estratificações sociais dos sujeitos. Entre outras mediações, ou formas de dar inteligibilidade àquela circunstância, os dispositivos de saber se alinhavam aos mecanismos de reprodução da vida tornando-se dialeticamente dispositivos de saber poder. Dentre eles, a construção de uma noção de sexualidade como algo fixo, natural, tinha uma função fundamental: fornecer as justificativas plausíveis para a produção das diferenças que necessariamente implicavam na produção de relações sociais desiguais. Se o discurso religioso da diferença dos sexos estava em declínio, era preciso um substituto à altura. Da biologia ao direito, os discursos se reiteravam em rede para justificar as diferenças entre homens e mulheres de modo que àquelas coubesse uma posição de inferioridade que era traduzida pela reclusão ao espaço doméstico, impossibilidade de autodeterminação, dependência física, social, entre outras, do homem. A noção de sexo biológico incompleto, frágil,

“O próprio título do artigo segue como uma provocação baseada nas discussões feitas pelo filósofo. É através dele que observamos como a sexualidade, e, por conseguinte, a homossexualidade, emergiu como um problema a ser enfrentado junto ao nascimento dos saberes disciplinares.”

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inferior como reportam diversos autores ao tratar das análises anatômicas comparativas entre os sexos no início da anatomia (Costa, 1995; Laqueur, 2001), foram paulatinamente generalizados a uma ideia de sexualidade regulada, tanto no sentido de uma reprodução biológica quanto no sentido do desempenho de papéis, lugares sociais e sistemas psicológicos. É isto a circulação do saber-poder da qual fala Foucault. Estratégias de produção de verdades, via dispositivos legitimados por redes de autossustentação, que circulam com suas peculiaridades tanto no âmbito mais restrito de sua produção (as disciplinas do conhecimento) quanto no âmbito do senso comum, que posteriormente irá reiterar a produção disciplinar. Foucault chegou à sexualidade como um dispositivo, ou uma mediação das formas de circulação de poder, e não uma realidade dada, através de seu método arqueológico no qual, investigando outras manifestações daquilo que chamava de sexualidade, por comparação, descobriu que os limites daquela sexualidade eram precisos, no tempo e no espaço. No tempo e no espaço porque a própria noção de sexualidade não era enunciada da forma como a concebemos hoje, como algo que reúne elementos traduzíveis por atos, percepções, sentimentos e discursos. Em diversas culturas aquilo que tentamos ver como sexualidade, como um agregado de elementos, ou estava disperso em outras formas de relacionarse e compreender o mundo ou não existia.

Os mecanismos de saber-poder de cada época têm seus formatos de produção e circulação de dispositivos e a sexualidade é um dispositivo próprio do ocidente, de sociedades industrializadas, criada a menos de 400 anos. Criada para dar sustentação a um projeto de sociedade ocidental industrializada, seja capitalista ou socialista, a noção de sexualidade serviu para legitimar a produção de diferenças e desigualdades necessárias à estabilização de modelos de reprodução social. Para Foucault, a regulação das relações entre homens e mulheres faz parte de todas as sociedades, o que difere são as bases a partir das quais cada sociedade estabelece essa regulação. É isto que possibilitou ao filósofo, por comparação no tempo e no espaço de manifestações dessas relações, entender a sexualidade como uma construção e não como um dado posto, arbitrário, natural, que sempre se repetiu na história da sociedade. Se a sexualidade não era um atributo fixo dos sujeitos, a homossexualidade também tampouco seria. Foucault ilustra no decorrer de vários textos como a regulação da vida no período histórico da transição da Idade Média e consolidação da Idade Moderna significou o aprimoramento dos mecanismos de vigilância e punição (Vigiar e Punir, 2002). Estes mecanismos, antes de serem reguladores de uma ética do bem comum, serviram como elementos de persuasão social e produção de normalidade.

“No tempo e no espaço porque a própria noção de sexualidade não era enunciada da forma como a concebemos hoje, como algo que reúne elementos traduzíveis por atos, percepções, sentimentos e discursos.”

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Pesquisando os critérios de encarceramento de pessoas em instituições fechadas como asilos, prisões e orfanatos, o filósofo compreendeu que aquelas instituições serviam muito mais como estertores demonstrativos da antinorma do que instituições de reparação e cuidado. Em outras palavras, se o poder circula de forma difusa por meio de discursos, o cerceamento como estratégia institucional tem vários endereços sociais, dentre os quais a mensagem de que romper com os preceitos estabelecidos tem consequências punitivas sérias. O movimento de tornar reclusas as pessoas que não respondiam àquele modo de vida regulado também teve outro efeito, mais amplo e difuso: a produção da vigilância. Cada um a seu modo tornou-se vigia e vigiado. Com códigos de conduta social arbitrários, para não ser tornar marginal àquela construção, era necessário compreender os códigos, introjetá-los e cuidar para que a normalidade ao redor estivesse estabelecida. Para Foucault, a homossexualidade foi criada para servir como contraponto à imagem ideal projetada pelos discursos de saber poder engendrados pela Modernidade. Imaginando uma sexualidade natural, bipartida pela diferença hierarquizada entre homens e mulheres, a ideia de uma experiência sexual que fugisse a este binômio tinha que ser enquadrada no novo modo de regulação das relações. Surgia então a possibilidade de constituição de uma identidade sexual, algo que não variasse no tempo e no espaço, pois ligada à condição biológica. É interessante notar que a ideia de homossexualidade, segundo Costa (1992), precede à ideia de heterossexualidade. Foi um médico húngaro, Karoly Maria Benckert que cunhou o termo homossexualidade no fim do século XIX. Anterior à expressão homossexualidade, não havia uma preocupação com um rótulo que demarcasse a experiência de relações entre os sexos, existindo formas não hegemônicas de classificação ou não classificação. Muito provavelmente questões como práticas, sentimentos, atração, entre outros, tinham outras dimensões de expressão e não demandavam o ordenamento através de uma expressão que indicasse um consenso biológico, uma identidade ou algo do tipo. Foucault se atentou a tudo isso ao trazer a discussão da homossexualidade dentro da construção histórica de uma sexualidade que era amparada pelos discursos do saber-poder necessários à regulação social de um período histórico. O homossexual era o representante do desvio de uma constituição “normal” que estava se consolidando: a centralidade da ideia do homem como sujeito regulador das relações sociais dada sua suposta condição de superioridade advinda de sua constituição biológica. A ideia de um desvio a esta condição colocava em risco tanto a condição

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“Para Foucault, a homossexualidade foi criada para servir como contraponto à imagem ideal projetada pelos discursos de saber-poder engendrados pela Modernidade.”

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“À figura do homossexual, restou o lugar ou a condição de antinorma, aquilo que não se poderia/deveria ser, sob pena de punição. A construção da figura homossexual foi paulatina.”

de privilégio do homem quanto a própria reprodução das relações sociais, delineadas da forma como se pressupunha estabilizar aquela sociedade. Um sujeito que, em tese, naquela circunstância, não se acreditava apto a reproduzir, quebrava o ciclo de constituição social: casamento monogâmico, separação entre público e privado, prevalência nos assuntos públicos, domínio do espaço privado, reprodução da força de trabalho em espaços externos, entre outros elementos. À figura do homossexual, restou o lugar ou a condição de antinorma, aquilo que não se poderia/deveria ser, sob pena de punição. A construção da figura homossexual foi paulatina. Como ressaltamos, antes, para sofrer os efeitos de divergência da norma, foram criados aparatos de saber para circunscrever a experiência desviante dentro de critérios e discursos ancorados na suposta neutralidade científica. Disciplinas do conhecimento como biologia, anatomia, medicina, psiquiatria, direito, e posteriormente a psicologia e psicanálise, foram arregimentados a explicar e encaminhar possibilidades de intervenção sobre a homossexualidade. A esta altura as disciplinas do conhecimento nem mais se questionavam a respeito da realidade sobre a qual construíam suas hipóteses. A identidade homossexual fora criada em rede e se sustentava pela mesma rede de acordo com estratégias de saber-poder específicos. Segundo Costa (1995), Ferenczi foi o primeiro psicanalista a compreender que o termo homossexualidade não comportava a diversidade de experiências relatadas por sujeitos que se relacionavam com pessoas do mesmo sexo. Se não existia um termo, uma referência comum, por que insistir em uma terminolo-

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gia que diz o contrário? Sem pretensões de acertar, a partir das discussões colocadas por Foucault, a própria psicanálise poderia ser questionada em sua condição de produção de saber uma vez que toma a sexualidade como um referente privilegiado de sua discussão. A ideia de um complexo, como o de Édipo, é tributária de várias condições históricas localizadas, mas é considerada um modelo universal de compreensão da sexualidade. Como vimos, a crença em uma homossexualidade enquanto um referente fixo que subsume a variação de comportamentos, desejos, afetos, posições de sujeito, entre outras questões, não passa de uma crença. Sua sustentação em rede envolve noções como família, monogamia, reprodução e tantas outras que toma-la solitariamente é incorrer num empobrecimento / reificação patentes. Sem Foucault, no conjunto de sua obra, essas percepções talvez não fossem possíveis ou teriam um tratamento diferente do que hoje é possível. Com ele, aprendemos entre outras questões que tão importante quanto o conhecimento produzido são as condições que possibilitam essa produção e como elas se articulam com as possibilidades de reiteração e/ou superação da realidade como ela se encontra. Entender a criação da homossexualidade como um produto histórico ao invés de uma realidade biológica e/ou subjetiva faz diferença. O espectro de situações ligadas a esta problematização põe em movimento outras verdades produzidas tanto pela ciência quanto pelo senso comum. * Alexandro da Silva é psicólogo, licenciado e formado pela Universidade Estadual de São Paulo (UNESP). Mestre em ciências pela Universidade Federal de São Paulo campus Baixada Santista.

REVISTA DE PSICOLOGIA - ESPECIAL

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REVISTA DE PSICOLOGIA - ESPECIAL

SEXUALIDADE, GÊNERO E EDUCAÇÃO Desafios éticos em tempos de recrudescimento fundamentalista.

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M JUNHO DE 2015, A MAIORIA DOS 5.570 MUNICÍPIOS BRASILEIROS APROVOU SEUS PLANOS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO (PME) AO FINAL DO PRAZO PREVISTO NO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO (PNE). O processo de construção dos planos inclui diversas etapas, desde a formação de comissões de trabalho para elaboração de um diagnóstico local até a construção de uma lei por meio das casas legislativas, a qual é sancionada pelo poder executivo. Convém apontar que os documentos de abrangência municipal precisam estar alinhados às políticas de educação dos respectivos Estados e, certamente, aos parâmetros curriculares nacionais. Ocorre que nesse ano, os planos municipais de educação foram alvos de pressão política exercida por setores conservadores e fundamentalistas da sociedade civil. Líderes religiosos, políticos das bancadas cristãs e seus pares defensores do fundamentalismo, corrente conservadora que enfatiza a interpretação literal da Bíblia para princípios básicos e obediência; pressionaram as comissões de trabalho a excluírem o termo “gênero” dos planos de educação, justificando serem contra uma “ideologia de gênero”, como assim nomearam. Na realidade, um contrassenso semântico e discursivo, a ser explicado adiante. As propostas substitutivas que extraíram a palavra gênero dos planos de diversas cidades rompem com anos de pesquisas acadêmicas (ORTOLANO, 2015) no campo da Psicologia, da Sociologia, da Antropologia, da História, do Direito, entre outras

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áreas. Mostram-se desalinhadas às diversas reivindicações de movimentos sociais por igualdade de direitos que despontaram no mundo ocidental desde a década de 1960 e 1970. Além disso, estão desconexas a outros documentos já elaborados para desenvolvimento da educação no país, como os Parâmetros Curriculares Nacionais. As discussões apressadas realizadas na atualidade desconsideram também debates que têm sido organizados desde 2009 a partir de conferências com as comunidades escolares, gestores públicos da educação e representantes da sociedade civil, uma vez que as demandas por tratar gênero e diversidade sexual emanaram de sua base (ORTOLANO, 2015). Ou seja, não haveria termo mais próprio para designar tal pressão religiosa como um golpe. Golpe pela manutenção de uma verdade dogmática forjada e justificada em falso testemunho e direito à liberdade de expressão. Cabe mencionar que essa pressão dogmática não tem se limitado à esfera da educação. Ela insere-se num tempo de recrudescimento fundamentalista que já vem mostrando seu impacto em diversos campos. Em 2011, quando o Ministério da Educação lançou o “Programa Escola Sem Homofobia”, o deputado federal Jair Messias Bolsonaro e a bancada evangélica pressionaram a presidenta Dilma Rousseff contra o material apelidado de “Kit Gay”, o qual foi vetado. Na Jornada Mundial da Juventude, ocorrida em 2013, representantes da Igreja Católica reforçaram o reducionismo histórico da instituição ao tratar sexualidade e gênero apenas na dimensão

DEBATE

“Não é novidade que o cristianismo é a corrente religiosa hegemônica no Brasil desde o genocídio indígena, perpassando por toda a história nacional.”

da reprodução, distribuindo, aproximadamente, 70 mil manuais por meio dos quais traziam reflexões morais sobre os temas. No mesmo ano, o polêmico pastor Silas Malafaia, apresentador de programa televisivo em canal aberto, concedeu uma entrevista em rede nacional, opondo-se à homossexualidade. Incoerente, defende o criacionismo, teologia baseada no Gênesis bíblico, ideia em que o mundo é criado por Deus, mas tenta sustentar seus argumentos na ciência, buscando ludibriar os telespectadores num jogo de palavras e conceitos soltos da Biologia e da Psicologia. Ainda em 2013, o deputado e pastor Marco Feliciano, que ganhou notoriedade nacional por conta de suas declarações homofóbicas e racistas, foi eleito para Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM). E em 2015, concomitantemente aos PME, tem tramitado no Congresso Nacional um Estatuto da Família apresentado pela bancada evangélica, o qual define família como a união entre um homem e uma mulher, ignorando os múltiplos arranjos familiares existentes no Brasil. Esse breve panorama, mesmo pouco deflagrador de todas as realidades, serve de base para análise de uma conjuntura em que o fundamentalismo religioso infiltra no Estado, que deveria ser laico. E tal fundamentalismo é amparado por

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diversas igrejas, pela mídia e outras instituições da sociedade civil. Não é novidade que o cristianismo é a corrente religiosa hegemônica no Brasil desde o genocídio indígena, perpassando por toda história nacional. A sociedade brasileira foi colonizada por meio do binômio ibero-cristão. Assim, é compreensível o fácil compartilhamento de seus dogmas, pois eles se apropriam de um imaginário de crenças coletivas cristalizadas. Sob o plano simbólico, as concepções de vida humana e sexualidade são cooptadas e essencializadas na cultura. Convém mencionar que apesar do cenário das correntes religiosas ter mudado no Brasil desde o final do século XIX, como mostra o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), os brasileiros ainda são influenciados por culturas colonizadoras, compondo uma nação majoritariamente cristã, monoteísta, influenciada por doutrinas judaico-cristãs. De 2000 a 2010, aponta o IBGE, nota-se um aumento significativo da população brasileira que se declara evangélica, saltando de 15% para 22% do total dos respondentes. Já os declarantes pertencentes à religião Católica caíram de 73% para 64%. Contudo, se somarmos católicos, evangélicos e religiões assimilacionistas, ou seja, que se aproximam ou trazem elementos do cristianismo, chega-se a quase 90% da população. Isso quer dizer que, certamente, a Bíblia, ainda que desconhecida por muitos, representa para boa parte da população uma verdade sobre a história, sobre a vida, sobre o mundo e sobre si. Logo, representa um instrumento-chave na disputa por dar significado à sexualidade, ao sexo e ao gênero. Diante disso, o problema se dá no âmbito do multiculturalismo quando outras formas de conceber todos esses temas são silenciadas e marginalizadas frente à tal hegemonia cristã, a qual se apresenta como natural e que, de fato, não é. Autores como Foucault (1988[1976]) em A história da sexualidade I – a vontade de saber, Laqueur (2001) em Inventando o sexo – corpo e gênero dos gregos a Freud e Louro (2008) em Um corpo estranho – ensaios sobre a sexualidade e a teoria queer, dentre outros pesquisadores, têm nos mostrado como a experiência e a concepção da sexualidade e do corpo humano associam-se à história, ao tempo e às suas discursividades. Seus estudos, somados aos de outros inúmeros acadêmicos, apontam a incoerência semântica e discursiva daqueles que, ao defenderem a exclusão da palavra gênero nos PME, se posicionam contra a “ideologia de gênero”. Sem aprofundar a definição de ideologia e aceitando que ela representa a maneira de pensar que caracteriza um indivíduo ou um grupo de pessoas, não existe uma única ideologia de gênero própria dos movimentos feministas e LGBT (Lés-

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bicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), como querem apresentar os fundamentalistas. Em cada tempo e local histórico há um conjunto de ideologias possíveis nas culturas que compreendem. Os fundamentalistas, ao posicionarem-se contra as discussões acerca de gênero e sexualidade, também exercem suas ideologias, infundadas na ciência. Daí a incoerência semântica de seus discursos, pois a defesa de um sentido único e universal para gênero e sexualidade é ideológica. Foucault (1988[1976]) revela como, sobretudo no século XIX, o sexo foi colocado em discurso, estabelecendo relações, não necessariamente explícitas, de poder. Para ele, a sociedade que produz os discursos como verdades sobre a sexualidade, faz deles dispositivos do conhecimento e mecanismos institucionais de poder. E assim institui-se a opressão por meio das confissões religiosas, das consultas médicas e da ação policial do Estado, quando este criminaliza algumas práticas. Esses dispositivos, que define o autor, estão presentes nas ações do legislativo, nos julgamentos do Judiciário, na mídia, na família, na ciência e, finalmente, na escola. Laqueur (2001) mostra que por milhares de anos acreditou-se numa explicação metafísica em que as mulheres tinham a mesma genitália que os homens, invertida, pois lhes faltara o calor vital. Foi no início do século XIX, segundo o autor, que escritores preocuparam-se em atribuir as diferenças

fundamentais entre homens e mulheres. Contudo, essa compreensão das diferenças ocorreu, segundo ele, somente porque se tornou politicamente importante, quando a emergência do capitalismo demandava a diferenciação dos gêneros para o trabalho. E o modo de produção operante na sociedade atual ainda prevê uma distinção hierárquica dos gêneros, imputando ao feminino a vida doméstica e ao masculino a vida pública, salvas algumas concessões. E o fundamentalismo essencializa essa distinção. Logo, é a um dos argumentos que sustenta o sistema produtivo vigente. Louro (2008) fala de uma política pós-identitária, em que se reconheçam as fronteiras que marcam as expressões e performatividades dos sujeitos, não fixas e sim fluidas. Para ela, não basta apenas assumir as múltiplas posições, mas entender que essas fronteiras são atravessadas pelos indivíduos. Assim, mesmo que tenhamos algumas referências para pensar, nomear e compreender a sexualidade e o gênero como o desenvolvimento psicossexual construído pela psicanálise, a normatização não é uma regra. Posso isso, observa-se que entre os entendimentos fundamentalistas e criacionistas do sexo, gênero e sexualidade e as concepções científicas, baseadas nas ciências sociais, há um desafio ético para as escolas, pois diante de múltiplos embates semânticos e morais operantes na sociedade brasi-

“Assim, mesmo que tenhamos algumas referências para pensar, nomear e compreender a sexualidade e o gênero como o desenvolvimento psicossexual construído pela psicanálise, a normatização não é uma regra.”

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“Desde o paradigma greco-romano argumentava-se sobre o corpo, o sexo, os papéis dos indivíduos. No judaico-cristão, idem. Criaram-se normas, padrões de condutas e modelos de sujeitos.”

leira, cumpre promover a busca pela ética, enquanto máxima do multiculturalismo, que pressupõe a coexistência de várias culturas num mesmo território considerando o bem-estar comum. Ao que parece, o princípio da reciprocidade e o cooperativismo, dispostos no quadro conceitual e político dos direitos humanos e das políticas públicas, é uma estratégia discursiva em que concilia ambas as correntes compreensivas e pode ser trabalhado nas instituições de ensino. E a sexualidade, como dimensão qualitativa da orientação sexual, um dos temas transversais dos parâmetros curriculares, pode ser abordada junto aos debates sobre direitos humanos e políticas públicas, considerando que tais temas se complementam na leitura da realidade, dos sujeitos e do mundo. Desde o paradigma greco-romano argumentava-se sobre o corpo, o sexo, os papeis dos indivíduos. No judaico-cristão, idem. Criaram-se normas, padrões de condutas e modelos de sujeitos. Não diferente, o paradigma moderno, respaldado por sua lógica científica, também produz conceitos sobre a sexualidade, sobre o gênero e, finalmente, acerca dos direitos humanos (ORTOLANO, 2014). Assim, cabe à escola problematizar tais concepções tomando como ponto de partida as trajetórias de vida dos sujeitos, a história em

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comunicação com as práticas e significados do presente, bem como as novas legitimidades, de modo a refletir sobre os anseios que emanam da sociedade contemporânea. Compete à escola abordar, não apenas em disciplinas isoladas, a história e as transformações demográficas vividas pelas sociedades humanas. E qualquer fundamentalismo contrapõe-se à educação crítica e reflexiva, à cidadania e à práxis cotidiana. Tal como a sexualidade, a compreensão dos direitos humanos está associada ao contexto político e social, sendo fruto de seu tempo e circunstâncias (ORTOLANO, 2014). Dessa forma, alinham-se à sua perspectiva histórica autores como Bobbio (2004) e Fraser (2007), os quais acreditam nos direitos humanos como uma construção e artefato humano que demandam constante transformação de acordo com as necessidades da convivência humana. Fraser (2007) pondera que o reconhecimento é uma questão de status social, no sentido de paridade participativa. E as novas legitimidades carecem da igualdade de participação. Silva (2011), ao tratar de políticas públicas, educação para os direitos humanos e diversidade sexual, aponta que para as políticas serem de Estado e não apenas de governo, deve ocorrer a participação política. Para tanto, o autor defende

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que é preciso considerar o reconhecimento do outro em conjunturas complexas e a incorporação de diversos atores, ponderando a inclusão e não a assimilação, valorizando a diferença, ou seja, as novas legitimidades. Nesse sentido, a escola não pode ser um espaço de silenciamento, em que se nega o direito à palavra e apenas reforce concepções hegemônicas. É imperativo que as instituições de ensino reconheçam as minorias políticas, seu status social e que, ao articularem distintos posicionamentos nos seus debates, materiais didáticos e reuniões pedagógicas, incorporem diversos atores da sociedade civil. A escola, enquanto espaço de aprendizado para a cidadania, é responsável por romper a ausência de paridade participativa, pois todos têm o direito de participar em iguais condições. E para tanto, não há como não falar da história dos vencidos, quando apenas são reforçadas as memórias dos vencedores. A escola, frente aos riscos e às vulnerabilidades sociais, precisa dar voz aos portadores dos signos de fragilidade, mulheres, homossexuais, deficientes físicos e intelectuais, negros, índios, praticantes de religiões não cristãs, ateus e outras minorias. Uma vez que todos os posicionamentos são considerados numa gestão democrática, não há razão para autorização de ideias. Assim, a suposta licença para tratar gênero nas escolas alçada por setores fundamentalistas por meio dos planos municipais de educação não existe, tampouco é legitima. A Constituição Federal estabelece no artigo

“Assim, a suposta licença para tratar gênero nas escolas alçada por setores fundamentalistas por meio dos planos municipais de educação não existe, tampouco é legitima.”

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206 que o ensino será ministrado pelo princípio da “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”, bem como pelo princípio do “pluralismo de ideias e concepções pedagógicas”. Em outras palavras, nenhum conhecimento é único e absoluto. Todos os conhecimentos, entendidos como construção social coletiva, são passíveis de serem compartilhados, desde que não incitem o ódio, o desrespeito e o fascismo, o que faz o fundamentalismo. O construcionismo parece ser uma abordagem ética a ser trabalhada nas escolas, relacionando a complexidade que envolve temas como sexualidade, gênero e educação, uma vez que fundamenta sua teoria na prática e nas construções sociais. Segundo Vence (1995[1991]), o construcionismo como campo teórico é reivindicado por diversas disciplinas científicas, dentre elas a Antropologia, e tem base em várias correntes da Sociologia. Na dimensão do sexo, aponta ela, o construcionismo pretende alcançar uma revisão crítica da relação entre reprodução, gênero e sexualidade, contrapondo-se ao essencialismo da sexologia, de caráter universalista e ligado às ciências naturais. Considerando os constructos sociais, o construcionismo, junto aos debates no campo dos direitos humanos e da sexualidade, abarca múltiplas concepções que emergiram ao logo da história sem a imposição de verdades dogmáticas. Por fim, pondera-se que os planos de educação e as escolas devem assumir um compromisso ético ao se organizarem orientados pela democracia e pelo multiculturalismo. Para tanto, é necessário romper com alguns propósitos narrativos apontados por Silva e Ortolano (2015), a saber: a legitimação exclusiva de ideologias sexuais moralmente aceitas, ou seja, a instituição de padrões de orientação do desejo e identidade de gênero; a exclusão de sexualidades não heteronormativas como, por exemplo, aquelas que não se enquadram no modelo heterossexual monogâmico, formado por um homem e uma mulher; e a forjada inexistência da homofobia – tal como do machismo e da misoginia – justificada pelo uso do direito à liberdade de expressão. * Fabio Ortolano é doutorando em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP) e graduando em Psicologia pela Universidade Nove de Julho (UNINOVE). Mestre em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Mudança Social e Participação Política da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP) e bacharel em Turismo pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). É professor na área de turismo e hospitalidade no Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial de São Paulo (SENAC SP) e tem interesse em temas como: movimentos sociais, multiculturalismo, participação política, sexualidade, identidade de gênero, direitos humanos e processos intersubjetivos.

REVISTA DE PSICOLOGIA - ESPECIAL

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REVISTA DE PSICOLOGIA - ESPECIAL

?

ONDE ESTÃO

AS TRINCHEIRAS

DA LUTA

LGBT

Compreendendo o Movimento de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais no Brasil.

A

FIM DE COMPREENDER O MOMENTO POLÍTICO ATUAL DAS LUTAS EMPREENDIDAS PELO MOVIMENTO LGBT (LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS) NO BRASIL, É NECESSÁRIO UM BREVE HISTÓRICO DA ORGANIZAÇÃO OU POLITIZAÇÃO DAS SEXUALIDADES E EXPRESSÕES DE GÊNERO DISSIDENTES1. A primeira organização propriamente política de homossexuais surge no final dos 1970 na USP, o grupo SOMOS, que na esteira dos movimentos da época calcava seu discurso na liberdade sexual. Já a década de 1980 é fortemente marcada pela epidemia de aids e por um declínio no movimento que não conseguia mais sustentar tais discursos frente ao crescimento exponencial das vítimas da epidemia. Ainda assim, a resposta brasileira à epidemia de aids foi capaz de orquestrar uma “segunda onda” no movimento que se tornou mais institucionalizado (transformando as ONGs em formato padrão de organização) e focado em ações de prevenção. Assim, em meados da década de 1990, é fundada a ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), que se configura até hoje como uma das mais importantes ferramentas de luta política desse movimento. Na sua primeira década de existência, a ABGLT conduziu projetos de fomento à construção de organizações LGBT em diversas cidades do Brasil. Esta “terceira onda” foi tecida em forte articulação com as políticas da aids, tanto em termos de financiamento do movimento quanto na própria perspectiva política de empoderamento 1 - Trarei aqui apenas os momentos relevantes para o argumento deste artigo. Para um histórico mais detalhado do Movimento LGBT brasileiro, ver Simões & Facchini (2009). Já para um histórico específico da organização política de travestis e transexuais no Brasil, ver Carvalho & Carrara (2013).

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de populações vulneráveis e de ações de advocacy ou lobby junto ao poder público a fim de garantir direitos e políticas públicas, para além dos projetos de prevenção que já vinham sendo executados desde a década anterior. A estrutura de oportunidades políticas do Movimento LGBT ganha então novos contornos nos anos 2000, principalmente a partir da eleição de Luis Inácio Lula da Silva. A ampliação dos canais de interação sócio-estatais2, característica dos primeiros anos do Governo Lula, foi responsável por um avanço sem precedentes em termos de reconhecimento estatal da população LGBT como alvo de políticas públicas e demandante de direitos específicos. É neste processo que foi lançado, em 2004, o Programa Brasil Sem Homofobia. Em 2008 é realizada a I Conferência Nacional LGBT, em 2010 é criado o Conselho Nacional de Combate à Discriminação LGBT (CNCD-LGBT), e em 2011 acontece a II Conferência Nacional LGBT. Estes são apenas alguns dos marcos mais importantes nesse processo de ampliação dos canais de interação sócio-estatais para a população LGBT. Sabemos de muitos problemas e dificuldades na efetivação do caráter democrático de tais canais3. Ainda assim, a estratégia da

interação sócio-estatal levada pelo Movimento LGBT na última década rendeu diversos frutos: a construção de estruturas voltadas para a população LGBT nas diferentes esferas da administração pública (federal, estadual e municipal); a proposição de políticas públicas (principalmente na saúde, educação e segurança pública); a efetivação de direitos via judiciário; além de normativas e decretos reconhecendo as especificidades da população LGBT no acesso a serviços públicos, entre outras conquistas. Ainda que se pesem as diversas críticas à forma como as políticas LGBT vem sendo conduzidas ao longo dos últimos dez anos (sendo as mesmas caracterizadas mais como Políticas de Governo que Políticas de Estado), a conjuntura atual é fortemente marcada por uma ofensiva conservadora frente ao que podemos chamar grosso-modo de direitos e políticas sexuais. A composição atual do Congresso Nacional é considerada por diversos analistas como a mais conservadora de todo o período democrático pós-abertura. Este cenário é claramente perceptível se levarmos em consideração uma série de propostas oriundas principalmente do atual presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e de seus correligio-

Fotodivulgação: Flickr-Maria Objetiva

“É neste processo que foi lançado, em 2004, o Programa Brasil Sem Homofobia.”

2 - Por canais de interação sócio-estatais, entendo os diversos espaços construídos, principalmente a partir da Constituição de 1988, que possibilitam o diálogo e eventualmente a deliberação conjunta entre sociedade civil e Estado na proposição e elaboração de projetos de lei, decretos, normativas e políticas públicas voltadas a determinado segmento populacional. 3 - Para uma análise mais profunda sobre tais problemas, ver Szwako (2012). Para uma análise específica do CNCD-LGBT, ver Irineu (2014).

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nários da chamada Bancada Evangélica4. Entre as ações desta ofensiva conservadora contra direitos e políticas LGBT podemos listar: a reivindicação da suspensão do projeto “Escola sem Homofobia” em acordos políticos com o executivo federal, o engavetamento do PLC 122 que visava tornar a homofobia crime nos mesmos termos do racismo e a proposição de um projeto de lei criminalizando a “heterofobia” (sic), a retira dos debates de gênero e sexualidade da maioria dos Planos Municipais de Educação, a reivindicação de suspensão de normativas e decretos autorizando o uso do nome social de travestis e transexuais e o uso de banheiros de acordo com o gênero da pessoa tanto em estabelecimentos de ensino quanto de saúde, a proposta do Estatuto da Família que excluí da noção de “família como base da sociedade” todas as constelações familiares não reprodutivas e não heterossexuais (o que poderia suspender a decisão do STF sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo), a criminalização do atendimento a mulheres que fizeram aborto, a proibição de venda da “pílula do dia seguinte”, entre outras. Ainda mais assustadora é a constatação de que as ações desta ofensiva conservadora têm forte respaldo social. Nesse sentido, é possível dividir essa questão em três eixos de análise: (1) qual o sentido do fortalecimento de discursos políticos calcados “na moral e nos bons costumes” em tempos de grandes investigações e punições de políticos corruptos no Brasil? (2) Quais as estratégias e alianças conservadoras que garantem fôlego político nesta empreitada? E por fim, (3) em quais trincheiras a luta pela liberdade e respeitabilidade da diversidade sexual e de gênero deve se levada adiante? A história política mundial nos revela a recorrência do fortalecimento de discursos conservadores em momentos de crise política, principalmente quando marcados por investigações e punições de políticos corruptos. Nesse sentido, toda sorte de discursos reivindicando a “moral”, a “defesa da família” e da “tradição” operam uma espécie de cortina de fumaça em vista de emprestar aos que deles fazem uso um caráter ilibado e honrado que, por fim, desacreditaria as acusações de corrupção eventualmente recebidas. Ou seja, tudo se passa como se, ao defender valores morais tradicionais e rígidos, o parlamentar (e o pastor) construísse em torno de si uma imagem de correto e incorruptível. As recentes denúncias nacionais e internacionais contra o Presidente da Câmara dos Deputados são um claro exemplo deste processo.

“A história política mundial nos revela a recorrência do fortalecimento de discursos conservadores em momentos de crise política, principalmente quando marcados por investigações e punições de políticos corruptos.”

4 - É importante notar que a bancada evangélica é apenas a ponta do iceberg da aliança conservadora cristã no Congresso Nacional que também reúne parlamentares católicos.

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“O relevante nesse caso é que os esforços da bancada evangélica tenham sido focados num dos projetos com menor orçamento dentro do Ministério da Educação e, portanto com menor abrangência.”

É notável também o uso das políticas LGBT como “moeda de troca” em negociações políticas. Em 2011, a bancada evangélica reivindicou a suspensão na distribuição do material produzido no projeto “Escola Sem Homofobia” em troca da não convocação do então Ministro da Casa Civil Antonio Palocci para dar explicações ao Congresso sobre as contas de sua empresa de consultoria. Não é surpreendente que o governo federal tenha cedido, pois, no conflito entre o projeto político para uma sociedade sem homofobia e o projeto de poder que depende dos resultados eleitorais, o último é quase sempre vitorioso. O relevante nesse caso é que os esforços da bancada evangélica tenham sido focados num dos projetos com menor orçamento dentro do Ministério da Educação e, portanto com menor abrangência. A escolha do Movimento LGBT como inimigo moral privilegiado desses parlamentares revela o poder que os mesmos têm em suspender todos os efeitos de negociações e cooperações entre sociedade civil e Estado (responsáveis pela produção de tal

material) numa espécie de queda de braço. Ao mesmo tempo, denota o caráter revolucionário de políticas educacionais com esta, uma vez que a estratégia da ameaça ou intimidação política é uma ação estremada da qual só se pode lançar mão em momentos críticos da vida política. Ainda assim, fica a questão de como este projeto conservador ganha respaldo social. Do ponto de vista da política no parlamento, o que observamos hoje é uma aliança entre as chamadas “Bancadas da Bala, do Boi e da Bíblia”, sob a alcunha de BBB; conformando uma aliança militarista, ruralista e fundamentalista cristã. Ao atentarmos para os discursos desses parlamentares, notamos uma convocação ao “pai de família” para a defesa de seu patrimônio material e moral frente aos “ataques” LGBT e feministas5, o que está em curso aqui é um processo de resistência patriarcal organizada em diferentes níveis sociais: dos bastiões da moral no parlamento, passando por raivosos púlpitos de diversas igrejas evangélicas, chegando aos lares da suposta

5 - A oposição desta frente conservadora às políticas de igualdade racial é mais complexa. Apesar de não se oporem claramente a políticas públicas específicas, o fundamentalismo cristão vem construindo uma espécie de guerrilha religiosa a diversos locais de cultos afro-brasileiros, assim como vem instruindo professoras/es evangélicas/os a excluírem de suas aulas o ensino de história e cultura afro-brasileira, o que é previsto em lei.

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“tradicional família brasileira”. Um projeto político que organiza diferentes setores da sociedade e que parece mais vitorioso que a luta LGBT na atual conjuntura. Mas não para por aí... O fundamentalismo religioso cristão como projeto de poder organiza suas alianças com setores que reivindicam a redução da maioridade penal, o aumento da força bélica das polícias, o armamento da população, o fechamento das fronteiras para imigrantes e refugiados, a redução drástica da intervenção do Estado na vida social e econômica do país (Estado Mínimo), e, no topo, a volta da ditadura militar. Como afirmou o Deputado Federal Jean Wyllys (PSOL-RJ): “o fascismo sai do armário”. A reivindicação do Estado Mínimo parece ser o centro deste acordo político, pois, ao mesmo tempo em que implica numa redução nas políticas públicas promotoras de equidade de gênero e emancipação LGBT, também implica na redução nas políticas sociais e na ampliação de políticas repressivas como remédio para a violência urbana. Assim, se busca fortalecer uma noção de família com fortes poderes a figura masculina tanto sobre a mulher quanto sobre os/as filhos/as ao

evitar políticas públicas, principalmente na educação, que fomentem um pensamento crítico sobre o lugar da mulher na sociedade e a liberdade sexual e afetiva. Em outro nível, a redução das políticas sociais tem no seu horizonte estratégico a ampliação do exército de reserva no campo, diminuindo os salários dos/as trabalhadores/as rurais e aumentando os lucros do agronegócio. E por fim, a redução generalizada de tais políticas contribui para o crescimento da violência urbana e consequentemente fortalece as posições repressivas (mais armas e mais prisões) de enfrentamento a tal problema social. Com base nestas breves considerações, acredito que em larga medida o Movimento LGBT foi vitorioso na estratégia de diálogo com o Estado. Entretanto, esta vitória não tem capacidade de se sustentar no cenário político atual. A batalha vem sendo perdida em diferentes trincheiras. A primeira e mais evidente neste texto é a trincheira do Congresso Nacional. É vital a explicitação do uso nefasto da “moral e dos bons costumes” com a finalidade de blindar históricos e novos políticos corruptos que se sustentam em tenebrosas tramas financeiras e que não vacilam em co-

“Assim, se busca-se fortalecer uma noção de família com fortes poderes a figura masculina tanto sobre a mulher quanto sobre os/as filhos/as ao evitar políticas públicas, principalmente na educação, que fomentem um pensamento crítico sobre o lugar da mulher na sociedade e a liberdade sexual e afetiva.”

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Fotodivulgação: WikimediaCommons-Agência Brasil

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“Não é raridade encontrarmos notícias sobre ataques letais a LGBT com marcas de motivação religiosa ou fascista, quando não estão combinadas numa parceria názi-cristã que choca qualquer simpatizante de noções básicas de direitos humanos e cidadania plena.”

locar em risco vidas humanas para a manutenção de seus projetos econômicos, políticos e religiosos. A segunda, e possivelmente a mais complexa, é a da própria vida social. Os debates em torno da manutenção ou exclusão de “gênero e sexualidade” dos Planos Municipais de Educação foi por certo perdido nas Câmaras de Vereadores, mas muito antes disso, este debate foi derrotado nas portas das igrejas através de um trabalho de base empreendido por esta aliança conservadora. Mais aterrorizante é que esta ofensiva não se contenta em retirar direitos ou construir impedimentos institucionais a políticas reparativas ou emancipatórias; há uma convocação de suas bases sociais para o conflito aberto e direto através da violência física. Não é raridade encontrarmos notícias sobre ataques letais a LGBT com marcas de motivação religiosa ou fascista, quando não estão combinadas numa parceria názi-cristã que choca qualquer simpatizante de noções básicas de direitos humanos e cidadania plena. Não há como concluir este texto de forma otimista, pois a conjuntura não permite. A denúncia e a análise da situação em que vivemos

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pode parecer um apelo desesperado e inócuo. E muito provavelmente é o desespero que simboliza mais claramente o momento político da luta LGBT frente à redução nas políticas públicas, ao avanço conservador e à chamada para uma quase inquisição tupiniquim, notável nos números alarmantes de violência letal, principalmente contra a população de travestis e transexuais. Mas não é inócuo. O primeiro passo para uma resposta progressiva é a compreensão da tática conservadora, inclusive para não mimetizar seus meios... meios estes que são o maior obstáculo para os nossos fins: uma sociedade justa, igualitária e democrática que não joga para debaixo do tapete a liberdade e a garantia plena das sexualidade e expressões de gênero não hegemônicas. * Mario Felipe de Lima Carvalho é psicólogo, doutor em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS-UERJ). Pesquisador colaborador no Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM-IMS-UERJ). Atua na área de gênero, sexualidade e política. e-mail: [email protected].

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