Opinião Pública, média e líderes de opinião: um estudo exploratório sobre a influência dos média e dos líderes de opinião na formação da Opinião Pública.

October 10, 2017 | Autor: Miguel Midões | Categoria: Public Opinion, Public Sphere, Opinion Leadership
Share Embed


Descrição do Produto

UNIVERSIDADE DE TRAS-OS-MONTES E ALTO DOURO

Opinião Pública, média e líderes de opinião: um estudo exploratório sobre a influência dos média e dos líderes de opinião na formação da opinião pública

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO 2ª CICLO DE ESTUDOS EM CIENCIAS DA COMUNICAÇÃO: ESPECIALIZAÇÃO EM COMUNICAÇÃO PUBLICA, POLITICA E INTERCULTURAL

MIGUEL ÂNGELO RODRIGUES MIDÕES

VILA REAL, 2009 UNIVERSIDADE DE TRAS-OS-MONTES E ALTO DOURO

1

Opinião Pública, média e líderes de opinião: um estudo exploratório sobre a influência dos média e dos líderes de opinião na formação da opinião pública

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO 2ª CICLO DE ESTUDOS EM CIENCIAS DA COMUNICAÇÃO: ESPECIALIZAÇÃO EM COMUNICAÇÃO PUBLICA, POLITICA E INTERCULTURAL

MIGUEL ÂNGELO RODRIGUES MIDÕES

VILA REAL, 2009

2

Trabalho apresentado como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Ciências da Comunicação, especialização em Comunicação Pública, Política e Intercultural, realizado na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

3

Índice Introdução .................................................................................................................. 4 Capítulo I – Opinião Pública: o enquadramento 1. Que público .................................................................................................................. 10 1.1 Activo ou passivo ...................................................................................................... 10 1.2 Da polis grega ao século XXI .................................................................................... 12 1.3 O Jornalismo, o Iluminismo e o Espaço Público ......................................................... 14 1.4 Esfera Pública Contemporânea .................................................................................. 18 1.5 Público e Social ......................................................................................................... 20 2. Crise no Espaço Público e Opinião Pública enviesada ...................................................... 27 2.1 Premissas de uma Democracia Deliberativa ............................................................... 28 2.2.1 Habermas em Desdren (2006) ................................................................................. 29 2.2.2 E a Internet? .......................................................................................................... 31 2.3 A Comunicação de massa e a formação da Opinião Pública ....................................... 39 3. Agenda-Setting e Opinião Pública ................................................................................... 44 3.1 Consequências do Agenda-Setting na Opinião Pública ............................................... 46 4. Espiral do Silêncio: a teoria e a história ........................................................................... 49 4.1 Espiral do Silêncio e a Teoria da Opinião Pública ...................................................... 52 4.2 O Caso Esmeralda: o pequeno exemplo ..................................................................... 52 5. Opinião Pública: clarificação do conceito ........................................................................ 55 5.1 Que validade ............................................................................................................. 60 6. Opinião Pública e Comunicação Política.......................................................................... 68 6.1 Eleições, aprendizagem cívica e áreas problemáticas ................................................. 71 6.2 Que futuro? ............................................................................................................... 75 6.2.1 Jornalismo Político e Opinião Pública ..................................................................... 79 7. Líderes de Opinião .......................................................................................................... 83 8 Opinião Pública em resumo .............................................................................................. 85

Capítulo II – O Estudo Exploratório 1 Os Líderes de Opinião ...................................................................................................... 89

4

2. As histórias .................................................................................................................. 89 2.2.1 Caso Nacional – Alexandra, a menina russa ............................................................ 89 2.2.2 Caso Regional – A4: auto-estrada transmontana ...................................................... 93 2.2.3 Caso Local – Paragem dos autocarros de Macedo de Cavaleiros ............................. 95 3. Características sócio-demográficas do estudo .................................................................. 97 4. Os resultados 4.1 Opinião Pública no Caso Alexandra ........................................................................... 97 4.2 Opinião Pública na Auto-estrada transmontana ........................................................ 102 4.3 Opinião Pública na Paragem de Autocarros ............................................................. 106 5. As Influências 5.1 Grupo A – Exposição aos líderes de opinião ............................................................ 109 5.2 Grupo B – Exposição aos meios de comunicação ..................................................... 120

Conclusão ................................................................................................................ 129 Referências Bibliográficas ...................................................................................... 131 Anexos ..................................................................................................................... 135

Índice de Gráficos Opinião Pública no Caso Alexandra: a menina russa Gráfico 1- Concorda com a decisão do Tribunal de Guimarães ........................................................ 98 Gráfico 2- Características da mãe biológica ..................................................................................... 99 Gráfico 3- Confia na Justiça Portuguesa ........................................................................................ 100 Gráfico 4- Onde terá Alexandra mais oportunidades....................................................................... 101 Gráfico 5- Integração da Alexandra na Rússia ............................................................................... 102

Opinião Pública no caso Auto-estrada Transmontana Gráfico 6- Municípios abrangidos pela AE .................................................................................... 103 Gráfico 7- Data de Conclusão das Obras ....................................................................................... 104 Gráfico 8- Bragança deixará de ser o único distrito sem AE ........................................................... 104 Gráfico 9- Como ficará a região após a AE ................................................................................... 105 Opinião Pública no caso Paragem dos Autocarros de Macedo de Cavaleiros Gráfico 10- Características da Paragem do autocarro ..................................................................... 107 Gráfico 11- Porque não avançou o projecto ................................................................................... 107 Gráfico 12- Esperança no avanço da obra ...................................................................................... 108

5

Influência dos Líderes de Opinião no Caso Alexandra: a menina russa Gráfico 13- Concorda com a decisão do Tribunal de Guimarães .................................................... 111 Gráfico 14- Características da mãe biológica ................................................................................. 111 Gráfico 15- Confia na Justiça Portuguesa ...................................................................................... 112 Gráfico 16- Onde terá Alexandra mais oportunidades ..................................................................... 113 Gráfico 17- Integração da Alexandra na Rússia ............................................................................. 113

Influência dos Líderes de Opinião no caso Auto-estrada Transmontana Gráfico 18- Municípios abrangidos pela AE .................................................................................. 114 Gráfico 19- Data de Conclusão das Obras ..................................................................................... 115 Gráfico 20- Bragança deixará de ser o único distrito sem AE ......................................................... 116 Gráfico 21- Como ficará a região após a AE ................................................................................. 117

Influência dos Líderes de Opinião no caso Paragem dos Autocarros de Macedo de Cavaleiros Gráfico 22- Características da Paragem do autocarro ..................................................................... 118 Gráfico 23- Porque não avançou o projecto ................................................................................... 118 Gráfico 24- Esperança no avanço da obra ...................................................................................... 119 Influência dos média no Caso Alexandra: a menina russa Gráfico 25- Concorda com a decisão do Tribunal de Guimarães .................................................... 120 Gráfico 26- Características da mãe biológica ................................................................................. 121 Gráfico 27- Confia na Justiça Portuguesa ...................................................................................... 122 Gráfico 28- Onde terá Alexandra mais oportunidades ..................................................................... 123 Gráfico 29- Integração da Alexandra na Rússia ............................................................................. 123

Influência dos média no caso Auto-estrada Transmontana Gráfico 30- Municípios abrangidos pela AE .................................................................................. 124 Gráfico 31- Data de Conclusão das Obras ..................................................................................... 125 Gráfico 32- Bragança deixará de ser o único distrito sem AE ......................................................... 125 Gráfico 33- Como ficará a região após a AE ................................................................................. 126 Influência dos média no caso Paragem dos Autocarros de Macedo de Cavaleiros Gráfico 34- Características da Paragem do autocarro ..................................................................... 127 Gráfico 35- Porque não avançou o projecto ................................................................................... 127 Gráfico 36- Esperança no avanço da obra ...................................................................................... 128

6

Introdução O estímulo para a análise da Comunicação surgiu em mim nos anos 90, altura em que tanto em Portugal como no mundo se viviam tensões provocadas pela Guerra do Golfo, e que viriam a manifestar uma mudança na actividade jornalística e na sociedade de informação. Fascinado pelas imagens e pelos sons em tempo real, com a oportunidade de viver “ao vivo e a cores” a guerra e a desintegração da ex-Jugoslávia, o fascínio por esta nova forma de fazer notícia, quase sempre em directo, onde pouco ou nada se dizia, em que a televisão assume um papel de poder irrefutável por comparação com rádios e jornais, sendo ela “que dá o tom, que determina a importância das notícias e fixa os temas da actualidade” (Ramonet 2001: 43). É este fascínio que me leva ao mundo do jornalismo e da comunicação. Tomei contacto com os processos comunicativos e percebi o quão complexa e infinita pode ser a análise da Comunicação e das suas mais variadas Ciências. A nível académico, todas as minhas investigações têm sido dentro do discurso dos média e da construção da sua rotina produtiva. A Comunicação Política surge na necessidade de perceber como esta rotina pode ser influenciada por agentes externos, por forças políticas, que condicionam a informação que chega ao público e como podem os políticos e o mundo político aproveitar a comunicação para fazerem prevalecer as suas ideias e as suas convicções. A nível profissional sinto-o como jornalista, desde 2004. A exercer numa rádio regional há cinco anos, vivo diariamente com os constrangimentos dos baixos recursos financeiros dos meios de comunicação regionais, com a dependência, ainda que de forma discreta de entidades institucionais que garantam a sua sobrevivência, mas que exigem contrapartidas ao fazê-lo. Da constante tentativa de controlo e de boicote de ideias e informações. Das pressões vindas das chefias, quando estas estão também a ser já pressionadas por terceiros. Nos dias de hoje é corrente que os políticos recorram a sondagens e a inquéritos de opinião para saberem como está a sua popularidade ou o seu score. É ainda comum que recorram a estes mesmos resultados para sublinharem os seus pontos de vista ou a supremacia dos seus ideais. É na Opinião Pública que jornalistas e políticos se socorrem frequentemente, levando a um uso excessivo e, por vezes, até desadequado deste termo que ambas as classes profissionais conhecem superficialmente, negligenciando a sua verdadeira essência.

7

A Opinião Pública é uma questão complexa, desde o seu conceito de opinião generalizada a uma massa populacional, aos investigadores mais cépticos sobre a sua verdadeira existência. Pretende-se com esta investigação perceber quem influencia a sua formação, de que maneira e com que meios. Ao longo da história da humanidade foram já vários os cenários e os actores apontados como formadores da Opinião Pública, como por exemplo os espaços onde se debatiam os interesses dos cidadãos, das nações, dos povos, etc., como a Agora grega, o espaço público por excelência. E, qual é hoje o palco de formação desta opinião? Por outro lado, já nos anos 50, do século passado, pelas mãos de Lazarsfeld, o mundo da comunicação toma conhecimento da Teoria dos Efeitos Limitados, ou efeitos mínimos, da qual surge o conceito de líderes de opinião, associados também a esta ideia de construção da Opinião Pública. E, quem mais influencia ou marca esta Opinião Pública? Muitos apressar-se-ão a responder que são os meios de comunicação social. Mas, as relações pessoais, o bocaa-boca, não serão fundamentais para a construção da mesma? Há autores que defendem que os média condicionam muito a opinião pública e marcam a agenda pública, mas não da mesma maneira que o faziam noutros tempos. Na fase do Gatekeeping assiste-se ao desenvolvimento do processo de selecção das notícias, daí que seja comum ouvir-se dizer que o que não aparece divulgado nos meios de comunicação, simplesmente não existe para a sociedade. Esta é, inclusive, uma das armas do jornalismo contemporâneo, pois os jornalistas escolhem os temas que transmitem e que são também os temas que o público discute diariamente. Há números que indicam que a informação que chega à redacção, (através de press, comunicado de imprensa, telefonemas, etc.), é dispensada em cerca de 95% dos casos, ou seja, apenas 5% dos acontecimentos que chegam às mãos dos jornalistas se tornam notícia, passando por um processo exaustivo de selecção. Após esta etapa, há depois a hierarquização dos temas seleccionados e a própria estruturação da notícia, segundo o modelo de pirâmide invertida, que pode influenciar também na formulação de opinião acerca de determinado assunto. Todas estas etapas profissionais exercidas a todo o momento podem condicionar a Opinião Pública. O mesmo assunto colocado em secções diferentes pode despertar o interesse do leitor/ouvinte/telespectador, ou não. Há depois vários critérios, que podem ser, mais ou menos, utilizados pelos jornalistas, para que determinado assunto apareça ou não na agenda mediática, e daí 8

passar para a agenda pública, que pode vir a discutir o assunto ou não, transformando-o numa opinião conjunta de um público encarado como um todo, que partilha a mesma opinião1. Pode-se também afirmar que são, por norma, as coisas mais espectaculares ou exageradas que chegam a interessar ao público em geral, que elabora uma opinião sobre esse determinado assunto. Mas, tendo em conta que não há verdades absolutas e que toda a informação é subjectiva, no sentido de que é construída, os meios de comunicação social devem falar do que realmente interessa ao seu público-alvo ou do que vende? O poder está centrado na Economia, seguindo-se os poderes mediático e político. Os três juntos, como convivem actualmente, levam a uma informação tendencialmente mercantilizada. É debaixo da alçada desta noção de Opinião Pública que se pretende com esta investigação reunir, não só o vasto conjunto de autores internacionais, que desde o século passado têm vindo a estudar este fenómeno, contribuindo assim para uma melhor explicação deste conceito, mas também desencadear um processo de estudo exploratório, que permita analisar a forma como a população formula uma opinião sobre determinado assunto e que as influências podem condicionar a sua tomada de decisão e a sua formulação de opinião. Mais do que especular se existe ou não Opinião Pública, pois há autores que defendem que esta não existe, pretende-se, e partindo do princípio de que de facto existe, averiguar como decorre o processo de formulação da mesma e quem persuade, manipula ou influencia a população a tomar determinada decisão, a adoptar certo ponto de vista, obrigatoriamente em detrimento de outro. É também neste cenário que surgem os meios de comunicação social e também os líderes de opinião, sobretudo a nível local, como autarcas, líderes religiosos, dirigentes associativos, etc. Tentar-se-á acrescentar ao estudo da Opinião Pública a mais-valia de destrinçar quem assume um papel preponderante na sua formação: média ou líderes de opinião. Estarão os líderes de opinião relegados para segundo plano no contributo de ideias para

1

Critérios estes que consistem na relação que o jornalista tem com a fonte; o poder (económico e político) que rege o seu trabalho; a distância física e cultural em relação ao tema que está a tratar e o conhecimento que tem do mesmo, bem como o interesse natural que o acontecimento lhe pode suscitar; o interesse do leitor em relação ao mesmo e o interesse do jornal (o que muitas vezes se pretende dar ao leitor é o contrário daquilo que ele pretende ler, ouvir ou ver e ainda a cobertura de acontecimentos de empresas que estão directa, ou indirectamente, ligadas ao jornal), bem como o pacto táctico entre o leitor e o jornal (em Portugal, por exemplo no caso dos desportivos, é comentado que o Record é o jornal do Sporting, A Bola traz mais notícias do Benfica e O Jogo, consequentemente dá mais destaques para o Futebol Clube do Porto.

9

a Opinião Pública, ou continuarão estes a ter um papel preponderante de influência, mesmo na época mediática e tecnológica que se vive de momento? O grande objectivo desta investigação é testar este jogo de influências, onde participam os média e os líderes de opinião, partindo da hipótese de que estes influenciam mais a Opinião Pública, do que os meios de comunicação de massa. Nesta investigação partimos da hipótese de que a Opinião Pública nacional está marcada pelos líderes de opinião, estando subvalorizado o papel dos meios de comunicação. Para que se consiga chegar o mais perto possível de uma resposta a esta hipótese aqui levantada, é necessário primeiro desenvolver nos próximos capítulos uma resenha daquilo que é a bibliografia, nacional e internacional, existente dentro desta temática, passando pela contextualização e esclarecimento do conceito de Opinião Pública. Num primeiro momento abordar-se-á os espaços privilegiados para a formação da mesma, passando por vários momentos da história e fazendo alusão a grandes investigadores da área, que tomaram o espaço público, o debate de ideias e a Opinião Pública, como tema central das suas investigações, tais como Jurgen Habermas ou Hannah Arendt, entre muitos outros. Tentar-se-á ainda perceber o que mudou com o aparecimento dos meios de comunicação de massa e o que pode mudar com a proliferação da Internet. De que forma, os velhos meios de comunicação (a rádio, os jornais e a televisão), bem como os novos meios (a internet) permitem recuperar a ideia de esfera pública, preconizada por Habermas nos anos 80. Estarão estes meios capazes de proporcionar a apresentação de argumentos e fomentar o debate de ideias, de pessoas singulares, em prol do bem da comunidade? Para alcançar esta confirmação é preciso fazer uma breve exposição acerca das transformações da esfera pública, desde a Polis grega até aos nossos dias, passando pela ascensão da classe burguesa, nos séculos XVII/XVIII, e o surgimento da sociedade de massas, onde o público deixa de ser o mediador, abandonando este papel para os grupos privados e onde o espaço público estrutura a vida política. Há autores que defendem que, com o aparecimento da imprensa no século XIX, aparece um “palco de batalhas políticas por toda a Europa”. (Serrano 1998: 5). Estará ou não o espaço público mediatizado? É grande o número de autores que em 2009 diria imediatamente que sim. Mas, de que maneira pode a rádio, a televisão, os jornais, estando eles também ligados à internet, favorecer a possibilidade de um público mais interventivo nas decisões públicas? É natural o uso que governo e políticos em 10

geral fazem dos meios de comunicação para divulgar as suas ideias e os seus princípios, chegando o feedback da população em relação a determinadas medidas, por eles adoptadas, através dos mass média, sob a capa de uma apelidada Opinião Pública? Porque será que a mensagem anual do presidente da República chega a casa de todos os portugueses sempre à mesma hora, em pleno noticiário da noite, precisamente quando a grande parte da população assiste ao telejornal? Nas rádios portuguesas, acima de tudo nas nacionais, estão no ar programas como a Antena Aberta (Antena 1) e o Fórum (TSF), que possibilitam a participação de especialistas na matéria em discussão, com a intervenção directa do público no mesmo, procurando a opinião pública acerca do tema em questão. A televisão é invadida com programas de formato do Prós e Contras (RTP), onde também o público é chamado a participar, em questões que são da opinião pública, trazidas à ribalta, muitas vezes por fontes ditas desconhecidas, serão? Na Internet surgem chats e fóruns de discussão ligados aos mais variados temas. Estão as TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação) a revolucionar a noção de esfera pública conhecida até aos dias de hoje? Estará de facto o público mais interventivo, com a constante busca da opinião pública por parte dos média, ou trata-se apenas de uma capa moderna, que permite o mesmo tipo de manipulações e influências políticas e económicas, a que nos habituaram os meios de comunicação de massa, sobretudo ao longo de todo o século XX? Será ainda tida em conta a Teoria do Agendamento, ou Agenda-Setting, relacionada com a formação da agenda dos média e tentar-se-á perceber como esta e a Opinião Pública se influenciam mutuamente, passando também pela Teoria da Espiral do Silêncio, de Elisabeth Neumann, procurando nelas respostas para uma Opinião Pública, nem sempre sincera, nem sempre limpa. Depois de clarificado o conceito e de relacioná-lo com a Comunicação Política e o seu futuro, onde se enquadrará também o jornalismo político, desenvolver-se-á um sub capítulo sobre o s líderes de opinião, a sua caracterização e a sua possível influência da população. Toda esta exposição será dividida em dois capítulos, que serão depois subdivididos. O primeiro capítulo relacionado com o Estado de Arte da Opinião Pública, onde no primeiro subcapítulo é analisada a questão do público que recebe a mensagem, que tipo de público ou de públicos foram marcando a história da Opinião Pública. No segundo subcapítulo tentou-se reunir todos os contributos existentes para uma possível refutação da existência de Opinião Pública e de cenário ideal para a formulação da mesma, passando por conceitos como democracia deliberativa e 11

participativa. Porque são hoje os mass media que, com a sua agenda, ajudam a perfazer a agenda do público pareceu pertinente destinar um subcapítulo à Teoria do AgendaSetting de McCombs e explorar a forma como esta pode estar relacionada com a formulação de Opinião Público. Ainda no primeiro capítulo, mas no quarto subcapítulo surge a Espiral do Silêncio e o seu relacionamento com a Opinião Pública, conceito que aparece posteriormente clarificado no subcapítulo seguinte. No final, e antes mesmo de ser feito um resumo daquilo que pode ser a Opinião Pública são ainda abordados temas como a Comunicação Política e os Líderes de Opinião, nos sexto e sétimo subcapítulos consequentemente. Na segunda parte desta tese é apresentado o estudo exploratório, que foi realizado em Macedo de Cavaleiros, a fim de analisar as influências de meios de comunicação social e de líderes de opinião na Opinião Pública. Capítulo este que está dividido em cinco partes: apresentação dos líderes de opinião que participaram na investigação; os assuntos que estiveram em análise; as características sóciodemográficas do local do estudo e os devidos resultados, antes e após a exposição às influências.

12

Capítulo I Opinião Pública: o enquadramento

1. Que público e que opinião

1.1 Activo ou passivo

Adriano Duarte Rodrigues considera que no processo comunicacional é impossível não colocar em relevância as noções de público, de Espaço público e de Opinião Pública. Para isso o mesmo autor (2007: 21) considera que o público é: “um conjunto de pessoas que, tanto para a formulação de juízos acerca da verdade, da bondade e da beleza, como para a decisão acerca da conformidade dos discursos e das acções, recusam o argumento da autoridade e a conformidade a imperativos da tradição, procurando em seu lugar, através da crítica racional metodicamente conduzida, descobrir por si as regras da vida”.

Uma ideia de público que surge com a modernidade, onde este gera e impõe os valores da razão crítica, ou seja, aparece como uma instituição que procura novos fundamentos de experiência, que pretende analisar e argumentar as situações novas que se lhe deparam, que não se limita ao olhar de uma pessoa em particular, pensa em colectivo. Segundo Rodrigues (2007: 23), o público assume duas concepções: a) a adjectiva, onde este é encarado num espaço de liberdade, como o formato da polis da Grécia Antiga, onde se tomavam, em público, todas as decisões que diziam respeito à vida colectiva e onde se exerciam todos os direitos e deveres de ser cidadão. Concepção adjectiva porque era sempre utilizado para caracterizar os espaços de determinadas pessoas que “desempenhavam funções de interesse colectivo”. Esta ideia leva ainda a admitir que a noção de público não se limita apenas à época moderna, está associado ao exercício da cidadania, onde há a livre discussão e o exercício da crítica, que visam o futuro, e ainda o destino da colectividade. Todas estas características do espaço público da polis grega.

13

b) o público assume também a sua concepção substantiva. A mesma que encontramos em D‟Alembert, no século XVIII, onde o público é o conjunto de todos aqueles que decidem partir à descoberta da verdade. “O público é a instituição formada por todos aqueles que decidem utilizar a sua razão para a descoberta da verdade” (Ibid 2007: 23). Também Kant considera que o público é o número de pessoas que faz o livre uso da razão, “que ousam pensar pela própria cabeça, libertando-se assim da dependência dos tutores” (Ibid 2007: 23). Em D‟Alembert, o público não aparece dissociado da imprensa escrita. O surgimento deste meio de comunicação criou um grupo de pessoas letradas e de leitores, com competência para serem e-leitores e para “decidirem livremente sobre o que dizer e que fazer nas diferentes circunstâncias da vida colectiva, sem estarem submetidos a qualquer forma de tutela” (Ibid 2007: 24).

O surgimento da imprensa possibilitou o fomento da livre discussão de ideias e confronto de opiniões e possibilitou ainda a criação de um público esclarecido. É, no entanto, este público, ou melhor, esta ideia de público, que nos chega até aos dias de hoje. Mas, conforme o público é regulado pelas normas da livre discussão, também é o alvo de recurso para a imposição de interesses particulares e diversos. Basta que para isso pensemos na política ou na publicidade, ambas com finalidades distintas, embora tentem impregnar as suas ideias no seio do público. Nos anos 30, em pleno século XX, o público aparece associado à ideia de mercado e encarado como uma massa, como “um conjunto de indivíduos anónimos e isolados, alvos indefesos e reduzidos à condição de alvos amorfos de estímulos produzidos pelos media” (Ibid 2007: 25). É nesta década que se associa a estatística ao conceito de público surgindo as primeiras sondagens e inquéritos de opinião. É a sociedade de massa, estandardizada, industrializada, com o primordial fim do mercado e da economia, que transforma grande parte dos valores até aqui remetidos à esfera privada. Assiste-se a uma ascensão da esfera social, aprofundada por Hannah Arendt. Uma ideia massificada de público que, mesmo em pleno século XX, encontra opositores como Herbert Blumer, que prefere retomar a concepção iluminista. Século XX que para outros vê surgir um público no plural, um público fragmentado. Um 14

público que é públicos, onde “o espaço de interacção entre os cidadãos que decidem debater livremente entre si acerca das questões problemáticas relevantes com vista à obtenção de consensos aceites colectivamente” (Ibid 2007: 25) deixa de existir. Os públicos são agora um conjunto de indivíduos que “são alvo das mensagens transmitidas pelos media” (Ibid 2007: 25), constantemente medidos pelas sondagens, que tentam mostrar um ponto de vista dito comum, apelidado de opinião pública, meramente estatístico. Há ainda a salientar a tematização deste mesmo público, mais uma vez exercida, com algum sucesso pelos meios de comunicação social. O que debate hoje o público em plena praça pública? O que decide debater, aquilo que os média decidiram colocar em agenda naquele mesmo instante? Mesmo os assuntos que hoje estão em discussão pública nos fóruns das rádios e das televisões na internet, e que são antecipadamente escolhidos e colocados em agenda pelos jornalistas, editores e produtores do mundo mediático, muitas vezes, ou quase sempre, dominados pelos grandes grupos económicos e políticos. Como mostra Rodrigues (2007: 27) “Mas os estudos do agenda-setting esquecem que a selecção e o tratamento das questões por parte dos “media” não é um processo unilateral, não depende apenas da decisão dos diferentes intervenientes na gestão dos media”.

O próprio público é relegado para segundo plano, com a opinião pública a regerse pelos assuntos que os média trazem a antena, à praça pública. Mas, onde cabe aqui o papel desempenhado pelo comum cidadão que, em democracia, tem não só o direito, como até o dever de participar na vida pública e política do seu país, de forma activa? Será esta influência mediática consciente ou não? É o que se tentará perceber esboçando uma pequena resenha histórica, passando pelos diferentes tipos de espaço públicos que preencheram a História, ao longo de vários séculos, desde a Polis grega aos dias correntes.

1.2 Da Polis grega ao século XXI

Com o surgimento do capitalismo mercantil no século XVI, surge uma nova esfera pública na Europa. Bem diferente da noção adquirida até aqui na Polis Grega, onde os assuntos do Estado eram discutidos, por aqueles que eram livres, pelos cidadãos, e a Polis era o lugar público por excelência, onde apenas as questões de

15

interesse colectivo para o bem de toda uma nação eram de interesse público e onde a vida pessoal estava remetida ao lar (Oikos), para a família, para a esfera privada. Os capitalistas passam a juntar-se num determinado espaço para discutirem entre si assuntos “relacionados com a regulação da sociedade civil e a conduta do Estado” (Serrano 1998: 2). A esfera pública surge aqui, pela primeira vez, dissociada do Estado. Aliás, surge um pouco como oposição ao Estado, pois esta estrutura acaba muitas vezes por estar sujeita à crítica constante. Mas, mais tarde, tal como defendeu, Habermas, esta é uma situação que não deixa de ser o uso livre da razão por parte do público, composto por pessoas privadas. No século XVII e XVIII surgem as primeiras publicações, algumas até meras reproduções do balanço comercial de uma determinada empresa, e com elas um novo espaço de debate público. Os primeiros jornais que surgiram com uma vertente mais literária e cultural, depressa assumiram uma difusão mais social e política, ao jeito daquela que se conhece contemporaneamente. Pela primeira vez, os jornais passaram a ser objecto de informação ao qual o público passou a recorrer para se manter informado. Um público definido por Estrela Serrano como constituinte das camadas mais cultas e não o mero cidadão2 comum, que depois passou a tecer opinião, a criticar, a argumentar sobre a informação que lhe chegava através deste meio. É aqui que a esfera pública, já vista como a detentora do poder de decisão, começa a exercer o seu poder de controlo sobre o Estado, obrigando mesmo “o poder a justificar-se perante a opinião pública” (Ibid 1998: 2). Em pleno século XIX a esfera pública volta a sofrer uma nova transformação. Aqui, o Estado volta a conquistar novas funções e o sector dos serviços públicos é ampliado surgindo a esfera social, que leva a uma dependência entre o Estado e a Sociedade, segundo Arendt. Muitas das funções que antes eram exercidas pelas instituições públicas passam a ser executadas por esta recém-nascida esfera social, e a esfera privada reduz-se agora à dimensão da família. Os meios de comunicação são hoje o primeiro tribunal ao qual recorre o público, o Estado e até as Instituições Públicas. Não é a primeira vez que um caso chega a público, ao conhecimento geral da população, pelos meios de comunicação, sem antes ter sido investigado e encaminhado pelas instituições públicas. Tome-se como exemplo o processo Casa Pia, em 2003, despoletado através da reportagem da jornalista Felícia

2

Ressalva-se que cidadãos aqui não está relacionado com o conceito de cidadão na antiga-Grécia, mas com um conceito mais alargado de cidadania a toda a população de um país, com a excepção dos escravos.

16

Cabrita, da TVI. Muitas vezes, perante uma situação de julgamento, os meios de comunicação chegam a ser o próprio tribunal, permitindo à população ser o juiz, condenando ou ilibando, antes mesmo das autoridades competentes, a pessoa ou organização em causa. É esta noção de esfera pública moderna e mediatizada que contextualiza a actualidade. Hoje, já não são os grandes grupos de comerciantes e burgueses que se reúnem para discutir, decidir e criticar o Estado ou o Poder, mas sim toda a população de uma forma geral, com acesso aos meios de comunicação, que opina e tece comentários acerca de todos os assuntos que estão na ordem do dia, esta sim completamente orientada pelos média 3. Vivemos uma época em que, segundo Serrano (1998: 3) “Os media (…) levam os políticos a encontrar regras para orientar e praticar essa visibilidade, na medida em que necessitam dela, não apenas para assegurar o voto dos eleitores, mas também no exercício do poder no dia-a-dia, em que os processos de decisão são, cada vez mais, públicos”.

As sociedades modernas ocidentais são democráticas e capitalistas e nelas o espaço público estrutura a vida política. Sendo os média maioritariamente o espaço público, ou a sua representação, podemos considerar que são estes que estruturam a vida política? (Talvez) Sim. Temos hoje os políticos e o poder estatal a adiarem decisões para o horário nobre dos telejornais. Temos hoje o anúncio de demissões ou inclusões de novos elementos no governo nos exclusivos de um determinado jornal. Vemos determinado indivíduo com relevância social a dar as declarações a uma rádio em exclusivo. Existe uma mistura de poderes. Serrano (1998: 4) acrescenta que “o espaço público é o campo da mediação de interesses e forças sociais contraditórias, mediador de relações de poder na gestão simbólica das relações sociais”.

O público massificado encontra, acima de tudo na televisão, uma forma de compensação, uma cultura de integração, embora abandone a sua função mediadora, deixando-a para os interesses privados. “As suas decisões individuais e colectivas são influenciadas por instâncias políticas e/ou económicas” (Ibid 1998: 4). A partir da década de 1970, o espaço público passa também a ser dominado pelo marketing e pelas relações públicas. 3

Veja-se os casos Esmeralda e Alexandra em que os média tomaram uma determinada posição e levaram a população a adoptar o mesmo ponto de vista, julgando sumariamente as pessoas envolvidas nos casos, antes mesmo que houvesse qualquer decisão final dos tribunais.

17

1.3 - O Jornalismo, o Iluminismo e o Espaço Público

A noção de esfera pública é fundamental para a compreensão da modernidade, pelo menos assim o considera João Carlos Correia. A esfera pública moderna emancipase com o iluminismo, em pleno século XVIII e é caracterizada pela “emergência de uma forma de racionalidade que se identificou com a emancipação em relação às explicações metafísicas e teológicas; o aparecimento de uma forma de subjectividade constituída na vivência da família restrita, da literatura e da propriedade, e que teve a sua tradução política na emergência do cidadão, isto é, do sujeito livre e racional, que participa na formação de uma opinião esclarecida” (Correia 1998: 21).

No seio do iluminismo, a esfera pública liberal desenvolveu o individualismo e a subjectividade, bem como novos mecanismos de exercício de opinião e um desejo de emancipação “que se prende directamente com a nossa maneira de estar no mundo” (Ibid 2008: 21). Esta esfera pública que aqui é falada é constituída por pessoas privadas que aspiram a modelar o poder político, por isso esta nova noção de esfera pública traduz a emergência de uma nova classe social – a burguesia. Com esta vêm também modificações radicais nas relações sociais e políticas, pois esta nova classe vai encetar uma luta contra a dominação aristocrata e as suas ideologias. Por isso, Correia (1998:25) conclui que “a esfera pública liberal e o seu conceito de opinião pública, estão indissociavelmente relacionados com o desenvolvimento da modernidade racionalista e democrática”.

Nesta altura, deixa de ser tal como era conhecida na polis grega e atinge um carácter universalista e crítico. Surge uma esfera do poder, associada ao comércio moderno e a uma nova forma de discutir a vida pública, onde é a actividade económica que “dá azo ao aparecimento da imprensa enquanto instituição que exerce a função de divulgar e debater informações de natureza económica publicadas pelo poder” (Ibid 1998: 26). A evolução desta mesma imprensa que hoje, ligada à Internet, possibilita a troca de ideias acerca de tudo e de todos, entre todos. Antes mesmo de chegarmos à ligação em rede, necessitamos de nos centrar na industrialização da imprensa, desta forma de cultura estandardizada, dominada pelas rotinas produtivas, pelos poderes editoriais, também eles dominados pelas ideologias políticas e económicas, etc. 18

Esta imprensa que já é bem diferente daquela que foi conhecida no iluminismo, onde existia uma proximidade entre os públicos e as publicações, que “reflectiam os debates produzidos no interior desta forma de sociabilidade” (Ibid 1998: 110). É de salientar que quanto mais aumenta a industrialização dos meios de comunicação, mais diminui a participação do público. Na sociedade de massas, tal como explica Mauro Wolf na Teoria Hipodérmica da Comunicação, o público torna-se um receptor passivo da mensagem, “elaborada de acordo com o estilo e com uma agenda de assuntos em cuja elaboração raramente participa, pelo menos de forma directa” (Ibid 1998: 111). Os meios de comunicação de massa, caracterizados pela sua homogeneização, desvalorizam a componente crítica do público. Correia (1998: 11) diz que “à opinião pública falta-lhe o público atento, participativo, questionante, instado a passar do pensamento à acção”. A ausência de discussão dos acontecimentos mediatizados na esfera pública é agravada pela forma como os acontecimentos são apresentados. Os jornalistas limitamse a descrever as situações, na grande maioria de um jornalismo espectáculo, específico para as massas, e não dão lugar ao esclarecimento, à análise e ao confronto das razões, preferindo a sedução e o espectáculo. É neste contexto que entra também o político contemporâneo, que não tem como objectivo principal ser mediador racional da opinião dos cidadãos, mas sim mediador-espectáculo. É provável que se esteja perante uma excepção neste jornalismo industrializado: a internet, e a possibilidade que dá ao público de participação na discussão e debate de determinados assuntos que os média colocam na agenda, pode, segundo alguns autores, possibilitar o reaparecimento da esfera pública de Habermas, tão escondida que esteve com o surgimento da comunicação de massas, que foram os veículos que levaram à sua eliminação. Uma esfera que o autor definia como “um fórum para a discussão política fora do espaço privado mas também fora dos círculos governamentais” (Vargues 2007: 198). É hoje muito difícil encontrar um artigo publicado on-line, de um qualquer jornal, rádio ou televisão, que não possibilite o link para comentários, que garante ao cidadão a possibilidade de argumentar e até de acrescentar algo de novo ao assunto apresentado pelo meio de comunicação. Depois, há ainda um sem número de chats, blogs e fóruns na rede, pessoais ou não, onde se podem encontrar as mais diversas opiniões acerca daquilo que em qualquer parte do mundo está a ser notícia, com comentário, críticas construtivas ou não, opiniões, etc. É nestes canais que os meios de 19

comunicação também já começam a recolher informação que mais tarde podem vir a tratar como notícia. Tome-se como exemplo a rede twitter ou facebook, onde determinadas notícias chegam, mesmo antes de serem difundidas na comunicação social de massas. É na internet que todos os dias surgem inquéritos sobre esta ou aquela atitude de determinado partido político, que se pode comentar, ou não. Esta é uma ferramenta que pode possibilitar o renascer da esfera pública de Habermas, ou que, pelo menos, propicia o aumento da interacção dos cidadãos e da discussão de assuntos de interesse colectivo, criando uma espécie de mesa de café virtual do século XVII, onde eram discutidos os assuntos comerciais, de interesse para a recém surgida burguesia. Há autores como Juçara Brittes, jornalista em São Paulo, que defendem a ideia de que os novos meios de comunicação, como as Plataformas Comunicativas Mulltimediáticas Ciberespaciais (PCMC), proporcionam o aparecimento da esfera pública porque retomam “a troca pública de opiniões, alimentada por uma racionalidade comunicativa” (Brittes 2003: 2). Com a internet, o cidadão passa a ser produtor e consumidor da informação e pode mesmo chegar a recolher a informação da própria fonte e entrar em discussão de ideias com a mesma. Está-se perante uma sociedade de informação e já não uma sociedade de massas. Estas esferas públicas espaciais são agora espaços que levam “à troca de argumentos mediados pela comunicação em rede” (Ibid 200: 2). Brittes sugere que estes novos fóruns cumpram o papel de esfera pública, pois possibilitam na rede o debate público que favorece a formação da mesma. A autora no seu estudo acerca da possibilidade da esfera pública no ciberespaço apresenta um conjunto de plataformas, como o correio electrónico e as vídeoconferências interactivas, onde a argumentação e a discussão podem surgir. Conclui que o cidadão tem ao seu dispor um meio que lhe permite tecer uma opinião pública com maior liberdade. Contudo, considera que há ainda um longo caminho a percorrer para que o ciberespaço possa ser dado como um revitalizador da “utopia de Habermas quanto à existência de uma esfera pública autónoma” (Ibid 2003: 11). Para Brittes estão a surgir com a possibilidade da rede, dois novos fenómenos: as PCMC e as mutações no próprio jornalismo ou no modo de se fazer jornalismo. Este meio proporciona ao jornalismo uma vertente de diálogo, e a prova disso é o surgimento daquilo a que apelida de jornalismo colaborativo. É este novo jornalismo associado a estas novas plataformas

20

que vai favorecer “a construção de opiniões públicas sem constrangimento” (Ibid 2003: 13). 1.4 – Esfera pública contemporânea

As transformações civilizacionais têm sido acompanhadas, nos últimos tempos, pela introdução ou transformação das TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação). Portanto, estas novas formas de jornalismo e as novas associações na internet, que estão a possibilitar repensar o conceito de esfera pública, são nem mais nem menos que a mais recente revolução a nível destas mesas TIC. Em resumo importa dizer que ao longo dos tempos houve, pelo menos, dois grandes momentos, de conceitos diferentes de esfera pública: o primeiro ligado à antiguidade grega, estudado a fundo por Arendt e também por Habermas, por vezes até contraditórios, onde esta esfera aparece relacionada com a virtude cívica e, precisamente com a recuperação do ideal que está contido no espaço público grego; o segundo está mais ligado com a modernidade e com as perspectivas de Dewey, Blumer e Habermas, onde a esfera pública aparece como uma forma emergente de sociabilidade, que aspira ao agir político. Encontra-se neste ponto um domínio da vida social onde se pode formar a opinião pública. – “Uma porção de esfera pública surge sempre que é constituída uma situação conversacional, na qual se juntam pessoas privadas para formar um público” 4. À imagem do século XVIII, este é o espaço onde os cidadãos se juntam livremente e têm conversas de modo aberto sobre as questões de interesse público, tal como faziam os capitalistas e burgueses conforme foi visto anteriormente. Note-se também que a dissolução da ideia de espaço público está relacionada com o aparecimento da industria mediática e com o surgimento da comunicação de massas, onde “o público leitor que prefigurava o público político confronta-se ao longo da obra de Habermas (…) pois o raciocínio tende a converter-se em consumo e o contexto da comunicação pública dissolve-se em actos estereotipados da recepção isolada” (Habermas 1982: 191)

A massificação das ideias e da cultura trouxe consigo os consumidores passivos e o abandono da opinião pública por parte da imprensa, que foi transformada em 4

Citação de João Carlos Correia, da Universidade da Beira Interior, na sua comunicação acerca de: “Novo Jornalismo, CMC e Esfera Pública”.

21

instrumento de interesses particulares, essencialmente pelos regimes totalitários que marcaram as cinco décadas iniciais do século XX em toda a Europa, sendo que na Península Ibérica se estenderam até aos anos 70.

A imprensa era usada pelos regimes

para propagar e difundir os seus ideais, ao jeito de propaganda política, onde o público era encarado como uma massa, sem qualquer possibilidade de resposta ou de argumentação – passividade total. Mas, nos finais do século XX, em toda a Europa, começam a surgir dentro desta indústria mediática, novas formas de interacção com o público, essencialmente através das CMC (Comunicações Mediadas por Computador), que aparecem numa “espécie de saudosismo daquilo que era a agora grega ou o espaço público burguês” 5. Os novos meios de comunicação, acima de tudo a internet, alimentam a chegada de: - comunidades virtuais – são o veículo por excelência para o discurso livre e para o debate público, onde a noção de limitação geográfica foi ultrapassada, pois a comunidade virtual é composta por indivíduos de interesses comuns, normalmente assentes em laços estabelecidos à distância, sem qualquer proximidade geográfica, que caracterizava os laços estabelecidos nas comunidades ditas clássicas. As virtuais podem assumir agora um papel salvador da interacção que a cultura de massa dissolvera; - webjornalismo – é nesta nova forma de jornalismo que está depositada a esperança, pois o jornalismo que surge na internet representa uma cisão com a hierarquia que configura os meios de comunicação abandonando a centralização do emissor de informação. Agora, mais do que pensar que a rede possibilita, em parte, o renascer da agora grega, importa estudar e observar até onde vai este novo jornalismo, e que tipo de transformações sofrerá. Um jornalismo que permite uma overdose de notícias. Note-se que as grandes agências internacionais já assinaram, inclusive, contratos com websites como o yahoo para a difusão de notícias de última hora. Há questões que importa discutir, embora em outras investigações, como o desaparecimento do papel do jornalista com a possibilidade de interacção, de hipertextos e modificação de conteúdos.

5

Comunicação de João Carlos Correira, acerca de “Novo Jornalismo, CMC e Esfera Pública.

22

1.5 - Público e Social

A escolha para tentar compreender como a esfera social, com a emergência da sociedade, na época moderna, acaba por ofuscar a maior parte dos elementos das esferas públicas e privadas, passando estas de certa forma para a esfera social, recai sobre Hannah Arendt6, uma “referência do pensamento político do século XX”. Carla Martins, na sua comunicação Do espaço público à esfera social, em Dezembro de 2005, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, considera que o espaço público, o poder e a comunicação são “os três pilares da obra arendtiana” (Martins 2007: 75), e acabam por se interligar e dar origem àquilo que é político. O conceito de polis na obra A Condição Humana é fundamental para que se estabeleça uma distinção mais clara entre as esferas pública, privada e social. A polis era o espaço público de referência, o espaço onde havia a discussão das grandes ideias, o espaço onde só tinham acesso os grandes homens livres. É um conceito que, em Arendt, opõe-se à vida em família, à privacidade e ao privado, bem como ao individualismo característico de uma sociedade, nascida com o aparecimento do social, da economia como ciência central. A polis, como local público, era o local que primava pela retórica, a arte de persuadir, do docere (Ensinar), movere (comover pelos sentimentos) e delectare (seduzir). Retórica que só podia coabitar entre aqueles que fossem “sujeitos de uma cidadania” (Cunha 2004: 17). Arendt estabelece que ser político era viver na polis e isso implicava que tudo fosse decidido “mediante palavras e persuasão, e não através da força e da violência” (Arendt 2001: 41), pois estes são aspectos da vida privada, do lar e da família. São aspectos que designa como pré-políticos e que são “típicos da vida fora da polis” (Ibid 2001: 42). Estabelece que a esfera da polis é a esfera da liberdade e que esta, de certo modo, não existe no seio da esfera privada e que acabará por desaparecer com a ascensão da esfera social, ainda que não por completo.

6

Hannah Arendt é uma referência no pensamento político porque pensa como filósofa que sempre foi, até ao dia da sua morte a 4 de Dezembro de 1975, se bem que viria a encontrar “um hiato profundo entre a política e a filosofia” (Martins 2007: 75), anos mais tarde. Uma diferença ainda mais acentuada nos conceitos de vita activa e vita contemplativa. Sempre analisou a política, mas nos anos 30 foi obrigada a entrar em acção devido aos sistemas totalitários que marcavam um pouco toda a Europa, acabando por enveredar pelo sionismo. A Segunda Guerra Mundial marca o seu afastamento dos assuntos políticos, embora não se veja impedida de continuar a pensar a política, “a reflectir como política e não ser um animal político” (Ibid 2007: 75)

23

A ascendência da sociedade é para Arendt a elevação do lar doméstico ao nível do público, ou seja, os interesses que até outrora se limitavam à esfera privada tornamse agora de interesse colectivo. “A acção, a única actividade que se exerce directamente entre os homens sem a mediação das coisas ou da matéria, corresponde à condição humana da pluralidade” (Ibid 2001: 20)

Pluralidade é um termo que aparece bem relacionado com tudo o que diz respeito à esfera pública, pluralidade de ideias, de argumentos, por oposição à individualidade, à vida centrada no labor, ou quando muito ao indivíduo isolado da esfera social. Mas, para entender melhor como os conceitos pluralidade – acção – esfera pública podem estar interligados, deve-se seguir o raciocínio de Arendt e dividir as condições humanas em três aspectos: o labor; o trabalho e a acção. São estas as três condições básicas, pelas quais a vida foi dada aos homens na terra, segundo Hannah Arendt. Em traços gerais, o labor é a actividade do ser humano que corresponde ao processo biológico em si; a condição humana do labor é a própria vida. Já quanto ao trabalho, este é o artificialismo da existência humana. É o mundo artificial das coisas e tem, por isso, como condição humana, a mundanidade. Por último, a acção, que se resume à actividade exercida entre os homens, as suas interligações e interacções, que não necessitam de qualquer mediação. A acção preza pela pluralidade, no sentido de que todos são humanos, completamente diferentes uns dos outros e jamais existiu ou vai existir alguém igual a nós. É através destes conceitos e das diferenças que há entre eles, que se pode concluir que todas as actividades da vita activa estão relacionadas com a existência humana e que são elas que possibilitam a Arendt, na sua obra A Condição Humana, relacionar esfera privada com labor, onde o indivíduo nasce com determinado labor, que o prende a uma actividade, a uma posição e a uma condição, como a da não liberdade no caso do escravo, que o impede de participar na esfera pública. Arendt estabelece ainda a relação entre acção e esfera pública, diz mesmo que a acção é a actividade política por excelência: “além disso, como a acção é a actividade política por excelência, a natalidade e não a mortalidade, pode constituir a categoria central do pensamento político, em contraposição com o pensamento metafísico” (Ibid 2001: 21).

A expressão vita activa é tão antiga quanto o pensamento político, o que possibilita crer que uma surgiu com a outra, ou que são sinónimas. Vita activa é para 24

Aristóteles a vida do bios politikos. A esfera dos assuntos humanos, onde não entra nem o labor, nem o trabalho, porque estes eram característicos daqueles que serviam e produziam o que era necessário e útil e que não podiam ser livres e independentes das necessidades e privações humanas, os que são dignos de uma vida autónoma e humana, enquanto em Santo Agostinho é a vida dedicada aos assuntos políticos e públicos. (Ibid 2001: 25). Este conceito sofre alterações quando desaparecem as cidades-estado e a polis gregas. A vita activa perde o seu significado político e significa agora todo o envolvimento activo nas coisas do mundo. Será então pertinente dizer que a vita activa, segundo um padrão de conceito mais actual, é uma característica da esfera social? Será que também esta característica típica da esfera pública se dilata e entra no social? Em Arendt é clara a noção de que público e privado são dois conceitos opostos e que os aspectos de cada um deles são ímpares e singulares, mesmo que mais tarde se tenha a sensação que estas características, de um e de outro, se misturam e convivem na esfera do social. Uma dicotomia que tem de obrigatoriamente de ser relacionada com outra: polis vs família. A esfera pública é a esfera da política, a esfera da vita activa, onde se atinge a condição de humano. Arendt considera que “a actividade do labor não requer a presença de outros” e, por isso, quem labora “em completa solidão” não é humano, mas apenas um animal laborans (Ibid 2001: 39). Logo, todos os que têm o labor como a sua condição humana, não são humanos. O discurso era o objecto central da polis. Quem não tinha acesso à polis, também não tinha acesso ao discurso, como era o caso dos escravos, dos bárbaros e até das mulheres, que eram aneu logou, não tinham como preocupação central raciocinar com os outros7. Arendt considera que há dois tipos de espaço público: - o primeiro, um espaço público que implica pluralidade, “tudo o que vem ao público tem que ser visto e ouvido por todos e tem a maior divulgação possível” (Martins 2007: 79), bem como tem a faculdade de aparecerem diversas perspectivas acerca do mesmo. Este é um espaço onde apenas o que é relevante tem lugar e pode ser digno de ser visto e ouvido, por isso Arendt conclui que tudo o que é irrelevante “torna-se automaticamente assunto do privado” (Ibid 2001: 66). Numa segunda noção, o espaço público é o próprio mundo, que é caracterizado pela sua durabilidade e estabilidade. 7

Veja-se como hoje o acesso ao discurso está facilitado, seguindo a tendência do que aconteceu à cidadania, que foi também um conceito alargado a toda uma população de uma nação.

25

Aqui, a realidade depende da durabilidade das coisas que são criadas pela mão humana, que acaba por ser quase sempre maior que o tempo de vida do seu autor. Aqui, neste espaço, o mundo é comum a todos os homens, que estão reunidos “na companhia um dos outros e, contudo, evita que colidamos uns com os outros” (IBID 2001: 67). Uma noção que aparece por oposição à sociedade de massas, onde o mundo entre as pessoas já não é comum e perdeu a força para mantê-las juntas. Conclui-se que, no espaço público, os homens permanecem pelo que dizem e pelo que fazem, para além da sua presença física. O homem nasce como um estranho, mas tem a vontade e a faculdade de criar algo de novo no mundo. Arendt advoga mesmo que a identidade do ser humano é construída na esfera pública, o que pode conduzir à seguinte questão: o fim, ou os limites a que a esfera pública esteve, ou ainda está sujeita, implica uma perda ou uma crise de identidade? Tudo o que é não político tem lugar na esfera privada. Contudo, há sempre uma relação próxima entre público e privado. Por exemplo, para participar na polis o cidadão tinha que obrigatoriamente ter uma casa (privado). Também todos aqueles que não fossem considerados como cidadãos estavam condenados a terem apenas uma vida privada, pois só os iguais tinham acesso à polis e, por norma, nos lares reinava a desigualdade, onde o chefe de família era quem detinha o maior poder. Na esfera privada existe a necessidade, pois “os homens viviam juntos por serem a isso compelidos pelas suas necessidades e carências” (Ibid 2001: 45), e também prevalecia a falta de liberdade. Este aspecto apenas era conquistado na esfera pública. No privado reinava a hierarquia, o domínio, o poder, todos eles conceitos considerados por Arendt como não políticos, ou pré-políticos. “Todo o conhecimento de domínio e de submissão, de governo e de poder no sentido em que o concebemos, bem como a ordem regulamentada que os acompanha, eram tidos como pré-políticos, pertencentes à esfera privada e não à esfera pública.” (Ibid 2001: 46)

A família era o centro da desigualdade, o chefe de família era o dominante e só ele era considero livre, pois tinha a faculdade de deixar o lar e ingressar na esfera política, onde todos eram comuns. A esfera privada é o espaço da propriedade, no entanto, a decisão da entrada de um indivíduo na esfera pública, está, mais tarde, relacionada com a propriedade que o indivíduo detém. Com a emergência da esfera social e com a possibilidade do surgimento de opinião, no seio do privado, a mudança de cenário é significativa. O termo sociedade, 26

encarado como um “conjunto de famílias economicamente organizadas de modo a constituírem uma (…) única família sobre-humana” (Ibid 2001: 44), acaba por ser a confusão entre as fronteiras das esferas pública e privada. A experiência ateniense desaparece e surge aquilo a que Carla Martins chama de esfera híbrida - que nem é privada, nem é pública. Arendt diz que se trata de uma extensão da esfera familiar à esfera social, os assuntos ligados ao privado que agora se tornam públicos. “Com a ascendência da sociedade, isto é, a elevação do lar doméstico (Oikia) ou das actividades económicas ao nível público, a administração doméstica e todas as questões antes inerentes à esfera privada da família transformaram-se em interesse colectivo” (Ibid 2001: 48).

Esta nova esfera, que vai colocar em causa os conceitos de comunidade política e de domínio privado, surge na modernidade e Carla Martins (2007: 82) considera que contribuíram para a ascensão social, os seguintes factores históricos: “o liberalismo e a transformação do significado da propriedade privada; a separação entre Estado e sociedade civil; a eclosão dos movimentos operários suscitada pela industrialização e produção em massa”. À parte dos factores históricos, está visto que Arendt define a esfera social como uma administração doméstica colectiva, onde a economia é a ciência política por excelência. Aqui, a política molda-se e perde os seus contornos que assumia na esfera pública e é encarada como uma função da sociedade, pelo mundo moderno, onde discurso, acção e pensamento são estruturas assentes no interesse social. A esfera social vai também permitir a introdução do labor no domínio público, ele que é regido pela satisfação das necessidades pessoais, e está em constante crescimento, o que vai impedir que, tanto o privado como o político resistam ao seu domínio. “No recobrimento do público pelo privado – do espaço público pelas preocupações domésticas, da política pela economia – generaliza-se a inevitabilidade natural necessidade e o processo devorador da vida” (Ibid 2007: 83).

Assiste-se à transformação das comunidades modernas de operários e assalariados, pois esta é “a actividade que permite a sobrevivência individual e a continuidade da espécie” (Ibid 2007: 83). Na sua análise a Arendt, Martins (2007: 84) considera que as principais alterações no Plano Político, com a hegemonia da esfera social são:

27

- A política passa a estar assente num interesse social, o que também dificulta a fronteira entre as duas esferas; a liberdade política está colocada em causa; muda-se o conceito de igualdade e surge o conformismo, considerado como o último estádio da evolução política; a esfera do social afasta os homens da relação com os assuntos políticos – atitude apolítica8. Mesmo estando perante uma esfera social, que possibilita a tomada de decisão e a formulação de opinião na esfera privada. Na esfera social é o consumo que ocupa o lugar primordial e todos se centram nessa meta, o que leva a inferir que a sociedade conduz à normalização de comportamentos. Um comportamento padronizado que vem substituir a acção. É sempre esperado, numa sociedade, que perante determinada situação, o indivíduo se comporte de uma determinada maneira; os indivíduos “normalizam-se de acordo com determinadas regras” (Ibid 2007: 85). Arendt dá o exemplo das sociedades de classes, onde o comportamento varia consoante a classe e a posição social. Classes e grupos que, mais tarde, vêm a ser absorvidos pela sociedade de massas, onde existe uma sociedade única, onde a esfera social “abrange e controla, igualmente e com a mesma força, todos os membros de determinada comunidade” (Arendt 2001: 55). Contudo, há características, das esferas pública e privada, que são mantidas, como é o caso da excelência, que continua a ser uma mais valia da esfera pública. Esta é a capacidade que uma pessoa tem em sobressair, no que respeita ao exercício de algo. “Nem mesmo a esfera social (…) pôde aniquilar completamente a conexão entre a realização pública e a excelência” (Ibid 2001: 63), mesmo que o social dê especial destaque ao progresso da humanidade e não às descobertas e realizações pessoais. Uma das características do privado que não passou para o domínio público foi a privacidade das quatro paredes de uma casa. Inclusive na sociedade contemporânea, este continua a ser o único refúgio seguro contra o mundo público comum. Ou não! Tome-se como exemplo programas televisivos como Big Brother, onde um conjunto de pessoas se deixa filmar dentro de uma casa, dentro de quatro paredes, e transforma toda a sua intimidade e privacidade em objectos do interesse e do domínio público. Este pormenor escapa a Arendt, no sentido de que a ideia desde tipo de Grande Irmão é posterior à sua morte, no entanto, já o previa ao dizer que a sociedade está em constante evolução.

8

É cada vez maior a abstenção que existe no país e no mundo, sejam as eleições legislativas, autárquicas ou europeias

28

Mesmo perante um domínio inegável da esfera social, tudo o que deve ser exibido permanece no domínio da esfera pública e tudo o que deve ser ocultado permanece no domínio da esfera privada. “A distinção entre esfera pública e esfera privada (…) equivale à diferença entre o que deve ser exibido e o que deve ser ocultado” (Ibid 2001: 85). Odílio Alves Aguiar defende que em Arendt “Social e Económico são a mesma coisa” e que “um não existe sem o outro” (Aguiar 2004: 8). Considera que a relação arendtiana com o privilégio que é dado ao económico faz com que se retenha a ideia de que “é como se toda a sociedade acabasse por originar uma situação de escravização” (Ibid 2004: 10). Uma sociedade onde fracassou a ideia de liberdade, porque a importância que o labor atingiu na vida pública, “invadiu também o tempo livre, onde tudo passa a ser visto em função da abundância” (Ibid 2004: 10). O apogeu do social, com o surgimento da sociedade de massas, vai causar uma mistura entre o social e o político. Para Arendt, o social é a forma de vida que surgiu com a modernidade, onde todas as actividades humanas são funcionais, e onde a organização dos homens impõe que estes não passem de “meros meios, funções, para a realização do progresso, e assim como tais, como seres singulares, se tornam supérfluos” (Ibid 2004: 13). Estas são algumas das razões que criam a animosidade de Arendt para com a esfera social, que é nítida em A Condição Humana. Outras razões há, como o social significar “o fim da liberdade para agir, para começar algo de novo, (…) o fim da faculdade de pensar” (Ibid 2004: 13). Apesar desta reflexão acerca da ideia da emergência e uma esfera social para compreender ao pormenor o conceito arendtiano de sociedade e de social seria necessário ler toda a sua vasta obra, da qual se destacam Origens do Totalitarismo, O que é a política? ou Da Revolução, entre outros. Esta visão arendtiana mataria a possibilidade de existência de Opinião Pública, uma vez que a autora defende que na esfera social apenas se pensa no progresso económico-financeiro e se perde a faculdade de discussão pública. Considerações que não são de todo falsas, nem de todo verdadeiras, como se verá posteriormente. Por contraponto a Hannah Arendt, vários autores contemporâneos defendem que o conceito de esfera pública de Jurgen Habermas, está a ser recuperado pelas novas formas ciberespaciais do jornalismo e pelos novos espaços de debate público, muito embora o próprio tivesse dúvidas quanto à possibilidade destas novas formas ciberespaciais desempenharem esse papel. 29

A Internet vem possibilitar o renascimento desta esfera “autónoma, edificada, pelo meio de troca pública de opiniões, alimentada por uma racionalidade comunicativa” (Brittes 2003: 1). Habermas define a esfera pública como “um espaço de livre acesso, onde os cidadãos se encontram para debater e, racionalmente desenvolver argumentos sobre as questões da vida comum” (Ibid 2003: 2). Com as novas tecnologias pode-se estar a assistir a uma recuperação, mesmo no seio da esfera social, de determinadas características da esfera pública, ao ser possível no ciberespaço argumentar em fóruns, blogs, ou outros meios, sobre qualquer assunto da nossa vida comum, e sem qualquer objectivo económico, bem como já existem, inclusive, jornais exclusivamente digitais, que são criados através dos seus próprios leitores. É nesta esfera do social, onde a discussão pública aparece limitada pela falta de tempo na rotina diária do cidadão, que surgem também os média de massa, orientados por forças (económicas, política, entre outras), que fazem passar a sua mensagem, a sua ordem de ideias, a sua agenda, sem que haja um espírito crítico e de debate, como se poderá ver no próximo subcapítulo.

2. Crise no Espaço Público e Opinião Pública enviesada Jurgen Habermas tenta relacionar a comunicação política com a dimensão epistemológica da democracia e o impacto da teoria normativa, enquanto, por sua vez, Maxwell McCombs mostra como o efeito do Agenda-Setting, ou em português, Teoria do Agendamento, está presente na formação da Opinião Pública. Seguindo os vários princípios democráticos e apelando a uma democracia mais participativa e deliberativa, há o confronto com uma sociedade cada vez menos crítica, analista e com uma agenda mais sujeita aos “menus” que os meios de comunicação social lhes podem, e querem, servir. Estará o Espaço Público, da discussão, do debate, da pluralidade de opiniões, em crise? Estará o poder da comunicação e dos média cada vez mais concentrados e dominados pelo poder económico e político, a impedir a discussão e pluralidade de ideias, veiculando apenas um ponto de vista e escolhendo temas de agenda, bem vincados com ideologias tendenciosas? O que leva um indivíduo a escolher este ou aquele político que o represente? Porque se identifica mais com este ou com aquele ponto de vista? E, onde estão os meios de comunicação no meio de tudo isto quando se trata de uma campanha política? 30

Como fazem a selecção dos assuntos que trazem a público? Que imagem passam dos vários candidatos? Que legitimidade há em todos estes processos democráticos, do voto à liberdade de expressão? 2.1 - Premissas para uma democracia deliberativa “De diferentes formas estão vinculados à corrente nomes como James Bohman, Joshua Cohen, Íris Marion Young, Amy Gutmann, John Rawls e Cass Sustein, além do seu principal inspirador, Jurgen Habermas. Fundada na tradição da teoria crítica, a democracia delibertaiva tornou-se a principal alternativa à visão liberal-pluralista hegemónica (Miguel 2001)

Antes de qualquer tentativa para uma definição de democracia deliberativa é necessário contextualizar a temática no tempo e no espaço. Vive-se hoje num tempo em que o estadocentrismo9 acabou. E, o Estado perdeu grande parte da sua capacidade de centralização social. Para tal mudança muito contribuiu o processo de globalização, que trouxe a necessidade de “repensar o papel que a democracia cumpre na organização política da sociedade e a sua perspectiva de ampliação na direcção de abranger questões sociais extra-eleitorais” (Gugliano 2004: 259).

Em 1963, Joseph Schumpeter, hoje encarado como o fundador de uma perspectiva analítica da democracia, considerou que esta era apenas “uma forma através da qual os cidadãos elegem os seus governantes por meio do principal método democrático, isto é o voto” (Ibid 2004: 260).

Schumpter e, mais tarde nos anos noventa, Sartori limitam a democracia à esfera política da sociedade, sem qualquer adjectivo, de forma a delimitar o conceito. Contudo, há uma série de requisitos impostos a uma democracia, para que esta seja reconhecida “independentemente do país no qual ela se desenvolve ou das tradições culturais que determinados povos possuem” (Ibid 2004: 261), tais como: liberdade de imprensa, organização social e partidária, direito de voto e autonomia dos poderes legislativo, executivo e judiciário. No entanto, muitos autores defendem que o facto de se viver em democracia, não significa que os indivíduos vivam essa mesma democracia. Fenómenos como o absentismo eleitoral, “demonstram o grande distanciamento existente entre os eleitores 9

Termo recolhido do estudo de Alfredo Alejandro Gugliano, professor do Instituto de Sociologia e Política da Universidade Federal de Pelota, no Brasil. O conceito significa que todos os poderes estão centrados no Estado. Termo retirado da comunicação Democracia, participação e deliberação – contribuições ao debate sobre possíveis transformações na esfera democrática.

31

e as personagens que compõem o espectro político-partidário e postulam cargos públicos” (Ibid 2004: 262). Este aspecto, segundo Gugliano conduz à crise da legitimidade da democracia. Fala-se de crise porque os cidadãos não se consideram como parte integrante da esfera pública. Por outras palavras, não são participantes activos nas decisões públicopolíticas. A abstenção, aliás, pode mesmo aumentar o fosso económico e social, favorecendo a desigualdade entre povos e culturas.10 Há, por isso, segmentos da sociedade que não exercem os seus direitos por completo. Coloca-se agora a questão da democracia ultrapassar a fronteira política e na sua consequente necessidade de presença nas organizações. O que não acontece, mesmo nos países democráticos, com as grandes empresas a encetarem políticas internas mais conotadas com a ditadura, do que propriamente com a democracia, tal é a sua necessidade de expansão e de competitividade 11. Ou seja, uma imposição do “lucro privado sobre os interesses de bem-estar de grandes contingentes de população” (Ibid 2004: 264).

2.2 Democracia participativa e Teoria Normativa

Jurgen Habermas prefere ver a democracia como um processo participativo, daí a sua crítica à teoria normativa (da democracia), utilizando como justificativo os procedimentos comunicativos. “Estabilidade é a fonte da legitimidade” (Ibid 2004: 268), daí que Habermas sugira que tanto a população deva reconhecer e compreender as acções do governo como vice-versa. Numa ideia normativa, o filósofo considera que existe o pressuposto de que o cidadão, de livre consentimento, valida “as acções decorrentes da adopção de determinadas opções eleitorais” (Ibid 2004: 268), ou seja, limita-se a respeitar as regras da delegação do poder. Segundo Habermas, as teorias normativas explicam a instrumentalização ideológica da democracia, mas não vão ao ponto de saber como funciona o sistema, ou seja, de analisar a razão pela qual o cidadão exerce, por exemplo, o direito de voto. Por

10

Exemplo expresso por Renato Ribeiro, na sua obra Sobre o Voto Obrigatório, de 2003, quando afirma que “Nos Estados Unidos, onde o voto é facultativo, não só a abstenção tem sido bastante grande, como ela tende a se perpetuar nos mesmos grupos sociais étnicos – basicamente os dos descriminados socialmente (…)”. 11

Tome-se como exemplo as notícias vindas a público do elevado número de suicídio dentro da France Telecom, 24 apenas em 2009, devido a medidas punitivas e às represálias impostas aos funcionários caso os objectivos da empresa não fossem atingidos.

32

isso, sugere duas análises diferentes: primeiro, uma centrada nos princípios liberais da democracia; segundo, centrada nos princípios republicanos. Na sua obra Direito e Democrcia, o filósofo e investigador considera que na perspectiva liberal, “o processo democrático realiza-se exclusivamente na forma de compromissos de interesses”, enquanto numa interpretação republicana existe um “auto-entendimento ético-político, onde o conteúdo da deliberação deve ter o consenso entre sujeitos privados e ser exercitado pelas vias culturais” (Ibid 2004: 269).

Em síntese, no modelo liberal, o Estado administra a sociedade tendo em conta o mercado, enquanto no modelo republicano fá-lo com vista à construção de um sistema político global, “centrado na capacidade de articulação da sociedade civil” (Ibid 2004: 269). Estes dois modelos encaram de diferente forma os conceitos de cidadania, direito e processos políticos. Para tentar entender melhor a sociedade, Habermas cria uma terceira organização política: o modelo discursivo. O autor deste modelo considera que o terceiro recebe dos anteriores a soberania do Estado, mas acrescenta a valorização da formação da opinião e da vontade pública, ou seja, a “autodeterminação dos cidadãos” (Ibid 2004: 270). Com esta tentativa de democracia participativa, através do modelo discursivo, Habermas pretende encontrar um modelo que encurte a distância entre o Estado e a sociedade civil. Mas, há críticas a este seu pensamento, pois não explora o chamamento dos cidadãos a participarem na discussão do espaço público, que devia ser tido em conta, considerando que os meios de comunicação social exercem uma pressão simbólica na formação da opinião pública colectiva. Nas democracias participativas, para Habermas, os cidadãos passam a intervir activamente em questões que antes apenas estavam ligadas ao Estado. “Esta é uma das grandes diferenças entre o modelo convencional de democracia e o participativo, já que enquanto no primeiro caso a participação restringe-se às urnas, no segundo há a permanência de vínculos de relação entre o Estado, os cidadãos e a sociedade civil, o que permite a formação de laços sociais mais amplos do que aqueles gerados, apenas, pelos processos eleitorais” (Ibid 2004: 272).

33

2.2.1 Habermas em Dresden (2006) “Os votos nascem naturalmente do solo da sociedade civil (…) eles são moldados pelo confuso conjunto de vozes, que resultam das conversas diárias e da comunicação mediada.”– (Habermas 2006: 14).

No Congresso anual da International Communication Association, realizado em Dresden, em 2006, Habermas começou por distinguir três elementos das democracias modernas: a) a autoridade privada dos cidadãos; b) a cidadania democrática, ou seja, a inclusão de cidadãos livres e democráticos numa mesma comunidade; c) a independência da esfera pública que opera como um sistema intermediário entre o Estado e a sociedade;

São estes os pilares das democracias liberais. O formato institucional garante igualdade na protecção dos membros de uma mesma sociedade civil, a separação dos poderes legislativo, judicial e executivo, garante a participação política de todos os cidadãos interessados e ainda as liberdades básicas. Este mesmo formato leva à comunhão das diferentes filosofias e correntes do pensamento numa mesma sociedade, ou seja, uma liberdade de expressão igual para todos, que, por sua vez, conduz à participação activa dos cidadãos e à formação da opinião pública. Em Dresden, Habermas alegou que a Teoria Normativa serve de guia para a investigação em determinados aspectos da Ciência Política, pois explica a afinidade entre o liberalismo político e a teoria económica da democracia, bem como o republicanismo e as aproximações comunitárias. Por sua vez, o modelo deliberativo está mais interessado na função epistemológica do discurso e na negociação. O paradigma deliberativo tenta ser um “ponto de referência no processo democrático, gerando legitimidade no processo de opinião” (Ibid 2004: 4), cedendo igual oportunidade de participação. A maior parte das vezes, esta participação acontece através do voto, e como prática democrática, a acção de votar deve, para Habermas, requerer que os votantes tenham em conta que “cada voto conta”. Por seu lado, Habermas considera que a esfera pública/política carece de comportamentos deliberativos e é dominada por um tipo de comunicação mediada, pois faltam-lhe quatro aspectos essenciais: a interacção cara a cara entre os participantes 34

activos desta esfera, uma troca igualitária de opiniões, o poder dos média para realizarem uma selecção das mensagens e até a sua formação, um uso estratégico do poder político e social para influenciar as agendas, estruturando os assuntos do público; 2.2.2 – E a internet?

Enquanto os meios de comunicação tradicionais pecam por não proporcionar uma troca igualitária de opiniões, veiculando o ponto de vista que mais se lhes adequa, tanto a nível económico, social e cultural, a Internet, apresentando-se como um espaço livre, pelo menos deveria introduzir elementos deliberativos, que proporcionassem uma melhor discussão dos assuntos públicos e políticos, proporcionando “um público de leitores e escritores igualitários” (Ibid 2006: 9). Mas, Habermas considera que num contexto liberal, os debates on-line tendem apenas a fragmentar a audiência de massas, num grande número de públicos isolados. Embora a comunicação mediada por computador tenha um evidente mérito democrático: permite maior liberdade de expressão num regime autoritário, que tenha intenções de controlar e censurar a opinião pública. No entanto, e esperando que Habermas o permita, é preciso acrescentar que a Internet se apresenta com uma limitação: o acesso não é igual em todos os cantos do globo, acima de tudo em países menos desenvolvidos ou até mesmo dentro de Portugal, um país considerado desenvolvido, tendo em conta determinadas camadas sociais e faixas etárias. O acesso do idoso de uma qualquer aldeia do concelho de Miranda do Douro, em Trás-os-Montes não é o mesmo que tem um académico em Lisboa. Nem todos têm ainda acesso igualitário aos meios de comunicação de massa, muito menos à Internet. E, aqui reside o seu principal entrave ao favorecimento do modelo deliberativo e à pluralidade de opiniões. Posto isto poderá a Internet ser uma lufada de ar fresco e democratizar a informação? O cidadão comum está tentado a renunciar ao empenho da criação de uma esfera pública democrática. Há a noção de que este deve ser “activo, crítico, capaz de se organizar e de se exprimir com autonomia e autodisciplina”, mas a realidade é que se “adapta por preguiça e hábito aos costumes sociais em vigor” (Ginsborg 2008: 52)

35

Está-se perante uma passividade da esfera pública. O desafio que se lança à sociedade civil é o de encorajar o debate, a tolerância de ideias, a autonomia de opinião e combater o conformismo e a obediência. “Na arena deliberativa os cidadãos são chamados não só a debater entre si ou com os políticos, mas a desempenhar um papel significativo no processo decisório. (…) O método utilizado é o debate (…) numa pluralidade de opiniões (…) e contribuem para se fazer ouvir os cidadãos informados e participantes, e não os isolados, ignorantes e impotentes” (Ibid 2008: 68)

Ginsborg tenta encontrar o problema que está na base de toda esta inoperância da esfera pública actual. Não atribui as culpas à falta de tempo dos cidadãos para participarem na esfera pública, mas sim à “falta de hábito para arranjar tempo” para participar na mesma. O mesmo autor lembra que é preciso transformar em costume, num hábito, a participação na esfera pública, no debate de ideias. Actualmente fala-se já em democracia electrónica, um conceito que não deverá ser desvalorizado, contudo seleccionar a imensa informação que aparece na internet requer tempo, algo que a maior parte da população não tem ou não quer ter. Até que haja empenho da população, o único cenário possível de identificar será o de: “grupos pequenos e distintos de opinion-makers afastados das realidades sociais que chegam com frequência a assumir decisões erradas, que desafiam os desejos de determinados grupos de cidadãos e por vezes de comunidades inteiras” (Ibid 2008: 119)

A Internet questiona esta referência de que a informação é poder, uma vez que oferece, sem qualquer limitação territorial, toda a informação que está disponível na rede, levando possivelmente à sobreinformação. Nos primórdios da internet, este meio foi baptizado como uma ferramenta potencial para uma democracia deliberativa e participativa, mais forte que a democracia representativa, tal qual é conhecida. Daí que tenham surgido, ao início, sinónimos como ciberdemocracia, democracia electrónica, política virtual ou teledemocracia para a internet. É certo que este meio possibilita um maior conhecimento da política e uma maior predisposição do cidadão para votar, mas o modelo de relação muitos para muitos está a ser invadido, também ele, pelo poder económico, tal como já foi o modelo de relação um para muitos, típico dos meios de comunicação de massa. Um modelo onde não existem intermediários e que, na teoria, deveria permitir desenvolver a agenda política e a cidadania. 36

Esta ausência de mediação poderia levar a uma diminuição da abstenção eleitoral, que é uma das maiores ameaças das democracias contemporâneas, mas afinal podem surgir novos intermediários neste canal de informação, com o surgimento de grupos de pressão electrónicos. A Internet é uma estrutura que, a curto prazo, provavelmente será dominada pelos mesmos grupos que já dominam os meios de comunicação tradicionais: grupos de pressão, candidatos e instituições governamentais. Mas, nem tudo é negativo: este meio, ao qual já não se poderá chamar de novo, mas apenas de corrente, possibilita um acesso mais simétrico à informação, onde muita gente pode dispor da mesma informação ao mesmo tempo, e em diferentes lugares. NO ano 2000, a percentagem de internautas era pouco mais do que 5% da população mundial, e 88% dos quais era em países industrializados. Números que levam Maria Díez a frisar que a internet “manterá o poder para uns poucos e será um instrumento crescente de desequilíbrios e desigualdades”. Em 2000, pensava-se que esta nova ferramenta não levantava o receio dos jornalistas e só trazia vantagens no acesso às fontes de informação, pois requeria um maior número de profissionais, e agora? Ainda se pensará o mesmo? Maria Díez refere que se deve aplicar à internet a teoria do public choice, em que os recursos se devem adaptar consoante a demanda, requisição da Opinião Pública geral. Será Possível? Os meios transmitem a vontade da Opinião Pública ou esta recebe aquilo que os meios escolhem? Quem faz a agenda de quem? Habermas apresenta a democracia deliberativa como a solução para os dilemas das democracias contemporâneas, Ricardo Pinto mostra como a democracia participativa, com a chegada da Internet, pode ser um caminho, “o fim anunciado da era da massificação dos média”, que obriga a “repensar os modos de decisão política” (Pinto 2006: 18). Segundo o autor, actualmente vive-se uma fase de passagem entre o paradigma comunicacional de massas e o paradigma comunicacional da individualização, caracterizado pelo surgimento de novas tecnologias e pelo avanço das TIC, com a familiarização de conceitos como: interactividade, personalização, multimédia e convergência. “Oportunidades comunicativas criadas por um leque de Novas Tecnologias da Comunicação, de que a Internet é apenas o rosto mais visível” (Ibid 2006: 19). Ricardo Pinto tenta mostrar que este novo paradigma pode ser uma ameaça para os agentes políticos, habituados a deter um poder das comunicações, ou melhor, dos 37

meios de comunicação, mas também uma janela de oportunidade, uma vez que proporciona uma ligação directa, onde todos são emissores e receptores, sem qualquer mediação. Ou seja, político e eleitor numa relação estreita de influências sem qualquer freio. Este novo paradigma vem ainda permitir atenuar os efeitos controladores dos políticos sobre a agenda dos meios de comunicação. Na democracia representativa notou-se, nestas últimas décadas, um aproveitamento do sistema mediático para “justificar as decisões políticas tomadas em nome de um eleitorado maioritário” (Ibid 2006: 22). Tudo em nome de uma Opinião Pública, bandeira apenas hasteada pelos meios de comunicação de massas.

Opinião Pública que Lippmann tenta desmontar e

que refere como um conceito que tem por base de construção os conteúdos dos jornais, ou seja, é frágil, tendo em conta que os “média produzem pseudo-acontecimentos” (Ibid 2006: 23). Na democracia representativa, a agenda dos média é um reflexo da agenda política, ou o contrário, o que cria ainda uma clara distanciação entre eleitores e eleitos. E qual será agora o cenário com o novo paradigma, com uma democracia directa? Assiste-se a uma maior participação do público na política, por exemplo, através do sistema de voto electrónico, que já tem sido testado em vários países, em inúmeras situações, estando assim a evoluir para uma democracia directa. Ao contrário da comunicação com mediadores, a comunicação interactiva aproxima os eleitores dos eleitos, embora Ricardo Pinto salvaguarde que isso acontece numa fase inicial. “Os média tradicionais perderam o monopólio de divulgação das ideias políticas de partidos e candidatos, que passaram a ter nas plataformas digitais outros canais para atingir os eleitores com as suas propostas e ideias” (Ibid 2006: 26).

E até onde já chega a influência dos grandes grupos económicos? Estará a Internet, apelidada de nova ferramenta, teoricamente mais democrática, a ser já invadida por pressões e controlos, típicos dos meios de comunicação de massa? Não estará também a internet a condicionar a opinião pública? Não haverá meios a filtrarem e a seleccionarem a informação que chega ao internauta? Há já um grupo de investigadores da Universidade de Vigo, na Galiza, em Espanha, que tenta mostrar que sim. Para tal, analisaram o maior motor de busca do mundo, o Google e tentam mostrar a que tipo de informações se tem acesso nesta rede mundial.

38

Desde logo chamam à atenção para a existência do SEM (Search Engine Marketing), um sistema que permite ao cliente posicionar uma determinada página no motor de busca. Uma ferramenta que também já está nas mãos dos partidos políticos, e que “serve para canalizar possíveis eleitores até ao nosso sítio na web”. (Gomez et al. 2006: 105). Que os meios de comunicação de massa estão sob a alçada dos grupos económicos e políticos parece não ser novidade. Em 2002, já Serge Halimi advertia que os média tradicionais eram reverentes ao poder e prudentes perante o dinheiro, lembrando que o primeiro grande critério dos média há muito que não é a verdade dos factos, mas sim os interesses económicos e ideológicos da empresa. Por isso, estes investigadores salientam quatro critérios actuais que valorizam um acontecimento para que se transforme em notícia, ou neste caso, para que seja melhor posicionado num motor de busca. Os valores como a proximidade geográfica e cultural, a relevância e o número de pessoas envolvidas, entre outros, foram substituídos pelas seguintes premissas:

1. Os próprios média já são empresas, que visam a rentabilidade económica; 2. O poder das empresas publicitárias condiciona os conteúdos dos mesmos; 3. a maior parte das fontes são institucionais (governamentais ou empresariais); 4. a auto-censura dos jornalistas que defendem a ordem estabelecida;

Logo, e tendo em conta estes quatro mandamentos, parece claro que o mais banal assunto, sem o mínimo interesse informativo para a população pode ser manchete de um jornal ou abertura de qualquer noticiário de rádio ou televisão. Basta que por detrás do mesmo estejam as pessoas certas. É pois necessário que o comum cidadão tenha a noção de todos estes interesses, que estão escondidos nas informações que lhes chegam diariamente, e das quais devem saber fazer uma selecção. Com a Internet e com o surgimento de espaços gratuitos para a troca de opiniões livres, esperava-se que surgisse um novo modelo comunicativo, com o número de emissores a crescer exponencialmente, e com um feedback incontrolável por parte dos receptores, ou seja, um cenário onde o receptor é altamente activo, contradizendo o actual modelo comunicativo dos média de massa, onde o seu papel se reduz à passividade.

39

Para mostrar que ainda se está longe de conseguir um modelo comunicativo que proporcione esta liberdade de expressão, os autores mostram como conseguem alguns poderes políticos controlar o maior motor de busca do mundo. Por exemplo: - a China, “dentro de uma refinada estratégia de censura na sua rede, sem proibir o acesso à mesma, fez com que o motor de busca impedisse o acesso a sítios proibidos, não mostrando os resultados das pesquisas correspondentes” (Ibid 2006: 108).

Como se pode observar a China não proíbe o acesso completo à Internet, como por exemplo, acontece em alguns países como a Coreia do Norte, onde a internet se restringe apenas a algumas elites e não está à disposição de toda a população. O governo chinês restringe vários sítios, nomeadamente aqueles que estejam contra as políticas do governo e contra a cultura do povo chinês. Tome-se como exemplo a última edição dos Jogos Olímpicos e a polémica que foi gerada em torno do assunto, quando vários jornalistas se queixaram que o seu acesso ao sítio de internet da Amnistia Internacional tinha sido barrado. Além disso, o governo chinês promove também um clima de autocensura junto da população, apelidando os infractores de ciberdelinquentes. Mas, como se justifica a submissão a este controlo por parte das empresas multinacionais? “É especialmente preocupante que empresas como Yahoo o Google se prestem a entrar neste jogo, apenas à procura do benefício económico.” (Ibid 2006: 108). Nas sociedades democráticas como não há qualquer impedimento no acesso da sociedade à informação que está contida na rede mundial, a selecção, a censura dos conteúdos da internet acontece, em muitos casos, pelos próprios motores de busca, à procura da satisfação dos seus interesses pessoais, dos seus patrocinadores, nomeadamente, políticos e económicos. Já se assiste à formação de empresas à volta do motor de busca Google, para venderem o posicionamento dos sítios de internet, o que por si só permite quebrar o tão auspicioso espírito democratizante que este novo meio trouxe aquando do seu aparecimento. “Naturalmente esta questão desvirtua, de certa forma, o espírito democratizador que caracterizava a filosofia de um motor de busca, mas também permite que estejamos, nos últimos tempos, perante um fenómeno fascinante: o google booming12, ou uma forma de cibergraffiti.” (Ibid 2006: 110). 12

Google Booming – um dos principais critérios de posicionamento de uma página internet no motor de busca google, bem como o número e a importância dos seus cruzamentos. Quando um número elevado de internautas decide colocar uma determinada página em primeiro lugar no seu motor de busca, para um determinado termo. Por exemplo: ao colocar a palavra “política” no motor de busca, o primeiro link para

40

Em relação à política em si, esta possibilidade do Google Booming pode ser bastante apetecível. Em Espanha, por exemplo, já foi feita uma observação deste tipo de situações. Ao colocar a palavra Aznar no motor de busca, o primeiro link que apareceu foi “aznar.net”, uma página de conteúdo sarcástico ao PP (Partido Popular). Esta ferramenta é já encarada como uma forma essencial para chegar a determinados sectores públicos, porque: “uma pessoa preocupada com o terrorismo, que use um motor de busca para informar-se, encontre nos primeiros resultados, se não mesmo no primeiro, a página web do nosso candidato, onde se explicam as medidas que tomará contra o terrorismo.” (Ibid 2006: 116).

Ao ser colocada uma palavra ou expressão num motor de busca, torna-se crucial quando um indivíduo está indeciso em relação à sua escolha política nas próximas eleições, pois basta que a pesquisa que faz o conduza a um sítio de um político ou de um partido e lá encontre possíveis soluções para o seu problema. Razões que levam a crer que a “internet é um terreno de luta eleitoral consolidado” (Ibid 2006: 117). E se até a internet é um local de disputa política consolidado, onde a própria Opinião Pública pode já ser condicionada, dúvidas não restam de que o modelo mais tradicional de comunicação, de massa, não é livre, forma uma Opinião Pública condicionada, sobretudo pelas forças que dominam os meios de comunicação social.

2.3 - A comunicação de massa e a formação da opinião pública

No seio da esfera pública surgem deliberações formalmente organizadas e pensadas, mas também as informais, nas trocas diárias, no cara a cara. Segundo Habermas, há uma evidência empírica quanto ao impacto da deliberação no processo de tomada de decisão. Isto tanto nas legislaturas nacionais como nas instituições políticas. Há uma discussão dos assuntos políticos entre os cidadãos, no dia a dia, se bem que Habermas não explicita que a visão política que os cidadãos têm de um determinado assunto já está seleccionada e marcada com o cunho, ou o poder, dos meios de comunicação de massa. A sociedade é apresentada em Dresden, por Habermas, como um conjunto de arenas, especializadas. Do sistema político fazem parte instituições como o parlamento, os tribunais, as agências administrativas e o governo. A cada uma corresponde depois um sítio que aparece é o de…, embora não tenhamos analisado este caso em concreto, é provável que este posicionamento em primeiro lugar do… não seja aleatório.

41

uma

função:

decisões

legislativas,

programas políticos,

veredictos,

medidas

administrativas, etc., dependendo do diferente tipo de deliberação institucionalizada e também do processo de negociação. Mas, este sistema político é apenas um dos vectores sociais que influenciam a formação da opinião pública, porque a sociedade, ou melhor, a esfera pública está enraizada num conjunto de mensagens, notícias, comentários, imagens com um conteúdo informacional, que podem vir dos mais variados agentes sociais: “políticos, partidos políticos, lobistas, grupos de pressão ou actores da sociedade civil”. (Habermas 2006: 11). O mais interessante é que estes actores/agentes sociais são, na grande parte das vezes, seleccionados pelos profissionais dos meios de comunicação de massa, tal como acontece com as mensagens. Este ponto de vista acaba por ser um contra-senso àquilo que é esperado da deliberação como elemento essencial do processo democrático, onde esta deve exercer três funções: 1. Mobilizar e conciliar as diferenças relevantes, requerendo informação e especificando as interpretações; 2. Processar cada uma das informações fluentemente, tendo em conta cada um dos argumentos que são a favor ou contra; 3. Gerar atitudes motivadas que determinem uma decisão correcta; De uma forma resumida, o modelo deliberativo espera que a esfera pública assegure a formação de opiniões variadas, o que seria um modelo com legitimidade democrática, numa interacção completa entre o Estado e o meio social envolvente. Mas, nesta mesma sociedade, mediando comunicações entre Estado e Sociedade Civil estão os meios de comunicação e os seus profissionais que, segundo Habermas, produzem um discurso de elite e mal alimentado por aqueles que lutam para influenciar os média. O discurso dos média é, muitas vezes, influenciado por quem os domina, como os grandes grupos económicos e políticos. “Com efeito, o facto de praticamente todos os grandes órgãos de informação, quer se trate da imprensa, da rádio, da televisão e do online, pertencerem a grandes grupos económicos, define uma realidade que decisivamente condiciona as funções sociais dos media e os próprios contornos do panorama mediático nacional” (Correia 2006: 87-88).

Esta definição de Fernando Correia expressa como os média estão condicionados e não proporcionam da melhor forma o modelo deliberativo.

42

Habermas considera que o poder não é legítimo por si. Por isso, estabelece a distinção entre três tipos de poder: 1. Poder Político – aquele que requer legitimidade, pois de acordo com o modelo deliberativo de democracia, o processo de legitimação deve passar pela esfera pública, que detém a capacidade de criar as opiniões públicas; 2. Poder Social – Depende sempre da posição pessoal dentro de uma sociedade estratificada; dentro deste poder, o sub-poder económico é o mais importante, como aliás é focado em A Condição Humana, de Hannah Arendt, quando aborda a ascensão da esfera social em detrimento da esfera pública e privada. O sistema social exerce poder sobre o sistema político e o mesmo pode ser dito do impacto político dos agentes que surgem na sociedade civil, tais como grupos de interesse geral, comunidades religiosas, ou movimentos sociais. Estes agentes sociais não detêm o poder propriamente dito, no sentido restrito do termo, mas exercem influência política, a que Bourdieu chama de visibilidade, reputação e status social.

3. Poder dos mass media - um poder baseado nas tecnologias de comunicação de massa. Aqueles que trabalham nos sectores politicamente relevantes do sistema interno dos média, como “Repórteres, colunistas, editores, directores, produtores e publicitários”. (Habermas 2006: 18), não podem mas exercem poder porque são eles que seleccionam os conteúdos políticos relevantes e interferem na formação da opinião pública e na distribuição de interesses. O poder dos média é usado na escolha da informação, no formato e estilo dos programas, bem como no efeito do Agenda-setting, e ainda no destaque que é dado no tratamento de determinados assuntos. O poder dos media nunca é inocente, pois apesar de muitas vezes não ser percebida a sua influência, o papel que os meios de comunicação desempenham na formação da opinião pública é relevante. A independência dos mass media é relativa, o que leva a uma mudança na sua verdadeira função social, como defende Fernando Correia. O investigador português considera que “em geral, os grupos encaram a informação não como um bem social mas como um negócio”, e por isso investem, ou não, em determinado ponto de vista, com um só objectivo “o lucro, ao qual diríamos que por inerência, se junta o poder da influência social” (Correia 2006: 111).

43

Apesar do poder dos média ser utilizado pelos grandes grupos económicos e políticos, também há o reverso da medalha. Os governos, bem como todos os agentes sociais não têm controlo sobre como os média vão interpretar e, consequentemente, apresentar as suas mensagens. E, depois, não sabem ainda como os diversos públicos as vão receber, entender e reagir. Mas, Habermas vai mais longe e considera que cada um dos membros que compõem a esfera pública, ou seja, cada indivíduo detém, aparte de todos estes poderes e influências, a capacidade de saber seleccionar e contribuir para a mobilização dos assuntos relevantes, como de factos e argumentos. Habermas considera que cada indivíduo tem uma capacidade crítica e que não se deve limitar à agenda e à mensagem definidas pelos meios de comunicação de massa, que têm como base uma ideologia política, económica ou social. Tudo seria mais fácil se estivesse mais desenvolvido o processo de autoregulação dos meios de comunicação, mantendo assim a sua independência, ao ligar a comunicação política com a sociedade civil, no seio da esfera pública. E, se a sociedade civil concedesse aos cidadãos o poder de participar e responder a um discurso público, aberto a sugestões e intervenções dos restantes participantes na esfera pública, mas está longe de ser o que se passa, sobretudo na comunicação política. Como

exemplo

destes últimos argumentos que foram desenvolvidos

anteriormente, apresentam-se os discursos da Casa Branca, nos Estados Unidos da América, em 2003, aquando da invasão do Iraque. A manchete “Combate ao terrorismo”, do presidente Bush, não mereceu qualquer contraponto por parte da imprensa norte-americana e internacional, não houve por parte dos média qualquer oposição, difusão de uma opinião contrária. Habermas considera que uma imprensa responsável ter-se-ia “prevenido dos média populares com mais notícias seguras, com alternativas através de outros canais de informação, de agenda-setting” (Habermas 2006: 23). Os problemas na independência eleitoral ocorrem quando os detentores privados de um “vasto império mediático” desenvolvem ambições políticas e usam este mesmo poder para adquirirem influência, como é o caso de Sílvio Berlusconi, em Itália. Mas, também de alguns grupos de interesse, se bem que estes ainda não estão a utilizar este poder dos média na totalidade. Tal como fez Berlusconi em Itália, vários empresários em todo o mundo, detentores de meios de comunicação de massa privados, que são acima de tudo empresas comerciais, utilizam o seu poder económico para converter os meios de 44

comunicação numa clara influência pública e política. Quando em Portugal se falou na privatização da RTP 2, Fernando Correia cita Paes do Amaral, num seu artigo, publicado no Diário de Notícias, onde este dizia que “os média são um negócio. É assim que os vejo e, estou certo, Pinto Balsemão também.” – E, que exemplo concede Paes do Amaral. Francisco Pinto Balsemão foi o criador da primeira estação televisiva privada de Portugal, a SIC, e em 2009 é já detentor de um vasto império mediático. Para não falar nas suas ligações políticas ao PSD, um dos maiores partidos políticos nacionais. Tudo porque os média têm duas particularidades que os negócios não têm: influência e poder. “É perfeitamente natural que existam lobbies político-económicos interessados em comprar uma televisão. São lobbies que não está interessados em ganhar dinheiro. Têm outras razões, querem influência…” (Correia 2006: 48).

Cada vez mais hoje “a informação e a comunicação constituem terreno privilegiado para uma imensa luta ideológica e um confronto de interesses de vária natureza” (Ibid 2006: 49)

Para uma total legitimidade democrática da esfera pública é necessário que os cidadãos dêem voz aos problemas da sociedade e que os discutam sem influência de terceiros. Contudo, a privação social e a exclusão cultural dos cidadãos explica o acesso seleccionado e uma desigual participação, bem como a colonização da esfera pública pelas regras do mercado, que levam à paralisação da sociedade civil. Habermas considera que já é do senso comum sociológico que o interesse pelos assuntos públicos e a utilização dos poder dos média está relacionado com o estatuto social e a bagagem cultural do indivíduo. José Pisarra Esteves, em O Espaço Público e os Media mostra ainda de forma mais esclarecida como os meios de comunicação estão dominados pelo poder do mercado e pelo poder político, condicionando assim a formação de uma opinião pública legítima. Segundo este professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa (Portugal), o dinheiro e o poder, desde Niklas Luhmann que são encarados como os dispositivos centrais da regulação. O Estado e o mercado influenciam, cada vez mais, a comunicação pública que, por sua vez, está “vassalada pelo media e sucessivamente mais divorciada da política” (Esteves 2005: 16) À política cabe uma posição cada vez mais marginalizada. A política perde, de dia para dia, o seu 45

papel de formação da vontade e da participação cívica. Acrescenta ainda que os meios de comunicação estão a perder o seu carácter público e racional, da forma que estão a deixar manipular-se, proporcionando a contenção de opiniões diferentes. Um facto que, segundo o autor, conduz à exclusão social. Às agendas dos média é pedida eficácia e legitimidade. Mas como é possível com o domínio económico e político? Esteves considera que estas duas orientações (a eficácia e a legitimidade) estão “conjugadas segundo uma combinatória tanto quanto possível equilibrada em termos de abertura às diferentes vozes sociais e fechamento enquanto orientação das discussões públicas num sentido deliberativo” (Ibid 2005: 18).

Todavia, há um completo desequilíbrio entre estes dois princípios que leva àquilo que se pode chamar de “Crise no Espaço Público”. Peter Dahlgren utiliza conceitos como Infomercial e Infotainement para caracterizar os discursos dos média, onde as linhas orientadoras que nos permitem distinguir entre informação, entretenimento e publicidade tendem a diluir-se. Os média têm hoje um papel ambivalente no Espaço Público, porque são ao mesmo tempo dispositivos de controlo e também de resistência social. São ameaçadores e não construtores do espaço público. “A força dos media que a noção de quarto poder sugere, corresponde a uma representação política do Espaço Público ao mais alto nível” (Ibid 2005: 26).

A sociedade está perante um quarto poder que atravessa o Espaço Público, mas que já não o representa e muito menos está sujeito ao seu controlo. Não são as várias opiniões que detêm o controlo dos meios de comunicação, mas sim estes que veiculam as opiniões, quase sempre influenciadas por quem os detém, o mercado e a política. Porém, como e o que é que seleccionam os média as mensagem que transmitem? É isso que se tenta perceber no subcapítulo seguinte. De que forma a agenda condiciona, ou não, a Opinião Pública.

46

3. Agenda-setting e Opinião pública

“Se os media não nos dizem nada acerca de um tópico ou de um acontecimento, então, na maioria dos casos, ele existirá apenas na nossa agenda pessoal ou no nosso espaço vivencial” (Traquina 2000: 21).

Para analisar a forma como os meios de comunicação de massa influenciam a opinião pública, Mauro Wolf, em Teorias da Comunicação, sugere que se analise sempre a comparação entre as agendas dos meios de comunicação e a agenda do público, ou seja, o fornecimento dos assuntos que são debatidos no espaço público, entre a sociedade civil. O pai do Agenda-setting, Maxwell McCombs considera que o poder dos novos média em construírem, por exemplo, a agenda de uma nação é enorme e constitui uma notável influência. Os meios de comunicação, ao escolherem os temas que vão destacar, estão a formular a agenda do público, pois será acerca dos temas escolhidos que incidirá o debate no espaço público, e estes serão a base da formação da Opinião Pública. Tendo em conta que as primeiras imagens que são dadas acerca de um determinado assunto vêm dos mass media, aquilo que é pensado da realidade é baseado naquilo que os média decidem contar. Pressupõe-se que as prioridades dos média passem também a ser as prioridades do público. Entenda-se como exemplo o caso Maddie McCann. O rapto da criança inglesa, na Praia da Luz, no Algarve, em Maio de 2007. Um caso que, se não tivesse sido alvo de tão vasta cobertura noticiosa, nunca teria passado de mais um caso de rapto isolado, como aqueles que acontecem diariamente em todo o mundo, do qual apenas alguns habitantes da Praia da Luz teriam conhecimento, os seus familiares e, claro, as forças policiais. O facto de o assunto ter sido colocado enfaticamente na agenda dos média levou a que nos meses seguintes ao desaparecimento da menina inglesa o assunto fosse de destaque em todos os noticiários nacionais, sendo muito falado no dia-a-dia dos portugueses. A agenda dos mass media condicionou a agenda do público. Já para não falar nos julgamentos mediáticos criados à volta do tema. “Os elementos prioritários da agenda dos média tornam-se prioritários na agenda do público” (McCombs: 2). Em 2007, em Portugal, três casos marcaram a agenda dos meios de comunicação e, consequentemente, a agenda do público. Em discussão na praça pública, invocando muitas vezes a Opinião Pública estiveram casos como “Esmeralda” e “Apito Dourado”. Imagine-se o Euro 2008 sem qualquer acompanhamento ou cobertura noticiosa. Simplesmente poucos falariam no assunto. 47

Porém, McCombs fornece dois exemplos mais ligados ao campo político. O primeiro consiste no acompanhamento ao longo de um mês das eleições presidenciais nos Estados Unidos da América, em 1968. As respostas da população inquirida reflectiam a cobertura noticiosa que tinha sido feita acerca do assunto, nos meses anteriores, mostrando a selecção elaborada pela imprensa. Depois deste estudo, mais de 300 outros provaram esta influência dos meios de comunicação, através do cálculo do número de temas em agenda nos média e o seu consequente aparecimento nas agendas pessoais. Na maior parte dos estudos foi provada uma correlação de temas em cerca de 50%, o que reflecte uma influência substancial. Mais tarde, o próprio McCombs realiza outro estudo por um período mais alargado de tempo, durante as eleições presidenciais nos Estados Unidos da América, em 1976. Mais uma vez foram encontradas evidências fortes de similaridade entre a agenda dos meios de comunicação e a do público. Desta vez em mais de 78%. O Agenda-setting não se limita a este passo inicial de focar a atenção do público num assunto em particular. Os média também influenciam a forma como se entende e se apercebe um determinado assunto que é notícia. Ou seja, não só colocam o assunto em agenda, como também condicionam a forma como se pensa esse assunto, a forma como é debatido, uma vez que apenas concedem o seu ponto de vista, que pode ser o ponto de vista de um qualquer líder que os domina. Considere-se que os itens em agenda são objectos. Estes objectos que têm que ser discutidos tornam-se assuntos públicos. Por exemplo, durante uma campanha política, apenas são públicos os objectos que são escolhidos pelos candidatos e colocados nas suas agendas políticas. São estes objectos que serão o centro das atenções, quer dos média, quer do público. Depois, estes terão atributos, que também são discutidos pelos mesmos meios de comunicação e pelo público, que depois serão, ou não, enfatizados. Uns recebem mais ou menos atenção, quer pelos média, quer pelo público, enquanto outros serão completamente negligenciados. McCombs mostra que as imagens que são retidas pelo público acerca de determinado político, durante uma campanha política, são o mais óbvio exemplo desta particularidade do Agenda-setting. Dá como exemplo (McCombs: 3) as eleições regionais em Espanha, em 1996, onde na província de Navarra a descrição dos três maiores líderes políticos correspondia à representação que os meios de comunicação faziam dos mesmos. Há que salientar que embora a influência dos meios de comunicação na definição da agenda do público seja substancial, os atributos que os média dão a 48

determinado assunto estão longe de serem os únicos factores que a determinam. Nunca podem ser esquecidos os princípios democráticos, pois o público tem toda a liberdade para determinar quais os assuntos que são de sua importância ou não, dos quais está dependente o curso da Nação, do Estado ou das comunidades locais. Segundo McCombs, os média apenas determinam a agenda quando o público considera que esse assunto é importante. Os meios de comunicação podem trazer, e trazem todos os dias, vários assuntos à antena, mas apenas alguns são marcantes para o público e fazem depois parte das suas discussões e comentários diários. Veja-se o exemplo do caso de Mónica Lewinsky (com Bill Clinton), onde os norte-americanos simplesmente rejeitaram a relevância do escândalo, talvez porque Clinton já tivesse uma determinada imagem construída pelos mesmos meios de comunicação que, com este caso, tentaram destruí-la. Mas, este aspecto não é estudado e desenvolvido por McCombs. A presença ou não de Agenda-setting pode ser explicada por uma característica psicológica ou uma necessidade de orientação.

3.1 - Consequências do Agenda-Setting na Opinião Pública

As consequências da influência massiva e as suas dimensões ainda estão a ser estudadas. Contudo, sabe-se que a importância dada a determinados assuntos pelos meios de comunicação social está interligada com a formação de opiniões de um determinado auditório. Ao valorizar certos assuntos em detrimentos de outros, as notícias e, acima de tudo as televisivas, influenciam a forma como governos, presidentes, partidos políticos, polícia, etc. são vistos e julgados pelo público em geral. Também o facto das pessoas não terem capacidade tudo ver, ler e ouvir, e absorverem todas as informações leva a que se prendam aos destaques e às notícias que recebem mais atenção por parte dos meios de comunicação. Aliás, há muita gente que ao formular juízos apenas se baseia na sua intuição e na hora de julgar e escolher, vai ter em conta a agenda, os objectos e os atributos que tem em mente. “Uma agenda que está, em grande parte, moldada pelos meios de comunicação de massa” (Ibid: 12). O volume de exposição aos mass media também é preponderante para analisar o efeito do Agenda-setting. Quanto maior for essa exposição, mais facilmente os indivíduos serão influenciados na sua tomada de posição quanto a um tema/assunto. McCombs tenta provar ainda que o Agenda-setting pode levar a uma mudança de comportamentos. E, para isso, dá como exemplo a cobertura noticiosa que foi feita 49

dos crimes e violência na Universidade da Pensilvânia, que levou a uma diminuição considerável do número de alunos inscritos no primeiro ano e no ano lectivo seguinte. Acima de tudo, uma diminuição que se sentiu mais no sexo feminino. Facto que poderia levar a outro estudo, acerca da influência ou susceptibilidade na exposição à agenda dos média, entre homens e mulheres. Perante determinada notícia, em qual dos sexos o Agenda-setting surte mais efeito? McCombs acrescenta ainda que outras universidades viram o seu número de candidatos aumentar – exemplo de como os média tradicionais influenciam os comportamentos. Já se viu aqui que o efeito de Agenda-setting estabelece/escolhe os temas que vão estar em discussão na opinião pública, numa primeira análise. Mas vai mais além: cria imagens na mente do público acerca de determinado aspecto e consegue influenciar comportamentos. Daí que o mesmo possa acontecer nas intenções de voto, em dia de eleições. Mesmo nos países que vivem em democracia, as ideias são influenciadas e condicionadas quando há, democraticamente, a liberdade de escolha. Até que ponto é esta democracia legítima? Exercer o direito de escolha e de voto é bem mais complexo do que colocar uma cruz neste ou naquele representante. Há todo um jogo de interesses por detrás das informações e comunicações que entram, todos os dias, nas casas dos cidadãos, no trabalho, na rua, no metro, etc. Habermas pede uma maior participação dos cidadãos no exercício do seu direito, o de participar activamente na esfera pública, o de debater ideias e conceitos que, todos os dias são lançados (descontextualizados) para a arena pública. Mas, como fazê-lo quando os próprios meios de comunicação não revelam interesse por assuntos que não vendem. O cidadão vê-se hoje obrigado a discutir no seu dia-a-dia assuntos que lhe são fornecidos pelos meios de comunicação, considerados de importância para estes, ou para quem os domina. Abordando esta questão das democracias deliberativas e do Agenda-setting percebe-se que toda a realidade social é construída e que a imagem que é formulada acerca do mundo está fragmentada, como peças de um puzzle desencontradas. Os média, outrora encarados como os grandes impulsionadores do espaço público, começam hoje a ser vistos como uma ameaça, devido ao seu domínio e controlo por grandes grupos económicos. A economia, fazendo parte da esfera social acaba, como diz Arendt, por absorver determinados aspectos das esferas privada e

50

pública. E, no caso do espaço público fá-lo condicionando os temas que estão em discussão. Basta que para isso se tome como exemplo a panorâmica nacional, onde nos noticiários as figuras institucionais acabam sempre por ser as mais representadas, em detrimento das vozes anónimas. Na simples notícia da abertura de uma estrada que liga duas freguesias, falam os presidentes de Junta, em detrimento daqueles que podem, verdadeiramente, avaliar as (des)vantagens da obra. Ou por exemplo, nas últimas eleições europeias de 7 de Junho de 2009, em que se tornou público o desagrado do MMS (Movimento Mérito e Sociedade) em relação ao facto de os meios de comunicação social nacionais não referirem a existência do movimento nas sondagens. E porque não o mencionaram? José Pissarra Esteves diz mesmo que estas vozes apenas conseguem captar a atenção dos média se se mostrarem “através do recurso a encenações públicas especificamente dirigidas aos media” (Esteves 2005: 32), por exemplo, o mesmo partido apenas foi notícia para as legislativas de Setembro 2009, no distrito de Bragança, quando fez campanha de bicicleta, tendo sido este o mote da notícia e não as suas ideias programáticas. A democracia deliberativa surge como resposta à transformação do espaço público e pretende bloquear a possibilidade do poder económico se transformar em influência política, sempre no contexto dos média. Na democracia deliberativa existe a permissão para que o público forme a sua opinião, tendo como oposição a influência do poder político que “apenas pretende extorquir do espaço público a lealdade de uma população reduzida a massa” (Ibid 2005: 35). Mas, esta revitalização política dos espaço público não esquece, nem pode, os meios de comunicação e o seu poder, acima de tudo, no processo de construção da agenda política. Recuperando a ideia de McCombs, de que a agenda mediática não só influencia a agenda do público, como também a sua forma de pensar e de agir, é pertinente que se desenvolva o conceito de Espiral do Silêncio, de Neumann, pois afinal no seio de uma Opinião Pública conformada e passiva, pode haver pontos de discórdia que, pelas mais diversas razões, se remetam ao silêncio.

51

4. Espiral do Silêncio: a teoria e a história “Há um facto que pode baralhar os estudos eleitorais. Os discursos de Santana Lopes colocaram o seu eleitorado “natural” contra as sondagens. É natural que esse eleitorado, quando questionado pelas empresas de sondagens, não responda ou diga que se vai abster. A este fenómeno chama-se “Espiral do Silêncio” e, quando é significativo, pode afectar seriamente as sondagens” – Ricardo Costa, editor de política da SIC, em siconline.pt, 16 de Fevereiro de 2005.

A Teoria da Espiral do Silêncio despertou interesse nas Ciências Sociais quando foi apresentada pela primeira vez, em 1972, por Noelle-Neuman. No entanto, desde então, têm surgido várias ideias erradas e noções falsas acerca da mesma, que nunca é demais esclarecer. Falsos mitos que surgiram, pela primeira vez, com a publicação da teoria no Journal of Communication, em 1974. George Gerbner, editor deste mesmo jornal, chegou a dizer que o ideal de uma teoria tão complexa como esta nunca poderia ser completamente apresentado num artigo de journal. Contudo, pode-se considerar que o núcleo duro desta teoria consiste no argumento de que as pessoas que têm uma opinião inferior (em número), um ponto de vista minoritário, tendem a cair no silêncio ou no conformismo, perante a Opinião Pública geral. “Tendem a cair no silêncio e a conciliar os seus pontos de vista com o público” (Kaid 2004: 339). Contudo, Noelle Neumann e Thomas Petersen consideram ser necessário ir mais longe e não deixar este argumento colocado de forma tão simplista. É necessário entender como a opinião pública interfere com o comportamento das pessoas. Todos os teóricos que entendem a opinião pública como o resultado de um “comportamento colectivo inconsciente” (Ibid 2004: 34, que é incompatível com o regime democrático e com a noção de independência individual, têm dificuldade em entender e aceitar a noção de Natureza Social do Homem. John Locke, que preferia defender que a relação entre a lei divina e a lei civil dá lugar a uma outra lei tripartida: opinião, reputação e estilo. A desaprovação do meio envolvente a uma pessoa aparece, segundo Locke, como uma punição para quem infringe esta lei da opinião, que acaba por ser bem mais temida que a punição divina ou civil. Locke acaba por ser vítima das suas próprias ideias, pois estas eram defendidas por uma minoria e por isso desaprovadas. Em meados do século XVIII, Jean Jacques Rousseau vem acrescentar que o Homem, sendo um ser em sociedade, está sempre orientado a partir do exterior e adquire sentimentos de existência, através da percepção que tem daquilo que os outros 52

pensam de si. Uma ideia que pode ser um acrescento fundamental ao que chamamos hoje Espiral do Silêncio, uma vez que a maioria dos indivíduos de uma sociedade que não pronunciam a sua opinião com medo de represálias, fazem-no, acima de tudo, com medo daquilo que os outros possam vir a pensar de si. Ou seja, antes mesmo de atingir o isolamento pelo silêncio devido a um ponto de vista minoritário, o ser humano realiza este exercício mental. Tenta perceber o que os outros vão ficar a pensar se partir na defesa de determinada opinião. Rousseau considerou ainda que cada indivíduo trava uma batalha interior entre a sua natureza individual, (a satisfação das suas necessidades, dos seus interesses), e a natureza social, (a necessidade de ser reconhecido e respeitado pelos outros). O problema está em conciliar as duas naturezas. Também Mead, nos finais do século XIX, inícios do século XX, tentou contribuir para esta noção de Natureza Social do Homem. Ao descobrir a Interacção Simbólica, Mead descobriu também o estado interior – onde cada indivíduo imagina o que os outros dizem ou pensam de si, e como o vão julgar perante determinada atitude ou tomada de posição. Agora, Interacção Simbólica não pode ser confundida com empatia. Este processo social não consiste na ideia de entender melhor o outro, mas sim na “habilidade com que os outros vão reagir” (Ibid 2004: 343). Mais tarde, depois de Mead ter sido ridicularizado pelas suas ideias, surge Erving Goffman, psicólogo clínico, que trabalhava com doentes do foro psiquiátrico, nomeadamente com as suas expressões faciais, as suas aparências externas. Descobre que estes tentam ajustar a sua aparência e o seu comportamento para que pareçam normais, melhor, para que sejam reconhecidos como tal. Segundo este investigador, quanto mais anónimo é o público, maior é o medo de exposição do doente psiquiátrico. Mais um exemplo que vem mostrar que, no dia-a-dia, por vezes até inconscientemente, o cidadão adequa as nossas opiniões à maioria só para não ser discriminados, com o receio daquilo que os outros possam vir a pensar. Tentar, no seio de um grupo, fazer-se parecer normal. O ficar embaraçado numa determinada situação é também, sem dúvida, um indicador de medo do isolamento, de reprovação social. Há, por isso, autores que defendem que o comportamento humano está sujeito a um tipo de controlo pessoal interior, mesmo antes de entrar em cena o já falado controlo social. Uma situação pode ser constrangedora quando se vão contra as regras impostas por um grupo, quando se diverge do consenso social (opinião maioritária), mesmo antes de haver uma pressão social exercida pelo colectivo. Mesmo antes de um grupo saber que a determinada 53

opinião é desviante da maioria, já interiormente o indivíduo está em conflito. Precisamente o que descreveu Mead na Interacção Simbólica – o sentimento de imaginar aquilo que os outros podem vir a pensar e como é que vão agir. “A Teoria da Espiral do Silêncio pode ser entendida como apenas uma luz desta constelação de ideias” (Ibid 2004: 347). É apenas uma luz em toda a investigação que ainda há a percorrer acerca da Natureza Social do Homem. No entanto, há conceitos como “pressão para o conformismo” e “medo do isolamento”, que são essenciais. Entre outras coisas, os homens têm uma natureza social que lhes causa medo de isolamento, o que os influência substancialmente no seu comportamento. Esta teoria não pretende ser um ideal teórico, também porque não é estática e porque não se baseia num pensamento teórico. É mais um puzzle de ideias que se cruzam e se completam e ao qual pode sempre ser acrescentado mais uma peça. Trata-se de um puzzle de ideias que está, muitas vezes, interligado com as campanhas eleitorais, que já foram alvo de estudo da própria Noelle-Neumann. Segundo a autora existem treze princípios da teoria: 1. Medo da rejeição por parte do grupo; 2. Monitorização dos comportamentos, de forma a observar quais são os aprovados e os reprovados socialmente; 3. Há gestos e expressões que, sem fala, expressam a aprovação ou não de determinada ideia ou comportamento; 4. Tendência para não expressar a sua opinião publicamente quando há possibilidade de rejeição, objecções ou desdém; 5. Quando se conclui que a opinião é aceite, a tendência é expressá-la com convicção; 6. O falar livremente de determinado ponto de vista reforça ainda mais a ideia de isolamento, por parte daqueles que defendem a opinião contrária; 7. Apenas ocorre nas situações em que há uma questão moral forte – é a componente moral que dá poder à opinião pública; 8. Só questões controversas podem despoletar a Espiral do Silêncio; 9. Nem sempre o ponto de vista mais forte é o defendido pela maioria da população e há o medo de o admitir publicamente; 10. Os meios de comunicação de massa podem influenciar, e muito, o processo da Espiral do Silêncio, quando numa questão moral tomam determinada posição e exercem influência no processo; 54

11. As pessoas não se apercebem do medo dos outros e da questão do isolamento; 12. A Opinião Pública é limitada no tempo e no espaço – a Espiral do Silêncio apenas se verifica durante um período de tempo limitado; este processo tende também a ser limitado pelas fronteiras geográficas e culturais; 13. A Opinião Pública serve como instrumento de controlo social, mas também de coesão social; 4.1 – Espiral do Silêncio e a Teoria da Opinião Pública

Tal como a Teoria da Opinião Pública, a Espiral do Silêncio tem sido testada empiricamente nas últimas décadas. O primeiro erro assumido nas investigações é o de tentar quase sempre ligá-las apenas ao tratamento de dados estatísticos. Para analisar a Teoria da Espiral do Silêncio é necessário recolher a informação suficiente para que se possa identificar e comparar os apoiantes e opositores de determinado assunto, bem como observar o Clima de Opinião, ou seja, aquilo que a população considera que é a opinião forte, e se este o continuará a ser, ou não, no futuro. Já em relação aos indivíduos, ao analisar a Espiral do Silêncio, há que ter em conta a vontade e a capacidade que cada um tem para defender determinada posição e relatá-la em público, e ainda tentar perceber o seu grau de emoção na defesa de determinada questão. Finalmente, deve ser ainda realizado um esforço para identificar a intensidade da abordagem dos média a esse mesmo assunto.

4.2 - Caso Esmeralda – o pequeno exemplo

Em Janeiro de 2003, Baltazar (pai biológico de Esmeralda) sabe, através do teste de ADN que tem uma filha e reclama a sua paternidade. A 13 de Julho de 2004, o tribunal Judicial de Torres Novas decide atribuir-lhe a paternidade da criança, mas já Luís Gomes, conhecido no caso como O Sargento, e a mulher, tinham iniciado na Segurança Social um processo de confiança judicial, uma vez que a mãe biológica da criança, Aidida, lhes tinha dado a filha, com apenas três meses, por falta de posses. A 16 de Janeiro de 2007, Luís Gomes recusa entregar Esmeralda ao pai biológico, contrariando a decisão do Tribunal Constitucional de Coimbra e é condenado 55

por sequestro. É, por esta altura, que a história assume o seu clímax nos meios de comunicação nacionais, desde jornais, rádios, revistas, televisões e passa a ser tema principal na ida para o trabalho, no café e ainda debatido em escolas e universidades. Um só caso marca a actualidade nesta altura: caso Esmeralda. Na Internet surgem centenas de blogs pessoais, que partilham opiniões acerca desta questão, quase todos eles, defendendo a opinião maioritária e, neste caso, também a opinião da maioria, senão totalidade, dos meios de comunicação social portugueses. Petições, habeas corpus, abaixo-assinados de apoio ao sargento e à família adoptiva surgem um pouco por todo o país. Apresentadoras de televisão reiteram perante as câmaras que tamanha injustiça jamais foi vista em Portugal e que os juízes devem dar a volta à lei, de forma a salvaguardar o bem-estar psicológico da criança. No ecrã vêem-se psicólogos, médicos, políticos, desportistas, convidados dos mais variados programas a apoiar e a suportar a ideia de que nada havia de mais errado do que entregar a Esmeralda ao pai biológico. Durante o tempo em que todo este processo se desenrolou, e continua a desenrolar, embora agora com menos atenção por parte dos meios de comunicação, porque outros casos vieram à praça pública, como o de Alexandra, a menina russa que também foi dada à mãe biológica, sob ordem to Tribunal de Guimarães, foi esquecida a minoria, aquela que partilha uma opinião diferente. A Opinião Pública esteve e está marcada pela posição dos meios de comunicação e caíram no silêncio todos aqueles que pensaram um dia de forma diferente. A isto se chama Espiral do Silêncio. Para tal observe-se que, no dia 21 de Janeiro de 2007, o próprio director do Jornal de Notícias, José Leite Pereira, na sua crónica habitual disse que a “justiça [é] cega mas injusta”. O dirigente de um jornal vem a público dizer, e referindo-se ao sargento (pai adoptivo) que: “convenhamos, qualquer pessoa de bem recusaria entregar a SUA filha a um estranho”. A pessoa de bem aqui é o pai adoptivo, o estranho é o pai biológico. A opinião é clara. A indução dos leitores à mesma opinião ainda mais clara o é. Mas, ainda acrescenta mais: “o espantoso é que o militar precisou de se defender de uma decisão do tribunal. É claramente um caso de justiça cega, mas infelizmente injusta”13. Basta pequenos excertos como estes para alertar para o facto de que os média, em determinadas alturas, conseguem construir, ou no mínimo moldar a opinião pública,

13

Citações do artigo “Justiça cega mas injusta”, Jornal de Notícias, 21 de Janeiro de 2007.

56

ou pelo menos tentam. Perante uma questão moral, e esta assume esse estatuto, jornalistas, editores, directores, e todos os profissionais da comunicação não só assumem uma posição como a defendem publicamente. José Leite Pereira termina com chave de ouro a sua crónica, dizendo que: “por muito que custe a alguns juízes, nem sempre os pais biológicos merecem os seus filhos” 14. Mas, e o que acontece à minoria que tem uma posição diferente nesta história, e que consegue enfrentar o temor das represálias e o medo do isolamento. Numa das muitas notícias sobre este caso colocadas no site da RTP, consegue-se perceber porque se chega ao silêncio, porque os indivíduos que defendem uma opinião minoritária tendem a calar-se. Esta notícia permite comentários. A Opinião Pública neste caso é a de que a Esmeralda deve, sem lugar a dúvidas, ser mantida com os pais adoptivos. Neste “espaço público” de debate, Matilde, de Lisboa, a dois de Fevereiro de 2008, atreve-se a ter uma opinião diferente. Começa mesmo por dizer que “não há dúvida que os jornais manipulam tudo. Eu faria o mesmo que o Baltazar (…) quando foi fazer os testes e deu positivo foi requerer a filha (…) mas o senhor sargento resolve fazer frente à justiça, a Portugal e a todos”. Quatro dias depois surge o comentário de Isabel A., de São João da Madeira, que diz: “nunca pensei encontrar este tipo de comentários incongruentes, cheios de raiva e sem mais valia nenhuma para o caso”15. Seguem-se uma série de argumentos em defesa da menina em casa dos pais adoptivos. Aos comentários de Isabel, outros mais se seguem contra Matilde. Com este exemplo mostra-se como uma pessoa que, tendo uma opinião de menor força, dir-se-ia mesmo isolada, acaba por ser encarada e “atacada” por quem está no grupo dos detentores da opinião forte. Provavelmente, Matilde não estava preocupada com aquilo que os outros iriam pensar de si ao lerem o seu comentário, desconhecia por isso a interacção simbólica de Mead, e não teve medo da rejeição dos que a rodeiam. Ou talvez se possa pensar que os novos meios electrónicos podem dar lugar à revitalização da Opinião Pública e lançar o debate no espaço público, ainda que por detrás de um computador, como que com uma espécie de máscara. No Caso Esmeralda, o silêncio obrigado estava ali, no rosto de todos os portugueses, no local de trabalho, no mercado, na rua, no cabeleireiro, onde quer que o caso viesse à conversa. Muitos devem ter pensado e ainda pensam como Matilde, mas o

14

Ibid Citações do Anexo 2 – Artigo da RTP on line, “Caso Esmeralda: Tribunal notificou médicos para retomarem acompanhamento psiquiátrico da menor” – 31 Janeiro de 2008. 15

57

medo de serem mal entendidos e até rejeitados socialmente levou-os ao consenso com a massa e à opinião de maior força, partilhada e alimentada pelos meios de comunicação nacionais. No caso Esmeralda é nítida a componente moral – primeiro porque na sociedade portuguesa “criar é amor”, depois porque a posição de sargento leva ao relacionamento com solidez financeira e posição social, e ainda porque a conduta da mãe biológica não é bem aceite, logo a do pai também não o será, porque à partida concebeu uma filha que nem sabia que existia. A aplicação da Espiral do Silêncio a este caso continua a ser possível quando Noelle-Neumann afirma que só questões controversas podem despoletar este processo e ainda quando frisa que os mass media podem influenciar, e muito, o processo da Espiral do Silêncio, quando numa questão moral tomam determinada posição e exercem influência no processo. O exemplo peca pela falta de investigação rigorosa, mas é aqui apresentado como forma explicativa desta mesma teoria.

5. Opinião Pública: clarificação do conceito

Tentar entender o conceito de opinião pública é entrar num mundo de confusões, mal entendidos e problemas de comunicação. E, apesar de não haver uma definição concreta e geral do conceito, muito se tem dito acerca deste, e o seu emprego nos mais variados contextos tem aumentado de forma categórica. A nível histórico, a sua aplicação remonta já aos tempos das cartas trocadas entre Cícero e o seu irmão Atticus. Mas, só na idade moderna o termo aparece nas mais variadas línguas. Na antiguidade, por exemplo, encontram-se vários sinónimos para este conceito, como a simples opinião. Está também relacionado com o controlo social, com o consenso social entre o governo e cada um dos elementos que compõem a sociedade. Para Aristóteles, “aquele que perder o apoio do povo não será rei por muito tempo” (Ibid 2004: 340). É na opinião do povo que o governo se encontra, tem a oportunidade de se rever. No século XVI, a ideia de opinião pública aparece ligada à intelectualidade e à elite. Digamos que as ideias prevalentes eram as dos poetas e, por isso, Montaigne chegou mesmo a considerar que a cidadania completa consistia no seguimento das ideias destes intelectuais. É no século XVIII que o termo sofre uma mudança semântica e aparece intimamente relacionado com a Razão. “A Razão (…) era vista como a essência da 58

opinião pública” (Ibid 2004: 341). Uma opinião formada através do debate de ideias, que ganhou força e que permaneceu até à segunda metade do século XX, defendida por Michel Foucault, Pierre Bourdieu, ou Jurgen Habermas. Nouelle-Neumann e Thomas Peterson (2004: 341) defendem que a característica mais importante da opinião pública é o poder dominante que esta exerce, tanto no Governo, como em cada elemento que compõe uma sociedade. Os autores chegam mesmo a referir que é completamente impossível explicar como é que a opinião pública pode, por exemplo, desencadear uma revolução. Ambos defendem que só voltando ao anterior conceito se poderá entender este poder, só voltando à ideia de controlo social. Sublinham que o seu poder deriva da natureza social do homem. A explicação do conceito de Opinião Pública tem sentidos e implicações que costumam escapar às reflexões pouco aprofundadas e que abordam apenas superficialmente o tema. Surge como um conceito que tem uma estreita relação com a dinâmica do poder e com os processos políticos, ainda que de forma pouco óbvia. Esta opinião, dita pública, surge precisamente no espaço público, lugar onde há uma “multiplicidade de intercâmbios” (Cucurella 2001: 52). Quando cruzamos os conceitos de Espaço Público e Opinião Pública, é Jurguen Habermas, o nome que mais se destaca pela investigação neste campo, com diversas obras publicadas sobre o assunto, como por exemplo a Historia e Crítica da Opinião Pública, com publicação original em alemão, em 1962. Habermas considera que a Opinião Pública é a peça-chave da democracia deliberativa e uma alternativa para superar os défices democráticos da política contemporânea. Contudo, também ressalva que esta pode ser manipulada e deformada, mesmo sendo o eixo da coesão social e da construção (ou não) da legitimidade política. “O espaço público apresenta-se como um lugar de surgimento de opinião pública, que pode ser manipulada e deformada, mas que constitui o elo de coesão social, de construção e legitimização ou (des)legitimização da política”. (Ibid 2001: 53).

Um espaço ao qual o acesso está aberto a todo e qualquer cidadão, pois “em cada conversação, na qual os indivíduos privados se reúnem como público, constitui-se uma porção de espaço público” (Habermas 1973: 61). Um espaço que requer, no entanto, mediadores, como os meios de comunicação social (jornais, televisões e rádios)16, essencialmente nos casos em que o público presente é demasiadamente amplo.

16

A Internet não aparece mencionada por Habermas, uma vez que nos referimos a uma obra que o autor publicou em 1962, quando o domínio era exclusivo dos mass media.

59

A designação altera-se para Espaço Público Político, de forma a distingui-lo do literário, quando os assuntos em discussão “estão relacionados com o funcionamento do Estado” (Ibid:1973, 61-62). A Opinião Pública está precisamente relacionada com a crítica e o controlo que os cidadãos exercem, ainda que informalmente, em relação ao domínio do Estado. Habermas adopta as principais teses de Hannah Arendt nesta temática, de que a distinção entre público e privado são a pedra angular fundamental da sociedade grega, mas acrescenta-lhe novas informações. Também Habermas considera existirem duas esferas: a pública (polis – com o acesso à mesma de todos aqueles que eram considerados cidadãos) e a privada (oikos – a que nos remete para a propriedade de cada um, económica, familiar, intelectual, etc.). Mas, Habermas relaciona-as, mencionando, ao contrário de Arendt de que a vida pública para existir precisa necessariamente da vida privada, ou melhor da autonomia que o cidadão tem dentro desta. “A participação na vida pública depende da sua autonomia privada […] a posição na polis baseia-se, pois, na posição que se tem na oikodéspota. Debaixo do seu tecto, do seu domínio, realiza-se a reprodução da vida, o trabalho dos escravos, o serviço das mulheres, acontece a vida e a morte” (Ibid 1973: 43).

Quando se chega ao século XVI ainda era privado tudo ou todo aquele que não tivesse um ofício público, que não se ocupasse de um cargo público e/ou oficial e que estivesse completamente excluído da esfera estatal. Ou seja, era apenas público aquilo que era de âmbito político. Para que a definição de público fosse alargada a toda a população, para o alargamento da esfera pública-política, contribuiu a reforma cristã, que põe término à posição publico-autoritária da Igreja, na qual os interesses da Igreja se cruzavam com os interesses públicos e com os interesses privados. Com a liberdade religiosa implementada, a religião passou a ser uma componente exclusivamente da vida privada. Também contribuiu a intensificação das trocas comerciais (com o surgimento de uma nova classe social, a burguesia) e ainda o aparecimento, no século XVII, da circulação dos primeiros jornais, veiculando informações para a população em geral (embora fossem muito poucos aqueles que sabiam ler e escrever). Mas, é um século mais tarde, no século das luzes, e depois da revolução francesa, que a informação pública se consegue soltar definitivamente das amarras da soberania do Estado Absoluto, surgindo no conceito de cidadania uma nova estrutura: público/ privado/ íntimo e propaganda/ interesse social/ negócio privado. A Opinião Pública passa a ser a: 60

“Expressão pública das ideias… poder público que pode virar-se contra o poder soberano, o poder do Estado” (Cucurella 2001: 58)

É neste antagonismo criado entre a sociedade civil e o poder estatal que os media vão ter um papel preponderante, porque com a sua função social de comunicação conseguem transformar as suas mensagens, por vezes estritamente comerciais, em instrumento de influência política. Também Kant dá o seu contributo a esta temática, como ilustre argumentador da razão. Como a legislação e as decisões políticas têm necessidade de encontrar uma justificação na sua aplicação é na razão que se vai fundar o debate no seio da Opinião Pública. Para Kant apenas a razão tem o poder e fora dela não há legitimação e justificação possível. Mas, já no século XIX surgem pensadores a referir que a Opinião Pública não representa a vontade geral, como veio a fazer Bordieu um século mais tarde. As críticas mais ásperas são lançadas por Marx e Nietzche, que chegam mesmo a denunciar a Opinião Pública como uma falsa consciência. Habermas cita Marx quando este diz que esta “se oculta a si própria o seu carácter dissimulador dos interesses da classe burguesa” (Habermas 1973: 222). Um facto, aliás, que se estende ao século XIX e XX, onde se assiste à proliferação dos meios de comunicação de massa, hoje ainda vistos como dominados por interesses de grandes grupos económicos e com as ideias e agendas dominadas por interesses alheios à Opinião Pública. A sociedade é caracterizada pela cultura tecnológica e transformada pelos meios de comunicação, que estão transformados em instrumentos de entretenimento e dominação. E, então como está agora encarado o público? “O público escondeu-se nas minorias de especialistas, que não raciocionam publicamente, por um lado, e numa grande massa de consumidores receptivos, por outro”. (Cucurella 2001: 61).

Habermas acaba por constatar que a dinâmica social, do final do século XX, apresenta traços de um refeudalismo da sociedade. Walter Lippmann é encarado como o pai da Opinião Pública e já no início do século passado dizia que o conceito deve começar a ser analisado tendo em conta três aspectos: o local onde se desenrola o acontecimento; a imagem que o cidadão retém desse mesmo acontecimento e ainda a resposta a essa imagem. Três considerações essenciais porque:

61

“as imagens criadas na cabeça do ser humano, as imagens deles próprios, dos outros e das suas necessidades, intenções e relações, são as suas opiniões públicas” (Lippmann 2001: 16).

As imagens criadas por um determinado grupo, ou individualmente, desde que esse indivíduo faça parte de um grupo, são Opinião Pública. A questão centra-se no facto de como as mensagens que chegam do exterior são afectadas por preconceitos e interpretações individuais, destorcidas ou não. Tenta-se saber “como numa pessoa (indivíduo) as mensagens vindas do exterior, formadas a partir de estereótipos, são identificativas dos seus interesses pessoais e com os seus sentimentos” (Ibid 2001: 17).

E, como são as opiniões cristalizadas dentro daquilo a que se chama de Opinião Pública? Em 1921, Lippmann já afirma que os jornais são vistos como democratas, embora dentro do seu vasto conjunto de defeitos, independentemente da natureza das notícias e da base economicista dos jornais e do jornalismo. Assegura que “os jornais necessariamente e inevitavelmente reflectem a defeituosa organização da Opinião Pública” (Ibid 2004: 17) e que estes deveriam organizar a Opinião Pública, mas não da forma que é hoje apresentada, como um com junto de fragmentos. Lippmann lembra que esta está em contacto com um conjunto vasto de influências, desde ambições, interesses económicos, inimizades, discriminação racial, sentimento de classe, etc. Estados estes que "distorcem as leituras (dos acontecimentos), os nosso pensamentos, os diálogos, os nossos comportamentos, num grande número de situações” (Ibid 2004: 37). O ambiente em que se forma a Opinião Pública é muito diversificado, refractado e sensível. São exemplo disso as barreiras sociais e físicas, a pobreza de linguagem, distracções, violência, monotonia, etc. Limitações que estão associadas à obscuridade dos factos, que dificultam a sua percepção correcta. Na sua obra Public Opinion, aparecem referências à teoria ortodoxa que constitui a Opinião Pública como um julgamento moral. “Na teoria que estou a sugerir, no presente estado da educação, a Opinião Pública é primeiramente uma visão de factos moralizadora e codificada” (Ibid 2004: 58)

Nesta mesma teoria, a existência de códigos e estereótipos condiciona a forma como determinado facto é visto. A diferença de percepção difere consoante este estereótipo seja socialista ou capitalista, por exemplo. Sugere o exemplo de dois jornais norte62

americanos, um com tendência capitalista e outro com tendência comunista e depois pede que se pense na abordagem de uma notícia que se refere à luta de classes e se pense nas abordagens destes jornais. O capitalista diria que nunca a América teve uma sociedade de classes, enquanto o comunista iria defender acerrimamente a teoria contrária. Lippmann cita Sir Robert Peel quando este considera que Opinião Pública são todas as forças, fraquezas, preconceitos, maus sentimentos, sentimentos correctos, parágrafos de jornais, etc. Acrescenta que numa determinada comunidade, consiste nos códigos legais e morais, que de certa forma são contagiados pelas experiências locais. É devido à perda de responsabilidade das instituições que os meios de comunicação Social são referenciados em Public Opinion como uma força mítica chamada de Opinião Pública, ou seja, os média são considerados por Lippmann como a própria Opinião Pública, ou o espelho da mesma. As

instituições

“têm

falhado

no

fornecimento

de conhecimento”

e

“transformaram-se num conjunto de problemas” (Ibid 2004: 155), o que as relegou para segundo plano, sendo a imprensa olhada como “um órgão de democracia directa, carregado a grande escala e de dia para dia, com a função de tomar a iniciativa e de referendar” (Ibid 2004: 155).

A imprensa é a guardiã das instituições e aproveita-se da desorganização social para atingir os seus fins. Por isso, Lippmann lembra que quando as instituições falham com a sua função, “o jornalista sem escrúpulos consegue pescar nas águas turvas” (Ibid 2004: 155). A imprensa só não substitui mesmo as instituições porque não consegue governar a sociedade apenas com “episódios de acidentes e erupções”. Por fim, refere que só há Opinião Pública quando existe uma questão que é, precisamente, pública e o acto de dar opinião acerca da mesma é contínuo.

5.1

Que validade

As opiniões costumam ser efémeras e reflectem um sentimento público do momento, em muitos casos reflectem até mais aquilo que o indivíduo pensa que deveria sentir do que aquilo que de facto sente. As opiniões mudam também muito facilmente e são susceptíveis tanto à argumentação, desde que esta seja razoável, como à propaganda. Por vezes, podem ainda reflectir alguns traços dos caracteres de cada indivíduo, pois são estes que 63

“fazem com que o indivíduo seleccione, entre a torrente que chega aos seus sentidos, apenas aqueles que estão em consonância com as suas próprias crenças” (Suarez 1997: 35).

Para Platão, a opinião é uma faculdade própria, que permite julgar determinado acontecimento apenas de aparências, sem qualquer rigor científico. “Na Opinião não há um saber, nem uma ignorância, mas sim um modo particular de afirmação. Esta está tanto mais próxima do saber quanto mais prováveis são as razões nas quais se apoia” (Ibid 1997: 47)

Os escolásticos assinalam que a opinião tem sempre um assentimento, embora exista sempre o medo pela possibilidade do aparecimento de um grupo que defenda exactamente o contrário, e que venha a ter mais importância e destaque na sociedade em que se inserem. Já Kant também defendia a opinião como um estado de espírito, uma vez que por mais que um indivíduo insista em determinado ponto de vista, nunca tem a certeza absoluta de tais afirmações, estando no seu interior a vacilar entre um ponto de vista e outro, embora não o demonstrando. Quando um indivíduo “insiste em pensar que determinado facto é verdadeiro, mas admitindo a possibilidade de estar enganado, por ter consciência de que não se apoia em elementos objectivos e subjectivos suficientes” (IBID:1997, 47).

O mesmo reiterava Santo Tomás de Aquino que alegava que, do ponto de vista psicológico, o opinante (aquele que tece uma opinião) tem sempre uma contradição interior e chega a temer que seja o outro lado a ter consigo a razão, daí que se empenhe com todas as suas forças em defender a sua opinião. Quem dá a opinião, para além de argumentar, defende e discute a sua versão, procurando o consentimento e, por isso, exerce uma constante actividade propagandística. “A opinião é a expressão de um parecer e responde fundamentalmente a uma atitude e conjunto de atitudes e está como simples expressão em um nível exterior. Não é algo certo como uma convicção, que se relaciona mais estreitamente com o sentimento” (Ibid 1997: 48).

Suaréz estabelece uma junção de Opinião Pública e Opinião de Massas, para explicar que os conceitos estão longe de serem claros e de estarem já clarificados, apesar de mais de um século de debate dos mesmos, nem há provas de que ambos signifiquem, ou não, a mesma coisa.

64

A grande parte das confusões que surgem à volta do conceito de Opinião Pública devem-se, em parte, aos imensos sentidos em que a palavra pode ser aplicada, acima de tudo quando associada ao termo público. “A Opinião Pública consiste no resumo teórico das opiniões defendidas por um público em determinado momento” (Ibid 1997: 49).

Na visão da mesma autora, a Opinião Pública tem dois enfoques:

- é considerada como algo estático, como um conjunto de crenças e pontos de vista, como um corte transversal de opiniões de um público, os quais não têm necessariamente de concordar entre si, na sua globalidade;

- o seu processo de formulação só acontece quando os hábitos, costumes, tradições e sentimentos que a sustentam são postos em causa, ou quando existe algum conflito que tenha um valor na retaguarda da discussão;

Neumann (2004: 156) cita Kimball Young, que propõe quatro etapas para a formulação da Opinião Pública:

1ª - há um tema que é proposto, para o qual é necessária uma solução a um problema, gerando-se assim uma discussão;

2ª - surgem perguntas, conversação, organizando-se colóquios e conferências, e ainda notícias, tentando-se descobrir possíveis soluções;

3ª - aparecem as primeiras oposições às soluções apresentadas anteriormente. Tomam-se as primeiras posições. É aqui que nos aspectos racionais interferem os estereótipos e que se começa a dar mais importância aos aspectos irracionais e emotivos da questão;

4ª - forma-se um certo consenso, através da mobilização geral para a causa. Poderá haver concentração ou polarização das questões. A maioria, por norma, decide e a minoria aceita. O problema encontra solução através da participação intelectual e efectiva de um grande número de pessoas.

65

Resta depois colocar a opinião aceite em prática. O processo de formação da Opinião Pública está concluído, para Young, quando a opinião de sucesso é adoptada. Seguir-se-ão novas questões e novo processo de opinião. Só há Opinião Pública quando um número suficiente de indivíduos toma uma posição em relação a um tema qualquer. Para isso, é preciso que o tema em questão reúna seis componentes, caso contrário ficará para sempre apenas no seu estado potencial de assunto que poderia vir a gerar Opinião Pública:

1. antes de qualquer outro pormenor, é preciso que haja um acontecimento; 2. o acontecimento deve ser conhecido num clima propício; 3. o acontecimento deve encaixar num quadro significativo, que diga algo, sobretudo aos jornalistas; 4. para que a opinião ganhe consistência é preciso que responda a uma necessidade amplamente sentida, ainda que possa sê-lo inconscientemente; 5. o acontecimento deve ser dado a conhecer e difundido pelos meios de comunicação social; 6. O fenómeno deve culminar com a verdadeira reacção do público.

Habermas descreve o espaço da Opinião Pública como: “uma rede para a comunicação de conteúdos e posturas, o mesmo é dizer, de opiniões, onde os fluxos de comunicação são filtrados e sintetizados, de tal forma que condensam as opiniões públicas à volta de temas muito específicos” (Habermas 1998: 440).

É no espaço público que os cidadãos expressam os seus problemas, da sua vida privada, neste lugar de intercâmbios onde são produzidas influências e também opiniões, onde se pode manipular e instrumentalizar, embora à custa da perda da realidade própria dos indivíduos e da sua opinião pura. Por isso mesmo, Habermas sugere que neste espaço deva haver sinceridade nas argumentações e em tudo aquilo que se diz, bem como críticas abertas, pois quando esta liberdade de opinião e esta sinceridade não estão presentes, a capacidade de interacção entre os vários agentes sociais, presentes neste espaço, é diminuta. “As opiniões públicas podem manipular-se, mas não podem comprar-se publicamente, nem arrancá-las mediante um evidente exercício de pressão pública” (Ibid 1998: 445).

66

A influência é uma forma de comunicação e no Espaço Público geram-se influências e luta-se para ter o poder de exercê-las, como por exemplo no seio da União Europeia, onde a existência de lobbies é clara, transparente e evidente, que existem apenas para exercerem pressões sobre as decisões do Parlamento e da Comissão Europeia. Quando esta influência existe sem que condicione os aspectos acima mencionados, nem utilize qualquer tipo de forma de compra de decisões, pode ser saudável à Opinião Pública. Segundo Habermas, o espaço da Opinião Pública é o motor da política democrática, tanto no sentido empírico como normativo, propondo a política deliberativa como o modelo que vai permitir superar as debilidades das democracias actuais. No seu ponto de vista, a soberania popular é primordial para legitimar as práticas e as decisões políticas. Mas, ressalva que na actualidade existem motivos mais do que suficientes para que haja cepticismo quanto ao facto de ser possível existirem espaços públicos onde não haja manipulação, nem influência do poder comunicativo sobre o poder político. Lança o desafio aos mass media para que não sirvam apenas os interesses dos grandes grupos económicos, pois assim as mensagens que veiculam podem ser “altamente desfasadas da realidade humana” (Cucurella 2001: 69). Mas, e se todos estes investigadores falam e estudam um conceito que simplesmente não existe? Quando se explora o conceito de Opinião Pública devem-se ter em conta os autores que consideram utópico falar-se na existência deste conceito, para eles inalcançável e inexistente. Pierre Bordieu, conhecido investigador da área das ciências sociais, através da análise da pesquisa de opinião, nomeadamente através das sondagens, tenta demonstrar que não existe opinião pública e que as pesquisas de opinião são instrumentos de acção política, que tem como função “impor a ilusão de que existe uma opinião pública, que é a soma puramente aditiva de opiniões individuais” (Bordieu 1972: 3).

O investigador estabelece a comparação da relação que os políticos têm com a Opinião Pública, com a relação que os religiosos têm para com Deus. Daí que estejam constantemente a apelar à opinião da mesma e a basear as suas campanhas em resultados de sondagens. Um dos principais problemas das pesquisas de opinião, para o investigador, consiste no facto de a maior parte das pessoas inquiridas estar a responder a uma questão sobre a qual nunca se havia questionado antes. 67

“A probabilidade de se ter uma opinião sobre todas as questões que supõem um saber político é bastante comparável à probabilidade de ir a um museu” (Ibid 1972: 5)

A ter em conta ainda como elementos fundamentais na formulação da tão falada Opinião pública é a classe a que pertence o cidadão inquirido e o seu nível de escolaridade (hierarquia social e de instrução). Bordieu sugere que há “respostas muito mais favoráveis quando se sobe na hierarquia social e na hierarquia segundo o nível de instrução” (Ibid 1972: 7), do que propriamente quando é abordado um cidadão de nível escolar mais baixo, simplesmente porque um tem tendência a estar mais satisfeito com a sociedade do que outro, por ser também mais beneficiado a nível social (no trabalho, financeiramente, etc.). Outro elemento de especial relevo a ter em conta nos argumentos de Bordieu sobre a Opinião Pública é a subjectividade da pesquisa, ou seja, dificilmente se consegue a neutralidade exigida na formulação da pergunta, para que o resultado da resposta seja o mais transparente possível. Bordieu lembra ainda que “uma pessoa toma as posições a que está predisposta a tomar em função da posição que ocupa num certo campo”. No seguimento desta mesma ideia: “nas situações reais, as opiniões são forças e as relações entre as opiniões são conflitos de forças entre os grupos” (Ibid 1972: 9). Normalmente numa pergunta para uma sondagem eleitoral estão contidas centenas de intenções, que só seriam bem respondidas quando colocadas essas mesmas centenas de perguntas. Há candidatos que utilizam estratégias para “colocar mal as perguntas e se esforçar ao máximo para esconder as clivagens e ganhar votos indecisos” (Ibid 1972: 11). “A opinião pública na acepção que é implicitamente admitida pelos que fazem pesquisas de opinião ou utilizam seus resultados, esta opinião não existe” (Ibid 1972: 12).

Considere-se que Bordieu se refere aqui a uma dada Opinião Pública meramente estatística, por isso toma como exemplos as sondagens. A Opinião Pública é mais que isso, é a opinião geral acerca de um determinado assunto, candidato, acontecimento, partilhada pelos vários cidadãos que a discutem na esfera pública. Opinião que, como já foi visto, tem, quase sempre referência nos meios de comunicação, que a ajudam a formular, veiculando as temáticas e seleccionando-as.

68

Os meios de comunicação são a forma exclusiva, ou pelo menos a principal, de comunicação com a vida pública e política, na óptica dos cidadãos contemporâneos. Por isso mesmo, os cidadãos dificilmente mantêm uma ligação definitiva com um político e com uma determinada cor política, pois “os novos cidadãos elegem com frequência segundo o fluxo dos acontecimentos” (Cheresky: 1). A Opinião Pública existe e é mutável, embora a audiência seja grandemente confinada a uma posição passiva, normalmente heterogénea e só com alguns pontos em comum. A revolução tecnológica e comunicacional está a modificar as relações sociais e consequentemente os vínculos políticos, acabando com os espaços públicos destinados à actividade da cidadania, podendo, ao contrário do que se pensava levar à fragmentação e passividade. A atenção dos políticos, para Cherensky, não está voltada, nos dias de hoje, para sindicatos, associações ou corporações, mas sim para a Opinião Pública, pois é esta que antecipa as tendências eleitorais, numa vida política onde o normal é que haja “uma campanha eleitoral permanente” (Ibid: 4). Os políticos auscultam cada vez mais a Opinião Pública porque o resultado final de uma eleições depende, cada vez mais, da “conjuntura política e em particular do percurso eleitoral durante a campanha, e as variações do estado de opinião sobre os mais diversos temas…” (Ibid: 6).

Com o aparecimento das democracias e, consequentemente com o aparecimento da modernização das economias e o seu envolvimento nos assuntos públicos e políticos, surgem mais transformações e até pode ter havido mesmo um afastamento dos cidadãos em relação à política. “Estas transformações restringiram a esfera estatal e marginalizaram o papel das corporações em prol do mercado, daí que se tenha reformulado a ideia de direitos e de cidadania” (Ibid: 10).

Cheresky refere que a expansão económica nem por isso levou a uma maior participação activa dos cidadãos, antes pelo contrário, com a sociedade a permanecer passiva (dá como referência a Argentina), “sem que emirjam do seu seio novos actores sociais e novas formas participativas” (Ibid: 11). Há sim um acomodamento e desagregação dos actores sociais. Conclui que a cidadania, na Argentina, desde que foi adquirida se constituiu sob uma base fragmentada e individualista. 69

Há uma “separação crescente do Estado e da sociedade” (Ibid: 13). Esta crescente autonomia dos indivíduos e alheamento em relação aos assuntos políticos leva a uma crescente imprevisto nos resultados eleitorais. Uma vida pública-política onde os meios de comunicação assumem cada vez mais o papel de lugar de convergência, é nestes e através dos mesmos, que se discutem os assuntos ligados ao Estado e à população. “Os meios aumentaram a sua credibilidade na medida em que se constituem em órgãos não partidários de informação e arena de denúncia e deliberação” (IBID: 15).

O mesmo autor refere que a crescente importância dos meios de comunicação aparece paralelamente ao decrescente relevo do sistema político. Os meios de comunicação são mais do que os olhos vigilantes dos cidadãos, são o palco do teatro das decisões: “Actuaram como partes do juízo, procurando provas alternativas, entrevistando possíveis testemunhas, construindo juízos paralelos e provocando assim novos factos dentro do processo” (Ibid: 16)17

Assiste-se a uma ampliação da arena pública, a uma encapotada democracia directa e à produção dos acontecimentos políticos, pois para entrar nesta nova arena pública, o próprio político tem que produzir “mensagens-espectáculo” para que chamem a atenção dos meios de comunicação de massa. Dentro deste circulam depois mensagens contraditórias e erradas, que requerem um maior discernimento do leitor, espectador ou ouvinte. “O espectador é essencialmente passivo e quando esta (os meios de comunicação) é a sua ligação exclusiva com a vida pública geral, só lhe resta como experiência participativa a sua limitada actividade noutros cenários da vida doméstica e laboral, raramente deliberativa” (Ibid: 17)

Ideia que conduz a uma arena política mediática, onde a liderança resulta da popularidade conseguida no seio da Opinião pública (onde o líder político deve ser um candidato estrela, onde a sua popularidade é composta por um misto de posicionamentos e tomadas de decisões políticas e de atributos pessoais. “Os canais que oferece a televisão e, em menor medida, a rádio e a imprensa escrita, têm uma capacidade de veiculação da mensagem política infinitamente superior à estrutura partidária territorial” (Ibid: 27).

70

Os média ocupam um lugar central na arena política porque canalizam informação política, mas também porque têm a capacidade de serem espaços de produção de acontecimentos políticos, directa ou indirectamente. Mais uma vez o poder económico está subjacente, e a sua capacidade de chantagem e influência na arena pública e política parece estar mormente incrementada com o contexto de globalização que se vive nos dias que correm. A

cidadania

está

assim condicionada, enquanto poder democrático soberano, pelo poder económico, resumindo-se a Opinião Pública a uma mera produção ficcional. “Esta desnaturalização da vida pública constitui um obstáculo adicional, tanto para a formação de juízos independentes nos espectadores, como para a possibilidade de emergência de formas activas de cidadania” (Ibid: 29).

Se não existe e é mera produção ficcional, porque recorrem os políticos a ela com tanta frequência? Não tem importância, nem existe, mas é arma em qualquer campanha eleitoral ou debate político. Tenta-se ver, a seguir, como ficará a política, e a comunicação política, de futuro, tendo em conta a existência, ou não, da Opinião Pública.

6. A Opinião Pública e a Comunicação Política

Encarar o tema da comunicação política no, e para além do século XXI, é questionar, que futuro? Vigoram ainda hoje princípios e premissas de uma comunicação política, nascida na Grécia, pelo pai da Ciência Política, no século IV a.C., Aristóteles. Mas, este campo tem sofrido mutações várias, acima de tudo com a introdução e revolução da imagem como forma de comunicação. A Televisão e a Internet, aliás, aparecem hoje como o local de destaque, central ao debate político ou apolítico. Olhar hoje a comunicação política é ir mais longe do que pensar apenas na sua estrutura e no local onde ocorre, é sim olhar, pensar e a analisar os seus efeitos, como nos propõe Doris A. Graber, no seu artigo Political Comunicação Política no século XXI, publicado no Journal of Communication, em 2005. Da Comunicação Política fazem parte todos os processos de construção, envio, recepção e processamento das mensagens, bem como a análise do impacto directo ou indirecto, que podem ter em quem as recebe.

71

E, quem são os emissores da mensagem política? Mais que os políticos e os respectivos partidos juntam-se a este grupo os jornalistas, membros de grupos privados e até os cidadãos. Pensar que um jornalista ou um órgão de comunicação social pode veicular uma mensagem política leva, depois, a questionar onde estão os princípios éticos e morais deste grupo de profissionais. A resposta é simples: a profissão está contextualizada e enquadrada numa filosofia de mercado. François Brune, autor do ensaio sobre Alienação publicitária, considera que o político contemporâneo e as suas mensagens não são mais que um mero produto, inserido num mercado, que se destina a um consumidor que, neste caso, é o vasto eleitorado. Em pleno século XXI, Brune defende que se vive num contexto de Marketing Político, onde vigora a imagem, o look em detrimento da veracidade das ideias políticas. E, que papel caberá aos jornalistas neste contexto de construção de imagens e aparências, onde o banal e a aparição mediática se sobrepõe à verdadeira argumentação e debate de ideias? A interligação entre os meios de comunicação social e a figura do político é clara e evidente. “Os políticos tornam-se fontes inesgotáveis de verdades e não verdades” (Bezerra 2006: 28), bem como os média são a representação da encenação política. No contexto eleitoral, a imprensa diária aparece como “um actor privilegiado na intermediação discursiva dos participantes do jogo eleitoral” (Ibid 2006: 29). Conforme os políticos e os demais envolvidos na esfera política se alimentam das notícias que chegam diariamente ao conhecimento do público para fazerem política, também são estes que realimentam a imprensa diariamente com novas informações, quase sempre, produzidas nos bastidores da política, ou seja, pela máquina que está por detrás do político, (desde aconselhadores de imagem, assessores de imprensa, lobbies, grupos económicos que patrocinam campanhas, etc.). Consistem, na maior parte dos casos, em: “propostas, recados, intrigas, escândalos, boatos e tudo o que puder garantir alguns votos a mais ou, no mínimo, alguns amenos no saldo dos adversários” (IBID 2006: 29)

Bezerra salienta que a personalização da política, valorativa da pessoa em si, da imagem em detrimento das suas ideias ou argumentos, não se deve aos meios de

72

comunicação, mas à política e aos políticos em si, que depois encontram nos média o eco para esta mesma personalização. “A personalização, portanto, antes de ser fruto da presença dos meios de comunicação na cena política, é parte do próprio agir político. Sua forma de apresentação é que ganhou novas possibilidades, assim como a relação entre os políticos e os meios de comunicação” (Ibid 2006: 30).

Na política actual, mais do que os temas e os problemas debatidos, a escolha recai sobre a pessoa, sobre o político, o que faz ou o que fez na sua vida privada que possa ser esmiuçado e trazido para a discussão pública. Tome-se como exemplo o que aconteceu com o primeiro-ministro português, em 2009, e o seu alegado envolvimento no caso Freeport. José Sócrates aparece envolvido num caso de alegados favorecimentos na construção do empreendimento e, durante largos períodos, é a personagem central de qualquer noticiário, primeira página de qualquer jornal. Importa para os média comprovar o envolvimento do primeiro-ministro no caso e fazê-lo mais depressa que os próprios tribunais, em detrimento das suas ideias governativas para o país que, essas sim, deveriam estar a ser discutidas na praça pública. Interessa aos média condenar ou ilibar em primeira mão o Primeiro-ministro, mais do que explicar aos espectadores e leitores a problemática em si. “Esta tendência também foi detectada em eleições municipais, estaduais e federais, no Brasil, em todos os partidos, que têm lançado mão em abundância de aspectos personalísticos, fazendo das questões políticas um cardápio recheado de sedução e apelos emocionais” (Ibid 2006: 31)

O político que não tiver cobertura mediática, seja ela positiva ou não, dificilmente, senão mesmo impossivelmente, será eleito para algum cargo. Bezerra vai mais longe e considera que um político é notícia, ou não, consoante o seu grau de adversarismo. O confronto que existe, ou não, ao longo de uma campanha eleitoral vai ser decisivo para a cobertura jornalística de determinado candidato, ou à sua desvalorização. “Dentre os padrões narrativos que sobressaem, destacamos a valorização dos eventos relativos a confrontos, ou seja, a máxima exposição dos antagonismos mais virulentos” (IBID 2006: 33)

Mais importante do que voltar a sublinhar que aos jornalistas mais interessam os confrontos do que os ideais, Bezerra tenta esclarecer que “é consenso que a arena política não impõe critérios à mídia, nem temas pessoais ou problemas” (Ibid 2006: 34), ou seja, para a autora não há qualquer tipo de manipulação na selecção dos 73

acontecimentos que são posteriormente transformados em notícia. A política cria apenas o ambiente para que depois os média possam elaborar uma estratégia narrativa, “protegida em relação aos velhos pilares do jornalismo, como neutralidade, imparcialidade e objectividade” (Ibid 2006: 34). Bezerra aparece a desculpar a classe política, culpando os jornalistas da má cobertura dos assuntos políticos e da fraca qualidade dos temas em debate na praça pública. Segundo a mesma, o problema reside no facto dos média se submeterem à lógica da política e ao adversarismo político, aquilo que apelida de “um problema para a consolidação das instituições democráticas” (Ibid 2006: 35).

6.1 - Eleições, aprendizagem cívica e áreas problemáticas “A televisão impregnou, subverteu completamente o campo da política. Dirigentes e militantes, candidatos e eleitores, todos sabem doravante que o juiz supremo é o olho das câmaras e que a actuação no pequeno ecrã será determinante. O cidadão apaga-se por detrás do telespectador; e o discurso político simplifica-se, embrutece-se em nome das sacrossantas regras da comunicação máxima” (Ramonet 1992: 23)

Há tópicos que aparecem interligados com a Comunicação Política que não podem ser esquecidos. A informação política e as novas tecnologias da comunicação, que no seio desta assumem um papel de extrema relevância. Na maioria dos artigos publicados, relacionados com a Comunicação Política, os termos e conceitos que mais aparecem relacionados são: campanhas eleitorais, relações internacionais, opinião pública, actores políticos e retórica, Agenda-setting e eleições. De seguida são desenvolvidos apenas três destes aspectos, por serem consideramos cruciais à investigação.

6.1.1 Eleições: é de uma importância política extrema a escolha de um candidato, que consiga assegurar a qualidade das mensagens políticas que são “oferecidas” aos cidadãos, pois são estes que detêm o poder de escolher quem os representa. Num quadro de eleições, são vários os meios de comunicação escolhidos para a difusão das mesmas, por isso para os investigadores da área torna-se comum o estudo comparativo desta mesma mensagem veiculada por meios de comunicação diferentes: rádio, televisão, imprensa, Internet, telemóveis, etc. Num contexto de eleições, os debates e os anúncios políticos são também objecto primordial de análise por parte dos investigadores da área. Pretendem saber: o que propõem os candidatos e qual a sua 74

posição; como é que estes se definem e quem são os seus opositores; e ainda, como as comunicações negativas podem afectar o seu desenvolvimento político. Muito importante, e a envolver estudos mais recentes, está também a análise do impacto dessas mesmas comunicações no eleitorado e como esta influência difere consoante o sexo do inquirido, a idade e o nível de escolaridade. Ainda no que respeita a este ponto, é de notar que o número de investigações a eleições de âmbito local e regional é bem inferior às análises de âmbito nacional.

6.1.2 Aprendizagem Cívica: como é que a informação difundida pelos meios de comunicação permite a formação dos cidadãos e o consequente esclarecimento das suas dúvidas. A juntar à má (in)formação política da sociedade contemporânea e ao desconhecimento da maioria dos acontecimentos políticos há a má cobertura dos mesmos por parte dos meios de comunicação. É ainda difícil medir até que ponto os cidadãos estão à altura de julgar um determinado cenário político e colocar em prática, com legitimidade, o seu dever cívico. Como exemplo: eleições internas do PSD, em Portugal, que decorreram no final de Maio de 2008. Os militantes conheciam três principais candidatos: Manuela Ferreira Leite, Pedro Santana Lopes e Pedro Passos Coelho. Contudo, a verdadeira essência das suas ideias políticas esteve perdida e não foi explicada nas notícias difundidas nos mais variados meios de comunicação nacionais. Importa aos jornalistas dizer quantos militantes estiveram presentes no jantar, explicar porque o candidato A ou B acha que C nem sequer se devia candidatar, mas depois as ideias que cada um deles tem para melhorar internamente o partido e realizar uma legítima oposição ao Governo, ficam aquém das expectativas. A somar a esta falta de informação política há ainda a considerar que a maior parte das pessoas “gastam menos de uma hora por dia” (Graber 2005: 484), a ler, ouvir ou ver notícias relacionadas com política. E, do pequeno grupo que se interessa pelo assunto, os investigadores da área debruçam-se a tentar perceber quais são as expectativas que estes têm dos assuntos que são difundidos pelos meios de comunicação e o que retêm deles. Será pouca tendo em conta a superficialidade com que são abordadas as notícias políticas. Doris, no seu artigo, já aqui mencionado, lembra que ao público confere mais uma característica de grande valor: o cidadão é capaz de desenvolver os critérios de consumo. Ou seja, mostra preponderância para determinadas histórias em detrimento de outras, que chega mesmo a ignorar. 75

Mas, o busílis da questão está no facto de os média serem “empresas comerciais” (Ibid 2005: 484) e os jornalistas quando escrevem ou difundem uma notícia têm, quase sempre, isso em mente. Se associado a este argumento de que os meios de comunicação são empresas, que também querem vender o seu produto e que os jornalistas são meros funcionários dessa mesma empresa, se juntar o facto das mensagens dos candidatos e os próprios candidatos serem também eles um produto político, concebido como uma mercadoria, que é oferecido num mercado eleitoral, onde o objectivo principal é o de “forçar a adesão do consumidor-eleitor, tratado mais como alvo de campanha de produção do que como cidadão-responsável”, pergunta-se então “quanto custa um candidato?” (Brie: 1992:30) Uma questão há que ter em conta. A sociedade contemporânea, devido ao constante frenesim diário que a marca, também não está disponível para receber notícias políticas elaboradas e que necessitem de uma análise aprofundada do tema. Os cidadãos não têm tempo e, por isso, querem notícias políticas de carácter leve. Talvez esta seja uma das principais razões porque os diferentes média as tentam apresentar como infotainement, notícias com entretenimento.

6.1.3 Áreas Problemáticas: como um dos primeiros problemas relacionados com as notícias de carácter político aparece a questão de alguns investigadores terem concluído que nas notícias políticas, de âmbito internacional, as temáticas são pouco aprofundadas, não são contrabalançadas ou ponderadas, são ambíguas e pouco focadas. Tratam-se, muitas vezes, apenas de números e as áreas cobertas são sempre as mesmas. Doris dá como exemplos o Conflito Israelo-árabe; o Iraque e o Kosovo. Mas, não saindo das fronteiras de Portugal, lembrem-se as últimas eleições Europeias, onde (2009) mais do que o tema Europa, foram discutidas políticas internas do país e a gestão do governo socialista liderado por José Sócrates, tendo estas sido subvalorizadas pelos média. Como segundo problema está a tendência para perpetuar os casos sociais. Para além de perpetuar os assuntos controversos, há uma tendência, perante uma situação conflituosa, de encontrar um culpado, mesmo antes que a própria justiça o faça. Ignacio Ramonet, em A Tirania da Comunicação, dá como exemplo o atentado na cidade de Oklahoma, que fez 168 mortos e deixou a América em choque, em 1995. Os meios de comunicação norte-americanos depressa começaram à procura de culpados para “satisfazer a opinião pública” (Ramonet 2003: 132-133), por isso, 48 horas depois anunciaram que o atentado tinha por base o terrorismo oriental e que os suspeitos eram 76

de origem árabe. Quando toda a investigação terminou, as autoridades concluíram que os autores tinham sido “americanos-brancos de extrema-direita, em revolta contra o Estado federal” (Ibid 2003: 133). O mesmo aconteceu um ano depois com a queda de um avião da TWA, que fazia a escala Nova Iorque-Paris, que depois de relacionado pelos meios de comunicação com um grupo islamista, chegou-se à conclusão que teria sido uma falha técnica. Ramonet chama-lhes exemplos de desinformação, ou seja, “cobrir uma mentira com as técnicas da verdade” (Ibid 2003 : 135) . O estudioso francês avança ainda que na democracia contemporânea, onde são preponderantes as empresas manipuladoras, “a desinformação é a rainha das técnicas, que visam deturpar a opinião” (Ibid 2003: 136). Outro dos problemas apontados à comunicação política é o facto de muitos investigadores na área já terem identificado que a maioria dos jornalistas tem uma orientação (política) quando parte para a cobertura de determinado acontecimento. Apesar de tudo, a orientação política dos jornalistas, ainda que seja um campo pouco analisado a nível nacional, está mais vincada a nível regional do que propriamente nacional. Nos meios de comunicação nacionais, os jornalistas estão mais sujeitos a uma avaliação externa dos próprios cidadãos, bem como das outras vertentes políticas que não aquelas que os dominam, e ainda à agenda, muitas vezes marcada pela Agência Lusa e pelos fait-divers do quotidiano. A nível regional, os jornais, quase sempre semanais ou quinzenais, chegam a ter o logótipo ou a cor de impressão da “cor” política que os detém ou que os domina, e a sua difusão é conotada, sem discrição, com determinada cor política. Tomemos como exemplo o jornal O Povo da Beira, da região de Castelo Branco, onde a jornalista, que aqui designamos de G.M. frisa a ligação do presidente deste órgão de comunicação social aos sociais-democratas (PSD), em 2007. Curiosamente, O Povo da Beira chega às bancas todas as semanas com o seu logótipo laranja. E, quem controla a subversão de um jornalista, mesmo com carteira profissional, que é obrigado a escrever artigos de uma tendência e de uma ideologia, com a qual até pode não se identificar. Quem não tem ética, a jornalista ou o empresário que detém o jornal e que veicula semanalmente informação a um auditório desinformado?

77

6.2 - Que futuro?

A Comunicação Política continua pouco explorada ao nível da investigação. É uma comunicação marcada pelos meios de comunicação inseridos num mercado, onde tanto as notícias como os políticos aparecem como produtos que podem ser, ou não, comprados pelos consumidores, aqueles que escolhem quais as notícias que são importantes e merecem a sua atenção e qual o político que escolhem para os representar, num contexto de campanha política. Os cidadãos, muito por culpa dos meios de comunicação social, são consumidores de política e não participantes activos da mesma, perdendo-se este ideal de discussão de ideias no espaço público. Rosser Reeves, um dos pais da Comunicação Política nos Estados Unidos da América teceu um dia o seguinte comentário para ilustrar a forma como os meios de comunicação levaram o cidadão a ser um consumidor da política: “Imagino que o leitor na cabina de voto hesite como numa Farmácia quando se trata de escolher entre duas pastas dentífricas. Acabará por escolher a marca que mais lhe falaram” (Ramonet 1992: 26).

A mediatização das personagens políticas torna-as vedetas ou destrói-lhes a imagem. Mas, a acompanhar este vedetismo mediático dos últimos anos está o afastamento dos cidadãos em relação a este tema. Os políticos sem crédito na praça pública e a imagem que os indivíduos têm da política não podia ser a pior. Manuela Ferreira Leite, num dos seus discursos como candidata à liderança do PSD dizia que, acima de tudo o importante era recuperar a confiança das pessoas porque: “os cidadãos já não olham para nós (políticos) como pessoas de confiança, como alguém que pretende fazer algo pela Nação, mas sim como alguém que vai governar pelo interesse e bem pessoal” 18

Ignacio Ramonet dá o exemplo concreto que mostra como os cidadãos têm vindo a perder interesse pela política. “Em 1958, 58% dos cidadãos americanos tinham confiança nos políticos; 30 anos depois não passam dos 19%”19. Esta falta de interesse pelos assuntos políticos acompanha o aumento do interesse pela vida privada dos “actores” políticos. A abordagem errada que tem sido feita pelos “mass media” ao sector leva a que o público hoje queira ver os políticos

18

Discurso de Manuela Ferreira Leite (líder nacional do PSD), no noticiário da noite da SIC.

78

“no seu comportamento quotidiano, no universo da sua vida privada (…) mais importante que as suas opiniões estritamente políticas”(Ramonet 1992: 26).

A própria mensagem política está hoje banalizada. François Brune concede o exemplo das eleições de 1985, em França, onde o Partido Socialista francês lançou uma série de cartazes inquietantes20, que de mensagem política tinham muito pouco, que primavam pelo vazio de conteúdo, onde reinava o Marketing Político e a comunicação do tipo publicitário, com “a simplificação da mensagem, (…) a imagem passiva do destinatário (…) o homem político que se deixa tratar como produto, ele e as ideias que defende (…) Não é uma política mas sim uma representação imaginária dele próprio que ele obriga a escolher, a ratificar, a consumir pelo eleitor.” (Brune 1992: 38).

Já na década de 60, no século XX, Richard Fagen fazia uma viagem pela comunicação política, e pela política da comunicação. O autor considera que são dois conceitos que caminham paralelamente e aborda a construção da agenda dos meios de comunicação de massas e o aproveitamento destes meios por parte da classe política. Fagen considera que uma actividade tem sempre uma conotação política, desde que haja “consequências reais e potenciais no funcionamento do sistema político” (Fagen 1966: 33). Como tudo em política é comunicação, o autor norte-americano não descura o papel importante que os cidadãos assumem na construção e manutenção da democracia clássica, e nos canais de comunicação que com ela coabitam e interagem. “Os cidadãos21, reunindo-se publicamente, debatem problemas que confrontam o sistema político e ouvem as queixas propostas para a acção e reforma” (Ibid 1966: 28). Embora esteja na base da sociedade contemporânea a desculpa de falta de tempo para uma vida pública mais activa, o verdadeiro e bom cidadão deve participar no processo político “até aos limites do seu tempo, energia e conhecimento” (Ibid 1966: 39). Só assim se conseguirá uma participação activa do cidadão nas decisões políticas e uma análise crítica à informação difundida pelos meios de comunicação social. “Tanto o

O primeiro desses cartazes dizia: “Socorro! A direita regressa” e a acompanhar esta mensagem estavam donas de casa às compras, operários na obras, mulheres no trabalho, mostrando que estes eram os alvos do pânico. Mais tarde lançam um segundo cartaz com a imagem do “lobo mau” e com a seguinte legenda: “Diz-me linha direita, porque tens dentes tão grandes?” – O espectador é colocado na posição de Capuchinho Vermelho. São uma imitação do modelo americano de marketing político que, curiosamente, começou em França com a direita, embora bem impulsionado pela esquerda. 21 Cidadãos que são descritos como os agentes sociais que têm o dever de se informar “participando na vida pública por conversa civilizada e inquiridora (…) preparado para fazer julgamentos cívicos, humanitários e comedidos” (Ibid 1966: 39). 20

79

dever cívico quanto o interesse pessoal exigem a participação ininterrupta do cidadão nas decisões directamente ligadas às suas necessidades e preferências” (Ibid 1966: 39). A tendência actual, ou pelo menos o que relata a maior parte da literatura sobre o assunto, mostra um cidadão passivo, que absorve a informação que todos os dias lhe chega pelos média, tradicionais e electrónicos, formulando assim uma opinião pública, não dependendo do seu espírito crítico, mas sim de uma apatia social, com necessidade de se manifestar em uníssono. Na democracia clássica toda esta estrutura deve ser invertida. A informação deve circular entre os cidadãos, haver espaço para debate, crítica pública e decisão em grupo. Apesar de o cidadão ter o direito de ser ouvido, em democracia, por norma assiste-se a uma perda de força quando defende um ponto de vista de forma isolada, enquanto se a mesma perspectiva for defendida em grupo ganha mais força. Exemplo das associações, sindicatos, etc. “Reconhece-se que somente os grupos podem comandar os recursos e atenção necessários para fazer sentir a sua influência na arena política” (Ibid 1966: 40).

Desde o aparecimento dos meios de comunicação de massas que é a estes que cabe a função de informar e de fazer chegar a informação aos cidadãos, bem como exercer influência e pressão no seio da comunidade política e dos grupos económicos. Um papel deveras sensível, uma vez que as últimas entidades mencionadas têm também conhecimento do verdadeiro potencial deste meios e, por isso “o que nós observamos são relatórios de acontecimentos e actividades que, por sua vez, são apenas resultados dos comportamentos dos processos políticos” (Ibid 1966: 57). Para que se tenha uma ideia concreta do peso que hoje os média de massa assumem na sociedade Fagen (1966: 58) apresenta o seguinte exemplo: “Se fosse possível garantir a cooperação conspiradora de dois mil funcionários da comunicação de massas em lugares-chave, quase duzentos milhões de norte americanos e considerável parte do resto do mundo poderiam ser levados a crer que o Presidente estava morto e que armas atómicas estavam sendo usadas na China comunista. Deixem o presidente, em carne e osso, clamar do gramado da Casa Branca que está bem vivo e negar a plenos pulmões que não se está usando armas atómicas na China, que a sua mensagem só atingirá a plateia mais limitada enquanto se mantivesse a manifestação dos dois mil”.

Para obter informações básicas do sistema político nacional, o cidadão comum está muito dependente dos meios de comunicação de massa. Mesmo assim, há que reservar um lugar às comunicações pessoais, ainda que cada vez mais diminutas, que permitem supor que a transformação política não tenha sido completa, com a passagem das campanhas, que antes eram feitas de terra em terra, por comboio ou em caravana, e 80

que hoje estão totalmente mediatizadas. Continua a haver, embora de forma reduzida, contactos frontais, pessoais e outros tipos de canais não massificados, que ainda são fundamentais para a política. Fagen enumera quatro factores, que podem influenciar uma escolha na transmissão de uma mensagem: económicos, socioculturais, políticos, e históricos. A condicionar a comunicação política está sempre o nível de desenvolvimento económico de uma nação. “É que as sociedades que diferem nas suas bases económicas também diferem sistematicamente com respeito à estrutura social (…) a nossa afirmação é que a comunicação política em canais de grupo e de organização é, por sua vez, afectada por essas transformações económico-sociológicas” (Ibid 1966: 76).

No que respeita aos factores culturais é sempre necessário ter em linha de conta a alfabetização de um povo e esta é mesmo vista como a maior capacidade social, que pode afectar a comunicação política. Depois há ainda normas ou padrões de comportamento, nomeadamente, culturais e históricos, que podem afectar o canal da mensagem política. E, por último é necessário pensar e analisar como estão as instituições disponíveis para serem usadas pelo regime político vigente. Tome-se como exemplo a apropriação da ópera chinesa, pelo governo, como canal de “educação e socialização” (Ibid 1966: 79). Nos factores políticos e históricos apenas há a relembrar que as diferentes ideologias levam a diferentes comunicações políticas, e a que a experiência particular e os atributos de cada sociedade em particular, também condicionam esta comunicação. É mais fácil um discurso político aberto numa democracia do que o será num país com história e presença de um regime ditatorial. Independentemente da natureza do regime político em vigor a informação é um elemento chave no desenrolar das suas comunicações, porque circula em grandes quantidades. “Os formatos políticos podem ser diferenciados segundo a maneira como e até que ponto os fluxos de informação são controlados e canalizados, mas todos os tipos de sistemas estão sujeitos à fome de informação quando se tem de fazer escolhas e tomar decisões e não se tem à mãos os dados pertinentes” (Ibid 1966: 108).

Fagen esclarece ainda que o impacto e as consequências das novas tecnologias (lembre-se que apenas se refere, na época, à rádio e à televisão) na vida política é de tal forma que se torna evidente aos olhos de todos. Uma afirmação que leva Richard R. 81

Fagen, em 1966, a colocar a questão: quem controlará os novos instrumentos de comunicação e para que fins eles serão usados? Como tentativas de resposta, surgem três afirmações, que também se poderão chamar problemas:

- a dependência da comunicação de massas para se conseguir obter informação política definem um sistema onde “um número limitado de pessoas em importantes papéis na comunicação controlam vasto poder para a conduta de política a curto prazo (e, finalmente a longo prazo)”22 (Ibid 1966: 168).

- em segundo lugar está o acesso às comunicações de massas e à edificação de um jornal, uma rádio ou uma televisão, que está na origem do poderio que os grandes grupos económicos exercem nestes meios. “Segundo muitos críticos têm observado, nos Estados Unidos, é necessário uma fortuna considerável para fundar um jornal ou comprar horário nobre numa televisão” (Ibid 1966: 170).

- Por último, está a intimidade. “A questão crítica é que tanto as relações entre cidadãos e governo como as intragovernamentais podem ser permanentemente afectadas pelos progressos no processamento de informação” (Ibid 1966: 172).

6.2.1

Jornalismo Político e Opinião Pública

Excluindo os tempos actuais, em que já foi visto anteriormente que o jornalismo político está cada vez mais marcado e influenciado pelos mais recentes meios de comunicação, como a internet, ou vice-versa, o jornalismo político assistiu a três fases distintas ao longo da sua história. Até 1870, consistia apenas no registo dos assuntos do congresso, tendo sofrido uma reviravolta nesta década do século XIX, com a introdução da opinião do jornalista, a inserção de um comentário no ritual de acompanhamento dos assuntos debatidos no congresso. Nesta segunda fase assiste-se ao aparecimento de dois novos elementos na reportagem: “a cobertura do espectáculo de abertura do congresso e a reacção dos congressistas à mensagem do presidente” (Serrano 2006: 83). Muito 22

O autor cita o exemplo de Louis Wirth, exposto em 1947, sobre o nazismo, intitulado Consensus and mass comunication, onde este demonstrava o espanto de como o governo alemão tomou a comunicação de massas como a principal teia da vida social e que foi um aviso aos que “minimizaram a importância da comunicação de massa” e que o controlo destes mesmos meios “talvez constitua a mais importante fonte de poder no universo social”.

82

embora este tenha sido um interesse que se manteve apenas até aos finais do século, não prevalecendo mais do que 30 anos. Em 1900, os jornalistas: “Assumem o direito de ir além do facto concreto, sendo adquirido que o jornalista deve mediar, resumir e identificar os aspectos políticos das notícias” (Ibid 2006: 84)

As características ligadas ao repórter mantêm-se até à data. O enquadramento das notícias torna-se fundamental (às vezes tão fundamental que o público de nada sabe da notícia em concreto, do assunto que está a ser debatido, mas sim apenas um vasto conjunto de pseudo acontecimentos que são criados à volta do tema central). O jornalista (ainda que nem sempre da melhor forma) torna-se o intérprete das notícias. Um aspecto que leva Schudson a considerar que é nesta altura que “a noção simples de objectividade é abandonada” (Schudson 1993: 285). São três os aspectos que podem justificar esta mudança, no início do século passado, mas que têm ainda muito de actual: os jornalistas tornaram-se mais autónomos como um grupo profissional; houve uma mudança nas práticas jornalísticas para atrair mais leitores; a política e os actores políticos começaram a ganhar um estatuto diferente na sociedade. Com estas três mudanças aparece a competição entre as organizações noticiosas, que leva ao entretenimento, assistindo-se paralelamente ao aumento do número de notícias leves e ao jornalismo crítico. Encontra-se Patterson como um dos maiores críticos a este género de jornalismo e a esta forma leve de fazer notícias. O investigador considera que as audiências não se conquistam com este género de artigos, mas sim oferecendo-lhes “notícias equilibradas sobre questões de interesse público” (Serrano 2006: 85). Há que ter em conta que estas mudanças no jornalismo são acompanhadas por mudanças também a nível da sociedade. Serrano enumera algumas: “Um dos mais importantes é a dissolução dos laços tradicionais. As instituições que antes organizavam o sentido, a identidade e a autoridade da informação – em especial os partidos políticos, a família nuclear, os vizinhos e os grupos sociais de classe – perderam relevância e influência” (Ibid 2006: 85).

Acrescente-se que a sociedade está fragmentada, com múltiplos grupos de interesse, com valores completamente contraditórios e que à mobilidade geográfica mais constante se deve juntar ainda a mobilidade psíquica, que se percebe através de “atitudes culturais e valores, opções de vida, identidades sociais, declínio no consenso moral e aumento do uso da comunicação propiciado nas últimas décadas pelo desenvolvimento das novas tecnologias associadas à internet.” (Ibid 2006: 86)

83

Mais uma vez, Schudson contraria esta tendência e desculpabiliza o mercado destas transformações no jornalismo político. No seu entender o mercado não é o único responsável nesta mudança. Os jornalistas, estando mais críticos, estão também menos dependentes de fontes oficiais. “Mais críticos e interpretativos”, constituindo uma importante mudança no jornalismo. Embora este seja um argumento fácil de contestar. Serão os jornalistas assim tão independentes das fontes oficiais? Fica para futuras análises. O mercado condiciona as notícias para que estas sejam fonte de grandes margens de lucro, transformando-as num produto. Proporciona investimentos no sector, levando a uma maior maquinação e industrialização do sector, podendo até proteger o sector e os seus conteúdos das pressões governamentais. No reverso da medalha surgem problemas como o desemprego e a dependência dos grupos económicos, estando os conteúdos sujeitos ao aval dos mesmos. Já os políticos, interessados na dimensão política do jornalismo assumem-se “vezes, como defensores do público, preocupados em perceber como é que o jornalismo pode servi-lo melhor, de acordo com os princípios que regem as democracias e, em geral, as sociedades liberais” (Ibid 2006: 88).

Mas, utilizam-no (ao jornalismo) como um quarto poder, supervisor dos poderes executivo, judicial e legislativo. É neste contexto que surge a Opinião Pública, como um conceito próximo deste quarto poder e da centralidade do debate público sobre o processo de decisão política. Há autores como Cook e Patterson que defendem mesmo que os jornalistas são actores políticos e o jornalismo uma instituição política, e encaram os média como poderosos instrumentos políticos. Outros como Blumler, Gurevitch ou Bourdieu chegam a mencionar que os jornalistas e os média são “uma ameaça à própria democracia” (Ibid 2006: 89). Na década de 1950 surge o que se apelida de responsabilidade social, sendo o jornalismo enquadrado numa ética profissional com capacidade para expor conflitos. Serrano cita Cornu para lembrar que a par desta questão aparece “a subordinação da imprensa aos negócios, da influência da publicidade nos conteúdos jornalísticos, da exploração dos fait-divers e dos atentados à vida privada e à moralidade pública” (Ibid 2006: 91).

Schudson, Carei e Zelizer referem que os média apenas consideram de interesse para a política aquelas que são hard news. Opinião corroborada por Blumler e Gurevitch que advogam que a influência dos média na política levam ao “enfraquecimento dos 84

partidos políticos, enquanto forças mobilizadoras dos cidadãos para a defesa dos seus interesses” (Ibid 2006: 92). A juntar há ainda a crescente dependência dos políticos e também dos eleitores face aos média e às mensagens veiculadas pelos mesmos. Não admira por isso que a população tenha desculpado a elevada taxa de abstenção, em Portugal, nas últimas eleições europeias de Junho de 2009 (perto de 63%), com a fraca qualidade das reportagens que foram difundidas nos meios de comunicação social nacionais, que deram destaque aos assuntos nacionais e não europeus, a jeito de pré-legislativas, pouco esclarecedoras da população. Esta questão só mostra esta dependência da população em relação aos média, uma vez que as fontes de informação acerca da União Europeia e dos trabalhos desenvolvidos pelos deputados no parlamento são muito mais que a informação dada pelos meios de comunicação social. No entanto, pouco são procuradas pelo público em geral. Hoje com a internet é fácil entrar no sítio do Parlamento Europeu e esclarecer qualquer dúvida em relação a Portugal e à Europa, até mesmo contactar um deputado se assim o entender. Esta dependência traz consigo consequências a vários níveis, tais como:

- os média assumem uma posição-chave no campo político, acima de tudo na televisão e nos jornais, “cujas políticas editoriais não se pautam necessariamente pelo interesse público” (Ibid 2006: 92);

- os políticos fazem de tudo para chamar a atenção dos média e assim conseguirem o apoio do público/eleitores e também o interesse e apoio de alguns jornalistas, “que por sua vez não estão necessariamente vocacionados para a política” (Ibid 2006: 92);

- cria-se uma complexa rede de relações, onde de um lado estão os políticos e do outro estão os jornalistas.

O que diferencia os jornalistas dos políticos é a legitimação. O comportamento do jornalista reflecte-se, ou deveria reflectir-se, naquilo que lhes compete em primeiro lugar, ou seja, “respeitar o direito do público à informação”, uma vez que este aspecto não é tido em conta pelos políticos, que estão mais preocupados em “persuadir o público a aderir a determinadas causas e objectivos políticos e partidários” (Ibid 2006: 93).

85

Também a autonomia profissional dos jornalistas chega a colidir com a visão instrumental que os políticos constroem dos jornalistas. Até aqui nesta investigação, muito se tem falado no processo de formação da Opinião Pública e no maior ou menor contributo dos meios de comunicação social no mesmo, mas e quanto aos líderes de opinião? Como marcam estes líderes a Opinião Pública?

7. Líderes de Opinião

Apelida-se de Teoria dos Efeitos Limitados, à teoria da comunicação que, pela primeira vez, tentou analisar os efeitos da comunicação no público. O nome de Efeitos Limitados surge não apenas devido à quantidade dos efeitos, mas sim também devido à configuração qualitativa desses efeitos. Enquanto que nas teorias comunicativas mais antigas, as consequências da exposição aos média eram medidas consoante a persuasão, ou não, das suas mensagens, nos Efeitos Limitados já se fala de influência, característica presente na comunicação de massa, mas também nas relações pessoais e comunitárias. “A Teoria dos Efeitos Limitados deixa de salientar a relação causal directa entre a propaganda de massas e manipulação da audiência para passar a insistir num processo indirecto de influência em que as dinâmicas sociais se intersectam com os processos comunicativos” (Wolf 1995: 45).

A maior parte das pesquisas que fundamentam esta teoria descuram os processos de formação de opinião através dos meios de comunicação, preferindo o estudo com comunidades sociais. Em 1944, Lazarsfeld, Berelson e Gaudet descobrem os líderes de opinião e o fluxo de comunicação a dois níveis: primeiro emitida dos média para estes recémdescobertos líderes de opinião e depois destes para a massa, para a população em geral. Estes líderes de opinião são os cidadãos que têm um “grau máximo de interesse e de conhecimentos” (Ibid 1995: 46). Wolf anuncia que estes líderes são a parte da Opinião Pública que procura influenciar o eleitorado, no contexto de campanha política, ou seja, o mesmo é dizer que estes líderes são quem tenta influenciar a restante população, noutro contexto qualquer que não seja a política. Contudo, os três investigadores, apesar das conclusões a que chegaram, ressalvam que há alguma estabilidade nos processos de formação de atitudes políticas, e 86

que antes do início da campanha, cerca de 50% do eleitorado já sabia em quem votar. Por isso, centraram o seu objecto de estudo nos outros 50%, nos indecisos, analisando a sua teia de relações sociais, dentro das quais “a tendência para gerar atitudes partilhadas pelos outros componentes do grupo vem realçar a existência dos líderes de opinião e a sua função de mediadores entre os meios de comunicação e os outros indivíduos menos interessados e menos participativos na campanha presidencial (os não líderes)” (Ibid 1995: 47).

Este novo fluxo de comunicação a dois níveis, no estudo original denominado Two step flow é apenas um dos processos de formação de atitudes de um indivíduo enquanto membro de um grupo. O outro é a cristalização das opiniões, ou seja, a opinião que é formulada com base na troca recíproca de informações entre indivíduos do mesmo grupo, tal como explica Wolf (1995: 48): “Os líderes de opinião e o fluxo comunicativo a dois níveis são apenas uma modalidade específica de um fenómeno de ordem geral: na dinâmica que gera a formulação da Opinião Pública – dinâmica em que participam também os mass media – o resultado global não pode ser atribuído aos indivíduos considerados isoladamente; deriva, pelo contrário, da rede de interacções que une as pessoas umas às outras”.

Este é um conceito que coloca em causa a teoria da comunicação de massa, causando uma reviravolta na investigação acerca da comunicação, onde surge com maior valor a comunicação interpessoal, pois “a influência pessoal que se desenvolve entre indivíduos parece ser mais eficaz do que a que deriva directamente dos mass media” (Ibid 1995: 48), sobretudo porque individualmente é mais fácil de atingir aqueles que estão mais predispostos a mudar de atitude, ou opinião. Mais tarde, outras investigações que visaram os líderes de opinião levaram à sua categorização como líderes locais e líderes cosmopolitas, com base nas características das suas relações sociais. O líder local é aquele que vive constantemente em comunidade, que participa em organizações formais no seio da mesma, na qual exerce uma influência baseada nos conhecimentos pessoais e nas suas competências específicas. Este adapta a mensagem dos meios de comunicação e valoriza mais as questões pessoais e humanas. O líder cosmopolita é mais selectivo na sua rede de contactos pessoais, é dotado de competência técnicas e científicas específicas, quase sempre em determinadas áreas temáticas e consome géneros mais elevados da comunicação de massas. Este pode ser por exemplo um comentador de um telejornal diário. Wolf frisa, no entanto, que a prevalência da comunicação interpessoal em relação à comunicação de massa foi observada nos anos 40, do século passado, e que 87

hoje os resultados obtidos tenderiam a ser bem diferentes, “com níveis de quase saturação na difusão dos mass media” (Ibid 1995: 51) Muito embora quantidade não seja qualidade e estando os média a chegar à quase totalidade das casas do ocidente, o mesmo não significa que sejam estes quem mais peso exerce no processo de formulação da Opinião Pública. Por isso mesmo se segue, no segundo capítulo desta exposição, um estudo exploratório, que tenta perceber este jogo de influências, onde estão em campo líderes de opinião e meios de comunicação social.

8. Opinião Pública em resumo

Em suma, a Opinião Pública surge sempre num contexto de espaço público, de troca livre de opiniões e é o resultado do debate destas mesmas opiniões, que se cruzam neste espaço. A Opinião Pública é como que a opinião mor, a opinião mais forte, que emerge de um vasto conjunto de deliberações acerca de um determinado assunto. É uma opinião representativa, ou seja, é como que a imagem generalizada do consenso em um determinado tema, se bem que este pode ser, e é, muitas vezes, inatingível. Ela existe maioritariamente nos países de regime democrático, sobretudo porque apenas existe quando a questão que levanta o debate é pública, do conhecimento da sociedade em geral, e não se limita a um grupo restrito de amigos, família ou colegas de trabalho. Surge sempre no seio de uma comunidade alargada (um concelho, uma região, etc.) ou de uma sociedade (os ocidentais pensam de determinada forma, enquanto os orientais têm outro tipo de padrões que os regen). Esta Opinião Pública ganha força na sociedade actual pelas mãos dos meios de comunicação social, primeiro com os de massa, e agora com os individuais como a Internet. São os meios de comunicação que lhe dão voz, expressão, mas que a ela também muitas vezes recorrem para que se possam alimentar a sua rotina produtiva. Com isto, pode ainda dizer-se que quanto menos controlados forem os meios de comunicação, mais fidedigna será a imagem que transmitem da Opinião Pública. Quando o tema é moral e controverso, raramente passando à margem dos meios de comunicação de massa, os média recorrem-se para dela fazerem notícia. Mas, e muito provavelmente, estão a fazer notícia daquilo que é o reflexo da cobertura feita pelos mesmos em relação a esse assunto controverso. À agendo do público sobrepõe-se a agenda dos média, e nela residem temas, que são debatidos na praça pública, grande 88

maioria, que estão a ser também incluídos na agenda mediática e debatidos das mais variadas formas nos meios de comunicação. Provavelmente, no último trimestre de 2009, muito se terá discutido publicamente o processo Face Oculta, nas trocas de ideias comuns do dia-a-dia, no café, à mesa em casa num jantar de família, no trabalho, etc., que nunca teria sido motivo de debate, nem extrapolado as paredes do DIAP (Departamento de Investigação e Acção Penal) de Aveiro, caso os média nunca tivessem feito notícia acerca deste. A Opinião Pública existe, mas a utilização do termo expandiu-se, e poder-se-á dizer que, em determinados momentos, é até banalizado. Recorre-se ao conceito de forma sistemática e superficial, sem ter em conta os condicionalismos que existem na sua formação. Esta não pode ser um mero dado estatístico, pois reflecte a opinião generalizada de uma determinada população, e nunca se conseguirá afirmar que determinada opinião corresponde à totalidade de uma população, limitando-se os estudos à análise de amostras. Por exemplo, dizer que segundo a Opinião Pública nacional, a Economia portuguesa está em recuperação, não significa que todos os cidadãos de nacionalidade portuguesa pensem desta forma, mas sim a maioria daqueles que foram seleccionados e inquiridos. A Opinião Pública existe, mas pode ser perfeitamente enviesada e utilizada como arma para atingir determinados fins. Dizer que a Opinião Pública portuguesa não concorda com o casamento de homossexuais, pode levar a que aqueles que concordam perante uma inquirição pública se retenham e digam que também não concordam, apenas como sinal de pertença à norma. Esta pode ser enviesada não só porque os média filtram a informação que lhes chega às mãos, tendo em conta poderes políticos, económicos e editoriais, nunca sendo passada na totalidade, mas também porque quando se fala em Opinião Pública, fala-se num somatório de opiniões de cidadãos, de indivíduos, de sujeitos subjectivos, o que poderá sempre levar ao enviesamento da opinião, por diversos motivos. Algo que Neumann tenta explicar com a Espiral do Silêncio. São múltiplos os indícios que podem condicionar uma opinião, desde as pessoas que constituem o grupo em que determinado indivíduo está inserido, até mesmo ao grau de interesse que a sondagem em causa tenha para o mesmo. Exemplo: se uma pessoa é questionada à saída do metro, no momento em que se dirige para o seu local de trabalho, sobre quem é o político português que mais credibilidade lhe transmite, responderá de forma menos calculada, do que outra qualquer que aguarda pelo próximo comboio a entrar na estação. O factor tempo parece uma coisa simples, mas pode perfeitamente comprometer os resultados de uma pesquisa de opinião. 89

A Opinião Pública pode ser o reflexo de todas as experiências locais numa comunidade, o reflexo de todas as vivências individuais ou em grupo, num determinado sítio, contexto ou momento, onde o indivíduo está em contacto com os mais variados agentes de influência. O ser humano tende a expressar opinião quando o assunto é controverso e moral, o que acontece, quase sempre, associado ao factor inovação, onde são sempre discutidos os prós e os contras. Tome-se como exemplo o surgimento da televisão, anunciada por muitos como a morte da rádio. Teoria protestada por outros tantos, que defendiam e defendem que a rádio é o meio de comunicação de massa, de excelência, pelo seu factor intimista e que, por isso, permanecerá, embora adaptada, às novas tecnologias. Com a inovação surge ainda outro aspecto de relevo, a mutabilidade da opinião. Ou seja, a Opinião Pública pode ser mutável. Hoje pensa-se de uma maneira em relação a um acontecimento, mas isso não significa que assim será no futuro. Contudo, para que haja Opinião Pública é preciso que a mesma opinião se mantenha uma quantidade de tempo razoável na ordem do dia. Partindo deste princípio, os temas de Política, Economia, Ciência e Religião podem ser considerados como aqueles onde mais facilmente se pode gerar Opinião, tendo em linha de conta que são, salvo raras excepções, assuntos que geram oposição, várias frentes de ideias e são problemáticos. No seio desta questão, a Internet surgiu como que uma lufada de ar fresco, não só porque qualquer indivíduo tem à sua disposição plataformas que lhe permitem dar o seu ponto de vista livremente, mesmo quando a sua opinião é contrária aos demais, pois muitas vezes é possível, inclusive, disfarçar a identidade, expressando as suas crenças de forma anónima. Contudo, e como se viu anteriormente, tenta-se, de forma crescente, controlar esta liberdade e este novo meio ao serviço da Opinião Pública, sobretudo por parte dos políticos e dos grandes grupos económicos, quem já detém há largos anos os meios de comunicação de massa.

90

Capítulo II

O Estudo Exploratório Há pelo menos três termos que são cruciais ao longo de toda esta investigação: líderes de opinião, meios de comunicação social e influência. Dentro de todo este processo comunicacional, a quem cabe a influência? Para que se consiga uma aproximação àquilo que pode ser um exemplo de um maior poder de influência por parte de uma ou de outra força na formulação da opinião do grande público, pretende-se levar a cabo um estudo, na cidade de Macedo de Cavaleiros. Seleccionou-se uma amostra de 30 pessoas, aleatoriamente, de ambos os sexos, e residentes na cidade mencionada, que depois da resposta a um questionário, dividido em três temas, catalogados por nacional, regional e local, será submetida a diferentes estímulos. Os 30 elementos, voluntários, serão divididos em três grupos, os quais são apelidados de A, B e C. O grupo B é exposto a várias notícias difundidas nos meios de comunicação nacionais, regionais e locais sobre os três assuntos, ao passo que o grupo A conta com a exposição à opinião de dois líderes de opinião locais: um vereador da oposição na autarquia de Macedo de Cavaleiros e líder de uma força política no concelho, bem como candidato à Câmara de Macedo de Cavaleiros em Outubro de 2009, e ainda um deputado municipal, da força política contrária, mas que também é carteiro de profissão e bombeiro voluntário na corporação local, fazendo ainda parte da Igreja Católica local. A escolha destes dois elementos foi intencional, uma vez que os seus perfis encaixam naquilo que se pode designar como padrão de um líder de opinião local. Uma semana depois, ambos os grupos são expostos às devidas influências, as opiniões e informações das notícias difundidas acerca desses assuntos (Grupo B) e às opiniões e informações veiculadas pelos líderes de opinião locais (Grupo A). Numa terceira fase, com a excepção do grupo C, que não foi sujeito a qualquer estímulo, sendo o nosso grupo de referência, são chamados a responder, mais uma vez, ao mesmo questionário, apenas com uma ligeira alteração no final. É perguntado aos elementos da amostra se mudaram de opinião e, em caso afirmativo, porque o fizeram. É apenas com esta segunda fase do estudo que se conseguirá chegar a algumas conclusões sobre o processo de influências que se pretende testar, analisando a qualidade das respostas dadas numa primeira abordagem, comparativamente com 91

aquelas que são dadas num segundo interrogatório. Perante possíveis mudanças, poderse-ão retirar conclusões sobre quem assume o papel mais preponderante de influência, sobretudo num contexto de pequena cidade, como o caso de Macedo de Cavaleiros, que tem cerca de 10 mil habitantes.

1. Os líderes de Opinião Rui Vaz – Licenciado em Psicologia pelo ISLA, o Instituto Superior de Línguas e Administração. É desde 1993 empresário a título individual e em Junho de 2005 assumiu a presidência do NERBA, o Núcleo Empresarial de Bragança. De destacar a sua passagem pela Associação Comercial e Industrial de Macedo de Cavaleiros, entre 1995 e 2002. Quanto à vida política: aos 19 anos já era deputado municipal, e desde as últimas eleições autárquicas que é vereador da oposição na Câmara Municipal de Macedo de Cavaleiros. É ainda líder da concelhia socialista de Macedo.

Adérito Choupina - Está ligado à vida política de Macedo de Cavaleiros, no seio do PSD, onde exerceu funções como deputado na Assembleia Municipal local, de 2005 a 2009. Trabalhador dos CTT, como carteiro, até Novembro de 2009, altura em que ingressa no Gabinete de Educação, Cultura e Acção Social da Câmara Municipal de Macedo de Cavaleiros. É ainda conhecido pela sua contínua ligação à Igreja Católica, onde desempenha diversas funções.

2. As histórias… 2.2.1 Caso Nacional – Alexandra a “menina russa” Alexandra, também apelidada de “Xaninha” pela família de acolhimento com quem vivia desde os seus 17 meses, em Barcelos, foi dada à mãe biológica, Natália Zarovina, que embora de nacionalidade russa estava há já alguns anos emigrada em Portugal. A decisão chegou do Tribunal da Relação de Guimarães e a “menina russa”, 92

assim também chamada pelos meios de comunicação social, foi entregue à mãe biológica, seis anos depois de conviver com os portugueses Florinda e João Pinheiro. Não só a mudança de pais, afectivos para biológicos, foi o único motivo que suscitou alarido no seio da população e trouxe este caso para a capa de todos os jornais, de referência ou não, e abertura de todos os noticiários, com os média a verificarem as condições em que iria viver Alexandra na Rússia, uma vez que a mãe biológica, por alegada falta de emprego em Portugal decidiu regressar ao seu país natal. Foi aqui que os média lançaram aquilo a que se pode chamar de furo ou bomba, na gíria jornalística. Alexandra abandonaria uma moradia citadina e uma família estável para viver numa pacata aldeia a cerca de 350Km de Moscovo com a avó (mãe de Natália), numa casa velha e mal cuidada, no distrito de Iaroslavl. Iniciam-se argumentos como os factores “psico-traumáticos” que não foram tidos em conta, questiona-se a integração da criança, que nem sequer sabe falar russo. Interroga-se a opinião pública se será esta mãe, que tem a agravante de ter problemas com o álcool e incitadora de desacatos, capaz de continuar a educar Alexandra dentro dos mesmos parâmetros que estava a sê-lo em Portugal. Eis que em meados de Maio de 2009, a televisão russa (NTV de Moscovo) filma, em dito flagrante, Natália Zarovina a esbofetear a “menina russa”, em pleno café, quando esta queria juntar-se à sua irmã mais velha, Valéria. Natália desculpa-se com a família portuguesa por “sempre a ter deixado fazer tudo”23. Volta à carga dizendo que o casal português queria Alexandra para lhe “retirar órgãos” e “vendê-los”, ou então “mandá-la para uma casa de prostituição”. Indignados, os portugueses ainda tentaram uma ida à Rússia, à estação de televisão Canal 1 para um debate onde também iria estar presente a mãe biológica de Alexandra. Esta seria ainda mais uma oportunidade que o casal português teria para ver e conversar com Alexandra, uma vez que as autoridades russas haviam prometido que trariam a menina da pacata aldeia até à capital. Mas, um alegado problema com os vistos impossibilitou que o casal tenha feito a viagem. As notícias do caso continuam a chegar da Rússia, desta feita em Julho, dizendo que Natália tinha aceitado emprego, aliás vários, pois tratava-se de várias propostas ligadas à costura e à restauração. Natália não terá recusado as propostas, ao contrário do que afirma o casal português, pelo menos segundo avançou Liudmila Gurova, a directora do Centro de Emprego russo. Também Alexandra parece estar mais integrada, 23

In http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1382917, publicado a 26.05.09, consultado a 31.07.09

93

pois segundo as autoridades russas, já frequenta o infantário de Pretchistoe, uma pequena vila onde vive parte da família de Zarovina. Também Anatoli Kutcheren, presidente da comissão para a reforma judicial junto do presidente da Rússia, veio a público confirmar a dificuldade que a criança terá na sua inserção, uma vez que praticamente não fala russo e poderá mesmo introverter-se porque não tem ninguém que fale português com ela. “Ela praticamente não fala russo e não se compreende muito bem como poderá estudar na escola. Não tem ninguém com quem falar português, por isso deverá esquecer a língua que, no fundo, é a sua língua natal, e desconhece-se se irá dominar plenamente o russo”24

É este mesmo responsável que diz, no entanto, que continua a considerar que “o tribunal português tomou uma decisão legítima”, pois “não tinha qualquer razão para separar à força a mãe da filha”. Os direitos da criança são também objecto da intervenção do conhecido advogado russo, que considera que é a partir destes que se devem entender as partes em conflito. A Alexandra tem falado ao telefone com os pais afectivos, que em Portugal continuam a tentar criar condições (como encontrar emprego e casa) para que Natália possa regressar e traga a filha, com quem já está desde o dia 20 de Maio de 2009. No dia 27 de Maio, uma semana depois da decisão do Tribunal de Guimarães, o semanário Expresso avançava com a notícia de que existiam mais três casos semelhantes no mundo, que envolvia mães russas que pediam a guarda dos seus filhos e que nenhuma até ao momento tinha conseguido o aval da Justiça, ao que parece que terá sido em Portugal e com Natália a primeira vez. Outro caso que mobiliza actualmente a opinião pública russa é o de Irina Belenkaia, acusada pelo ex-companheiro, um cidadão francês, de raptar a filha, Élise André, de três anos. A mulher foi hoje entregue pelas autoridades húngaras à Justiça francesa, no cumprimento de um mandado de captura internacional emitido após desconhecidos espancarem o pai na sua terra natal, no sul de França, e levarem a criança para parte incerta, em meados de Março. 25

A terceira história diz respeito a um finlandês, que conseguiu trazer de volta o seu filho de 5 anos, que havia nascido na Finlândia e tinha sido levado para a Rússia pela própria mãe.

Num outro caso, a 12 de Abril, o cidadão finlandês Paavo Salonen retirou o seu filho da Rússia com a ajuda de um funcionário do consulado finlandês em São Petersburgo. O cidadão finlandês justifica o rapto com o facto de a criança de cinco anos ter nascido na Finlândia e ter sido levada pela mãe sem autorização do pai.26 24

Declarações do responsável publicadas no Diário Digital In http://aeiou.expresso.pt/gen.pl?p=stories&op=view&fokey=ex.stories/517154 - publicado a 27 de Maio de 2009, consultado a 01 de Agosto de 2009 26 ibid 25

94

Voltando ao caso Alexandra, quanto ao pai biológico, aqui ainda não referenciado, sabe-se apenas que é de nacionalidade ucraniana e que terá emigrado para Espanha, regressando a Portugal, onde trabalha na cidade do Porto, vindo agora a público dizer que pretende ajudar no regresso de Alexandra a Portugal, pedindo a sua guarda. Há ainda mais um aspecto significativo em toda esta história, que mexe com a moral, que terá suscitado ainda mais a sua discussão pública, que foi o facto de o próprio juiz que tomou a decisão de entregar Alexandra à mãe biológica ter vindo a público prestar declarações sobre o caso, quando tal não é permitido e dizer que teria ficado constrangido com as imagens que tinha visto na televisão. O juiz que a 24 de Abril de 2008 toma a seguinte decisão:

Decisão: Em face do exposto, concede-se provimento ao recurso e revoga-se a sentença, dando-se sem efeito a medida de protecção decretada relativamente à menor Alexandra T. que será de imediato entregue à mãe, ordenando-se, por conseguinte, o arquivamento do processo de promoção e protecção instaurado. Sem custas. *** Remeta cópia desta decisão às entidades acima referenciadas, para conhecimento. *** Guimarães, 24 de Abril de 200827

Depois das supostas agressões de Natália Zarovina a Alexandra, Gouveia Barros, o juiz relator do Tribunal da Relação de Guimarães, em declarações exclusivas ao semanário Expresso disse ter ficado “perturbado e surpreendido” com o que viu na televisão e avançou ainda que durante o processo de audições tomou conhecimento de que a criança “já se queixava de agressões” por parte da progenitora. Ainda assim, Gouveia Barros garante não serem razões suficientes para separá-las. "No processo, a criança já se queixava de algumas agressões físicas da mãe. Mas esse não é motivo para eu separar uma mãe de uma filha".28

Segundo o mesmo juiz não havia no processo qualquer facto que indicasse que a mãe era alcoólica ou prostituta e que a lei defende a manutenção da mãe biológica com a criança. Quanto ao facto de o processo ter sido resolvido a uma velocidade recorde 27

In http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/3f15b684ad7384368025744a004f8834 ?OpenDocument – consultado a 05 de Agosto de 2009 28 In http://aeiou.expresso.pt/juiz-do-caso-alexandra-estou-perturbado-com-as-imagens-datelevisao=f517353 – publicado a 28 de Maio de 2009, consultado a 5 de Agosto de 2009

95

para a Justiça Portuguesa, o responsável garantiu ao mesmo órgão de comunicação ter ocorrido desta forma devido ao processo de expulsão accionado pelo SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) que pendia sob a mãe de Alexandra.

"Se ela (Natália) continuasse a viver em Portugal, a nossa decisão não poderia ser a mesma. A mãe não tinha condições de habitabilidade, nem estrutura financeira para tomar conta da miúda. Já a família de acolhimento, pelo contrário, tinha tudo para acolher a criança." E acrescenta: "Só um juiz insensato atiraria uma garota para o colo de uma mãe sem condições para a educar e tomar conta dela."29

Gouveia Barros esteve a par das notícias que sairam, todos os dias, nos média, mas deixou de ver telejornais e apenas passou os olhos superficialmente pelos jornais diários, porque o caso o afectou “pessoalmente”, termina dizendo mesmo que foi alvo de críticas injustas de pessoas que nem leram o acórdão do caso. 2.2.2 Caso Regional – A4 Auto-estrada transmontana

Parece que finalmente Bragança deixará de ser o único distrito do país que ainda não tem um único quilómetro de auto-estrada. O ano de 2009 foi rico em anúncios por parte do governo socialista, liderado por José Sócrates. Por várias vezes, tanto o primeiro-ministro, como vários elementos do governo, deslocaram-se à região transmontana para anunciar as tão prometidas vias rodoviárias que irão fazer jus ao Plano Rodoviário Nacional, como se pode ler na página oficial da AE Transmontana. O Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, Mário Lino, e o Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações, Paulo Campos, participaram, a 10 de Dezembro, em Bragança, na apresentação do Contrato de Concessão da Auto-Estrada Transmontana, numa cerimónia presidida pelo Primeiro-Ministro, José Sócrates. O evento teve lugar 15 dias após a assinatura do Contrato da Concessão do Douro Interior, que ocorreu a 25 de Novembro.30

Esta apresentação decorreu a 10 de Dezembro de 2008, muito embora tenha sido em Novembro de 2007 que a concessão foi entregue à empresa auto-estradas XXI, que desde a celebração do contrato ficou ainda responsável pela manutenção do actual traçado do IP4. Com uma extensão de 186km, na sua totalidade, dos quais 130 são completamente novos e os restantes consistindo na remodelação do traçado do itinerário principal, a auto-estrada transmontana engloba ainda a construção de um túnel de 6km, 29 30

Ibid In http://www.aetransmontana.pt/noticia.aspx?id=81 – consultado a 15 de Julho de 2009

96

na Serra do Marão, que ligará Amarante a Vila Real (do qual as obras já estão no terreno). Depois de concluída, sendo 2011 o ano apontado para a conclusão da infraestrutura, a AE ligará a A4 em Amarante à fronteira de Quintanilha, sendo possível realizar a viagem Porto-Espanha sempre em quatro faixas. Da informação institucional da obra, compete ainda que se refira os valores do investimento:

O investimento com a construção inicial por parte do adjudicatário está estimado em 440 milhões de euros (valor inferior ao anunciado pelo Governo no lançamento do processo concursal), prevendo-se que o total ronde os 800 milhões de euros. Destes 800 milhões de euros, 292 destinam-se à operação e manutenção durante os 30 anos contratualizados. O consórcio Auto-Estrada XXI conta com financiamento concedido pelo BPI, BBVA, Santander Totta e Caja Madrid, para além de um apoio significativo do Banco Europeu de Investimento (BEI) na ordem dos 291 milhões de euros. 31

Uma das grandes bandeiras da construção da AE é a provável e alegada diminuição dos acidentes rodoviárias, aos quais o IP4 já foi habituando as populações dos principais concelhos que sairão directamente beneficiados com a obra: Amarante, Vila Real, Sabrosa, Murça, Alijó, Mirandela, Macedo de Cavaleiros e Bragança. Segundo números do governo, a sinistralidade deve diminuir em cerca de 65%, o que pode significar menos 19 mortos e menos 23 feridos graves por ano. Outro dos principais argumentos utilizados pelo executivo de José Sócrates para a construção da AE consiste no número de empregos que a auto-estrada vai criar directa e indirectamente. Um empreendimento com estas características deverá gerar à volta de 9.000 empregos. Uma grande infra-estrutura de transporte como a Auto-Estrada Transmontana criará postos de trabalho associados às fases de construção, exploração e manutenção da via (emprego directo), bem como emprego indirecto, que se estima ser criado em resultado da melhoria das acessibilidades promovidas pela nova Concessão. 32

Curiosa é a preocupação do governo com a opinião pública acerca do tema da construção da AE transmontana. No próprio sítio internet que o Estado criou para publicitar a obra é possível no link “A nossa região” saber o que pensam alguns transmontanos da obra, desde responsáveis de associações empresariais, a enfermeiros, deputados, administrativos, gerentes comerciais, vice-reitor da UTAD (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro) e presidente do IPB (Instituto Politécnico de Bragança), ou seja, líderes de opinião locais.

31 32

ibid ibid

97

Mas, esta obra já foi várias vezes prometida por anteriores governos e até hoje ainda não foi executada. Indecisões que permitem aos transmontanos algum cepticismo em torno do assunto e que leve alguns a pensarem mesmo que se trata apenas de mais uma promessa eleitoral. As obras deviam ter começado no terreno, tal como prometido, em Julho de 2009, mas já se iniciaram com algum atraso. Mota Andrade, deputado socialista eleito por Bragança, garantiu, em declarações à Rádio Onda Livre Macedense33 que a culpa dos atrasos é inteiramente do empreiteiro e que o prazo de conclusão da mesma não está em causa e continua a ser 2011. “O túnel do Marão já está em execução. Em termos de obra, a auto-estrada transmontana arranca quarta-feira e iniciar-se-á pela variante a Bragança e também o prazo de conclusão da execução é a data de 2011”. 34

A própria CCDRN (Comissão de Coordenação do Desencolvimento Regional do Norte) lembra que só Bragança não tem auto-estrada para que o norte fique todo ao mesmo nível no que às rodovias diz respeito. A perspectiva é praticamente unânime, mesmo para quem apenas visita a região. Que o Norte "é reconhecida, à escala europeia, como uma das regiões melhor apetrechadas ao nível das rodovias de altas prestações", como nota o vice-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Norte, Paulo Gomes, é uma evidência que só os transmontanos, ainda à espera da auto-estrada até Bragança, podem, por enquanto, contestar.35

O mesmo artigo lembra ainda que o futuro passa pela sustentabilidade e pela economia ambiental, daí que talvez seja hora de esquecer a aposta nas rodovias e começar a aposta nas ligações ferroviárias inter-regionais e intra-regionais.

2.2.3 Caso local - Paragem de autocarros de Macedo de Cavaleiros

Há vários anos que a Central de Camionagem de Macedo de Cavaleiros é bandeira política dos vários candidatos à Câmara Municipal do concelho macedense. Nas eleições de 2005, o actual presidente da autarquia, Beraldino Pinto, garantiu que seria no mandato que chegou ao fim em Outubro de 2009, que a tão esperada infraestrutura surgiria.

33

Rádio local de Macedo de Cavaleiros, inserida no projecto CIR (Cadeia de Informação Regional), que abrange as redacções de oito rádios dos distritos de Bragança e Vila Real. 34 Declarações a 22 de Julho de 2009 in www.ondalivre.fm (arquivo) 35 In http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1394594&idCanal=2100, publicado a 04 de Agosto de 2009, consultado a 11 de Agosto de 2009.

98

No local param diariamente autocarros de três empresas rodoviárias, com ligações para vários pontos do país, traduzindo-se em centenas de pessoas que utilizam o espaço todos os dias. Dois pequenos pré-fabricados servem de abrigo às bilheteiras e aos utentes dos demais autocarros. No local não existe qualquer sanitário. Verão ou Inverno as condições são as mesmas, a única coisa que muda é o número do autocarro a cada hora. A cidade de Macedo de Cavaleiros encontra-se no eixo do IP4 com o IP2 e por isso a sua centralidade geográfica permite-lhe uma grande dinâmica a nível dos transportes rodoviários, mas as infra-estruturas em nada se assemelham a esta localização geográfica estratégica. Culpas? “Macedo de Cavaleiros tem duas estruturas de metal, com cerca de 20 metros quadrados, que são as paragens dos autocarros. Estas estruturas pouco diferem das que há em qualquer aldeia, e estão dimensionadas para a utilização ocasional e por um número muito reduzido de pessoas” 36

São os condutores dos autocarros, os utentes e os taxistas que encontram inconvenientes nesta infra-estrutura. No caso dos taxistas, os lugares de estacionamento não estão reservados a estes profissionais, que chegam a ocupar o espaço destinado aos utentes e aos autocarros. A solução que aparentemente parece mais fácil é o estacionamento em segunda fila, provocando ainda maior desordem na altura de mais movimento da paragem. Mas, nem só o actual presidente de Câmara, reeleito em Outubro de 2009, prometeu obras, já outros antes de Beraldino Pinto, que ocuparam o cargo antes de 2001, o haviam feito, mas, mais uma vez, apenas se tratou de uma promessa. Apesar de ter vindo a ser anunciada pelos candidatos à Câmara nos últimos 16 anos como uma das “prioridades” para o concelho, de ter figurado no Plano de Actividades desde 1999 e de ter visto o projecto aprovado em Fevereiro do ano passado - passo que levou a actual gestão da autarquia a prever o lançamento da construção do equipamento até ao final de 2008 - só na reunião da segunda-feira passada foi aprovada a proposta de aquisição da parte do terreno que falta para ser a construção da Central de Camionagem de Macedo. 37

Agora, em Julho de 2009 e em reunião de Câmara, foi deliberada a aquisição do terreno para a construção da mesma. Contudo, parece que a escritura apenas poderá ser assinada em finais de 2010, momento em que a Câmara Municipal de Macedo acabará de pagar o terreno adquirido. Logo, antes de finais de 2010 não haverá obras no terreno e, possivelmente, depois de concluída já terão passado 18 anos de promessas. 36 37

In Jornal Cipreste, II série, nº3 – Mensal, 15 de Agosto de 2009, consultado a 18 de AGOSTO 2009 In Semanário Transmontano, edição de 24 de Julho de 2009, consultado a 15 de Agosto de 2009

99

3. Caracterização sócio-demográfica da área de inserção do estudo

O concelho de Macedo de Cavaleiros conta apenas com 150 anos de existência, tendo como sede a cidade que lhe dá o nome. Estende-se numa área de 699,3km2 e tem 38 freguesias, num total de 67 localidades. Segundo os últimos censos realizados em 2001, o concelho registava 17440 habitantes, tendo a cidade a maior representação, com cerca de 10 mil habitantes. O sector terciário, de acordo com esta mesma fonte, representava na altura 58% da população activa. As restantes percentagem são divididas pela pouca indústria que existe no concelho, 21% e pela agricultura e pecuária, que apesar de estarem cada vez mais em desuso, ainda ocupam uma fatia considerável da população, 22%. A maior parte do concelho de Macedo de Cavaleiros está situado a uma altura de 600 a 700 metros, sendo o Montes de Morais (Rede Natura 2000) e a Serra de Bornes as montanhas mais proeminentes. Dos solos do concelho saem matérias-primas como vinhos, cerais, azeite e castanha, bem como carnes de bovino, ovino e caprino. A jóia da coroa é a Paisagem Protegida da Albufeira do Azibo, que resultou da construção da barragem em 1982, há vários anos com praia fluvial, que é há seis anos consecutivos distinguida com a bandeira azul. O concelho de Macedo de Cavaleiros foi criado em 1853, sendo Macedo ainda uma aldeia. Em 1863, D. João V denomina Macedo um reguengo real, elevando-a a vila. Só em 1999 adquire o estatuto de cidade.

4. Os resultados

4.1 Opinião Pública no Caso Alexandra

No que respeita à entrega da menina russa à mãe biológica, ordenada pelo Tribunal da Relação de Guimarães, a maior parte dos inquiridos discorda completamente com esta decisão, sendo que apenas 10% respondeu favoravelmente, como se pode constatar no gráfico seguinte. Muitos consideram que ser mãe é dar carinho e amor e não só colocar no mundo e foi também preponderante o número dos que justificaram a sua resposta com o facto

100

da língua, considerando que Alexandra falava português e não russo, logo deveria ficar em Portugal com a família de acolhimento.

Gráfico 1 Concorda com a decisão do Tribunal de Guimarães?

27

30 25 20 Número de Respostas

15 10 3 5 0 Sim

Não

Também há quem reconheça que juridicamente a família de acolhimento não tem qualquer direito a ficar com a criança, mas mesmo assim discorda com a entrega à mãe biológica, sobretudo tendo em conta a parte afectiva e emocional da criança. “Os afectos não se escolhem e não se retiram”. Há ainda quem refira que o caso deveria ter sido mais “amadurecido antes de uma decisão definitiva”, uma vez que a menina foi enviada para “uma família que nunca tinha visto e um país que não conhecia, onde nem sequer compreendia a língua. Alguns dos inquiridos temem por isso que haja consequências negativas quanto à sua estabilidade futura a nível psíquico e emocional. Dos que não concordam com a decisão há quem denote que Natália nunca demonstrou “grande interesse pela criança e pelo seu bem-estar”. De sublinhar que houve referências ao vídeo que apareceu na comunicação social, onde era mostrada a mãe biológica a bater em Alexandra, e que, perante tal exemplo afirme que é “impossível que aquela criança seja feliz naquele ambiente”.

101

Gráfico 2 Características da mãe biológica

1; 1% 2; 2%

19; 15%

26; 20%

22; 17%

3; 2% 24; 19%

27; 21%

1; 1%

2; 2%

Má Boa Preocupada Despreocupada Carinhosa Rude Trabalhadoa Desaplicada Limpa Suja

Dos poucos que concordam com a “entrega” destacam-se como argumentos o facto da progenitora parecer ter “recuperado” e ser agora “capaz de exercer a sua função”, daí que tenha direito a uma segunda oportunidade”. Consideram que sendo a família natal de nacionalidade russa, e tendo em conta que esta a aceita, é com esta que deve ficar. Para outros, trata-se de uma questão de obedecer à lei. “O Tribunal não tinha outra alternativa, daí que concorde. Embora tenha havido falta de coragem da Segurança Social”. Mesmo os que concordam salientam que deveria ter havido mais protecção da menor e dos seus interesses. A maioria dos inquiridos que discorda da “entrega” do Tribunal também se reflecte na visão que é tida da mãe biológica, Natália, sendo que 27,2% chega a considerá-la rude, 26,2% de desaplicada, 24,19% dizem que é despreocupada e 22,17% referem que é má. Apenas 1,1% vê Natália como uma pessoa trabalhadora. Influenciados por este caso, ou não, são muitos os que dizem não ter confiança na Justiça Portuguesa. Apenas 20% afirma ter confiança nos tribunais nacionais. Tomam este caso como exemplo e argumentam que a Justiça “deixa muito a desejar”, com os culpados a saírem impunes, tratando-se, regra geral, de pessoas ricas e poderosas, com altos estatutos sociais. Outros apontam a sua morosidade. “Não dá andamento nem desfecho aos casos”. Para além de lenta, é ainda “branda, confusa, pouco eficaz, corrupta e dispendiosa”. Quanto à acessibilidade da mesma, existe apenas para alguns, principalmente para os que têm “dinheiro”. O processo Casa Pia também surge como um dos exemplos que leva a maioria a não confiar na Justiça Portuguesa. 102

Gráfico 3 Confia na Justiça Portuguesa?

24 25

20

15

Número de respostas

10

6

5

0 Sim

Não

Os que confiam advogam que os erros vêm da legislação e não da Justiça em si e que, por isso, “precisamos de legisladores à altura e de acordo com as nossas necessidades”. Expõem que esta era a única hipótese que tinha o Tribunal, no “Caso Alexandra” e que “os casos que têm um desfecho injusto são menos do que os que têm o melhor desfecho possível”. Questionados sobre o que pensavam deste tipo de situações de “guerra aberta” entre famílias biológicas e de acolhimento é mais uma vez um ditado popular que resume todas as afirmações apresentadas: “casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”. Chegam a declarar que este tipo de “espectáculos” que se geram em torno de uma criança são autênticos “absurdos”, bem como “um desperdício de energia e uma falta de manifestação de afecto em relação às crianças”. Há ainda quem sublinhe que estas “guerras” são travadas sobretudo pelos pais biológicos, mas não pelos que têm verdadeiro amor aos seus filhos, que apenas os entregam ao cuidado de outras famílias porque não têm posses, mas sim “pelos pais biológicos que nunca desejaram os filhos e que não se preocupam com eles”. Estas “guerras abertas” são sinónimo de que “continuam sem se preocuparem com eles, com o seu bem-estar físico, emocional, psicológico e de desenvolvimento integral”. Com toda esta “falta de maturidade emocional” é a criança, mais uma vez, quem mais sofre, sendo a única que, no meio de toda a confusão, nunca é questionada sobra a 103

sua vontade e sobre os seus verdadeiros quereres. “O único pensamento que me ocorre é que há sempre inocentes que não entendem o que se passa à sua volta e sofrem muito com isso”, resumia um dos indagados. Quanto ao local onde os macedenses consideram que Alexandra terá mais oportunidades, nomeadamente ao nível do seu desenvolvimento psíquico-social, é Portugal que aparece como local de eleição, conseguindo a Rússia apenas 16,6% das escolhas. Rússia porque a criança “parece estar integrada e feliz” e porque sendo educada pela sua família biológica tem “mais hipóteses de progredir no seu país”. Mas, alguns apenas respondem que é na Rússia que a Alexandra terá mais oportunidades porque “foi o país onde a obrigaram a esperar por essas oportunidades” e porque “é lá que está agora”. Em Portugal, encontraria “mais segurança” e sobretudo porque “já sabe falar português”. É cá que tem uma família “organizada e idónea”, que lhe proporcionam um crescer com “estabilidade emocional e social”. No nosso país é mais facilitado “o acesso a tudo”, já tendo criado aqui as suas raízes e laços, começando mesmo já a “estruturar a sua personalidade”. A quem não dá importância ao local, está mais preocupado com o facto de agora, tanto num país como no outro, os meios de comunicação social estarem debruçados sobre a história, tentando esmiuçar ao máximo ambas as famílias, mas “com o tempo, a Alexandra vai ser esquecida pelos meios de comunicação que a deram a conhecer ao mundo.” Gráfico 4 Onde terá Alexandra mais oportunidades?

25 20

Número de Inquiridos

15 10 5 0 Portugal

Rússia

104

A finalizar este tema, era pedido ainda aos macedenses presentes no estudo que classificassem, escolhendo um adjectivo, a integração da menina na Rússia, uma vez que é lá que mora já há alguns meses.

Gráfico 5 Integração da Alexandra na Rússia

1; 2% 4; 8% 9; 17%

21; 40%

16; 31%

1; 2%

Fácil Difícil Espontânea Imposta Gradual Impossível

Da lista onde se encontravam os adjectivos: fácil; difícil, espontânea, imposta, gradual e impossível. Em 21,4% dos casos consideram que a integração vai ser difícil, ao passo que 16,3% dizem mesmo que será imposta. De realçar que 9,17% responderam que a Alexandra terá uma adaptação gradual. Só 1,2% disse que será fácil e espontânea. Para 4,8% ela será mesmo impossível. De uma forma geral, os macedenses não vêem com bons olhos a saída de Alexandra de Portugal para a Rússia e o consequente “abandono” da família de acolhimento. São cépticos quanto ao futuro promissor de Alexandra na Rússia.

4.2 Opinião Pública na A4

Muito porque este estudo foi desenvolvido na cidade de Macedo de Cavaleiros, poucos foram os que não mencionaram que a auto-estrada está projectada para passar no concelho, e às portas da sede do município, no actual traçado do IP4. O mesmo se reflectiu no caso de Mirandela, o município vizinho. Em ambos os casos, quando questionados sobre que municípios serão abrangidos pela Auto-Estrada Transmontana (A4), nos distritos de Bragança e Vila Real, 90% responderam estes dois concelhos 105

maioritariamente, seguindo-se Bragança e depois Vila Real, como os municípios mais mencionados, e só a seguir outros concelhos da região, que foram apontados esporadicamente, o que se pode confirmar através do gráfico apresentado.

Gráfico 6 Percurso Auto-estrada transmontana Macedo de Cavaleiros Mirandela Valpaços Bragança 25

23 23

Vila Real Moncorvo

20

Número de respostas

Freixo

14

15

Carrazeda 9

10

Miranda do Douro

7

5 1

6 2

1 1

2

3 1

0

Murça 2

3 1

Chaves Amarante

Municípios abrangidos

Alijó Vila Flor Vinhais Não sabe ou não responde

De salientar que 10% ou não respondeu, ou não mencionou qualquer município por onde irá passar a AE. Quanto à data da sua conclusão há muita confusão, e das quatro datas possíveis que lhes foram apresentadas, apesar de 50% referir que a via abra ao trânsito em 2012, 26,6% refere que será em 2011, aparecendo ainda referências a 2010 e 2013 com 6,6%. Há 10% que não sabe, ou não responde, qual a data de finalização das obras.

106

Gráfico 7 Data de conclusão das obras

15

16 14

2010

12 10

8

Número de respostas 8

2011 2012

6 4

3 2

2013

2

2

0

Conforme mostra o gráfico abaixo exposto, em relação à esperança que seja desta vez que Bragança deixa de ser o único distrito do país que não tem um único quilómetro de auto-estrada, a maioria está crente que sim (63,3%), muito embora ainda haja um número considerável de cépticos (23,3%), que assim o respondem porque Trásos-Montes é uma região “muitas vezes esquecida” pelo poder central. Há quem acredite que vá ser melhorada a rede viária, mas não ao ponto de ser um auto-estrada a ligar Vila Real e Bragança.

Gráfico 8 Bragança deixa de ser o único dikstrito sem AE?

19 20 18 16 14 Número de 12 Respostas 10 8 6 4 2 0

Sim Não

7

Não sabe ou não responde

4

107

Os mais confiantes lembram que já há adjudicações de obra feitas e que, se o governo prometeu, vai cumprir. Outros há que garantem já ter visto movimentações no terreno e que “os transmontanos merecem”, não só porque “o restante país já tem autoestrada”, mas também porque a região necessita de mais “uma entrada de desenvolvimento”. Há quem ateste que “finalmente olharam para Trás-os-Montes como uma região e não como o fim-do-mundo”. 13,3% optaram por não responder a esta questão, tendo havido quem respondesse que prefere “esperar para ver”. E depois de concluída a AE, como ficará a região? Dentro de um conjunto de aspectos positivos e negativos, do qual poderiam escolher mais do que uma opção, a maioria optou por indicar que a região transmontana nunca mais será a mesma, pois terá Mais oportunidades (86,6%). Apenas 6,6% pensa que a região ficará Na mesma e mais há que depositam a esperança no desenvolvimento, reafirmando que a região ficará Mais desenvolvida (46,6%) e mais Próxima do Litoral (40%). Curioso, nestes dados, é a existência de um grupo ainda considerável que presume que a região ficará mais Vulnerável (33,3%) e Despovoada (13,3%).

Gráfico 9 Como fica a região, após a AE?

30

26

25

Na mesma

20

Mais desenvolvida Próxima do litoral

14

Número de respostas 15

12 10

Despovoada

10 4 5

Mais oportunidades Vulnerável

2

0

108

4.3 Opinião Pública sobre Paragem dos Autocarros

Na temática mais local é a pequenez da Paragem dos Autocarros de Macedo de Cavaleiros que merece maior destaque por parte dos inquiridos e só depois surgem aspectos como a sujidade ou a comodidade. 73,3% consideram a paragem Pequena, enquanto que 23,3% a mencionam como Suja. Ninguém se atreve a referir que a Paragem dos Autocarros é Grande ou Cómoda e 33,3% chegam mesmo a mencionar outras características da mesma, todas negativas, fazendo alusão à falta de condições básicas na espera e transbordo entre autocarros. Todos os inquiridos responderam claramente que a população merecia uma Paragem de Autocarros melhor, e que está mesmo na altura de Macedo de Cavaleiros ter uma central de camionagem, que tenha uma sala de espera confortável, bem como instalações sanitárias. “É preciso uma zona de comes e bebes e onde se aguarde comodamente pelos autocarros”. Tendo em conta que há um elevado número de populares a utilizar este meio transporte, aliás a única alternativa à viatura própria, desde o encerramento da linhaférrea do Tua, em 1992, que passava na cidade, os populares consideram que “qualquer município merece ter condições nas paragens dos autocarros”, não só pela população residente, mas também pelos visitantes. Há referências ao facto da actual paragem dos autocarros não ser condizente com o desenvolvimento da cidade e não está a ser tido em consideração a situação geográfica do concelho de Macedo dentro do distrito de Bragança, “o coração do nordeste transmontano”. Sendo Macedo de Cavaleiros o terceiro maior concelho do distrito de Bragança “não deveria ser dos piores a este nível”, sendo uma “cidade populosa e com muito movimento” de passageiros.

109

Gráfico 10 Paragem dos Autocarros de Macedo de Cavaleiros

25

22

20

Limpa Suja Pequena Grande Cómoda Outros

15

Número de respostas

10 10

7

5

2 0

0

0 Características

E, apesar de existir um projecto de execução de uma central de camionagem, há já largos anos, o mesmo nunca avançou.

Gráfico 11 Porque ainda não avançou projecto de execução?

25

23 Falta de vontade política

20

Número de respostas

Falta financiamento

15

zz

10 5

Obra complexa execução

7 3

2

3

Dificuldades aquisição dos terrenos Não é prioridade

0

Segundo os macedenses, houve Falta de vontade política (76,6%), embora seja considerável a percentagem dos que consideram que a obra nem sequer é uma Prioridade para o concelho (23,3%). Já no que à esperança que a obra avance diz respeito, há quase um empate técnico entre Sim e Não. 43,3% acha que Macedo de Cavaleiros terá em breve uma 110

Central de Camionagem, mas 50% pensa que não. Há também 6,6% que não sabe ou nada responde quanto àquilo que será o futuro desta obra.

Gráfico 12 Esperança quanto ao avanço da obra

15 16 13 14 12 10

Número de Respostas

Sim

8

Não

6 4

2

2

Não sabe ou não responde

0

Os que têm esperança que a Central de Camionagem avance reforçam a ideia de que já existe projecto e até financiamento para a obra. Por isso, apelam à confiança no actual executivo camarário, “apesar das falsas promessas”, que foram feitas em anteriores corridas autárquicas. Avança porque “é uma prioridade para Macedo de Cavaleiros”, destacam aqueles que acrescentam que “seria mau demais atrasar esta obra outra vez”. Denotando que o financiamento para a obra chegará do próximo Quadro Comunitário de Apoio, “todas as obras emblemáticas a realizar no concelho terão de avançar no espaço de quatro anos”. Também o Turismo é trazido como uma das justificações para que a obra avance, pois trata-se de uma aposta deste executivo e uma saída para o desenvolvimento de Macedo. Outros pensam que por ter sido um tema bastante debatido durante a campanha para as eleições autárquicas de 2009, a obra avança “por uma questão de orgulho”, adiantando ainda que, uma vez que é o último mandato do actual presidente de Câmara, terminar esta obra nos próximos quatro anos pode significar “sair em grande, sair em braços”. Os mais descrentes apoiam-se no facto de “só se falar na Central de Camionagem em época de eleições”, antevendo que daqui a 4 anos se esteja a falar no mesmo, pois vai continuar a haver “falta de vontade política”. O alegado endividamento 111

da autarquia macedense também pode colocar em causa esta construção, e também porque a Câmara tem outras prioridades. “De certeza que vão sempre surgir coisas mais importantes. Como foi publicitado na campanha para as autárquicas, a Câmara tem um défice bastante grande, dificilmente avança no próximo ano.”

5. As influências 5.1 Grupo A - Exposição aos líderes de opinião

Neste subcapítulo analisa-se comparativamente os resultados obtidos nos inquéritos antes e após a exposição aos argumentos de dois líderes de opinião acerca dos mesmos três assuntos mencionados anteriormente. Constatam-se algumas mudanças pontuais de opinião no seio do grupo, que se passam agora a analisar mais pormenorizadamente: Caso Alexandra – Enquanto numa primeira fase as opiniões se dividiam apenas entre os que concordavam com a entrega à mãe biológica e os que discordavam, numa segunda fase do estudo houve quem estivesse já indeciso e respondesse que não sabia qual a sua opinião. Mantiveram-se o mesmo número de respostas em relação aos que concordavam com a decisão do Tribunal da Relação do Porto, mas diminuiu o número dos que discordaram numa primeira fase. Ou seja, não foi significativa a mudança de opinião, mas houve uma pequena alteração dos fundamentos dessa mesma opinião, provavelmente com base na opinião apresentada pelo líder de opinião local. A pessoa em causa, que fica na dúvida na segunda fase, diz: “talvez tenha sido uma decisão precipitada, mas olhando que ia para a mãe biológica e que esta estaria regenerada ou melhor”. Adérito Choupina (a quem se passa a chamar de líder 1), nesta mesma pergunta afirmou não se tratar de uma questão de concordar ou não concordar, mas sim de “analisar a forma como as famílias de acolhimento estão preparadas para serem famílias de acolhimento (…) mais dia, menos dia, vão ter de ceder a criança, por isso é que são famílias de acolhimento e não de adopção”. A única coisa com que este líder não concorda, e que eventualmente pode ter sido o argumento que levou este inquirido a ficar na dúvida quanto à resposta, é com “a forma abrupta com que todo este processo decorre”. Afirmação que pode ter influenciado, pelo menos uma das participantes no estudo, pois a sua explicação para a questão acerca do que pensa sobre as situações de “guerra aberta” entre famílias de acolhimento e famílias biológicas, responde que: “as 112

famílias de acolhimento não estão suficientemente preparadas para quando chega a altura de entregar as crianças aos pais biológicos”. Note-se que responde desta forma depois de ter sido sujeita ao visionamento da entrevista com os líderes, pois numa primeira fase nada mais disse do que achava ser “uma estupidez as famílias não se entenderem”. Já Rui Vaz (a quem se passa a chamar de líder 2) afirma serem duas questões que não se podem dissociar: a emocional e a lei. “A lei é para cumprir, mas sou daqueles que acha que a criança deve prevalecer, e depois de terem sido criados aqueles laços tão fortes, é uma crueldade separar a criança daqueles que foram os seus progenitores não biológicos”. Também aqui há um caso de uma outra inquirida que muda ligeiramente o seu ponto de vista. Inicialmente concordava com a doação da menina à mãe biológica, mas no segundo momento já estava indecisa, afirmando que “talvez (o tribunal) tenha tomado uma decisão um pouco precipitada”. Outro dos elementos deste grupo que mudou de opinião, e que inicialmente também não concordava com a entrega à família biológica, num segundo momento mudou de sentido, justificando que “nunca existiu um processo a solicitar que o exercício das responsabilidades parentais fosse entregue à família que a acolheu e a mesma família nunca foi família de acolhimento legalizada pela Segurança Social conforme a maioria das pessoas pensa” Veja-se o que diz o líder 1: “Acho que aqui há uma falha grave da parte da Segurança Social. Isto é recorrente e é sinal que não é dado o apoio psicológico. Agora, é melhor uma instituição? Uma família? Acho que o melhor é nascer e crescer no seio de uma família, do que crescer no seio de uma instituição, mas é preciso explicar isto às pessoas. O que estamos a fazer é dar a mão a uma criança para ela caminhar enquanto aqueles que lhe deviam dar a mão não têm fortaleza para lha poderem dar. Isto é como uma maratona, quem leva o testemunho só o leva até ao próximo, não o leva até à meta.”

113

Gráfico 13 Concorda com a decisão do Tribunal de Guimarães?

8 7

Sim 1 Não 1

6 5

Número de respostas

4

Sim 2 Não 2 Mais ou menos

3 2 1 0

Mais uma vez pode haver aqui uma pequena influência, tendo em conta o argumento deste líder de que a família de acolhimento não teve o devido acompanhamento durante todo este processo, não tendo sido preparada para deixar partir um dia a criança. Sobre as características da mãe biológica há muito pouco a salientar. Apenas que na primeira fase houve, ainda que de forma reduzida, quem considerasse Natália uma mulher trabalhadora e limpa, o que deixa de existir na segunda fase. Mas, de forma geral, as características Rude, Despreocupada e Desaplicada são as mais apontadas em ambos os ciclos do estudo.

Gráfico 14 Características mãe biológica Má Boa 9 8

9

Preocupada

8

7

8 7

8 7

6

6

6

6

6

Número de Respostas

Carinhosa

5 4

Rude 2

3 2

Despreocupad a

2

1

2 1

1

2 1

Trabalhadoa 0

1 0

0

Desaplicada 1

2

Limpa Fases do Estudo

Suja

114

Na questão da confiança na Justiça Portuguesa não houve qualquer alteração no sentido da resposta.

Gráfico 15 Confia na Justiça Portuguesa?

5

5

5

5

5

4,5 4 3,5 3

Número de Respostas 2,5

2 1,5

Sim 1 Não 1 Sim 2 Não 2

1 0,5 0

Enquanto na primeira fase do estudo, as opiniões sobre o local onde Alexandra terá mais oportunidades na vida variavam entre Portugal e Rússia, embora com mais predominância para o nosso país, embora este dado se mantenha, na segunda fase já há quem entre em dúvidas e não saiba o que responder. “Não sei bem. Se a mãe biológica se comportasse como tal, uma mãe afectuosa e dedicada, conseguiria fazer esquecer tudo o que a menina deixou em Portugal, embora com algumas mazelas” – este inquirido tinha respondido primeiramente que seria na Rússia que Alexandra tem mais oportunidades. Quanto aos líderes de opinião, o líder 2 é peremptório em afirmar que será sempre em Portugal que as oportunidades são mais e maiores. “Não tenho a menor dúvida de que será aqui”. Já o líder 1, desviando-se um pouco do cerne da questão, diz que o que importa não são as oportunidades, mas sim a felicidade da criança, acabando por não responder directamente onde Alexandra terá mais oportunidades. Há ainda a acrescentar outro dado curioso, pois uma das inquiridas, que no primeiro inquérito respondeu que seria em Portugal que Alexandra teria mais oportunidades, justificou a sua escolha dizendo que apenas o fez de forma “instintiva, não racional”. Por sinal, depois de vistas as entrevistas com os líderes mantém a sua primeira escolha, mas consegue justificação para a mesma. “A Rússia e as pessoas com 115

quem vive são um mundo imenso e desconhecido. A ter que recomeçar a viver, que seja por sua opção numa fase mais avançada da sua maturação.”

Gráfico 16 Onde terá mais oportunidades?

8 7 6 5

Número de Respostas

Portugal Rússia Não sei

4 3

2 1 0 1

2 Fases do Estudo

Já no que diz respeito à sua integração na Rússia, denota-se um aumento do número de respostas na segunda opção, ou seja, que esta será Difícil e também um ligeiro aumento da quarta opção, dando conta que esta será também Imposta.

Gráfico 17 Integração da Alexandra na Rússia 8 7 6

Fácil Difícil Espontânea Imposta Gradual Impossível

5

Número de Respostas

4 3

2 1 0 1

2

Fases do Estudo

Os líderes apresentam como argumentos, susceptíveis de poderem ter causado aqui uma ligeira mudança de opinião, que o “desconhecimento” deve pautar a chegada 116

da Alexandra à Rússia e os seus primeiros tempos por lá. Se será melhor, o líder 1 não sabe, mas tem a certeza que será “diferente”. Por seu lado, o líder 2 diz não acreditar que a integração seja difícil, pois “as crianças têm uma capacidade muito grande de adaptação”, mas está ciente de que ela “viveu com algumas coisas que lá não terá e que estão marcadas no seu consciente”. Caso A4 – Sobre a questão dos municípios abrangidos pela auto-estrada há uma clara manutenção de Macedo de Cavaleiros e Mirandela como os municípios mais mencionados. Contudo, é de salientar que na segunda fase do estudo, e depois de ouvirem ambos os líderes de opinião referir que serão todos os municípios a beneficiar com o traçado da A4, directa ou indirectamente, surgem cerca de 30% dos elementos do estudo a referir precisamente este argumento, de que todos os concelhos dos distritos de Bragança e Vila Real serão abrangidos pela auto-estrada e beneficiarão da mesma, mesmo que o traçado da via não entre propriamente em terras concelhias. O líder 1 considera que esta via pode ser “um motor de desenvolvimento para um distrito inteiro, indirectamente”. O mesmo pensa o líder 2, que garante que “a AE não vai servir apenas Macedo, Bragança, Mirandela, Vila Real e Murça, neste eixo em que passa (…) os de Mogadouro, Freixo, Moncorvo, Vinhais, Vimioso, toda a gente se vai servir da AE e ter a possibilidade de uma via estruturante rápida de acesso a todo o país.”

Gráfico 18 Municípios abrangidos pela AE

Macedo de Cavaleiros

9

Mirandela

8

Número de Respostas

7

Valpaços

6

Bragança

5

Vila Real

4

Moncorvo

3

Miranda do Douro

2

Murça

1

Alijó

0 1

2

Vila Flor Todos os concelhos

Fases do Estudo

Não sabe ou não responde

Sobre a data de conclusão dos trabalhos, há uma maior referência a 2012 como o calendário mais provável para o fim das obras. O aumento é apenas ligeiro, mas vê-se ainda um abandono das datas propostas mais extremadas, ou seja, 2010 e 2013. Apesar 117

do líder 1 ter dito que não sabia qual a data de conclusão da A4 e que o mais importante, na sua opinião, é ver “o dinheiro que efectivamente há e ainda a vontade política que há em se fazer a estrada”, o líder 2 atalhou dizendo que nos dias de hoje raramente uma obra se atrasa, a não ser por pequenas questões técnicas, e por isso está convicto que, apesar de se apontar inicialmente 2011 para o fim dos trabalhos, contando com derrapagens de calendário, “2012 será o ano de começo de utilização da AE”.

Gráfico 19 Data de conclusão da AE 7 7

6

2010

6

Número de Respostas

5

2011

4 3 2

2

2

1

1

1

0

2012

1 0

0

0 1

2

Fases do Estudo

2013 Não Sabe ou não responde

Depois de ouvidos os líderes acerca da possibilidade de Bragança deixar de ser o único distrito do país sem um quilómetro de auto-estrada, houve uma mínima subida em relação aos que consideram que sim e uma diminuição consequente em relação aos que disseram inicialmente que não. Pode-se considerar que ambos deram garantias de que acreditam que a auto-estrada chegue mesmo ao Nordeste Transmontano, embora o líder 1 o tenha feito de forma mais poética e o líder 2 tenha sido mais incisivo. O primeiro afirma ter “esperança que a terra que amo, e que gosto para viver, seja a terra que daqui a uns anos tem condições para o meu filho viver”. O segundo diz mesmo: “estou seguro que sim, porque temos obra no terreno (…) uma obra destas, que tem financiamento garantido, tudo no terreno, depois de lançada entra em velocidade cruzeiro”. Talvez por isso um dos inquiridos tenha respondido primeiro que “Trás-osMontes é muitas vezes esquecida” e, por isso não acredita que a AE chegue mesmo ao distrito, mas no segundo questionário inverte a sua posição e justifica que acha que Bragança vai ter uma auto-estrada porque “o progresso está aí e há que fazer obras nem que seja para ganhar eleições”.

118

Gráfico 20 Bragança deixa de ser o único distrito sem AE 8 8 7

6

6

Número de 5 Respostas 4

Sim Não Não sabe ou não responde

3

3 2

1

1

1

1 0 1

2

Fases do Estudo

Outros há que apesar de manterem a sua negação em relação à chegada da infraestrutura a Bragança mudam a fundamentação da sua resposta. Primeiro Não porque “é sempre um distrito esquecido”, mas depois assume que concorda com a “possibilidade de vir a existir por ouvir que no presente momento existem garantes financeiros para o projecto (…) apesar de continuar a crer que é difícil”. Também no final do segundo inquérito, este mesmo elemento confirma que mudou alguns fundamentos das suas opiniões em relação à auto-estrada por ter “ouvido argumentos mais coerentes”. Na situação de não resposta no primeiro momento, o inquirido optou por concordar no segundo momento, até porque “se prevê a construção até 2012”. Ou seja, inicialmente mostrou não ter uma opinião formada acerca do assunto, o que já não se manifestou posteriormente. A quase totalidade dos inquiridos crê que a região transmontana, depois da AE, terá Mais Oportunidades, mas esta questão é aqui trazida, porque se nota um aumento significativo daqueles que depois de verem as entrevistas com ambos os líderes mencionam que esta ficará também mais Vulnerável. Este foi um dos elementos mais frisados por ambos nas suas entrevistas, quando questionados de como ficaria a região depois desta infra-estrutura. O líder 1 acentuou que ficará “mais despovoada e mais vulnerável, não tenho dúvidas (…) tenho sérios receios de que a AE seja mais um veículo para esvaziar o interior”. Ideias idênticas às defendidas pelo líder 2, que apesar de expressar que “deixa de ser uma região tão isolada”, também alerta que “vamos ter

119

outra realidade e vamos ter de saber conviver com ela. As estradas trazem mas também levam. (…) E, quanto melhores forem as vias, mais depressa vão”.

Gráfico 21 Como fica a região depois da AE 9

10

8 8 6

Número de Respostas

6

Mais desenvolvida

4 3

4 2

3

1

Na mesma

3

3

Próxima do litoral

3

1

1

Mais oportunidades Despovoada

0

Vulnerável 1

2

Fases do Estudo

Caso Paragem de Autocarros – É logo na primeira questão que, neste terceiro caso, se nota mais a presença das ideias dos líderes de opinião. Quando solicitada a opinião sobre o que pensam da Paragem dos Autocarros de Macedo de Cavaleiros, ainda que uma opinião condicionada, pois foram dadas algumas características a escolher, os inquiridos deste grupo indicaram Pequena (80%) como a sua principal característica. Conhecidas as ideias dos líderes de opinião a característica Suja parece ter sido a que mais se enquadrou para caracterizar este espaço, passando de 10% das escolhas no primeiro momento, para 70% no segundo. O líder 1 encarou-a como uma “solução provisória definitivamente instalada no terreno”, dizendo ainda que “aquilo não serve as pessoas. Não há casas de banho, sítio onde guardar um saco, nada.” O líder 2 aponta-lhe o nome de “aberração” e considera que se trata de “uma falta de respeito acima de tudo”.

120

Gráfico 22 Paragem dos autocarros de Macedo de Cavaleiros 8

8

7

7 6

5

5

5

Suja

Número de 4 Respostas

Pequena

3

Grande 2

2 1

Limpa

1

Cómoda

1

Outros 0

0

0

0

1

0

0

2 Fases do Estudo

Embora a Falta de Vontade Política seja em ambas as fases a resposta mais dada como possível justificação para o não avanço do projecto da Central de Camionagem existente há vários anos, na segunda fase do estudo surge uma hipótese, a terceira mais apontada com 20% das respostas, tratando-se da Falta de Financiamento, que na primeira fase de inquéritos não foi sequer mencionada. Curioso é que ambos os líderes de opinião mencionaram a questão do dinheiro como a provável causa do não avanço da obra, embora com vertentes justificativas diferentes.

Gráfico 23 Porque não av ançou o proje cto de e xe cução

8 7 Falta de vontade política

6 5 Número de 4 Respostas 3

Falta financiam ento Obra com plexa execução Dificuldades aquis ição dos terrenos

2 1

Não é prioridade

0 1

2 Fases do Estudo

121

O primeiro diz que “faltou dinheiro” e que isso se deve ao não desbloqueio das verbas do QREN por parte do governo. “Macedo podia ter arrancado com essa obra e pagar quando Deus quisesse, mas as empresas também têm os seus encargos e as suas obrigações”. O segundo insiste na tese de que “faltou a vontade e a prioridade”, sendo esta uma “situação demasiado grave. É evidente que em dez anos se gastou dinheiro em outras coisas menos prioritárias. (…) Não me venham dizer que não houve dinheiro, porque em dez anos houve-o para outras obras. Houve foi um critério de prioridades com o qual não concordo”. Na última pergunta “Tem esperança que a obra avance”, apenas o pequeno reparo de que havia um indeciso na primeira fase, que não sabia o que responder, e que tomou posição no segundo momento em que foi questionado, acreditando que a obra da Central de Camionagem vai mesmo avançar. Embora os líderes não comunguem da mesma opinião, ambos estão certos de que há financiamento e projecto para a mesma. “Macedo vai ter finalmente a Central de Camionagem que merece, no sítio que merece, para servir as pessoas. (…) Não tenho a esperança, mas sim a certeza de que a obra vai finalmente avançar porque há projectos no terreno, há vontade política e é uma obra de necessidade para Macedo” – líder 1 “Tenho dúvidas que avance. Já não tenho dúvidas que o projecto existe, já não tenho dúvidas que os terrenos estão negociados, não sei se pagos, aliás dificilmente estarão” – líder 2

Gráfico 24 Tem esperança que a obra avance? 6 6 5 5 4

4

4

Número de Respostas

Sim Não Não sabe ou não responde

3 2 1 1 0 0 1

2

Fases do Estudo

122

Conforme mostra o gráfico anterior, o participante que inicialmente não tinha qualquer resposta formalizada sobre este assunto, numa segunda abordagem já referiu que estava convicto de que a Central de Camionagem de Macedo de Cavaleiros iria avançar. E Sim porque “já existe projecto e o local para a construção e financiamento também. Tem é que ser visto politicamente como uma prioridade”. Argumentos que denotam uma mistura das razões apresentadas por ambos os líderes neste ponto. 5.2 – Grupo B: Exposição aos Meios de Comunicação

Este segundo grupo foi exposto a notícias difundidas nos vários meios de comunicação de massa, nacionais, regionais e locais, sobre os mesmos três assuntos. Para o Caso Alexandra foram visionadas peças informativas da SIC e da SIC Notícias, ao passo que para a Auto-Estrada Transmontana foram ouvidas notícias da CIR (Cadeia de Informação Regional Transmontana) e lidas notícias da TSF on-line. Para o terceiro caso, mais local, optou-se por notícias difundidas pela Rádio Onda Livre Macedense e ainda do Semanário Transmontano. Caso Alexandra – Em relação à concordância, ou não, com a decisão de Tribunal da Relação de Guimarães, denota-se apenas, na segunda fase do estudo, a existência de um indeciso, que não se verificava no primeiro momento do estudo.

Gráfico 25 Concorda com a decisão do Tribunal de Guimarães? 10 9

10 8

Número de Respostas

Sim

6

Não

4 1

2 0

Não sabe ou não responde

0

0

1

2

Fases do Estudo

123

A pessoa em questão disse primeiramente não concordar com a decisão do Tribunal, embora no segundo inquérito não tenha respondido nem justificado o porquê de não o ter feito. Deve concluir-se que, praticamente ninguém mudou de opinião. Deve ter-se em conta que os três vídeos a que os entrevistados assistiram, da SIC e da SIC Notícias, dão uma visão muito negativa da ida de Alexandra para a Rússia, a 4500 km de distância. “A avó biológica enfeitou com balões a casa humilde, a 300km de Moscovo para receber a neta. Nesse mesmo dia, em Braga, contavam-se 30 minutos de pura aflição. (Gritos de Alexandra). Abandonam as crianças e deixam, mas se abandonassem um cão iam presos (Pai de acolhimento), seguido de tumultos populares e de mais gritos da pequena Joana. Esta é a imagem que ficará da história da separação de uma criança e de uma família que a acolheu durante quatro anos e meio”. – SIC (Primeiro Jornal)

Esta visão tanto dos meios de comunicação, como dos inquiridos numa primeira fase, leva a que não haja alterações no padrão de resposta. Contudo, há exemplos de muito melhores argumentações no segundo momento. Por exemplo, um dos elementos deste grupo que não tinha justificado a sua tomada de posição, alongou-se depois na justificação da sua escolha, referindo que assim pensava “devido às atitudes dela (mãe biológica), ser uma mãe despreocupada e alcoólica”. Traços de Natália que também são vistos nas notícias que foram apresentadas no estudo.

Gráfico 26 Características da mãe biológica 10

10

10 9

10

10

10

10

9 8

8

8

8

7 6

Número de Respostas

5 4 3 2 1

1

0

0

0

0

0 0

0

0

1

0

0

Má Boa Preocupada Despreocupada Carinhosa Rude Trabalhadoa Desaplicada Limpa Suja

2

Fases do Estudo

Quanto às características da mãe biológica, deve-se fazer referência apenas a uma pequena mudança, pois numa primeira fase existia um inquirido que considerava Natália uma pessoa trabalhadora e que, mais tarde, depois de ter assistido às notícias 124

mudou de opinião. Não tendo, no segundo instante, qualquer adjectivo positivo que a caracterizasse enquanto pessoa. A maior parte dos inquiridos do grupo B (90%) não confia na Justiça Portuguesa e assim continuou depois dos estímulos (80%), apenas se apresenta esta pequena descida porque um dos elementos respondeu duplamente Sim e Não, não tendo sido validada a resposta.

Gráfico 27 Confia na Justiça Portuguesa? 9 8

9 8 7 6 Número de Respostas

5

Sim

4

Não

3 2

Não sabe

1

1

1

1 0 1

2 Fases do Estudo

A possível influência dos meios de comunicação fica marcada também, através da análise qualitativa, nas referências que lhe são feitas no segundo inquérito. Tais como: “as imagens que nos chegaram pela TV mostram bem o sofrimento daquela criança”, ou ainda “dado o desenrolar deste caso e de outros conhecidos pela comunicação social (a Justiça Portuguesa) deixa-me muita dúvida”. Já em relação ao local onde Alexandra pode vir um dia a ter mais oportunidades, a única pessoa que havia respondido que seria na Rússia, acabou por mudar de opinião, justificando esta mudança com o facto da criança falar português. O caso de Alexandra chamou a atenção da Opinião Pública Russa (…) Numa das partes do programa, no meio de uma entrevista, a criança pede para ir ter com a irmã. Natália reage desta forma: (palmadas pelo meio da voz da menina, em português, “Quero ir à Valéria”) – SIC (Jornal da Noite)

125

Gráfico 28 Onde terá Alexandra mais Oportunidades 10 9

10 9 8 7

Número de Respostas

6

Portugal Rússia

5 4 3 1

2

0

1 0 1

2

Fases do Estudo

No que à integração de Alexandra na Rússia diz respeito, poucas são as mudanças. Difícil e Imposta mantêm-se nas duas etapas com maior escolha, embora haja um aumento da primeira referência, com a totalidade dos participantes do Grupo B a considerarem que será difícil a integração de Alexandra.

Gráfico 29 Integração da Alexandra na Rússia 10 10 9

8

8

8

8 7

Número de Respostas

6

5 4 3

2

2 1

2

1 0

0

1 0

Fácil Difícil Espontânea Imposta Gradual Impossível

0

0 1

2

Fases do Estudo

Caso AE Transmontana – É neste caso de carácter regional que talvez se possa ver mais a possível influência dos meios de comunicação social. Em relação aos municípios que serão abrangidos por esta via, na segunda fase 30% dos inquiridos já faz referência 126

ao facto de todos os municípios dos dois distritos transmontanos directa, ou indirectamente, serem abrangidos pela AE. Salienta-se ainda um aumento significativo das referências a Bragança e a Vila Real, bem como a Murça, que passa de 30 para 50%.

Gráfico 30 Municípios abrangidos pela AE 8

7

7

6

6 5

6

Número de Respostas

33

4

3

5

3

3

2 1

2

2

111 0

5

111 0 0

1 0

111 1 1 11 0 0 0

0 1

2

Fase do Estudo Macedo de Cavaleiros

Mirandela

Mogadouro

Bragança

Vila Real

Sabrosa

Freixo

Carrazeda

Vinhais

Murça

Vale Paços

Amarante

Alfândega

Alijó

Vila Flor

Carrazeda

Todos os municípios

Não sabe ou não responde

O gráfico que mostra as opções quanto à data de finalização dos trabalhos é, provavelmente, o mais expressivo. No primeiro inquérito as respostas, entre as quatro datas que foram avançadas, eram repartidas, com nenhuma delas a alcançar mais do que 30% das respostas. Mas, no segundo inquérito, 90% das respostas concentraram-se em 2011, precisamente a data que foi avançada pelo Governo e que foi transmitida nas duas notícias que foram dadas a ler e ouvir aos elementos do estudo. De referir ainda que os 20% que inicialmente não sabiam ou não responderam à questão, depois de expostos às notícias, já tomaram uma posição.

127

Gráfico 31 Data de conclusão da AE 9

9 8 7 6

2010

Número de 5 Respostas 4

2011

2

2 1

2012

3

3

2

2013

2

1

Não Sabe ou não responde

1 0

0

0

1

0

2 Fases do Estudo

A forma positiva como as notícias anunciam a vinda da auto-estrada transmontana e a consequente ideia de que Bragança deixará de ser o único distrito do país sem um quilómetro de AE pode ter influenciado esta visão dos intervenientes, muito embora já fosse significativo o número de elementos que considerava que tal irá acontecer. Para além do aumento de 60 para 90%, houve a consequente diminuição de 20 para 10%, dos que não sabiam ou não responderam e ainda dos que consideram que a AE nunca chegará ao Nordeste Transmontano.

Gráfico 32 Bragança de ixará de se r o único distrito se m AE 8 8 7 6 6 5 Número de 4 Respostas 3

Sim Não 2

2

Não s abe ou não res ponde

2

1

1

1 0 1

2 Fases do Estudo

128

Um dos casos, por exemplo, justificou a sua segunda opinião afirmando que “sendo Trás-os-Montes uma região menos desenvolvida e envelhecida, os melhores acessos vão permitir mais desenvolvimento”. Sendo um inquirido indeciso, não tendo primeiro respondido à pergunta, e tendo em conta que as notícias sobre este assunto são dadas de forma positiva, anunciando a certeza da concretização da obra, é provável que os meios de comunicação tenham ajudado na tomada de decisão.

Gráfico 33 Como ficará a região depois da AE 9

9

8

8

8

8 7

6

Número de 6 Respostas 5

Na mesma

5 4

4

Próxima do litoral

3

Mais oportunidades

3

Despovoada

2 1

Mais desenvolvida

Vulnerável 0

0

0

0

0 1

2

Fases do Estudo

Mesmo dentro daqueles que mantiveram a sua opinião, há quem faça referência aos meios de comunicação na segunda abordagem. Exemplo: “segundo as notícias já principiaram as obras”. Em relação ao estado em que ficará a região depois da AE não houve grande mudança de opinião, que mereça referência.

Caso Paragem de Autocarros - O grupo B considera que o local é pequeno e sujo, sendo a mudança mais significativa o aumento precisamente daqueles que consideram a paragem Suja, de 30 para 60%.

129

Gráfico 34 Paragem dos autocarros de M acedo de Cavaleiros 9

9 8

8 7

6

6

Limpa

Número de 5 Respostas 4

Suja Pequena 3

3

3

Grande Cómoda

2 1

1

1 0

0

1

0

0

1

Outros

0

2 Fases do Estudo

Mais expressiva é a mudança nas razões porque não terá avançado até agora a Central de Camionagem. Na primeira etapa apenas 10% referiram que faltou o financiamento para que a obra fosse colocada no terreno, enquanto na segunda fase já foram 30% os que o disseram. Este era um dos aspectos apontados, nas duas notícias apresentadas, como uma das prováveis causas para o consecutivo adiamento da obra. De referir

também que a única pessoa que, primeiramente, considerava que não se tinha feito porque era uma obra de complexa execução, deixou de o mencionar, o que pode levar a relacionar com o facto deste argumento também nunca ter sido mencionado nas notícias cedidas aos elementos do grupo.

Gráfico 35 Porque não avançou o projecto de execução? 7 7

6

6

Falta de vontade política

5 Número de Respostas

Falta financiamento

4

3

Obra complexa execução

3 2 1

2

2

1 1 0

0 0

Dificuldades aquisição dos terrenos Não é prioridade

0

1 Fases do Estudo

2

130

Já na esperança que a obra avance, a única pessoa que não tinha uma opinião formulada, numa primeira fase, acabou por ponderar e avança que não tem esperança. De resto as respostas mantêm-se muito idênticas.

Gráfico 36 Tem esperança que a obra avance?

7 6 5

Número de 4 Respostas 3

Sim Não Não sabe ou não responde

2 1 0 1

Fases do Estudo

2

131

Conclusão A mudança de opinião pode, segundo (Albig 1939), ocorrer nas mais variadas situações, e mais do que uma vez, mas ocorre sobretudo quando há paralelamente uma mudança cultural do indivíduo. Contudo, o mesmo autor salienta que, em públicos alargados, são reduzidas as opiniões que mudam, apenas porque são refutadas, ou seja, defende que perante a maioria, a minoria que tem uma opinião contrária vai simplesmente manter a sua opinião, e não tender para a norma. Defende ainda que uma mudança de opinião ocorre mais facilmente quando ao indivíduos são dados estímulos positivos sobre o assunto, em vez de negativos e dá como exemplo um líder político, como um Primeiro-ministro, que tem, por norma, um programa governamental, e não uma “política de negação”, pois assim é mais fácil reunir consenso da população. Existe uma aversão popular contra qualquer ideia pessimista. “Costuma ser verdade, excepto em pequenos períodos de crise” (Albig 1939: 216). Para medir esta mudança, (Albig 19039) sugere que se façam várias análises, tais como a observação participante, os testes com um determinado intervalo de tempo e com tratamento quantitativo, testes com estímulos controlados, ou ainda estudos quantitativos de opiniões. Neste caso concreto, a possível mudança de opinião, influenciada pelos meios de comunicação e pelos líderes de opinião, foi testada com recurso a várias destas técnicas, pois foram realizados testes com uma semana de intervalo de tempo entre si, os participantes no estudo foram sujeitos a estímulos controlados e a análise foi maioritariamente quantitativa, embora tenha sido dado valor à qualidade das respostas. Constata-se, com este estudo, que tanto os meios de comunicação como os líderes de opinião influenciam a população. Os resultados a que se chega demonstram que há mudança de opinião da primeira para a segunda fase do estudo, embora não de forma radical. A juntar às mudanças de opinião, é de salientar que haja também, por vezes, algumas mudanças no fundamento das opiniões, das respostas dadas, mais completos num segundo momento. No entanto, este estudo mostra-se inconclusivo no que respeita a saber quem exerce maior poder de influência: meios de comunicação ou líderes de opinião. É impossível verificar que sejam os líderes de opinião quem melhor difunde a informação e agita a opinião pública, confirmando apenas o estudo que estes a influenciam. Não se pode afirmar peremptoriamente que haja uma causalidade unívoca, e talvez nem mesmo com estudos mais demorados se poderá chegar a uma conclusão segura acerca de quem mais influencia a Opinião Pública, porque o número de variáveis 132

envolvidas é enorme, como as condições sócio-culturais dos elementos do estudo, as condições emocionais, o próprio facto de estarem a dar a sua opinião fora do seu contexto, fechados numa sala onde foram chamados a dar opinião sobre três temas. Há que ter em conta que as pessoas presentes no estudo já poderiam trazer a sua opinião influenciada por outros factores externos ao estudo. O mesmo estudo, mas em versões posteriores, pode tentar que ambos os líderes de opinião tenham versões idênticas dos mesmos assuntos, pois neste caso os dois entrevistados nem sempre, ou quase nunca, tiveram opiniões semelhantes em relação aos três temas, não constituindo um agente forte de mudança. Ou seja, quantos mais líderes com a mesma opinião, mais provavelmente favorecerão determinada opinião. Provavelmente a influência teria sido maior, caso tivessem estado em consonância. Ainda dentro da análise dos resultados, mostra-se inconclusivo ainda o facto de não se conseguir saber se há mais mudança de opinião numa determinada categoria de notícia do que noutra, por exemplo, maior ou menor mudança de opinião no assunto local, do que no nacional. Nos três assuntos (nacional, regional e local) houve mudanças esporádicas de opinião. A influência dos média e dos líderes de opinião é mais notada quando não existe uma opinião já formalizada, já vincada, no primeiro questionário. Quando o cidadão está “em branco” perante um determinado assunto é mais facilmente influenciado a partilhar da mesma opinião que mass media ou líderes de opinião. Denota-se uma maior influência em questões de menos desenvolvimento, mais directas, como o caso das datas, das características de uma pessoa ou do número de municípios abrangidos pela auto-estrada, e neste caso até, possivelmente, uma maior influência dos meios de comunicação. Outra questão importante é a subjectividade do investigador, que pode inclusive ter levado ao fenómeno de Espiral do Silêncio. Subjectividade porque é jornalista, e muito embora tenha tentado o máximo rigor e ética na investigação, pois analisam-se também os mass media. Sendo jornalista numa rádio local, e numa pequena cidade, muitos dos participantes conheciam o investigador profissionalmente, o que poderá ter levado ao silenciamento de algumas respostas, sobretudo das mais polémicas, receando alguma possível publicação, muito embora tenha sido assegurado os fins académicos da investigação no início do estudo.

133

Referências Bibliográficas Albig, William (1939): Public Opinion. Nova York e Londres: McGraw-Hill book Company. Arendt, Hannah (2001): A Condição Humana. Lisboa: Relógio d‟Água.

Aristóteles (1998): Política. Lisboa: Veja Edições.

Bell, Judith (2004): Como realizar um projecto de investigação. Lisboa: Gradiva. Bourdieu, Pierre (1987): “A opinião pública não existe”. In: Michel J. M. Thiollent: Crítica metodológica, investigação social & enquête operária. São Paulo, Pólis, 137-151. Bovitz, Gregory L., Druckman, James N. e Lupia, Arthur (2002): “When Can a News Organization Lead Public Opinion? Ideology versus Market Forces in Decisions to Make News”. In: Public Choice, vol. 113, issue 1-2, 127-155. Brie, Christian de (1992): “Quanto custa um candidato?”. In: Vários, A Comunicação Social vítima dos negociantes. Lisboa: Caminho, 30-36. Brune, François (1992): “As eleições em tempos de Marketing”. In: Vários, A Comunicação Social vítima dos negociantes. Lisboa: Caminho, 37-43. Cheresky, Isidoro (1999): “La ciudadanía, la opinión pública y los medios de comunicación. Ciudadanía y política en la Argentina de los noventa”. In: Revista de Ciencias Sociales. Buenos Aires: Universidad Nacional de Quilmes.

Correira, Fernando (2006): Jornalismo, Grupos Económicos e Democracia. Lisboa: Caminho. Cucurella, Margarita Baladeras (2001): “La Opinión Pública en Habermas”. In: Análisi 26: 51-70.

134

Cunha, Tito Cardoso e (2004): Argumentação e Crítica, Colecção Comunicação. Coimbra: Minerva Coimbra. Duarte, Feliciano Barreiras (2005): Informação de Proximidade – Jornais e Rádios. Lisboa: Âncora Editores. Esteves, João Pisarra (2005): O Espaço público e os Media – sobre a comunicação entre a normatividade e a facticidade. Lisboa: Edições Colibri.

Fagen, Richad R. (1966): Política e Comunicação. Rio de Janeiro: Zahar Editores. Ginsborg, Paul (2008): A Democracia que não há – Que fazer para proteger o bem público mais precioso dos nossos tempos. Lisboa: Teorema. Gómez, Alberto e tal. (2006): “Google como gatekeeper sobre la importancia del posicionamiento en buscadores para el marketing político”. In: Cardoso, Paulo Ribeiro, e Cairrão, Álvaro Lima (Org.), Comunicação Política, Edição Especial, Caderno de Estudos Mediáticos 04. Porto: Edições Universidade Fernando Pessoa, 104.118. Graber, Doris A. E Smith, James M. (2005): “Political communication faces the 21 st century”. In: Journal of Communication 55 (3), 479-507. Habermas, J. (2006) „Political Communication in Media Society – Does Democracy still enjoy an epistemic dimension? The impact of normative theory on empirical research‟, comunicação efectuada na Convenção Annual da ICA, Dresden, Junho 2006.

______ (1997): Direito e Democracia. São Paulo: Tempo Brasileiro.

Jabor, Arnaldo (2006): “A opinião pública ainda existe – O segundo turno nos devolve a dignidade”. In: Jornal O Globo, 03 de Outubro de 2006.

135

Kaid, Lynda Lee (2004): Handbook oh Political Communication Research. Londres: Lawrence Eralbaum Associates Publishers.

Lancelot, Alain (1974): As atitudes políticas. Amadora: Livraria Bertrand.

Lippmann, Walter (2004): Public Opinion. Mineola: Dover Publications. Martin Diez, Maria Antónia (2004): “Ciberdemocracia y opinión pública, “Luces y sombras” “. In: Palabra-Clave, nº 10, 85-99. Martins, Carla (2007): “Do Espaço Público à Esfera Social”. In: Pires, Edmundo Balsemão (Org.), Espaços Públicos, Poder e Comunicação. Porto: Edições Afrontamento, 75-86. McCombs, M. E. (2000). “The Agenda-Setting Role of the Mass Media in the Shaping of Public Opinion”, paper. Miguel, Luís Filipe (2001): “Promessas e Limites da Democracia Liberativa”. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais 46.

Neumann, Elisabeth (1995): La Espiral del silencio. Opinión Pública: nuestra piel social. Barcelona: Paidós. Noelle-Neumann, Elisabeth, e Peterson, Thomas (2004): “The spiral of silence and the social nature of man”. In: Lynda Lee Kaid (ed.), Handbook of Political Communication Research. Mahwah: New Jersey, 339-356 Pereira, Fernando Michael (1989): “A Formação da Opinião Pública”. In: Família, Comunicação Social e Opinião Pública. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, 71-82. Pinto, Ricardo (2006): “Directa, já? A mudança do paradigma comunicativo e a eventual transição de uma democracia representativa para uma democracia participativa”. In: Cardoso, Paulo Ribeiro, e Cairrão, Álvaro Lima (Org.),

136

Comunicação Política, Edição Especial, Caderno de Estudos Mediáticos 04. Porto: Edições Universidade Fernando Pessoa, 18-36. Ramonet, Ignacio (1992): “Televisão e Política”. In: Vários, A Comunicação Social vítima dos negociantes. Lisboa: Caminho, 23-29.

______ (2003): La Tyranie de la Communication. Paris: Gallimard. Ribeiro, Renato (2003): “Sobre o voto obrigatório”. In: Benevides, Maria (Org.), Reforma Política e Cidadania. São Paulo: Instituto da Cidadania. Rodrigues, Adriano Duarte (2007): “As Novas Configurações do Público”. In: Pires, Edmundo Balsemão (Org.), Espaços Públicos, Poder e Comunicação. Porto: Edições Afrontamento, 21-34. Sanahuja, Sónia (2006): “La densidad simbólica de las dramatizaciones políticas: reconocimiento y legitimación”. In: Cardoso, Paulo Ribeiro, e Cairrão, Álvaro Lima (Org.), Comunicação Política, Edição Especial, Caderno de Estudos Mediáticos 04. Porto: Edições Universidade Fernando Pessoa, 37-47.

Sartori, Giovanni (1994): A Teoria da democracia revisitada. São Paulo: Ática.

Schumpter, Joseph A. (1963): Capitalism, socialism and democracy. Nova York: Harper and Brothers. Serrano, Estrela (2006): Jornalismo Político em Portugal – a cobertura das eleições presidenciais na imprensa e na televisão (1976-2001). Lisboa: Edições Colibri. Traquina, Nelson (2000): O poder do jornalismo – Análise de Textos da Teoria do Agendamento, Colecção Comunicação. Coimbra: Minerva Coimbra. Vargues, Isabel Nobre (2007): “Espaço Público e História da Comunicação Contemporânea: os casos Dreyfus, Guerra dos Mundos e Watergate”. In: Pires, Edmundo Balsemão (Org.), Espaços Públicos, Poder e Comunicação. Porto: Edições Afrontamento, 197-208. 137

Wolf, Mauro (1995): Teorias da Comunicação – Mass Media: contextos e paradigmas. Lisboa: Editorial Presença.

138

Anexos 1. Questionário a aplicar no estudo

Idade: Sexo: Masculino_

Feminino_

Parte I – O caso Alexandra – A “Menina Russa”

1. No caso da menina Russa concorda com a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães? Porquê?

2. A mãe biológica de Alexandra parece-lhe: A. Má mãe __ Boa mãe __ B. Preocupada __ Despreocupada __ C. Carinhosa __ Rude __ D. Trabalhadora __ Desaplicada __ E. Limpa __ Suja __

3. Apesar dos vários casos em tribunal na União Europeia, que envolvem famílias russas, nunca nenhuma instância deu razão às mães biológicas, apenas o português. Confia na justiça portuguesa? A. Sim__ Não __

Justifique: 4. O que pensa destas situações de “guerra aberta” entre famílias biológicas e famílias de acolhimento?

5. Onde terá Alexandra mais oportunidades? A. Em Portugal __ B. Na Rússia __ Porquê?

6. A integração da Alexandra na Rússia vai ser: A. Fácil __ 139

B. Difícil __ C. Espontânea __ D. Imposta __ E. Gradual __ F. Impossível __

Parte II – Auto-estrada transmontana

1. Sabe quais são os municípios que vão beneficiar com a auto-estrada transmontana, nos distritos de Bragança e Vila Real? Mencione alguns.

2. Qual a data de conclusão das obras apontada pelo governo? A. 2010 __ B. 2011 __ C. 2012 __ D. 2013 __

3. Considera que será desta vez que Bragança deixará de ser o único distrito do país a não ter um único quilómetro de auto-estrada? Porquê?

4. A região, com a auto-estrada, fica: A. Na mesma __ B. Mais desenvolvida __ C. Mais próxima do litoral __ D. Com mais oportunidades de desenvolvimento __ E. Mais despovoada __ F. Mais vulnerável a agentes externos __ Parte III – Paragem dos autocarros – Macedo de Cavaleiros

6. A paragem dos autocarros de Macedo de Cavaleiros é: a. Limpa __ b. Suja __ c. Pequena __ 140

d. Grande __ e. Cómoda __ f. Outros __ Quais? ______________

7. A população merecia melhor? Porquê?

8. Existe um projecto de execução de uma central de camionagem há 16 anos, contudo nunca avançou porque: A. Houve falta de vontade política __ B. Nunca houve financiamento __ C. É uma obra de complexa execução __ D. Houve dificuldades na aquisição dos terrenos __ E. Não é uma prioridade __

4. Tem esperança que a obra avance até 2010? Porquê?

Parte IV (a aplicar apenas no segundo questionário) No caso de ter mudado de opinião, o que o (a) levou a fazê-lo?

141

2. Entrevistas aos líderes de opinião 2.1 Entrevista 1 – Adérito Choupina – 17.10.09

O Caso Alexandra

Começamos pelo caso nacional. Em Maio, a Alexandra foi entregue à mãe biológica, sobe decisão do Tribunal da Relação de Guimarães. Concorda com esta decisão do Tribunal da Relação? AC – A questão é mais do que concordar ou não concordar. Deve-se analisar a forma como as famílias de acolhimento são preparadas para serem mesmo famílias de acolhimento, ou seja, que expectativa é que se cria na cabeça das famílias, que impacto tem na sua vida a questão de acolherem uma criança desprotegida. Normalmente uma criança que vem em circunstâncias dessas é altamente carente, que precisa de ser mimada, alimentada, vestida, tudo, e eu pergunto, quem é pai e quem é mãe? É quem gera, ou é quem cria? Este caso não é virgem, já aconteceram várias situações destas, o importante é sabermos se a Segurança Social dá o apoio que deve dar, a nível emocional, às famílias de acolhimento, que têm uma criança e têm de saber que, mais dia menos dia vão ter de (ceder) essa criança, porque por isso é que é família de acolhimento e não família de adopção. Precisamos de saber se colocam lá a criança e já está e depois vemos o desenrolar do processo e depois estes processos são como outros na nossa Justiça, rapidíssimos. A criança foi para lá com meses e sai de lá com anos. Estamos a ver a rapidez com que o assunto foi resolvido. É importantíssimo trabalhar nesta matéria e saber se a Segurança Social dá apoio às famílias. Admito que a mãe não tivesse as condições financeiras e a estabilidade emocional quando teve a criança, e hoje com a vida mais estabilizada quer organizar a vida dela, no país dela, com outras condições, com outras perspectivas, não se coloca isso em causa. Agora, a questão é o problema emocional da criança, que é de quem estamos a falar, e para a cabeça daquela criança, o pai e a mãe dela são os pais dos irmãos dela, as crianças com quem ela cresceu. Que ajuda teve essa criança durante o processo? Que atenção deu a Segurança Social a nível psicológico aos pais de acolhimento e à própria criança?

142

Está a tentar dizer, que preparação terá tido a criança, no sentido de que mais tarde ou mais cedo ela iria para a mãe biológica? AC – O problema é que se criam expectativas, fazem-se matrículas, compram-se roupas, oferecem-se animais de estimação. Por exemplo, o que mais me emocionava ali é que as raízes que ela tinha quando chegava à Rússia era a cadela, porque era o que a fazia recordar os momentos felizes que ela viveu na companhia desse animal, com as pessoas que amava. Com que direito é que chegamos a uma criança e dizemos: agora sais daqui e vais para ali! Um homem não é um objecto, as crianças muito menos porque são um ser-humano frágil, que está em formação. Acho que aqui há uma falha grave da parte da Segurança Social. Isto é recorrente e é sinal que não é dado o apoio psicológico. Agora, é melhor uma instituição? Uma família? Acho que o melhor é nascer e crescer no seio de uma família, do que crescer no seio de uma instituição, mas é preciso explicar isto às pessoas. O que estamos a fazer é dar a mão a uma criança para ela caminhar enquanto aqueles que lhe deviam dar a mão não têm fortaleza para lha poderem dar. Isto é como uma maratona, quem leva o testemunho só o leva até ao próximo, não o leva até à meta. Aqui é um pouquinho isso. Transportamos o testemunho enquanto não chega o próximo passo. E quem é esse próximo passo? A verdadeira família, aqueles que geraram, mas que não tinham as condições para pegar naquele testemunho para ser transportado.

Neste caso concreto, se lhe perguntarmos directamente: concorda ou não com a entrega à mãe biológica? AC – Eu concordo com a entrega à mãe biológica, que é a mãe. Não concordo é com a forma como todo este processo decorre e a forma abrupta do “agora sais daqui e já está”, uma decisão de um Tribunal. Eu entendo isso na entrega de uma casa, de um carro, mas estamos a falar de uma criança.

Como é que vê a mãe biológica? Como é que a caracteriza como pessoa? AC – É alguém que quer amar, mas nem sempre temos as condições para termos aqueles que amamos. Ela teve a generosidade de pensar mais na criança do que nela quando teve que a dar para uma família de acolhimento. E, pelos vistos, durante o tempo que a criança esteve com o casal, a mãe foi cooperante, que visitava, que 143

acompanhava minimamente o desenvolvimento da filha, simplesmente não tinha condições físicas, nem humanas, para a poder ter com ela. Agora, por não ter na altura, penalizamos a pessoa para a vida inteira? Não. Defendo uma sociedade solidária. Alguém que ajude verdadeiramente aqueles que querem fazer caminho, “sair da cepa torta”, como se costuma dizer. A ideia que essa mãe me transmitiu é de que era alguém que queria dar o melhor à sua filha. Mas, o melhor também é relativo. Temos de perceber que a pessoa vem de um país diferente, de uma cultura diferente, de maneiras de pensar e de ver as coisas diferentes das nossas. Não podemos desenraizar uma pessoa. Com os nossos valores e com a nossa maneira de vivermos a vida e de vivermos em sociedade, pegarem em nós e meterem-nos num país distante, com outras culturas e outras tradições, se calhar também éramos vistos como aberrações.

Há vários casos a nível da UE de crianças russas, que estão entregues a famílias biológicas, mas em nenhum deles o Tribunal acabou por decretar a entrega aos pais biológicos, ficando com as famílias de acolhimento. Confia na Justiça portuguesa? AC – (Risos) Essa é daquelas perguntas difíceis. Depois de ouvir o Bastonário da Ordem dos Advogados, ao lhe pedirem para caracterizar a Justiça Portuguesa em apenas uma palavra, e ele dizer “fujam”, fico um bocadinho de pé atrás. Depois há uma anedota que diz que as últimas palavras de Sadam Hussein, quando estava a ser condenado à morte, foram: “eu quero ser julgado em Portugal, eu quero ser julgado em Portugal”. Pode não ser, mas o que a Justiça Portuguesa tem transmitido é que nem sempre é surda, nem sempre é cega e nem sempre a balança está equilibrada como deve estar. Agora tirem daí as ilações que quiserem.

Onde é que a Alexandra terá mais oportunidades, em Portugal ou na Rússia? AC – Não me preocupa isso. Preocupa-me onde é que a Alexandra terá mais hipóteses de ser feliz.

E será na Rússia? AC – Não sei. Mas isso é o que me preocupa, não é uma questão de oportunidades, mas de felicidade. Ao lado de quem é que ela será mais feliz? Ao lado da mãe que gerou, que ama, mas que só pode dar aquilo, ou ao lado de alguém que também ama, mas não 144

gerou, e que pode dar um leque muito mais vasto de oportunidades? A felicidade não se pesa, nem se mede, vive-se. Este tipo de situações de “guerra aberta”, que importância tem isto para um criança? É duro para uma criança viver uma situação destas, sentir-se como um objecto que está a ser disputado? AC – Saberemos isso quando essa criança crescer, quando já for uma mulher e soubermos as cicatrizes que nós sociedade deixámos que se criasse no seu coração. E isso é o que me preocupa verdadeiramente. Digo isto porque a minha experiência de vida me ajuda a ver as coisas dessa maneira. Eu trabalhei três anos numa casa de acolhimento para crianças desprotegidas. Sei o que é ir buscá-las a um meio onde não há nada e dar-lhe condições, água quente, comida, educação, roupa, tudo o que a criança nunca teve e a criança passar noites e noites e noites a suspirar pelo pai e pela mãe. Isto chama-se amar, nós amamos o que temos, se não conhecemos não podemos amar. Com que direito é que nós desenraizamos e antes não damos a mão às pessoas. Isto leva-nos muito longe, à questão dos rendimentos sociais de inserção, porque o Estado tem o dever de acompanhar e apoiar quem precisa, mas isso não é meter dinheiro nas mãos, nem nas contas bancárias. Acompanhar e apoiar é criar condições para que se possa educar e eu não sei se é isso que está na base dos RSI. Se o Estado desse condições de habitação, criasse um emprego, nem que fosse ocupacional, e desse um ordenado, talvez essas famílias tivesses a capacidade de caminhar. A assistência social não se faz nos gabinetes, faz-se nos terrenos, na medida em que consigamos ver a verdadeira realidade das pessoas, e essa verdadeira realidade não se vê a mandar uma carta da Segurança Social a dizer que vão ser visitados daqui a 15 dias. A verdadeira noção do que se vive é irmos lá e ver como se vive.

Consegue ver como será a integração da Alexandra na Rússia? Alguns adjectivos que possam caracterizar esta integração? AC – Desconhecimento. Não é a realidade que ela conhece. Não é a realidade que qualquer um de nós conhece. Melhor? Não sei. Diferente é com certeza, e as crianças têm uma capacidade de adaptação imensamente maior que a nossa. Vamos confiar…

Poderemos dizer que será gradual? 145

AC – Exactamente. E devia ter sido gradual. Aqui falhou a Segurança Social, sem dúvida nenhuma. A mãe não chegou lá e disse eu quero ir para a Rússia, quero levar a minha filha e é amanhã. Não! Se formos umas férias gradualmente, um ano, depois outro, depois mais quinze dias, depois um mês e no fim lhe disserem: agora você vai viver para lá. Já sabe onde é que é a escola, o café, o centro comercial torna-se mais fácil. Já não é imposto… AC – Exactamente. Um caminho faz-se caminhando e não aos saltos. Se o fizermos aos saltos acabamos por ir parar ao Hospital com um pé partido.

A Auto-estrada Transmontana

Bragança é o único distrito do país, que neste momento não tem um único quilómetro de auto-estrada. Caso ela esteja no terreno, sabe dizer quais são os municípios que vão ser favorecido por esta infra-estrutura? AC – Directamente, onde ela vai passar, será Bragança, Mirandela, Macedo, no distrito de Bragança e depois Murça, Vila Real e Alijó, no distrito de Vila Real. Agora, pode ser um motor de desenvolvimento para um distrito inteiro, indirectamente. O impacto directo em Miranda deve ser diferente do impacto directo em Macedo, porque estamos a falar de realidades geográficas diferentes. Mas, a minha opinião muito sincera é esta: quando nos falavam no IP4 como grande motor de desenvolvimento de Trás-os-Montes e Alto Douro, quando do Dr. Mário Soares veio lançar o primeiro troço, “chegou o desenvolvimento ao distrito de Bragança” e aquela coisa toda que estamos habituados a ouvir de quem nos governa e de todos os quadrantes, mas estes anos todos depois, o que fez o IP4 foi encher-nos os cemitérios, criou viúvas e órfãos, porque o desenvolvimento continua aquém do que se passa no litoral. Porque temos uns governos de Lisboa, para quem Portugal é 20km do mar para o interior e depois há umas regiões. Tenho sérios receios de que a AE Transmontana seja mais um veículo para esvaziar o interior. Porque o que ainda leva algumas pessoas a ficar são os nossos pais, os nossos familiares, porque têm de estar mais presentes e que ajudar e o Porto fica a pouca mais de uma hora. Essa é a questão. Primeiro, devem-se criar aqui condições para nós cá ficarmos. E quem tem dado condições ao contrário é o Governo central, claramente, especialmente 146

este último, do Eng. José Sócrates, que fechou administrativamente o interior, a nível de Saúde, de serviços de administração central, um fecho contínuo de serviços, correndo o risco de termos um país cabeçudo. Portanto, se lhe déssemos várias hipóteses de como ficará a região com a auto-estrada, a mais despovoada é a que escolhe? AC – Mais despovoada e mais vulnerável. Não tenha dúvidas. Enquanto não se criarem raízes, condições, para que os nossos jovens aqui possam ficar… ouça, o único distrito do país que não tem um Hospital Central é Bragança; o único distrito que não tem 1m de ferrovia entregue à REFER chama-se Bragança, porque temos ali a questão do Metro de Mirandela, mas porque o Dr. Silvano faz a gestão de Mirandela à Brunheda, porque entretanto caiu misteriosamente, com acidentes que acontecem e que são recorrentes; o único país que não tem uma universidade chama-se Bragança, e este é que é o verdadeiro motor de desenvolvimento. Já disse isto há anos, no alto do Marão, no Alto de Espinho, só para lá é que diz “Distrito do Porto”, para cá entramos no desconhecido. Depois mais abaixo há um placar que diz “Reino Maravilhoso”, do Miguel Torga. Uma vez sugeri a um governante que metesse lá uma placa a dizer o seguinte: “Bem-vindos ao Parque Jurássico” Pensei que fosse: “Para lá do Marão, mandam os que lá estão!” AC – Se para cá do Marão mandassem os que cá estão, se calhar ainda hoje teríamos urgência como deve de ser no Hospital de Macedo, se calhar ainda hoje teríamos escolas como deve de ser no nosso distrito. Em relação a estradas, se me perguntarem o que é que é mais importante: a auto-estrada ou o IC5 a ligar Miranda a Alijó. Para o desenvolvimento integral deste distrito, por amor de Deus façam o IC5, para que haja um desenvolvimento harmonioso. Sabem o que é vir de Freixo de Espada à Cinta tirar um raio-x a Bragança? É uma hora e meia.

Sabe qual é a data em que a auto-estrada deve estar no terreno? AC – Não faço ideia, mas também não me preocupo muito. Preocupa-me é que andaram aqui à pressa a pôr manilhas e a dizer: “vem aí a auto-estrada transmontana, agora vamos ver. Vamos ver o governo que aí vem, o dinheiro que efectivamente há, e ainda a vontade política que há em se fazer a estrada, mas dêem condições às pessoas para cá 147

ficarem. Não nos dêem uma estrada para nós fazermos como dizia o Zeca Afonso “é embalar a trouxa e zarpar”, porque depois é mais fácil.

Tem esperança que esta AE apareça um dia no terreno? AC – A esperança é a última coisa a morrer. Tenho esperança que a terra que eu amo e que eu gosto para viver seja a terra que daqui a uns anos tenha condições para o meu filho viver, criar riqueza e ajudar a ser um país melhor e mais harmonioso. Mas eu também tinha esperança que o complexo agro-industrial do Cachão servisse para escoar os produtos agrícolas regados com a água da Barragem do Azibo. Temos um ministro da Agricultura, que se preocupa muito com os macro agricultores e para quem está aqui “é a vida”

Paragem dos autocarros de Macedo de Cavaleiros

Como é que vê este local? Se lhe pedissem para o caracterizar como é que o fazia? AC – (Risos) À boa maneira portuguesa, uma solução provisória definitivamente estabelecida no terreno.

Acha que a população merecia melhor que aquilo? AC – Só se eu fosse muito hipócrita e muito ceguinho é que dizia que aquilo resolve a vida a alguém, até porque a Santos/Rodonorte… as coisas são o que são e os monopólios não são grande coisa. Por exemplo, a falta das casas de banho é há um ano e meio, porque não era, porque quando a Rodonorte era apenas Rodonorte tinha em frente, onde estão aqueles quiosques, um baixo onde as pessoas se podiam servir das casas de banho. É como em Vila Real, que também não tem central de camionagem, tem uma paragem onde a própria empresa criou condições para os seus passageiros. E porquê? Porque havia concorrência. Tinha mais do que uma empresa a operar no seu concelho e quis ser pioneira e dar condições às pessoas. O problema aqui é que não há. Os autocarros passam da Santos e da Rodonorte, uns atrás dos outros, mas é tudo do grupo Santos. E uma das coisas que se fez quando as empresas se fundiram foi fechar a delegação em Macedo, e as condições degradaram-se a olhos vistos.

148

Mas, isto não é desculpa para não ter que se resolver a situação, e já que não são os operadores que têm essa disponibilidade, alguém tem de ter para se poderem criar condições para as pessoas. Primeiro, porque as pessoas que moram à volta daquela paragem têm direito ao sossego e ao bem-estar; e segundo porque aquilo não serve as pessoas. Não há casas de banho, sítios onde guardar um saco, nada.

No entanto, existe um projecto para uma Central de Camionagem em Macedo de Cavaleiros, há vários anos, que nunca avançou. Qual é a hipótese para si, mais indicada, para que esta nunca tenha avançado? AC – Temos um governo, que tem um Quadro Comunitário de Apoio, de um espaço temporal de 2007 a 2013, e a Central de Camionagem, com projecto feito, com terrenos escolhidos, com localização, com pareceres dados da Direcção Geral de Viação e dos Transportes Terrestres, que é quem tem de dar esses pareceres, tudo prontinho, faltou apenas uma coisa, dinheiro. E esse dinheiro deveria vir de uma candidatura a este Quadro Comunitário de Apoio, 2007-2013, uma janela aberta de oportunidade, mas sabe tal como eu sei que os primeiros projectos começaram a ser aprovados para financiamento no início de 2009, ou seja, ano e meio depois. Houve aqui um espaço em que o governo esteve a “encher chouriços”.

Quer dizer então que faltou o financiamento? AC – Exactamente. Faltou dinheiro. Macedo podia ter arrancado com essa obra e pagava quando Deus quisesse, mas as empresas também têm os seus encargos e as suas obrigações.

A Câmara diz que, neste momento, o projecto já está a concurso e que a obra deve estar no terreno até 2010. Confia neste prazo e nesta afirmação? AC – Macedo vai ter finalmente a Central de Camionagem que merece, no sítio que merece, e para servir as pessoas. Andámos muito tempo a discutir a localização, o “sexo dos anjos” e muitos fazem destas discussões como os meninos fazem com o prato da sopa. Não há vontade de comer a sopa e damos as desculpas que damos. Finalmente está escolhida a localização, junto ao complexo escolar, onde está a EB 2/3, a Secundária, o Piaget e o Centro Cultural. É evidentemente uma zona de boa localização, 149

fica numa entrada da cidade para evitar que os autocarros andem a circular pelo meio da cidade, o que não é fácil e serve depois os transportes escolares. Eu não tenho a esperança, mas sim a certeza de que a obra vai finalmente avançar porque há projectos, há terrenos, porque há vontade política e é uma obra de necessidade para Macedo. Só tenho pena que tantas pessoas digam que podia ser feito, etc. etc. e que se vejam outros equipamentos que são do Estado e que deviam estar ao serviço das populações, como é o caso da REFER lá em baixo e o estado miserável em que tem a estação da CP, que é uma vergonha para o país. Se aquela estação estivesse no Terreiro do Paço permitiria-se que estivesse assim? De certeza que não. E nós também somos portugueses e descontamos o mesmo que os nossos colegas de Lisboa. Há uma coisa que me revolta profundamente. Andamos com este esforço todo para criar a ditosa central de camionagem, relativa aos transportes e à mobilidade das pessoas, num concelho envelhecido e com dificuldades de comunicação, que precisam destes apoios, uma terça parte do nosso dinheiro, que vai para sustentar a Carris, o Metro e os STCP já se tinham feito três centrais de camionagem e linhas regulares pelo concelho todo. Porque é que o Estado olha para nós de maneira diferente? E já nem falo na TAP, bastam estas. 2.2. Entrevista 2 – Rui Vaz – 19.10.09 O “caso Alexandra”

Começamos esta nossa conversa com um assunto de carácter nacional. Em Maio, o Tribunal de Guimarães decretou que a Alexandra, a menina russa, fosse retirada à família de acolhimento e entregue à mãe biológica. Concorda com esta decisão? RV – Há aqui duas questões e não podemos dissociá-las. Uma delas é a emocional, aquela que nos leva a ter pena da criança e a ligá-la com os pais de acolhimento e essa é uma componente muito forte, porque as questões emotivas são fortes; mas depois temos outra componente que é a lei, e que é para ser respeitada. Quando há alguém que não tendo culpa e sendo inocente nesta questão, tendo em conta que não há mãe nenhuma que abandone um filho por gosto, não acredito que haja, e sim pelas dificuldades da vida teve necessidade de entregar essa criança, passaram a haver aqui duas situações distintas. Uma criança que passou a ter uma vida própria com outras pessoas, criaram-se laços, e muito fortes, de amor, de carinho e de tudo aquilo que uma criança precisa e 150

que lhe foi dado, e, por outro lado, uma mãe, que segue a sua vida e que chega a um ponto que a reclama, com o tribunal a atribuir-lhe a filha, que é dela, por direito, pela lei, não havendo nada que o possa contrariar. Em relação à questão emocional, temos pena e é muito difícil de aceitar porque a criança passou a ter novos pais, não os biológicos, mas os que lhe deram carinho, que a ajudaram a crescer. Não podemos de forma alguma separar as coisas. A lei é para cumprir, mas eu sou daqueles que acha que a criança tem de prevalecer e pessoalmente entendo que, depois de terem sido criados aqueles laços tão fortes, é um acto de crueldade separar aquela criança daqueles que foram os seus progenitores não biológicos, mas responsáveis pelo seu crescimento. Foram eles que lhes deram carinho, que lhe deram tudo. Mas, se lhe pedíssemos um “sim” ou “não”, um “concorda” ou “não concorda” com esta entrega? RV – Não concordo. Separando as coisas e vendo-as nas duas vertentes não concordo. Hoje dizemos assim: “a criança passou pelo que passou, reencaminhou-se novos laços hão-de aparecer”, mas entretanto houve pessoas que foram muito importantes para aquela criança, que deram muito delas e que, de repente, se viram envolvidas num processo de separação muito complicado e até a própria criança, que assistiu à situação que nos tocou a todos. Temos que entender que o próprio juiz, que tem que fazer cumprir a lei, muitas vezes também se confronta com isto. Um juiz não é um homem desprendido de sentimentos, mas faz cumprir a lei, custe o que custar. Neste caso, depois desta criança ter crescido com aqueles pais, que se calhar nem lhes podemos chamar assim, foi um acto cruel. Gostava que tivesse ficado com essa gente, porque lhe deram carinho. Por outro lado, a mãe tem todo o direito porque é mãe.

Porque falamos da mãe e recorrendo um pouco à sua formação em psicologia, como é que vê esta mãe, como é que a caracteriza? Como pessoa… RV – Esta mãe é um conjunto de muitas circunstâncias. É uma mãe que, sem qualquer dúvida, se não tivesse tido a vida que teve, no seu ambiente, no seu país, e em circunstâncias diferentes acredito que fosse uma mãe diferente. Aqui há a influência do meio, que é um factor muito importante. Com a vinda para Portugal, ela é confrontada com situações em que é penalizada enquanto pessoa, enquanto ser. Não há dúvida que

151

este conjunto de circunstâncias pesou, dá para perceber que foi influenciada no seu estatuto de mãe e nalguns até no seu estatuto de mulher. Este é um caso que tem “irmãos gémeos”, digamos assim, em vários países da União Europeia, de pais de crianças, que lutam em tribunal para reaverem os seus filhos e, no entanto, nenhum até hoje, tirando o caso português, entregou a criança à mãe biológica. Confia na Justiça Portuguesa? RV – Eu confio na Justiça Portuguesa e mal estaria eu se dissesse que não confiava na Justiça Portuguesa. Sou daqueles que diz que a Justiça Portuguesa enferma de vários males, é morosa, é desorganizada, enfim… tem um certo número de problemas, mas não posso dizer que não confio nela. Mal estará o cidadão que não confie na Justiça do seu país. Ela tem todas essas maleitas, mas confio nela. A Justiça é feita. O que pensa deste tipo de situações? Estamos quase a falar de uma “Guerra Aberta” entre a família de acolhimento e a família biológica. RV – Sim, sim… aliás nós temos outros casos no país. Tivemos quase coincidente com este o “Caso Esmeralda”. Ora, são em tudo idênticos, só que no “Caso Esmeralda” não há a questão da nacionalidade, que se mete pelo meio. São casos muito complicados, que mexem com os sentimentos de muita gente, dos pais biológicos, da família de acolhimento e da própria criança. Estamos a mexer com sentimentos muito complicados. Cada caso é um caso, mas todos enfermam dos mesmos males: o sentimento de perda, por parte dos pais biológicos, que num momento da sua vida, não tendo possibilidades e num acto de dignidade, dão o filho a criar com um mínimo de condições; mas, do outro lado temos alguém que disponibilizou a dar todo o apoio, que abriu o coração, criou laços e um sentimento muito forte e, de repente, tudo termina, originando um sentimento muito forte de perda. São casos muito complexos, muito complicados e que, acima de tudo, são de grande emotividade.

Onde é que acha que a Alexandra poderá ter mais oportunidades, em Portugal ou na Rússia? RV – Não tenho qualquer dúvida de que teria muito mais oportunidades aqui. Aliás, nas reportagens que vimos depois já com a criança do lado de lá percebemos que ela vive 152

num meio carente, ou seja, é uma criança que vai ter uma vida e uma infância limitada, e quando digo limitada já não estou a colocar o amor e o carinho que lhe há-de ser dado. Agora, na componente material, ela teria muito mais possibilidades. O dinheiro não compra tudo, mas no aspecto material os laços acontecem mais facilmente. De hoje para amanhã, com a criança privada de muita coisa, com uma infância até sem a dignidade que merece, cria-se sentimentos de revolta, que acabam por influenciar a relação com a própria família. É uma criança que, seguramente, um dia, vai ter alguns problemas, porque todas estas mazelas, todo este processo que ela teve nesta fase, há traumas que se vão manifestar. Estamos a falar da adaptação… RV – Mas há coisas não visíveis. Há coisas para as quais ela foi influenciada e reagiu no momento, na separação da família de acolhimento, a forma como foi acolhida pela mãe. Mas, há coisas que não se vêem e que são aquelas que ficam marcadas lá dentro, e essas quanto a mim, há situações de trauma que um dia se irão manifestar. Como? É imprevisível. Mas que lá estão e que um dia se vão manifestar não tenho qualquer dúvida, independentemente do grau de intensidade. A personalidade dela vai assentar sobre todo este processo que ela passa. Podemos dizer que, para si, a adaptação da Alexandra vai ser difícil… RV – Não acredito que seja difícil porque as crianças têm uma capacidade muito grande de adaptação e ela tem essa facilidade de adaptação. O que estou em crer é que ela viveu com algumas coisas que não vai ter lá e essas coisas estão no consciente dela. Portanto, acho que ela fica marcada.

A auto-estrada transmontana

Sabe quais são os municípios que vão beneficiar com esta obra, nos distritos de Vila Real e de Bragança? RV – Eu digo todos. A AE não vai servir Macedo, Bragança, Mirandela, Vila Real e Murça, neste eixo em que passa. Se nós nos lamentamos que o distrito de Bragança é o único do país que não tem um quilómetro de auto-estrada, quando falamos no distrito 153

falamos em toda a sua abrangência. Os de Mogadouro, Freixo, Torre de Moncorvo, Vinhais, Vimioso, toda essa gente se vai servir da auto-estrada e ter a possibilidade de uma via estruturante rápida de acesso a todo o país. Ela vai daqui no sentido do Porto, mas quem quiser pode ir para Lisboa.

Quando a teremos no seu todo? RV – Eu acredito que em breve, e aliás porque as coisas hoje são diferente, porque antigamente lançava-se uma obra e ela enfermava logo de duas coisas: os timings e os custos, hoje as coisas estão controladas. Hoje uma obra raramente, a não ser por questões técnicas de imprevistos, se excede os prazos. Mas também já temos uma margem de erro para quando se disse que esta estrada estava, em finais de 2011, concluída, eu acredito que sim. 2012 será o ano do começo de utilização da autoestrada. Mais… hoje as empresas têm os seus benefícios por cumprirem com os prazos que estabelecem, não só porque têm de ter os seus timings, novas obras aparecem e é preciso calendarizar, planear e é preciso fazê-lo em função daquilo que já está a ser executado e até porque a empresa é penalizada em questões de ordem financeira caso os prazos não sejam respeitados. Acredito que o vão ser. Se me disserem que não é em Dezembro de 2011, mas sim em Março de 2012 também não fico preocupado com isso.

Está seguro de que Bragança vai deixar de ser o único distrito do país que não tem um único quilómetro de auto-estrada? RV – Estou. Estou seguro porque temos obra no terreno. Nós temos de ter o discernimento suficiente para sabermos quando nos estão a falar a verdade ou a mentir. Uma obra destas, que tem financiamento garantido e tudo no terreno, depois de lançada entra em velocidade cruzeiro. A questão é esta: estamos num período de obra em que há um processo até vermos o canal aberto, os grandes rompimentos, há um processo longo que não vemos, e isso leva a que haja muita gente céptica. Mas isso acho que é um cepticismo pobre. Então vamos duvidar que há um governo que lança uma obra, que tem o concurso concluído, um consórcio ganhador, o financiamento garantido, tudo executado e agora ainda vamos duvidar de que a obra vai para a frente. Todas as obras do género no país tiveram o seu processo e elas estão no terreno. Nos últimos 20 anos construíram-se centenas de quilómetros de auto-estrada no país e esta também chegou a hora dela. Acredito que ela vai estar pronta dentro dos prazos que estão estimados. 154

Como é que a região vai ficar depois de 2012? RV – Vai ficar uma região diferente a vários níveis: Primeiro, deixando de ser uma região tão isolada com uma realidade diferente. Não tenho dúvida que muito mais gente passa a vir a Trás-os-Montes, muito mais gente vem ao interior nordeste. É mais fácil, porque ainda há muita gente que olha para o mapa e para as condições do terreno e pensa duas vezes antes de partir para viagem. Estamos a falar das pessoas que vêm propositadamente. Agora, vamos ter também outra realidade e vamos ter de saber conviver com ela. As estradas trazem, mas as estradas levam, porque elas têm dois sentidos. E, no sentido de dentro para fora temos de estar atentos, porque se já neste momento o IP4 trouxe essa situação, a AE mais traz ainda. Hoje, o comércio de Macedo, já nem falo no da região, mas no de Macedo, foi um comércio que se deixou ultrapassar, que se deixou para trás e que está a sofrer as consequências desse atraso. E o que é que acontece? As pessoas de Macedo hoje não gastam um tostão aqui, compram tudo fora. E quanto melhor forem as vias, mais facilmente vão. Mais… se agora vão a Bragança e a Vila Real, passam a ir ao Porto, porque passa-se a demorar tanto ir ao Porto, como hoje se demora a ir a Vila Real. Essa é que é a realidade e temos de saber conviver com ela. Toda a área de influência tem que se actualizar, cativar os seus clientes, a procura, porque se não as pessoas vão-se embora, continuam a comprar lá fora e vai ser muito difícil dar a volta, principalmente para Macedo porque se deixou distanciar muito de Bragança e de Mirandela. Este já foi o concelho com mais comércio e melhor qualidade do distrito de Bragança, era o centro das atenções. Hoje, com o atraso que deixámos que nos acontecesse vamo-nos ver atrapalhados, disso ninguém tem dúvidas.

Paragem dos autocarros de Macedo

Centremo-nos mais em Macedo de Cavaleiros, mais concretamente na paragem dos autocarros, como é que a vê? Se lhe pedissem para caracterizar aquele local, o que é que dizia? RV – Aberração. Aberração. Aberração é o termo que encontro mais apropriado para definir aquela situação. É uma aberração em todos os sentidos, mas uma falta de 155

respeito acima de tudo. Uma falta der respeito para com os cidadãos, já nem é para com o povo de Macedo. Quem tem a responsabilidade desta questão é a Câmara Municipal e manifesta uma grande falta de respeito para com os cidadãos. Não só para com os munícipes porque aquilo é uma paragem para quem anda em trânsito no nordeste transmontano, e em particular em direcção a Bragança ou em transportes internacionais. É uma vergonha aquilo que se passa ali. Foram demasiados anos… Ainda no executivo anterior desta câmara municipal foi lançada a questão da construção da Central de Camionagem. Andou-se numa primeira fase com a questão da localização, pensou-se no sítio onde está definida hoje, depois na antiga estação do caminho-de-ferro, e acabou por regressar ao local inicial. É pena que tenham passado dez anos e que ainda esteja por fazer. Querem-nos fazer crer que ela vai avançar agora.

O que é que falhou para que ela não tenha avançado até agora? RV – Falhou a vontade e a prioridade. Isto é falta de vontade e de estratégia política. Esta situação é demasiado grave, é evidente que em dez anos se gastou dinheiro em outras coisas que não eram prioritárias e isto era prioritário, uma questão de qualidade de vida dos cidadãos. É uma questão de um concelho, que se dá ao desplante de apresentar umas condições daquela natureza, em que as pessoas vão fazer xixi por detrás do gabinete onde se vendem os bilhetes, e nem nos cafés vizinhos têm de estar ao dispor de uma situação daquela natureza. Foi uma questão de planificação, de vontade e de falta de respeito, mais nada. Não venham dizer que não havia dinheiro, porque em dez anos houve dinheiro para muitas obras. Houve foi um critério de prioridades com o qual eu não concordo. Estas eleições autárquicas reflectem precisamente isto. Canalizaram-se investimentos para o mundo rural e o mundo rural respondeu e agradeceu votando, reelegendo a Câmara Municipal, mas a urbanidade deu a nota negativa, deu o cartão vermelho porque se esqueceram dela, abandonaram-na. E, esta central de camionagem é um caso de abandono e de falta de respeito político. Isto é uma nódoa negra de Macedo. A Câmara diz que já há projecto e que avança até 2010… RV – Há oito anos que esta Câmara Municipal já diz que há projecto. Sabemos que só há três meses foi negociado um terreno, para fazer a Central de Camionagem. Só temos uma resposta para isto: andaram-nos a mentir. Se há cinco anos se dizia que se ia 156

avançar com a Central, não se disse às pessoas que um dia se avançava com a central, depois de adquiridos os terrenos, feitos os projectos para a área que se adquiriu e que a obra avança… Tem dúvidas que avance… RV – Tenho dúvidas que avance. Já não tenho dúvidas que o projecto existe, já não tenho dúvidas que os terrenos estão negociados, não sei se pagos, aliás dificilmente. Há uma coisa que também não tenho a certeza, que diz respeito às garantias financeiras para se poder avançar com a obra. Essas é que eu ainda não acredito muito. Mas, é prioritário que esta obra avance. Quem não conheça Macedo e que venha de Lisboa para Paris, quando aqui chegar nunca mais se vai esquecer. Porque ao chegar a Paris vai dizer que parou num sítio chamado Macedo, onde teve que ir fazer xixi na relva, atrás do sítio onde se tira o bilhete. Isto é um cenário terceiro-mundista, uma pouca-vergo

157

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.