Os Códigos de Bom Tom

October 12, 2017 | Autor: R. Charters-d'Aze... | Categoria: Social Sciences, Social and Cultural Anthropology, Education (Social Policy)
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CÓDIGOS DO BOM-TOM Por Ricardo Charters d’Azevedo [tentativa de estudo sobre a “civilidade e comportamentos” no seculo XIX, que foi integrado na obra “William Charters, um oficial inglês em Leiria no seculo XIX”]

A partir de finais do século XVIII, mas sobretudo durante o século XIX, toma força um novo gênero literário consagrado às boas maneiras. Escritos de modo claro e didático, os guias de boa conduta dedicavam-se à "ciência da civilização" e introduziam seus leitores nas atividades que marcavam a vida de sociedade: bailes, reuniões, saraus e jantares. As prescrições, por exemplo, do “Tesouro de Meninos” de Blanchard e do “Código do BomTom” de Roquette, sobre a arte de conversar, recuperam um modelo já posto por outros manuais renascentistas como por exemplo o “De civilitate morum puerilium (Da civilidade dos costumes das crianças”) de 1530 por Erasmo de Roterdão. Nesta obra Erasmo procura orientar a formação infantil, no que toca ao gestual, vestimentas, expressões faciais, dentre outras, para delimitar o comportamento e demonstrando as boas e más condutas; dá grande ênfase na etiqueta à mesa, onde verdadeiramente se reconhece quem é ou não nobre. Um segundo manual surge em 1558, na Itália, de autoria de Giovanni della Casa, intitulado “Galateo”, onde o autor descreve em narrativa um velho a ensinar boas maneiras a um jovem. A etiqueta passara a ser o modulador do status quo, a distinguir o "civilizado" do "bruto" ou "bárbaro".

Em High-Change in Bond Street,—o—la Politesse du Grande Monde (1796), James Gillray caricaturou a falta de etiqueta num grupo de homens olhando lascivamente para as mulheres e empurrando-as para fora da calçada.

No entanto, juntamente com a civilidade vinham recomendações referentes á vida em comum civilizada que se traduzia em regras de higiene. Os manuais aconselham a evacuação diária, banhos de quinze em quinze dias, além da troca de roupa-branca tão logo que esteja suja. A civilização levou sempre à restrição dos costumes e a dificuldade está em “evitar o gesto natural”. Reprimir o espirro, não coçar a cabeça e muito menos meter os dedos no nariz, não levar a mão à boca nem roer as unhas, nunca arrotar ou mostrar ventosidades intestinais e nunca colocar os ossos da nossa comida no prato do vizinho, são “simples” recomendações que os manuais de bom-tom nos apresentam. Por outro lado os manuais descrevem atitudes e gestos que passaram a ser obrigatórios. O mais famoso (e provavelmente mais antigo) manual chamava-se “Código do Bom tom”, de autoria do cônego português identificado apenas como José Inácio Roquette, publicado em 1845 (já em nona edição em 1867) tornou leitura obrigatória para aqueles que almejavam ser bem sucedidos na sociedade. “José Inácio Roquette natural Alcabideche, Portugal. Ingressou na vida eclesiástica em 1821. Viveu em Londres e em Paris. Em Paris, obteve bom acolhimento, não só do embaixador, que então era o Ex.mo Visconde da Carreira, mas do Arcebispo de Paris, que para logo lhe forneceu alguns meios de subsistência, colocando-o em uma freguesia do bairro de S. Germano; bem que pouco serviço pudesse aí prestar, em razão de faltar-lhe o uso e a pratica da língua francesa, para que houve mister tempo, até chegar a pregar correntemente e com desembaraço. Deu-se então á tradução e composição de varias obras, com o fim de tornar-se prestável aos seus compatriotas, e também de recolher para si maiores recursos do que podiam provir-lhe dos escassos proventos do ministério eclesiástico. Tornou-se cavaleiro da Ordem Imperial da Rosa, conferida por S. M. o Imperador do Brasil em 3 de Setembro de 1847. As obras por ele compostas, traduzidas ou coordenadas, versam sobre assuntos místicos, e de erudição e literatura sagrada, eclesiástica e profana” (DICIONÁRIO BIBLIOGRÁFICO PORTUGUÊS DE INNOCENCIO FRANCISCO DA SILVA). No entanto, já encontramos manuais, como aquele escrito por Jerónimo Soares Barbosa1 e publicado em 1796, sob o título “Escola Popular das Primeiras Letras” onde o capítulo “Catecismos de Doutrina e civilidade christam para a instrução e para o exercício da leitura”, onde se se inserem recomendações para “ bom viver”, já dirigidos a crianças no ensino primário. Como afirma Fabiana Sena da Universidade Federal da Paraíba2 tratava-se de refinar os hábitos das pessoas, refreando as atitudes e os sentimentos delas desde a tenra idade, através das máscaras da civilidade. Começava-se por terem como destinatários primeiramente as crianças, mostrando-lhes os comportamentos das personagens infantis nas narrativas, embora saibamos que os destinatários dessas obras eram mais amplos do que o público infantil, pois o destinatário implícito dessas obras foi todo aquele interessado em se inserir na sociedade, sejam mulheres e homens de diferentes idades e alfabetizados, que pertenciam a uma diminuta elite. Possuidores desse conhecimento, eles se tornariam divulgadores das regras do jogo social, distinguindo-se dos demais.

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CHARTERS-D’AZEVEDO, Ricardo – “Os Soares Barbosa, ansianenses ilustres”. Leiria: Textiverso, 2012 Revista HISTEDBR on line, Brasil, Campinas, 2010, p. 253 e seg

Alguns códigos: ANDRADA, Diogo de Padua d’ – “Casamento Perfeito”. Lisboa, Jorge Rodriguez, 1630. AURORA, conde de - “Código de civilidade e costumes do bom tom seguido do Código Heraldico (Sciencia do brasão)”. Lisboa: Henrique Zeferino, 1894. BEAUMONT, Madame Le Prince de – “Thesouro de Meninas ou Dialogos entre huma sabia aia e as suas discípulas da primeira distinção…”. Traduzido por Joaquim Ignacio de Frias. Lisboa: Galhardo, 1821. BLANCHARD, Pierre – “Thesouro de Meninos, obra clássica devidida em tres partes: moral, virtude, civilidade.” Tradução de Matheus José da Costa. Lisboa, 1851. “Cartas sobre as Modas”. Lisboa: Typ. Rollandiana, 1789. E***, M. - “Lettres de Ninondelenclos au marquis de Sevigné, avec sa vie”. Amsterdam: 1781. “Elementos da civilidade e da decência para a instrução da mocidade de ambos os sexos, traduzidos do francês em vulgar”. Lisboa: Typ Rollandiana, 1801. “Les usages du monde, le savoir-vivre et la politesse chez soi, en visite, en soirée, au theatre, en voiture, en voyage, pour recevoir, pour donner un repas, les usages dans toutes les cerimonies, naissance, baptême, mariage, suite de conferences par un homme du Monde, suivi du guide pour la danse du cotillon”. Paris: Lib. Theodore Lefèvre et Cie, 18... MANOEL, D. Francisco – “Carta de guia de casados para que pelo caminho de prudência se acerte com a casa do Descanso”. Lisboa: Of. de António Rodrigues Galhardo, 1765. NAZARETH, Beatriz – “Manual de Civilidade e Etiqueta, regras indispensáveis para frequentar a boa sociedade”. Lisboa: Ed. Arnaldo Bordalo, 1898. NERAS, João Teodoro de – “Methodo pratico, com que as senhoras mulheres assistem nos Templos, principalmente no tempo dos Sermoens: o qual joco-seriamente se expõe para correcção de tão estranhos abuzos & C.”. Lisboa: Of. de Francisco Borges de Sousa, 1760 . “Pampartido em pequeninos para os pequeninos da casa de Deos”, composto por um padre da congregação do oratório de Lisboa. Lisboa: Ed. Filipe de Sousa Villela, 1700. PICALUGA, Eduardo A. Jayme – “Regras do duelo”. Leiria: Typ. Leiriense, 1901. PROENÇA, Martinho de Mendoça de Pina e de – “Apontamentos para a educação de um menino nobre, que para seu uso particular fazia…”. Lisboa, 1734. “Regras para a cristã educação dos meninos”. Lisboa: Regia Oficina Typografica. 1783 ROQUETTE, J. I. – “Código do Bom Tom ou Regras da Civilidade e de bem viver”. Paris: Vª J. P Aillaud, Guillard e C.ª, 1867, 9.ª edição. SAVERNON, Baronne de – “Petit Manuel des usages du Monde”. Paris: Diddier & Méricant, ed., 18… SIQUEIRA, D. João de Ns.ª Sr.ª da Porta – “Escola de Política, ou tractado pratico da civilidade portuguesa”, Porto: na Officina de Antonio Alvares Ribeiro, 1786.

URCULLU, José de – “Lições de boa moral, de virtude e de urbanidade”, traduzidas do espanhol por Francisco Freire de Carvalho. Lisboa: Typ Rollandiana, 1847. X, Baronesa – “Saber viver, regras de etiqueta – opiniões e conselhos”- Lisboa: Soc. Nac de Tip., 1900.

(no anexo VII em CHARTERS-D’AZEVEDO, Ricardo - “William Charters um oficial inglês em LEIRIA NO SÉCULO XIX”. Leiria : Textiverso, 2013)

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