Os conflitos ligados ao petróleo: competição entre nações e transnacionais para o controle das reservas estratégicas africanas: o caso de Cabinda

September 14, 2017 | Autor: M. Dhenin | Categoria: Africa, Energy, Oil and gas, Angola, Strategy, Cabinda
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RESUMO DA COMUNICAÇÃO Os conflitos ligados ao petróleo: competição entre nações e transnacionais para o controle das reservas estratégicas africanas: o caso de Cabinda Resumo Esse artigo pretende abordar os problemas relativos à competição para o controle das reservas petrolíferas em Angola, na região de Cabinda. Pretendemos evidenciar os laços econômicos, políticos e comerciais entre de um lado, governos que beneficiam do apoio dos mercados internacionais e das transnacionais para a exploração do petróleo, muitas vezes desrespeitando os regulamentos internacionais, e por outro lado, a competição podendo ser vetor de tensões locais entre povos de uma nação ou entre países que partilham fronteiras ou águas territoriais. Os governos desses países e as transnacionais presentes desde o período da descolonização atuam em vários setores, aproveitando o alto nível de corrupção dos países ou territórios envolvidos, mas também do vazio jurídico internacional no que diz respeito às royalties, como do consentimento dos atores locais, cientes da importância da presença dessas empresas para a economia da região estratégica de Cabinda. O estabelecimento de um orgão regulador supranacional africano do petróleo, que defenderia a soberania dos países produtores e a justa distribuição das rendas entre grupos étnicos deve pensar-se ao longo prazo como solução para garantir a estabilidade política e econômica da região e perenizar assim as relações com os investidores estrangeiros.

Abstract The paper’s main goal is to discuss the problems related to the competition for oil reserves in the Angolan province of Cabinda. We intend to highlight the economic, political and business relations with, on one hand, governments involved in with international markets and transnational corporations to exploit oil resources, often disregarding international regulations, and on the other hand, competition being a tension builder among local populations or between countries that share borders or territorial waters. The governments of these countries and the transnational corporations are present since the end of the decolonization process, working in various sectors. They took advantage of the high level of corruption in African countries in general and also from the legal vacuum concerning royalties, with the consent of local actors, aware of the economic importance of their presence for the strategic region of Cabinda. The establishment of supranational regulatory agency of African oil could be a way to defend the sovereignty of the producing countries and the fair distribution of income between ethnic groups. It could be a positive strategy for a long-term solution to guarantee the political and economic stability of the Cabinda region and thus perpetuate good relationships with foreign investors.

Introdução O enclave de Cabinda é um território da África Central com uma área de 7,270 km², delimitado pela fronteira norte com a República do Congo (Congo Brazzaville), e no sul com a República Democrática do Congo (RDC). Seu território é composto por florestas e savanas no norte e no sul de uma planície costeira (100 km) com alto potencial de petróleo descoberto no final dos anos 1950 (oficialmente cerca de dois terços da produção petrolífera angolana) o que representa 1,2 milhões de barris produzidos por dia. A madeira e o diamante são as outras riquezas dessa região. Integrado no reino do Loango antes da colonização portuguesa, o enclave de Cabinda recebeu o seu estatuto como entidade política autônoma em 01 de fevereiro de 1885 com o tratado de Simulambuco, que constitui a fundação do movimento de independência. Mas este reconhecimento é rapidamente reprimido, pois em 1956, o enclave de Cabinda foi ligado a Angola pelo governo de Salazar. Na altura da sua independência, em 1975, Angola anexou a Cabinda, permitindo que as autoridades angolanas mantessem um controle direto do petróleo, explorado principalmente por concessões americanas. Sempre opostos ao domínio português e angolano, os cabindas expressaram primeiro a um argumento cultural e político e da política através da luta armada para alguns, para outros pela expressão em uma sociedade lutando para seu reconhecimento. Além de interesses econômicos, a relutância de Angola em reconhecer a independência da província mostra as dificuldades do regime para implementar o processo de transição política. (Dos Santos, 1983) Em primeiro lugar, vamos falar sobre o nosso objeto de estudo: a questão dos conflitos ligados ao petróleo. Esse problema está inserido completamente no tema “O ambiente e a competição pelos recursos” da Conferência internacional “A prevenção e a resolução de conflitos em África”, com sede no Instituto da Defesa Nacional (IDN), na cidade de Lisboa, Portugal. Em seguida, precisamos enfatizar a competição existente entre os diferentes atores presentes: as nações, as regiões, o Estado e as empresas transnacionais. O enclave de Cabinda representa 66% do petróleo angolano produzido, manifestando assim sua importância estratégica evidente e a competição. Porém, não houve uma captação de recursos decorrente da exploração para o povo cabinda nos últimos anos.(Messiant, 1994) De fato, o sentimento de abandono do Estado angolano na província é manifestado pela presença importante dos movimentos separatistas, reforçando assim a situação instável da região. Esses grupos gozam de vínculos políticos fortes com as grandes empresas petrolíferas

estrangeiras. Podemos constatar uma degradação clara das condições sociais nas regiões periféricas, afastadas do centro econômico e político do país, a capital Luanda. Um sobrevoo da história de Cabinda A identidade de Cabinda foi construída muito antes da descoberta de jazidas de petróleo. Historicamente, a província de Cabinda parece estar mais perto da diversidade cultural e linguística da foz do rio Congo, em Angola. Na sequência da decisão de Salazar de anexação do enclave com Angola (Denhez, 2009) em 1956, os movimentos separatistas exigem a independência de Cabinda e juntam-se no FLEC (Frente de Libertação do Enclave de Cabinda). O ano de 1974 marca o início da luta armada do movimento. Instalado na floresta do Mayombe e composta por aproximadamente 5.000 homens, o movimento recebeu o apoio do Zaire e do Congo-Brazzaville. Neste jogo complexo se misturam as empresas de petróleo estrangeiras. Nos anos 1980-90, o movimento separatista é enfraquecido por divisões internas e sobretudo pela retirada de apoio externo (queda de Mobutu no Zaire, chegando ao poder Sassou Nguesso no Congo-Brazzaville, à favor do exército angolano sobre a população civil). O balanço humano continua sendo muito difícil de avaliar (algumas estimativas apontam por dezenas de milhares de vítimas), pois não houve mídia ou ONG autorizada naquele momento no terreno. Em 2002, após o fim da guerra civil entre de um lado, o Governo, dominado pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), e do outro lado, o principal movimento de oposição, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), as Forças Armadas Angolanas (FAA) movimentam cerca de 30.000 soldados para o enclave de Cabinda para acabar com a rebelião separatista. Esse esforço militar levou à destruição das principais bases do FLEC no interior e enfraqueceu consideravelmente a capacidade militar da guerrilha. O conflito agora é de baixa intensidade: os ataques são realizados pelo FLEC (rapto de expatriados que trabalham em plataformas de petróleo, ataques de soldados angolanos), as quais o regime respondeu com muita violência.(Human Rights Watch, 2009) A repressão levou à fuga maciça de pessoas para os Congos (especialmente na província do Baixo-Congo na RDC e Congo-Brazzaville na região de Niari), cujas condições de vida eram precárias e as incursões do exército angolano e violentas e freqüentes.

Parte 1: Evolução do quadro político e econômico de Cabinda (1975-2011) Para ajudar a realização do quadro da situação geopolítica, podemos evidenciar o problema da estrutura política angolana. Por um lado, vamos analisar o debate em torno do estatuto do enclave e do outro, vamos realizar o balanço do movimento separatista cabinda. Esse quadro fica ainda mais complexo quando levamos em consideração a importância estratégica do petróleo para o governo Dos Santos e o problema da corrupção de Angola. 1.1 O debate em torno do estatuto do enclave Um ponto importante do problema de Cabinda está relacionado com o estatuto do enclave do ponto de vista do governo de Angola. O processo para o reconhecimento da autonomia está marcado por diferentes etapas, sobretudo a partir da independência de Angola em 1975. Até o começo dos anos 1985, as negociações entre o governo angolano e as facções independentistas foram pouco a pouco estabelecidas. Esse esforço de aproximação por parte do governo foi sem dúvida uma jogada política para manter a unidade política de um país em plena transformação do ponto de vista da sua estrutura governamental. Bem longe das tensões contemporâneas, o FLEC (Frente de Libertação do Enclave de Cabinda) obteve do governo, num esforço de “abertura democrática” algumas concessões, como por exemplo, a possibilidade de abrir uma representação oficial na cidade de Luanda. « À la suite de ce compromis, sa tendance ouvrit une représentation dans la capitale de la province sous l’appellation de FLEC intérieur (dont le comité fut coordonné par Belchior Tati. »(Mabeko-Tali, 2001)

Apesar da relativa abertura, esses encontros foram marcados por uma falta clara de vontade do governo para responder as questões sobre o futuro do enclave. Um clima de desconfiança mútua marcou esse período, pois os independentistas suspeitavam o governo central de recorrer aos países vizinhos para enfraquecer o movimento. (Mabeko-Tali, 2001) Porém as negociações seguirem um rumo oposto, pois, “Il est établi que, pendant que les groupes cabindais parlent d’indépendance, ou tout au moins d’une large autonomie, le gouvernement quant à lui parlait tout au long des années 1980 de “politique de clémence” ou de “ réconciliation nationale.”(Mabeko-Tali, 2001)

Além das questões separatistas, o problema tocava também em alguns aspectos internacionais, nomeadamente, o papel das empresas petrolíferas e os países vizinhos (Congo e RDC), acusados pelo governo central de “ambições” sobre o enclave como explica o professor Mabeko-Tali: « Le tout ne serait que le résultat de complots extérieurs afin de s’approprier les richesses de l’enclave, ou tout simplement de l’annexer à l’un ou l’autre des deux pays frontaliers de Cabinda. »(Mabeko-Tali, 2001)

A multiplicação das ingerências dos países vizinhos na questão de Cabinda no começo dos anos 1990 favoreceu a radicalização das posições de cada lado. O Congo-Brazzaville foi o país de origem da intensificação das ações de guerrilha, apoio político a favor de uma evolução negociada dentro do quadro nacional angolano, de um estatuto intermediário (autonomia). A questão de Cabinda favoreceu a deterioração das relações entre Luanda e o regime de Pascal Lissouba. Confrontado a essas diferentes formas de expressão, o regime angolano interveio com a repressão. Para acabar de vez com o movimento cabindês, a estratégia das autoridades angolanas foi a seguinte: ela supõe um interlocutor válido para abrir o diálogo, porém: « Tout en travaillant à l’atomiser (…) et à en récupérer les dissidents pour les retourner contre leurs anciens compagnons d’armes. » (Mabeko-Tali, 2008)

Último exemplo registrado: durante a eleição de setembro de 2008, o observador europeio Richard Howitt indicou que intimadações e compra de votos acontecerem no enclave. O relatório de Human Right Watch sobre Cabinda de janeiro de 2009 contabilizou 38 pessoas detidas entre setembro de 2007 e março de 2009 pelos serviços de inteligências angolanos, sendo as mesmas torturadas entre outras violações dos direitos humanos. (Human Rights Watch, 2009) O argumento para a retenção como parte de Angola do enclave tem sido tradicionalmente que a riqueza do petróleo de Cabinda é essencial para a reconstrução e o desenvolvimento do país. No entanto, de acordo com as Nações Unidas, o governo gastou 34 por cento do seu orçamento total de 1995 até 2005 na defesa, em comparação com 15 por cento para a educação e seis por cento para a saúde, no mesmo período.

1.2 Balanço do movimento separatista cabinda Figura histórica do movimento independentista, fundador do MLEC, e mais tarde do FLEC em sua versão original, Luis Ranque Frank teve essa outra originalidade de ter proclamado a independência da “República de Cabinda” em 01 de Agosto de 1975, em Kampala (Uganda) no meio da cúpula da Organização da Unidade Africana onde a questão de Angola era justamente debatida Em 1992, após ter passado vinte anos no exílio no Canadá, Luis Ranque Frank apoiou o plano do governo para o “estatuto especial” para Cabinda, com base no modelo português das ilhas adjacentes. Os principais atores na cena independentista desde quase uma décadade são a FLEC-Original de Luis Ranque, a FLEC-FAC de Nzila Tiago, a FLEC-renovada de António Bento Bembe, a FDC de Norbert Itaula e o MRPC, uma dissidência do anterior liderada por Francisco Xavier Lubota. Diante da variedade de tendências dentro do movimento independentista, para os atores tornou-se quase obrigatório que participavam deste processo complexo a busca de um consenso sobre questões relacionadas com o futuro do enclave de Cabinda. Sem aparente éxito pois como explicou o professor Mabeko-Tali: “De fato, no dia 11 de novembro de 1991, realizada em Lisboa, uma “Conferência de Executivos de Cabinda” no final da qual foi formado um “Conselho Supremo de Coordenação da FLEC” com um presidente de fato e um Secretariado-Geral. Mas essa estrutura foi imediatamente sacudida por uma divisão interna com a renúncia, no ano seguinte de algumas figuras históricas da FLEC.” (Mabeko-Tali, 2001)

Uma das características do movimento de independentista de Cabinda é sua constante fragmentação, em fração cada vez menores, em um processo não totalmente formatado pelo governo angolano, mas, sem dúvida, incentivado e explorado por ele. 2.1 A importância estratégica do petróleo para o governo Dos Santos Dum certo ponto de vista, a importância estratégica de Angola como um “ponto quente” de petróleo e segundo produtor de petróleo do continente, é inquestionável. Com reservas de mais de sete bilhões de barris acreditando-se ser maior do que as do Kuwait, ele é o país fora da OPEP cuja exploração de petróleo foi de maior sucesso nos últimos anos, pois as reservas conhecidas quadruplicaram desde o início dos anos 1990. Mais de 40% de seu petróleo é exportado para o mercado dos Estados Unidos.

A produção chegou a 2 milhões de b/d em 2008. ChevronTexaco, o maior produtor em Angola, está produzindo mais de 500.000 b/d. Total, ExxonMobil e BP também têm investido pesadamente na exploração e produção de petróleo no país. Como na Nigéria, a dependência do petróleo de Angola é profunda: de 1995 a 2001, as receitas fiscais do petróleo foram responsáveis por 70 a 90% das receitas do Estado e mais de 60% do PIB. Mais de 97% do petróleo de Angola é offshore, limitando as interações entre empresas e comunidades locais. O regime de Angola, cujas reservas são regularmente reavaliadas, tornou-se de fato para as empresas transnacionais do setor petrolífero “um dos três lugares mais excitante do mundo”. (Messiant, 2001) Não membro da OPEP, o país concordou (até então) em aumentar sua produção, pois precisa de liquidez e de armas. Seu petróleo está, além disso, abrigado da ameaças da guerra, pois está localizado em águas profundas onde as descobertas são frequentes. Não importa a violência da guerra, “o risco país” é, como em Luanda, mínimo (cerca de 18 bilhões de doláres em investimentos previstos para os próximos quatro anos. (Messiant, 2001) Geograficamente offshore, o petróleo sempre foi também economicamente: ele nunca funcionou sob as regras da “economia socialista” e até mesmo durante a Guerra Fria, os Estados Unidos eram os principais clientes e consumidores. Ao longo dos anos e das perspectivas radiantes, as empresas dos EUA, francesas (Elf especialmente), belgas, italianas já presentes no mercado, irá mobilizar todas as grandes empresas do mundo, e menos grande, e os seus governos por trás deles, que livram-se uma guerra de propostas e de rivalidades. Longe das incertezas no Oriente Médio, o petróleo de Angola já responde por 7% da oferta nos Estados Unidos, que conta brevemente atingir a marca dos 12 ou mesmo 15 por cento. Logo, eles manifestaram publicamente o compromisso de uma política muito determinada em fazer de Angola um “parceiro estratégico”. Em suas atividades na África, as multinacionais do petróleo ilustraram claramente um processo de socialização das perdas e privatização dos lucros e capitalização. Aproveitando as fraquezas de regras sociais, ambientais e econômicas (incluindo a participação nos lucros), elas tiveram regulamentos diferenciados. As empresas petrolíferas transnacionais podem “pagar” comportamentos diferentes: por exemplo, não aplicar os padrões exigidos em países desenvolvidos sobre as tecnologias e medidas de impacto ambiental; fugir da obrigação de fornecimento de fundos para indenizar as vítimas em caso de acidente industrial; referem-se constantemente a responsabilidade do privado ao público, as empresas petrolíferas a estados Africano (como ilustra o consórcio do projecto Esso, Shell e Elf no Chade e em Camarões). (Globenet, 2005)

Atualmente, o equilíbrio de poder entre os produtores africanos e as companhias transnacionais de petróleo ainda favoreceu o último, porque a situação da dívida dos países africanos obriga o uso de tecnologia e capital estrangeiro (ver o caso da Argélia e do Congo) Desde os anos 1980, os Estados Unidos e as empresas petrolíferas europeias diversificaram seus investimentos na África para os minérios de energia, como o urânio e não energéticos, como o cobre. A exploração de jazidas minerais e do petróleo é realizado cada vez mais na forma dum consórcio, alianças momentâneas envolvendo concorrentes em carteiras diversificadas. Nesta nova forma de concentração entre os setores, transnacionais adquiriram capacidade em negociações para “cercar” os estados. Para conquistar os mercados mais cobiçados, garantir a segurança dos seus investimentos e dos lucros em um ambiente regulamentar instável, as transnacionais e os países estrangeiros desenvolvem uma parceria privilegiada com com “o governo”, e particularmente com a Presidência. Christine Messiant, com aquela irônia que caracterizava o seu estilo, explicava que: « Ils vont même renforcer le crédit «moral » du Président puisque (presque) toutes les grandes compagnies opérant en Angola financent la Fondation Eduardo dos Santos (FESA), qui peut ainsi mener des activités hautement louées de bienfaisance envers un peuple abandonné par le gouvernement… dont le Président est le chef. »(Messiant, 1993)

Além das práticas clientélistas, outro problema vem somar-se, aquele da corrupção generalizada em Angola, que atinge níveis extraordinários em todas as camadas da chamada “nomenklatura” do petróleo, como vamos agora poder ver no próximo ponto 2.2 O problema da corrupção em Cabinda « Les cas de corruption et de détournements organisés, portant sur des sommes considérables et impliquant des membres de la haute nomenklatura pourtant dénoncés dans la presse indépendante ou par des organisations internationales ne donnent jamais lieu au jugement « au sommet » ni à l’ouverture d’enquêtes, mais tombant simplement dans le silence. » (Messiant, 1994)

É com esta crítica dura que Christine Messiant analisou a situação da corrupção em Angola em 1994. No entanto, quase duas décadas depois, a situação não parece ter mudada. Os oligarcas da nomenklatura angolana ainda estão presentes nas esferas do poder e o aumento dos preços do petróleo só multiplicou a riqueza material desses indivíduos. O

famoso escândalo do Angolagate que envolveu o empresário Pierre Falcone e a empresa francesa Elf em um sombrio negócio de tráfico de armas é só mais um exemplo dos escandalos da corrupção na história recente do país. O caso tratou da venda de armas soviéticas e francesas estimadas em 790 milhões de doláres ao governo de Angola do Presidente José Eduardo dos Santos em 1994, durante a guerra civil angolana, negociação que permitiu às numerosas personalidades francesas receber comissões ilegais. O governo de Angola alega que este caso violou sua soberania, por abordar um caso relacionado com “o segredo de defesa do país”. Devido aos efeitos da crise financeira internacional e à baixa temporária do preço do petróleo, Angola viu-se forçado em 2008, a pedir a ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI) e de se submeter às exigências impostas por esta instituição. Estas incluem medidas severas contra a corrupção e a falta de transparência orçamental. No entanto, a situação global em relação à corrupção não melhorou como demostra a posição de Angola nos índices anuais da ONG Transparency International: enquanto o país figurava, em 2006, na 147ª posição (sendo 1ª a melhor do ranking), Angola desceu então passo a passo, chegando em 2010 à 168ª posição em 178, fazendo, portanto parte dos dez países mais corruptos do mundo. (Transparency, 2010) Após ter visto a evolução do quadro político e econômico do enclave de Cabinda, vamos agora nos interessar ao petróleo e ao seu impacto sobre a sociedade cabinda, analizando particularmente o papel das transnacionais e suas dinâmicas em busca de uma solução politica aos conflitos.

Parte 2: O petróleo e o seu impacto na sociedade de Cabinda 1.1 Governo local versus empresa transnacional Os governos e as transnacionais atuam em vários setores da economia, aproveitando o alto nível de corrupção dos países ou territórios envolvidos, mas também do vazio jurídico internacional, cientes da importância da sua presença para a economia da região estratégica de Cabinda. Os interesses econômicos não são desconectados desta política repressiva. Os lucros gerados pelo petróleo não beneficiam as populações locais: política social e educação inexistente, inflação alta, a atividade agrícola não inexistente onde há uma desnutrição significativa. A organização do espaço de Cabinda ilustra essa lacuna entre, de um lado, os operadores de petróleo (empresas de exploração, empresas tercerizadas) e do outro, a população local (60% da população vive em áreas rurais).

Na costa atlântica, as companhias de petróleo americanas criaram plataformas no litoral da cidade de Malongo (chamada de Little America) em que apenas os trabalhadores cabindeses com uma autorização de trabalho podem entrar. O Malongo está separado do resto do território de Cabinda por uma fronteira clara, visível e intransponível, a mais protegida e mais bem defendida. A postura da ChevronTexaco pode ser sumariamente analisada em duas vertentes: a luta permanente contra as liberdades democráticas e os direitos humanos e a aliança e parcerias estratégicas com o regime. Como Christine Messiant ressaltou, a prática do clientelismo é comum em Angola: «Nombre de pays et d’entreprises étrangères sont ainsi engagés très personnellement en Angola. Si bien que l’excitation » universelle produite par l’or noir angolais sur les pétroliers va se traduire par ce qu’il faut bien nommer une promiscuité de nombre de dirigeants politiques étrangers avec le « parti au pouvoir », et tout particulièrement avec le Président. On est ainsi en présence, en ce qui concerne la présidence angolaise, d’une double promiscuité, chacune avec des conséquences particulières : l’une avec des hommes d’affaires (Falcone, Gaydamak, son associé Leviev) qui travaillent un pied au moins dans l’illégalité, et l’autre avec de grands États, promiscuité dont les conséquences sont-elles très légales. » (Messiant, 1994)

1.2 A CABGOC e o seu impacto na sociedade de Cabinda A Cabinda Gulf Oil Company, Limited, CABGOC, nasceu como uma filial da multinacional americana Gulf Oil Corporation. Em 1957, obteve uma licença de prospecção de petróleo no território. Em 1984, com a aquisição desta pela Chevron, a CABGOC passou a ser uma filial desta multinacional; finalmente, com o nascimento da ChevronTexaco, fruto da fusão da Chevron com a Texaco, a Cabgoc passou a fazer parte da “família” ChevronTexaco. O tratamento reservado aos trabalhadores americanos é privilegiado em relação ao dos outros trabalhadores. Para uma mesma função, igual competência e idêntico regime de responsabilidade, o americano ganha quatro ou cinco vezes mais do que o seu alternante africano. A discriminação é também notória entre angolanos de gema e cabindas. Aqueles beneficiam de melhores condições de trabalho e de salário e gozam de excepcionais oportunidades de formação e de promoção. Christine Messiant explicou também o poder da nomenklatura angola: « Or, il se trouve que « politiquement » aussi, l’exploitation du pétrole est offshore en Angola, en ce sens qu’elle dépend directement de la présidence et que ses comptes ne

sont soumis à aucun véritable contrôle. Grâce au verrouillage de cette rente, à l’opacité

du secteur public, à l’absence de transparence sur les privatisations et, plus généralement, sur l’activité – et la criminalité – économique, la présidence a

pu,

maîtrisant la distribution « nationale » des richesses, s’assurer, assurer à ses fidèles et au « parti au pouvoir », des entreprises, des parts de capital, des partenariats. » (Messiant, 2001)

Com a declaração de independência promulgada no dia 11 de novembro de 1975, o Movimento Para a Libertação de Angola (MPLA), apoiado por outros grupos independentistas, conseguiu manter o território angolano intato, apesar das pressões no sul do país com a invasão da África do Sul (apoiada pelos Estados Unidos). Os movimentos FLNA e a UNITA proclamaram a República Democrática de Angola (RDA), com o apoio norteamericano. Durante este período, as contradições entre a política dos Estados Unidos para o governo do MPLA e as grandes empresas transnacionais operando e negociando com Angola apareceram. A Cabinda Gulf Oil Company (CABGOC) teve que pagar 500 milhões de doláres para o governo em transição de Angola, que não existia, já que apenas o MPLA e os ministros portugueses permanecerem em Luanda. Dois meses antes da independência, a CABGOC pagou a terceira parcela de 100 milhões de doláres para o Banco de Angola em nome do governo da colônia. As demais parcelas foram depositadas entre dezembro de 1975 e janeiro de 1976. Naquele período, Henry Kissinger e a Central Intelligence Agency (CIA) lutaram para que os pagamentos não sejam realizados, pois eles não queriam que o MPLA, então apoiado pela URSS e Cuba, obtesse tão grandes quantias de dinheiro e prejudicasse os negócios da CABGOC num mercado tão competitivo como aquele do petróleo. (Dos Santos, 1983) Ironicamente, após anos de guerra civil, a postura oficial da CABGOC permaneceu a mesma. Recentemente, houve denúncias de que funcionários da empresa foram suspeitos de colaboração com os separatistas do FLEC. No entanto, as companhias de petróleo fizeram o seu melhor para manter-se alheio do problema. Em uma entrevista à imprensa, John Grass, gerente da CABGOC e da parte do Sul da África para a Chevron declarou que: “sua empresa não se envolve “no lado político das coisas” e tenta colaborar com os agentes da lei “como seria em outros países.” Ele ainda acrescentou que “francamente, não temos conhecimentos de qualquer violação dos direitos humanos occoridos” e não

sabia “como os prisoneiros são tratados em Cabinda ou em Angola, ou em qualquer outro lugar onde a empresa trabalha.”(L.A Time, 2003)

Após ter analisado o papel das empresas transnacionais, particularmente as do setor petrolífero em Cabinda, e visto o caso específico da CABGOC e suas relações com o regime angolano, vamos agora enfatizar o papel das igrejas católicas e protestantes no movimento separatista, e ver como o estabelecimento de um órgão supranacional do petróleo e das energias deve pensar-se como solução para garantir a estabilidade política e econômica da região. 2.1 O papel das igrejas católicas e protestantes na questão de Cabinda Paralelamente à luta armada, a causa da independência se estendeu dentro do clero, durante três décadas, membros do clero de Cabinda denunciaram violações dos direitos humanos e da sociedade civil. É o mesmo para a Igreja de Cabinda, vetor forte da causa da independência. Númerosos padres estão sendo monitorados ou detidos. Em 2006, o governo angolano foi questionado pelo Vaticano que nomeia um bispo próximo à oligarquia angolana (Dom Filomeno Vieira Dias), a Igreja está dividido desde entaõ entre, de um lado, a Igreja de São Tiago para a causa da independência e do outro, a Igreja oficial de Cabinda. Em relação à sociedade civil, a proibição da associação Mpalabanda, em 2007, por incitar a violência e o ódio do governo constituiu um golpe para qualquer expressão de violações dos direitos humanos. A Igreja Católica, sem dúvida, tem um papel importante a desempenhar, tanto por ação direta de mediação entre as partes, ou, sevido como catalizador para a criação de uma plataforma cabindesa de verdade, aquele que representa a maioria dos cabindas. Neste sentido, o diocese de Cabinda pode referir-se ao exemplo dado pela criação em 1999 do movimento “Pro Pace”, que pela primeira vez na história de Angola reuniu as principais igrejas de Angola (católicos e protestantes de várias denominações), bem como muitas Organizações Não-Governamentais (ONG) e Organizações de Base Comunitária (OBC). Um fim à guerra civil entre a UNITA e o governo do MPLA foi discutido abertamente em julho de 2000, no “Congresso para a Paz”. Este movimento eucumênico tentou mudar a ênfase das abordagens de alto para baixo da resolução que tinha caracterizado o processo de paz em Angola desde 1991, para uma abordagem maior, de baixo para cima, no qual todos os membros da sociedade civil podem contribuir para a resolução de conflitos e para a paz. É

justamente essa última abordagem que pode, numa certa medida, ajudar encontrar uma solução para a questão de Cabinda. Como ressaltou Jean Michel Mabeko Tali: « Elle eut beau le nier, l’institution religieuse assurait désormais des positions de plus en plus politiques lorsqu’elle exigeait publiquement le respect de la volonté et l’identité spécifique du peuple cabindais le respect des droits de l’homme et une solution urgente et originale pour ce territoire. » (Mabeko-Tali, 2001)

2.2 O estabelecimento de um orgão regulador supranacional africano do petróleo

Pouco a pouco, a questão energética tornou-se um problema da economia política africana, e, portanto, de Angola. Assim, quanto maior o déficit de energia, maior o problema ao nível nacional mas também ao nível continental para as perspectivas de desenvolvimento ao médio e longo prazo. Em Angola, como em muitos países africanos, o déficit exige investimentos (estimados em até 344 bilhões de dólares em 2011 para a zona África) para aumentar a capacidade de produção ao nível da demanda interna que está crescendo sem parar devido à urbanização das cidades africanas (58% de taxa de urbanização em Angola). (Ramses, 2011) Os problemas principais ,especialmente estruturais, são conhecidos: falta de potencial energético, sub-capacidade das instalações existentes, envelhecimento dos parques énergéticos, sub-capitalização das empresas nacionais. Angola, por conta da sua riqueza em petróleo (primeiro produtor africano) e a sua modesta população (18,5 milhões) parece ser capaz de financiar projetos energéticos de grande porte. Apesar dessas vantagens comparativas, Angola sofre com um défice de oferta, mesmo com recursos renováveis (para a produção de eletricidade). Pior, por exemplo, o país tem desenvolvido apenas 2% do seu potencial hidrelétrico. Como vimos, outros obstáculos (os separatistas de Cabinda, o problema da corrupção, o poder das multinacionais, as tensões com os países vizinhos) não garantem a estabilidade econômica na região. O estabelecimento de um organismo supranacional sobre as questões energéticas africano deve ser considerado como solução de longo prazo para permitir que, finalmente, para responder hoje aos problemas de amanhã. De fato, a evolução do setor energético africano impõe lógicas de compartilhamento de interdependências regionais, devido as diferenças de potencial energético entre as regiões e o custo financeiro das infra-estruturas. Baseado no modelo da CECA na Europa, a interdependência energética está no centro do problema e deve servir como um modelo de

desenvolvimento regional para a África. Por exemplo, a iniciativa da Bacia do Nilo, apoiada pela Noruega, é um ponto de partida positivo, mas o impasse do projeto do Grande Inga, o que aumentaria a oferta de vários países (RDC, Congo, Angola, Namíbia, África do Sul), mostrou o grau de fragilidade destes grandes projetos para o futuro energético da África. Conclusão Os estrategistas pensam ao longo prazo, a partir de conceitos do tipo: dinâmica da demografia, urbanização, competição pelos recursos escassos ou temas: identidade, desigualdade, injustiça social. Quem trabalha com prevenção e resolução de conflitos, o campo de visão é reduzido (como por exemplo, a durabilidade de um governo). O equilíbrio do Estado manifesta-se quando alguns elementos chaves estão presentes, não necessariamente nesta ordem: coesão, cooptação, coerção, e custo de oportunidade. A coesão é intangível como, por exemplo, a identidade nacional ou um sistema de governo. O cooptação é uma moeda de troco, e serve com o clientelismo e para distribuir responsabilidades e procurar a lealdade dos indivíduos, em busca de poder. A coerção visa a aplicar o monopólio da violência legítima, como a polícia ou o exército. O custo de oportunidade representa a condição sine qua non para a existência dos três outros. Sem dinheiro, a situação torna-se complicada ou até mesmo catastrófica (procura recursos: apoio externo de tipo FMI). Na África, esse conceito de identidade está obsoleto e não coincide com a realidade empírica de um continente que entrou no “processo de globalização”. Existe um risco de criar identidades para conseguir uns fins perversos, de tipo a guerra contra o terrorismo como utilização da violência com fins coletivos (realidade de Cabinda). Até o momento, o petróleo de Cabinda tem sido mais uma maldição do que uma benção. Os cabindas viram pouco lucro esses últimos anos, enquanto sua terra tornou-se uma zona de guerra estratégica. O futuro é, talvez, mais brilhante do que o passado. No entanto, uma vez que Angola parece ter vindo a respeitar Cabinda, por perceber o quão seu sucesso está diretamente ligado ao enclave. Se os pagamentos altos para Cabinda continuarem, agora que os preços do petróleo despencaram, não são vistos ainda, como são os efeitos que tal ação possa ter em relação ao povo de Cabinda. Portanto, em algumas partes esquecidas do mundo atormentado pela guerra, com as populações soferendo abusos daqueles ( por parte do governo e das milícias rebeldas) que supostamente se comprometeu a protegê-los, alguns podem ver o chamado “direito à

autodeterminação” como um farol de inexplicíto, radical e potencialmente perigoso ameaça a promoção da violência e a anarquia em sociedades anteriormente estáveis. No entanto, independentemente do que se pensa do direito à autodeterminação, estes continua sendo um dos conceitos mais importantes e ideologicamente poderosos dos nossos tempos. Bibliografia DENHEZ, Charles Ian, « Independence or Autonomy: the Right to self-determination in the Enclave of Cabinda », in Carleton Review of International Affairs, vol. 1, 2009 DOS SANTOS, Daniel, « Cabinda: the Politics of Oil in Angola’s enclave », in African Islands and Enclaves, ed. Robin Cohen, Beverly Hills, Sage Publications, 1983 HUMAN RIGHTS WATCH, « They put me in the hole » Military detention, torture and lack of due process in Cabinda, New York: HRW, junho de 2009 MABEKO-TALI, Jean-Michel, « La question de Cabinda : séparatismes, habiletés luandaises et conflits en Afrique centrale » in Lusotopie, 2001 ______________, Jean-Michel, « Entre économie rentière et violence politico-militaire : la question cabindaise et le processus de paix angolais » in Politique Africaine n°110, junho de 2008 MESSIANT, Christine. « La Fondation Eduardo dos Santos (FESA) à propos de “l’investissement” de la société civile par le pouvoir angolais », Politique Africaine, n°73, março de 1993 __________, Christine, « Angola : une « victoire » sans fin ? Une « petite guerre » dans « l’endroit le plus excitant au monde » in Politique africaine n° 81, março de 2001 __________, Christine, « Angola : Les voies de l’ethnisation et de la décomposition (I-De la guerre à la paix (1975-1991) : le conflit armé, les interventions internationales et le peuple angolais) » in Géopolitique des mondes lusophones, fevereiro de 1994 Páginas da Internet: http://www.globenet.org/aitec/chantiers/mondialisation/multinationales/seminairemultafrique. htm http://transparency.org/policy_research/surveys_indices/cpi/2010 Documentos: Artigo do Los Angeles Times, 17 de março de 2003 Rapport annuel mondial sur le système économique et les stratégies (RAMSES), Dunod, IFRI, 2011

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