Os conteúdos atitudinais como o lugar da investigação no processo educacional

July 22, 2017 | Autor: Ivar Vasconcelos | Categoria: Tcc, Educação, Investigação, Atitude, Ensino Aprendizagem
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OS CONTEÚDOS ATITUDINAIS COMO O LUGAR DA INVESTIGAÇÃO NO PROCESSO EDUCACIONAL1 Ivar César Oliveira de Vasconcelos (UCB)*

Resumo: Este texto apresenta pesquisa sobre o desenvolvimento de atitudes favoráveis à investigação no processo educacional. Justifica-se porque em geral a prática didático-pedagógica tem priorizado aspectos cognitivos, relegando a segundo plano os aspectos atitudinais e emocionais (VASCONCELOS, 2011), contribuindo com o quadro de dificuldades vivenciadas por professores e alunos durante a realização de pesquisas. O estudo foi realizado ao longo do ano letivo de 2011 em universidade da rede particular de ensino de Brasília. Os resultados evidenciaram a necessidade de desenvolver estratégias favoráveis à aquisição de conhecimentos em termos de processo e não de produto (SEVERINO, 2007). Evidenciaram também a falta de articulação entre as ações docentes relacionadas à elaboração de pesquisas a favor de uma formação para a integralidade humana.

Palavras-chave: Educação. Trabalho de conclusão de curso. Investigação. Conteúdos atitudinais. Ensino-aprendizagem.

Abstract: This paper presents research on the development of favorable attitudes to the research in the educational process. It is justified because in general the didactic-pedagogic practice has prioritized cognitive aspects, relegating to the background the attitudinal and emotional aspects (VASCONCELOS, 2011), which has contributed to the framework of difficulties 1

Trabalho apresentado no VII Congresso Iberoamericano de Docência Universitária na cidade do Porto em 27 de junho de 2012. O texto original encontra-se publicado no Livro de Atas. Porto: CIIE Centro de Investigação e Intervenção Educativas, 2012. * Doutorando em Educação pela Universidade Católica de Brasília. E-mail: [email protected]. 1 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 2, número 6, junho de 2012. www.faceq.edu.br/regs

experienced by teachers and students during the research. The study was conducted during the 2011 school year, into a private university in Brasilia. The results highlighted the need to developing strategies that foster the acquisition of knowledge in terms of process rather than in terms of product (SEVERINO, 2007). It also showed the lack of teachers’ articulate actions related to the development of research in favor of one formation for human integrality.

Keywords: Education. Final course work. Research. Attitudinal contents. Teaching and learning.

INTRODUÇÃO

Por que em geral é tão penoso para professores e alunos construir atitudes favoráveis à elaboração de trabalhos científicos? Afora alegações como o nível dos alunos e a falta de apoio institucional aos professores, o que subjaz à dificuldade de desenvolver comportamentos, posturas e decisões favoráveis a essa elaboração? Alunos da graduação desenvolvem, ao final de sua formação, o chamado trabalho de conclusão de curso (TCC), componente curricular opcional das instituições de ensino superior, mas iniciativa acertada (SEVERINO, 2007). Tal recurso avaliativo pode ser monografia, projeto de iniciação científica ou situar-se em áreas teórico-práticas e de formação profissional, conforme o art. 9º da Resolução CNE/ES Nº 6/2004 (BRASIL, 2004). Como elemento do currículo, ele contribui para o cumprimento do papel sociocultural da educação por abranger estudos relacionados ao mercado de trabalho e ao desenvolvimento de valores, conectando aspectos informativos e formativos da educação. No entanto, a prática didático-pedagógica tem enfatizado aspectos cognitivos, relegando o emocional e o atitudinal a segundo plano. Para muitos graduandos, o trabalho monográfico é novidade. Embora ele deva ser entendido e desenvolvido como trabalho científico (SEVERINO, 2007) – existindo, de saída, dificuldades dos alunos em transformar o saber popular em saber orgânico e compreender critérios, procedimentos, mecanismos de avaliação e orientações técnicas –, ao desenvolvê-lo, alunos e professores têm dificuldades para lidar com aspectos atitudinais. Conforme Rodríguez (2000), o desenvolvimento personalizado de atitudes tem tido ajuda sistemática explícita muito pobre. No mesmo sentido, consta nos Parâmetros 2 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 2, número 6, junho de 2012. www.faceq.edu.br/regs

Curriculares Nacionais (PCN), do ponto de vista pedagógico e, em relação aos conteúdos conceituais e procedimentais, a aprendizagem de atitudes e valores como pouco explorada. Tal documento alerta para a insuficiência dos aspectos informativos na transformação de atitudes e valores (BRASIL, 1997). Torna-se necessário desenvolver estratégias de trabalho voltadas para o desenvolvimento de textos científicos, a exemplo da monografia, preocupadas não somente em informar os alunos sobre as orientações da instituição de ensino superior, normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e metodologias de pesquisas, mas, sobretudo, preocupadas em adotar métodos favoráveis ao desenvolvimento, dentre outros, da consciência crítica, da curiosidade, da cooperação e da prática de retroalimentação. Tais estratégias contam com abordagens didático-pedagógicas capazes, inclusive, de contribuir para amenizar a ansiedade vivida por alunos no final de sua formação. Apreensivos, muitos se fecham à investigação no processo educacional, exigindo dos professores enormes esforços para articular aspectos cognitivos com não cognitivos. Diante dessas considerações, cabe indagar: em quanto os conteúdos atitudinais podem contribuir para superar dificuldades no desenvolvimento de trabalhos monográficos no final de curso? Estes conteúdos poderiam transformar-se no lugar efetivo da investigação científica no processo educacional desenvolvido na universidade? Para discutir essas indagações, tornase necessário refletir, mesmo sumariamente, sobre alguns fundamentos do projeto educativo e interconexões com a concepção de ser humano.

Por um projeto educativo

O ser humano pensa, sente e age. O projeto educativo considera isto e entende cada indivíduo existindo na relação significativa mantida com o mundo e com seus habitantes. Estando no mundo, o indivíduo não cresce sozinho; não se educa sozinho. Enquanto ser humano, ocupa seu lugar na companhia dos outros, num complexo jogo de espelhos, com o qual educadores e educandos se envolvem, constituindo o plasma do projeto educativo capaz de formar integralmente. Em termos epistemológicos, o projeto educativo instaura uma ecologia dos saberes (SANTOS, 2004, 2007), pois considera a pluralidade de conhecimentos e valoriza o diálogo entre o saber científico e o humanístico. Desse modo, o conhecimento científico se compara com os diversos tipos de saberes, reconectando ciências naturais e práticas sociais, separadas 3 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 2, número 6, junho de 2012. www.faceq.edu.br/regs

desde a primeira Modernidade. Para Santos (2004, 2007), a razão indolente, única e exclusiva, desperdiça a diversidade epistemológica do mundo, produzindo, como ausentes, realidades em princípio presentes. Esta razão é metonímica, tomando a parte pelo todo, não lhe interessando o lado externo; é proléptica, pois sabe qual é o futuro (o progresso e o desenvolvimento). A primeira contrai o presente e a segunda expande o futuro. O autor propõe estratégia oposta – expandir o presente e contrair o futuro. O projeto educativo instaura também a mentalidade voltada ao aprendizado para a vida, no mundo plural, globalizado e de várias culturas. Para Maria Puig (2007), aprender a viver significa aprender a ser, a conviver, a participar e a habitar em tempos de diversidade moral. Desse modo, o ato educativo preocupa-se com o aprendizado para a vida na relação indivíduos-mundo. Segundo Martín García (2010), ajudar os indivíduos a aprender a viver é o principal objetivo da educação em valores. É preciso ensinar a escolher modos de vida sustentável, com o fazer humano se desenvolvendo na relação inteligente estabelecida entre os indivíduos, aqui e agora, projetando o futuro. Segundo Cortella (2009), a escola não tem se preocupado com a ansiedade dos indivíduos, voltada para o aproveitamento do tempo presente; vivem o carpe diem, sem elaborar projeto de vida. Particularmente entre os jovens, a internalização do aproveite o dia serve como guião do cansaço diário e da vitalidade, prejudicando a moral. O autor parece propor uma espécie de contração do presente e expansão do futuro. Finalmente, o projeto educativo considera o uso da dimensão emocional tanto ou mais do que a racional na construção do ser e do fazer moral. Para Gomes e outros (2008), a educação enriquece a capacidade de ação e reflexão do aprendiz, seja por meio de processo individual, seja em parceria com os semelhantes. O ato de educar seria a articulação entre o sentir, o pensar e o agir. Seria “acima de tudo a integração entre razão e emoção; é o resgate dos sentimentos visando à restauração da incerteza humana e paradoxalmente da multidimensionalidade do ser” (p. 45). Assim, o emocional leva a palma sobre o racional como dimensão constitutiva do ato educativo. Considerando essas três perspectivas, o projeto educativo conta com o processo capaz de contribuir para a formação integral do indivíduo ao articular conhecimentos teóricos com desenvolvimento humano, o saber com a consciência, conectando conhecer, fazer e querer conhecer-fazer. Em tal processo, estão conexos os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais – base dos Diseños Curriculares Base de Infantil, Primária e Secundária 4 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 2, número 6, junho de 2012. www.faceq.edu.br/regs

Obrigatória (COLL, 2001; BOLÍVAR, 2000) e dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997). Com os conteúdos conceituais constrói-se o potencial intelectivo para operar com símbolos, ideias, imagens e representações, numa dinâmica de aprendizagem desde a memorização de fatos até a organização da realidade (é o saber). Com os procedimentais, aprende-se a decidir e a realizar ações sequenciadas, ordenadas, visando a atingir metas (é o saber-fazer). Por meio dos conteúdos atitudinais, na totalidade dos conhecimentos e no contexto socializador da escola, geram-se atitudes relativas ao conhecimento, ao professor, aos colegas, às disciplinas, às tarefas e à sociedade (é o quererconhecer-fazer). Desse modo, ao articular estes tipos de conteúdos, o processo educacional contribui para o diálogo currículo-aluno, favorecendo a coautoria e o protagonismo da aprendizagem (GOMES, 2011), bem como para a construção de sentido, por parte do aluno, de sua ação desenvolvida na heterogeneidade de princípios (DUBET, 1994). Nessa articulação, interconectam-se a concepção de ser humano e o projeto educativo (ver Fig. 1). Ser humano Quem é: Como se manifesta: O ser humano O ser humano possui, evidencia a sua naturalmente, existência, dentre dentre outras outros, ao: capacidades:

Razão Ação Emoção

Projeto educativo Que é: Como se manifesta: O projeto educativo O projeto educativo possui a função de evidencia sua função contribuir para o quando o processo desenvolvimento educacional, dentre integral do ser outras coisas, articula humano, articulando conteúdos: princípios como:

Conhecer

Ecologia dos saberes

Conceituais

Fazer

Educação em valores

Procedimentais

Querer conhecerfazer

Equilíbrio razão/emoção

Atitudinais

Figura 1 – Interconexões entre concepção de ser humano e projeto educativo.

A favor dos conteúdos atitudinais

Dos três tipos de conteúdos articulados no processo educacional os atitudinais guiam as construções perceptivas e cognitivas, favorecendo o aprendizado de quaisquer modalidades de conteúdos (COLL ET AL, 1998). Portanto, torna-se importante considerar a atitude no 5 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 2, número 6, junho de 2012. www.faceq.edu.br/regs

desenvolvimento da formação integral. Ela é a disposição da pessoa para agir de maneira específica em relação a vivências relacionadas a coisas, ideias ou situações, a base de conhecimentos, ocorrendo quando o indivíduo exprime e desenvolve comportamentos agradáveis ou desagradáveis para ele. Ela se assenta na tripla plataforma composta pelo cognitivo, emocional e comportamental. A possibilidade de ensiná-la não constitui tema controverso, sendo consensual a ideia de desenvolvimento de atitudes e valores na escola. Para Morissete e Gingras (1989), atitudes e valores podem englobar toda a existência do indivíduo, podendo ser as aquisições básicas para a pessoa na sociedade; os aspectos necessários à realização de qualquer dinâmica de aprendizagem; os resultados de conteúdos específicos de determinado programa disciplinar, condicionando a aquisição de habilidades propostas pelo processo educacional. Conforme Zabalza Beraza (2000), o binômio atitudevalor se conecta com objetos, fatos, ideias, formas de atuação, sendo favoráveis ao desenvolvimento integral dos alunos a partir dos contributos próprios de cada disciplina. Neste sentido, mudar atitudes por intermédio da ação educativa implica não somente alterar suas componentes básicas, mas ampliar conhecimentos (aspecto cognitivo) e contatos com certos mecanismos, de maneira a possibilitar melhor percepção de elementos envolvidos na ação e no seu manejo (aspecto comportamental). Implica, sobretudo, na sensação de segurança do indivíduo (aspecto emocional) ao se aproximar gradativamente de novas situações (ZABALZA BERAZA, 2000). Assim, a mudança de atitudes repercute na transformação de conteúdos conceituais e procedimentais, impactando o projeto educativo, pois qualquer conteúdo transmitido pressupõe uma filosofia da educação, ou seja, um conjunto de princípios subjacentes ao processo educacional. Conforme os PCN, o ensino e a aprendizagem de atitudes exige posicionamento consciente sobre o que e como se ensina, possível apenas se forem estabelecidas intenções educativas (BRASIL, 1997). Para Zabalza Beraza (2000), a escola desempenha função bipolar em relação às atitudes e valores: por um lado, reforça-os quando eles contribuem com a formação para a integralidade humana; por outro lado, modifica-os quando eles contrariam essa formação ou, ainda, quando contradizem os valores assumidos pela escola em seu projeto educativo. Para o autor, existem três importantes instrumentos capazes de estimular atitudes e valores nos estudantes: a informação, com seus elementos de conteúdo e de credibilidade do informante (geralmente o professor); os métodos de ensino, observando-se o manejo da situação global da classe (clima, normas, elementos de ação e valores explicitados) e as técnicas instrutivas 6 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 2, número 6, junho de 2012. www.faceq.edu.br/regs

(diálogos, debates, exposições de trabalhos e participação); os modelos atitudinais da instituição (projeto educativo) e do professor (intensidade da atitude). Dessa maneira, a mudança de atitudes advinda com o ato educativo perpassa a questão científica configurando espectro mais amplo favorável ao pleno desenvolvimento humano. Ao elaborar trabalhos científicos, o aluno passa a ter, de saída, a visão de problemas e obstáculos, em vez de meramente apreender as coisas, os fatos e os acontecimentos. Ele desconfia da veracidade das certezas do senso comum, adotando olhar crítico e curioso a respeito do mundo (CHAUÍ, 1994). Considerando isto, visão crítica e curiosidade são atitudes estreitamente relacionadas com a aquisição do saber e do saber-fazer. Como no caso da cooperação e da prática de retroalimentar informações, elas são importantes na elaboração de TCC quando compreendidas no âmbito da formação para a integralidade humana.

METODOLOGIA

O estudo foi realizado ao longo do ano letivo de 2011 em universidade particular de Brasília, envolvendo o universo de oitenta concluintes, sendo 54 do curso de Administração e 26 de Pedagogia. Em relação ao primeiro curso, 13 alunos compuseram a amostra (homens e mulheres orientandos do pesquisador) e em relação ao segundo foram seis alunas (algumas orientandas do pesquisador). Não teve o objetivo de comparar os contextos pesquisados, mas compreender realidades diferentes, utilizando metodologias de investigação de acordo com o perfil dos alunos e o contexto do curso pesquisado, visando a subsidiar estratégias de atuação relacionadas ao desenvolvimento de monografias. Como até então os alunos do curso de Administração não haviam realizado pesquisas científicas (mundo estranho para eles), optou-se pela modalidade de pesquisa participante. Ao final do ano eles entregariam três monografias elaboradas em grupo. Seguiu-se a metodologia proposta por Boterf (1999)2, cujas etapas foram: a) Montagem metodológica da pesquisa; b) Estudo preliminar da turma pesquisada; c) Análise crítica das dificuldades, por parte dos alunos, para desenvolver monografias; d) Elaboração do plano de ação; e) Desenvolvimento (ou não) do plano de ação e pesquisa. Durante os momentos de orientação, por parte do 2

Etapas da pesquisa participante, segundo Boterf (1999): montagem institucional e metodológica; estudo preliminar e provisório da região e da população pesquisadas; análise crítica dos problemas; programa- ação e aplicação de plano de ação. 7 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 2, número 6, junho de 2012. www.faceq.edu.br/regs

pesquisador, os alunos eram observados e ouvidos – sendo feitos diversos registros, com os dados analisados durante a investigação. Noutra vertente do estudo optou-se por realizar pesquisa de campo envolvendo alunas do curso de Pedagogia, neste caso, responsáveis por entregar seis monografias no final do ano letivo, elaboradas individualmente. Os dados foram gerados e analisados durante a operacionalização de estratégia específica para a elaboração de textos monográficos naquele curso. As alunas foram escolhidas como participantes porque haviam obtido o melhor desempenho na elaboração do projeto de pesquisa, tendo sido entrevistadas coletivamente no mês anterior ao da entrega e apresentação das monografias à banca de professores examinadores. Em entrevista coletiva, elas responderam à pergunta: quais as contribuições e dificuldades encontradas para desenvolver o TCC?

RESULTADOS

O encontro com o tema

O encontro dos alunos com o tema de monografia ocorreu de maneira diferenciada. No curso de Administração, eles foram obrigados a escolher um tópico dentre uma lista de assuntos definidos pela universidade. No curso de Pedagogia, puderam escolher. Enquanto no primeiro curso os participantes declararam ser “chato estudar monografia” e “o orientador estava mais interessado no TCC, empurrando-nos para concluir a monografia”, no segundo curso os entrevistados apresentaram motivos da escolha do tema como “entender o processo de inclusão do aluno especial para ajudá-lo a se desenvolver”, “gosto pelo assunto”, “assunto é novidade” e já desenvolve “trabalho com crianças, com o lúdico”. A liberdade de escolha revelou-se como fator importante no aprendizado e experiência científicos – conforme foi dito por alunas durante a apresentação das monografias à banca de professores examinadores – confirmando ainda existir o currículo que não fala com os alunos (conforme mencionado), descartando a coautoria destes no processo de ensino-aprendizagem. Em geral, a escola não o vê como decisor da própria vida; como ser capaz de sentir, pensar e agir.

As dificuldades para desenvolver monografias 8 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 2, número 6, junho de 2012. www.faceq.edu.br/regs

No primeiro semestre de 2011, o universo de 54 alunos do curso de Administração considerados na pesquisa estudaram com a disciplina Metodologia do Trabalho Acadêmico (MP)3 diversos aspectos da história e evolução da ciência, tipos de conhecimento e procedimentos para a elaboração de projetos. Ficou evidenciada a dificuldade de compreenderem o processo de construção do trabalho monográfico. Eles possuíam informações relevantes sobre o mesmo, mas não o compreendiam. Não concatenavam as explicações do professor com as advindas dos professores orientadores e da coordenação do curso. Não estabeleciam vínculos lógicos entre os componentes do projeto de pesquisa e careciam de leitura e compreensão das referências bibliográficas. Eles desconheciam as orientações da universidade sobre a elaboração do TCC e normas da ABNT; necessitavam ter postura reflexiva para elaborar projetos de pesquisa; desconheciam a norma culta, com problemas de ortografia e gramática. Apesar dessas dificuldades, no final do primeiro semestre os projetos de pesquisa estavam concluídos. No início do segundo semestre daquele mesmo ano, o pesquisador e os 13 alunos concluintes daquele curso, tomados como amostra, analisaram essas dificuldades e elaboraram um plano de ação, desenvolvido parcialmente no semestre – abrangendo participantes e não participantes da pesquisa. As ações foram organizadas de maneira a contribuir para a compreensão de conceitos presentes nos documentos institucionais da universidade (guia de normatização de trabalhos acadêmicos e demais diretrizes do curso); para o desenvolvimento de procedimentos conforme as normas da ABNT e de acordo com a ementa da disciplina MP; para promover mudança de atitude dos participantes em relação à questão científica. Atividades didático-pedagógicas foram colocadas em prática, durante as aulas, tais como: painel integrado, com o objetivo de contribuir para a motivação dos alunos em direção ao mundo científico e à leitura sobre as metodologias de pesquisa; painel simples para leitura concentrada, autocrítica sobre os textos produzidos e para desenvolver atitude cooperativa entre os alunos. Estas atividades focadas na articulação entre conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais levaram os alunos a perceber a importância do trabalho monográfico. No entanto, as dificuldades permaneciam. Os alunos reclamavam “da diferença de opiniões dos

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As três disciplinas voltadas para o desenvolvimento do trabalho de conclusão de curso foram Metodologia do Trabalho Acadêmico (MTA), Métodos de Pesquisa (MP) e Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). 9 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 2, número 6, junho de 2012. www.faceq.edu.br/regs

professores sobre como fazer o projeto de pesquisa e sobre a monografia” talvez evidenciando duas condições de sucesso em iniciativas com foco na elaboração de monografias: os professores orientadores precisam compreender minimamente os processos de pesquisa; simultaneamente, precisam se comprometer com estratégias da universidade relacionadas com o TCC. Por outro lado, cabe enfatizar que o êxito dessas iniciativas demanda tempo: Chego à conclusão que as dificuldades dos alunos não serão eliminadas num único semestre, ou num ano. Eles não articulam os diversos conteúdos presentes no processo educacional das três disciplinas voltadas para o desenvolvimento do trabalho de conclusão de curso [MTA, MP e TCC]. Também não articulam estes conhecimentos ao colocá-los em prática. Há um problema sério de transferência de saberes adquiridos ao longo do curso, que deságua no TCC. Os esforços do professor, para integrar os tipos de conteúdo, transformam-se em angústia para os alunos, pois, diante das diversas perspectivas vivenciadas, eles se confundem, desesperam-se e ficam sem saber como agir. Paralisado, o aluno depende totalmente do professor. Concluo que falta um trabalho integrado entre os professores e a coordenação do curso, a ser iniciado quando o aluno ingressa na universidade (Protocolo de observação de 21.09.2011).

Em relação ao universo de 26 alunos do curso de Pedagogia, os projetos de pesquisa foram elaborados também no primeiro semestre de 2011 enquanto eles cursavam a disciplina MTA4. No segundo semestre, eles inauguraram uma metodologia para desenvolver monografias com prioridade para o processo de ensino-aprendizagem em vez do produto (a monografia): entrega de quatro trabalhos (introdução, projeto de pesquisa revisado, coleta de dados e análise de dados) e da monografia, bem como sua apresentação à banca de professores examinadores. A soma das pontuações obtidas por cada aluna e aluno subsidiou a definição de sua nota final na disciplina TCC. À semelhança do curso d Administração, as atividades desenvolvidas na sala de aula visaram à articulação entre conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, enfatizando a colaboração entre os alunos. No entanto, aquela turma apresentou dificuldades para entender textos, compreender as demandas do orientador e parafrasear os autores estudados – em geral, recorriam a citações diretas. O desconhecimento dos recursos de informática surgiu como fator surpreendente, havendo declarações entre as participantes como: “eu me sinto analfabeta quanto ao computador”. Algumas alunas relataram dificuldades de coletar dados simultaneamente ao atendimento de demandas do final de curso. Uma delas reclamou, “o curso é desorganizado demais ao colocar estágio e TCC juntos” no último semestre. Outra 4

Como a disciplina não foi ministrada pelo pesquisador, não foi possível identificar as dificuldades no primeiro semestre de 2011, tal como ocorreu no curso de Administração. Isto foi possível somente no segundo semestre daquele ano. 10 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 2, número 6, junho de 2012. www.faceq.edu.br/regs

relatou, “o problema, as dificuldades, é integrar essas atividades com as outras que a gente tem de fazer”. No aspecto atitudinal, diversas dificuldades foram relatadas. Alunas se disseram abandonadas pelos orientadores: “o meu problema mesmo foi no desenvolvimento, a parte que eu teria que está sendo orientada, foi bem complicado”. Outras reclamaram da pressão: A cobrança é muito grande. Não sei se é da universidade ou se é dos professores. Andei olhando outros trabalhos, na biblioteca, só que não era igual ao que estamos fazendo. Não são tão ricos. Então, essa cobrança é um pouco ruim, pelo fato da gente ficar doida e, por outro lado, é ótimo! (K., participante da pesquisa).

De todo modo, as alunas apreciariam ser menos pressionadas em relação ao desenvolvimento do TCC e ao cumprimento de prazos das demandas do final de curso. Segundo elas, isto traria maior tranquilidade. O cansaço ficou evidenciado. Parte significativa se disse indisposta, sem incentivo da família ou vivendo conflitos com parentes.

As luzes no fim do túnel: a atitude

Ficaram evidentes as diferenças de condução das ações para o TCC. No curso de Administração não houve integração entre o trabalho do professor das disciplinas do TCC (MTA e MP) e o trabalho dos professores orientadores. Ao contrário, no curso de Pedagogia houve o mínimo de articulação. Em ambos os contextos, evidenciou-se o fator atitudinal como o nó górdio a ser desatado no processo educacional se se pretende aprimorar trabalhos científicos. Neste sentido, alunos do curso de Administração escreveram, em atividadedidático pedagógica desenvolvida no início do segundo semestre, que eles deveriam ser “incentivados em seus estudos, devendo haver aulas dinâmicas, o que levaria à maior dedicação e interesse [por parte dos alunos]”. Declarações como “conseguimos concluir a monografia porque o professor de TCC confiou na gente” e “valeu a pressão, senão não conseguiríamos” evidenciaram a necessidade já explicitada nos PCN de explorar mais a aprendizagem de atitudes e valores. No curso de Pedagogia, as alunas entrevistadas valorizaram atitudes como a vontade de ajudar o colega a se desenvolver; determinação; senso de responsabilidade; compromisso; iniciativa; persistência; curiosidade; busca de qualidade; paciência; dedicação. Sobre a atuação do professor, valorizaram a cobrança de qualidade; incentivo; dicas; agilidade em dar 11 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 2, número 6, junho de 2012. www.faceq.edu.br/regs

retorno aos trabalhos entregues pelos alunos; apoio de todos os professores, mesmo quando não eram orientadores. Sobre os colegas, relacionaram atitudes como a colaboração e o incentivo mútuo. Em relação à família, as alunas mencionaram ser importante o incentivo dos pais. Por unanimidade, valorizaram o querer conhecer-fazer, nem sempre o saber e saberfazer. Se os currículos são operacionalizados de maneira fragmentada, os alunos necessitam de maior integração entre as ações docentes. No curso de Administração, reclamaram da diferença de opiniões dos professores ao orientarem sobre o projeto de pesquisa e monografia. No curso de Pedagogia, este problema foi amenizado com a colocação em prática de estratégia de atuação focada no processo de elaboração da monografia e não em sua entrega – estratégia dependente em alto nível da integração entre professores e alunos e, sobretudo, entre professores. Neste sentido, as evidências confirmam Dubet (1994), para quem a escola encontra-se dividida entre socializar, educar e distribuir diplomas e qualificações – uma fragilidade com prejuízos à conciliação e concretização de aspirações dos alunos, desarticulados quanto a projetos globais envolvendo a escola e suas vidas.

CONCLUSÃO

Quase concluindo o curso, alunos ficam ansiosos com a elaboração do TCC. Muitas vezes, exaustos. Tal contexto se agrava se eles passam a conviver com iniciativas educacionais isoladas – elas precisam ocorrer a partir da atuação conjunta de professores e coordenadores de cursos. Mesmo com o processo educativo integrando conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, os professores, os alunos e os coordenadores de curso precisam falar a mesma língua (preocupar-se e agir no sentido da formação integral do aluno). Neste sentido, a articulação entre o conhecer, o fazer e o querer conhecer-fazer acontece com a conexão entre esses três tipos de conteúdos. Parece ser este o lugar da investigação científica no processo educacional. Alunos e professores sofrem com a elaboração dos TCC porque em geral os aspectos cognitivos têm sido priorizados em detrimento dos aspectos emocionais, atitudinais e axiológicos. É necessário personalizar atitudes, aproximar-se do aluno, dialogar com ele – escutando-o, estabelecendo o encontro entre o logos do aluno e o logos do professor. Tal aproximação visa a apoiá-lo, potencializando seu intelecto por meio de representações 12 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 2, número 6, junho de 2012. www.faceq.edu.br/regs

simbólicas, de modo a fortalecê-lo na tomada de decisões e no alcance de objetivos. Visa a contribuir para sua socialização, na interação com professores, colegas e sociedade. Caso contrário, ocorrem situações como as identificadas na pesquisa. As dificuldades iniciam quando o aluno não tem oportunidade de escolher o tema de pesquisa. Continua a educação a engolir o aluno, ele não protagoniza seu aprendizado. Ele não é dono do saber adquirido. Falta um fio condutor capaz de ajudá-lo a encontrar sentido de sua ação.

REFERÊNCIAS

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