OS DEVERES DE PROTEÇÃO DO ESTADO EM MATÉRIA AMBIENTAL E O CONTROLE JUDICIAL DE PROTEÇÃO INSUFICIENTE

June 7, 2017 | Autor: Rogério Rammê | Categoria: Direito Ambiental, Meio Ambiente, Deveres Fundamentais
Share Embed


Descrição do Produto

Os deveres de proteção do Estado em matéria ambiental e o controle judicial de proteção insuficiente

OS DEVERES DE PROTEÇÃO DO ESTADO EM MATÉRIA AMBIENTAL E O CONTROLE JUDICIAL DE PROTEÇÃO INSUFICIENTE The State's protection duties related to environmental issues and the judicial control of insufficient protection Revista de Direito Ambiental | vol. 78/2015 | p. 61 - 101 | Abr - Jun / 2015 DTR\2015\9438 Carlos Alberto Molinaro Doutor em Direito pela Universidad Pablo de Olavide, revalidado pela UFSC. Mestre em Direito pela PUCRS. Especialista em Direito Público pela PUCRS. Professor na Graduação e Pós-Graduação, Mestrado e Doutorado, da Faculdade de Direito da PUCRS. Professor na Universidad Pablo de Olavide, Sevilha. Pesquisador do Nedef - PUCRS. [email protected] Rogério Rammê Mestre em Direito pela Universidade de Caxias do Sul. Especialista em Direito Ambiental pela Universidade Luterana do Brasil. Doutorando em Direito pela PUCRS. Professor convidado em cursos de extensão e especialização em Direito Ambiental. Bolsista Capes. Pesquisador do Nedef PUCRS. [email protected] Área do Direito: Constitucional; Ambiental Resumo: Este artigo analisa a correlação existente entre direitos e deveres fundamentais enfatizando o regime jurídico constitucional dos deveres de proteção do Estado em matéria ambiental, e o controle judicial de proteção insuficiente, na perspectiva de um Estado Socioambiental e Democrático de Direito. A dupla dimensão (subjetiva e objetiva) do direito-dever ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o regime jurídico constitucional dos deveres de proteção do Estado e o controle judicial da insuficiência protetiva são enfatizados a partir de uma perspectiva deontológica dos direitos fundamentais socioambientais. Palavras-chave: Deveres de proteção - Meio ambiente - Estado Socioambiental - Controle judicial Direitos fundamentais. Abstract: This paper analyzes the correlation between fundamental rights and duties emphasizing the constitutional regime of the duties that protected the State concerning the environment, and the judicial review of insufficient protection, in the perspective of a Socio-environmental and Democratic State of Law. The dual dimension (subjective and objective) of the right-duty to an ecologically balanced environment, the constitutional regime of the duties that protected the State and Judicial review of insufficient protection are emphasized from a deontological perspective of environmental fundamental rights. Keywords: Duties of protection - Environment - Socio-environmental State - Judicial review Fundamental rights. Sumário: 1.Introdução - 2.Direito e deveres ambientais. O estado da arte - 3.A justificação dos deveres de proteção do Estado - 4.Os deveres de proteção do Estado em matéria ambiental à luz do direito constitucional brasileiro - 5.O controle judicial da proteção estatal insuficiente em matéria ambiental: limites e desafios - 6.Considerações finais: uma deontologia socioambiental 1. Introdução Na contemporaneidade, os problemas éticos e jurídicos atrelados aos deveres positivos gerais – principalmente no que respeita a sua fundamentação, conteúdo e perspectiva moral – adquiriram uma manifesta relevância não só teórica, mas prática, em conexão, sobretudo, com os direitos e sua implantação em vista de questões tão graves como a luta contra as desigualdades. Deveres positivos gerais são aqueles cujo conteúdo revela-se em uma ação de prestar que requer uma renúncia prosaica e cuja essência não depende da identidade do obrigado nem a do destinatário e, tampouco, é resultado de algum tipo de relação contratual prévia. Encontramos um mundo onde a gravidade dos problemas planetários – entre outros, os políticos, Páginaos 1 sociais, econômicos, ambientais, morais e jurídicos – exige respostas rápidas e adequadas. Para

Os deveres de proteção do Estado em matéria ambiental e o controle judicial de proteção insuficiente

cultores das ciências, especialmente para aqueles dedicados as ciências jurídicas e sociais, impende à tarefa de construir uma perspectiva de conformação do direito ajustado a esses novos tempos, necessitamos da intuição e do sentimento na interrogação da ciência. Não basta, apenas, pensá-lo como instrumento de pacificação dos conflitos sociais, como sistema ou ordenamento de normas jurídicas que objetivam assegurar direitos e exigir o cumprimento dos deveres, ou constituir garantias de qualquer tipo, ainda, atribuir e repartir competências e formatar o Estado. Necessitamos mais, é preciso refletir e pensá-lo como um processo sociocultural de regulação e garantia das conquistas obtidas mediante os indispensáveis processos emancipação dos seres humanos gestados no ambiente sociopolítico onde se processam relações inter-humanas que possibilitam a coexistência no presente e para as futuras gerações. Nesse cenário foi desenhada uma narrativa, pensando a socioambientalidade como ponto de partida para a construção de uma reflexão sobre os deveres fundamentais de um modelo de Estado que acolhe o socioambientalismo, para proclamar-se como um Estado Socioambiental e Democrático de Direito, e que faça as necessárias conformações entre direitos e deveres, poderes e garantias proporcionalmente distribuídos entre o Estado, Sociedade e o indivíduo. Para tanto, como ponto de partida, no intuito de já delimitarmos nosso universo de sentido, necessária uma breve anotação sobre o emprego do adjetivo socioambiental, aliás, já incorporado na sistemática jurídico-ambiental brasileira. O adjetivo é resultante do substantivo socioambientalismo (aqui um neologismo de matriz positiva, pois enriquece a língua partindo de sua própria estrutura), ou a reunião da perspectiva social e ambiental com o fundamento e objetivo da proteção dos mundos biótico e abiótico para as atuais e, notadamente, para as futuras gerações, com a integridade dos ecossistemas, o crescimento econômico e a equidade social. A matriz socioambiental intenta construir um diálogo permanente entre necessidades sociais, exigências ambientais, crescimento ou desenvolvimento econômico, possivelmente sustentável, com a atribuição de um reparto dos ônus e bônus decorrentes da exploração, apropriação e distribuição dos bens e recursos naturais desde uma marcante jurisdição socioambiental (ou ecológica). Contudo, uma investigação genérica sobre a temática do Estado Socioambiental é muito ampla, o que inviabilizaria a execução deste estudo, motivo pelo qual delimitamos o presente à formulação de bases para a construção de uma reflexão sobre os deveres fundamentais socioambientais, concretizando esta investigação através da aplicação, entre outros, dos princípios da precaução, da prevenção e da proibição de retrocesso socioambiental, bem como do controle judicial dos deveres de proteção, na análise da vinculação do Estado e dos particulares aos deveres fundamentais socioambientais. A gênese do Estado Socioambiental e Democrático de Direito que formata o Estado brasileiro, pode ser localizada – numa perspectiva jurídica infraconstitucional – na Lei 6.938 de 31.08.1981 (com as alterações ulteriores), que construiu a Política Nacional do Meio Ambiente. Este estatuto, ademais, é considerado como o marco jurídico da normatização de interesses difusos e coletivos no Brasil e, ainda, indutor da inclusão de novos instrumentos processuais, em especial a legitimidade do Ministério Público para proposição de ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente (art. 14, §91.º, da redação original), indução esta afinal consolidada pela Lei 7.347/1985 (com alterações ulteriores), que disciplina a ação civil pública, importante instrumento processual de proteção ambiental. No âmbito internacional, revelaram-se de grande importância as conclusões do designado Relatório Brundtland (1987), delineando e defendendo o conceito de desenvolvimento sustentável (possível) desde a constatação da grave devastação ambiental, com elevado comprometimento para os recursos naturais do planeta, questão que passados mais de vinte anos, apresenta-se como de extremada atualidade. Note-se que no âmbito local, a partir dos anos 80, especialmente com o fim do regime militar em 1984, os movimentos sociais e ambientalistas lograram – com a promulgação da Constituição de 1988 – alcançar o reconhecimento de um direito fundamental ambiental que inaugura um novo modelo de Estado: o Estado Socioambiental e Democrático de Direito. A partir da década seguinte, notadamente com a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992 (ECO/1992), os conceitos socioambientais passam a iluminar o cenário legislativo na produção de normas ambientais. A edição da Lei 8.028 de 12.04.1990, entre outras providências, acolhe e, também, modifica a Lei 6.938 Páginade 2

Os deveres de proteção do Estado em matéria ambiental e o controle judicial de proteção insuficiente

31.08.1981, estabelecendo o Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) e instituiu o Cadastro de Defesa Ambiental. Finalmente, a Lei 9.985 de 18.07.2000, regulamentou o art. 225, § 1.º, I, II, III, e VII, da CF, instituindo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e outras providências. A produção normativa subsequente foi ampla e, por vezes, confusa, o que resultou em um acentuado déficit normativo por preencher. Todavia, independente dos marcos legais, especialmente daquele estabelecido pela Carta de 1988, quando pensamos no modelo do Estado Socioambiental e Democrático de Direito, centramo-nos no seu princípio nuclear: o direito fundamental à vida das presentes e futuras gerações e a manutenção das bases que a sustentam, imperativo que só se concretiza num ambiente equilibrado e saudável realizando o núcleo duro da relação de alteridade que está implicada no conceito de dignidade humana: não estamos sós, somos com o outro numa relação permanente de reconhecimento, respeito, reciprocidade e responsabilidade que se desenvolve num espaço e tempo de encontro: o ambiente. Em matéria de direito ambiental, a correlação entre direitos e deveres fundamentais é, ainda, pouco desvendada, acrescente-se, também, o fato de que a matéria relativa aos deveres fundamentais (e também aos deveres humanos fundamentais) ainda não foi objeto de consideração mais aprofundada pelos tribunais, e pela doutrina nacional e, até mesmo estrangeira, sendo poucos os trabalhos monográficos a eles dedicados, especialmente o tocante aos identificados como deveres fundamentais autônomos. No presente ensaio, propõe-se investigar mais a fundo essa temática, enfatizando o regime jurídico constitucional dos deveres de proteção do Estado em matéria ambiental e alguns aspectos, ainda tormentosos, sobre o controle judicial de proteção insuficiente, na perspectiva de um Estado Socioambiental e Democrático de Direito. 2. Direito e deveres ambientais. O estado da arte No presente tópico, procurar-se-á tecer um panorama geral do status jurídico da proteção do ambiente no ordenamento constitucional brasileiro, aproveitando abordagens doutrinárias estrangeiras que levantam questões polêmicas que, em virtude da semelhança na forma com a qual a maioria das Constituições ocidentais trata a proteção do ambiente, podem gerar alguma inquietação no âmbito jurídico interno. A primeira questão que nos propomos a examinar diz respeito à natureza de direito fundamental do direito ao ambiente e sua dúplice dimensão (subjetiva e objetiva), passando por diferentes posições doutrinárias, eventualmente divergentes, sobre esse tema.Muito embora se possa imaginar tratar-se de tema sobre o qual paira uma relativa unidade de entendimento, uma análise doutrinária mais aprofundada, sobretudo em face do direito comparado, permite compreender que diferentes posições são sustentadas, inclusive no sentido de negar a existência de um direito fundamental ao ambiente. Iniciemos pela tese da negação do direito subjetivo ao ambiente. Referida tese passa a ser discutida com mais força no âmbito jurídico pátrio, a partir da publicação da tese de doutoramento de Carla Amado Gomes,1 na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, no ano de 2007. Segundo Gomes, a expressão “direito ao ambiente” alcançou grande popularidade a partir da década de 70 do século XX, em razão da grande associação que passou a ser feita no cenário internacional entre proteção do ambiente, qualidade de vida e desenvolvimento dos Estados emergentes. Contudo, na opinião da autora, a fórmula do direito ao ambiente revela uma operatividade substantiva nula, sendo desprovida de sentido jurídico (sic), já que seu reconhecimento não surte efeitos para além do simbólico e do pedagógico.2 Em sua defesa de sua tese, Gomes ampara-se em argumentos de diversos autores do cenário jurídico internacional, concluindo que o reconhecimento de um direito (subjetivo) ao ambiente apresenta uma série de obstáculos estruturais que o inviabilizam, tais como:3 (a) a identificação do bem jurídico protegido pelo pretenso direito, ou seja, o direito ao ambiente, ao fim e ao cabo, se materializa no direito à vida ou no direito à integridade física (na vertente do direito à saúde), os quais são típicos direitos de personalidade já consagrados que acabam por lhe absorver e anular em autonomia; Página 3

Os deveres de proteção do Estado em matéria ambiental e o controle judicial de proteção insuficiente

(b) a identificação do titular da prestação do direito, afinal se o direito ao ambiente é algo que está além do direito à vida de cada indivíduo, seu objeto estaria em um plano comunitário, dificultando a identificação do titular do direito subjetivo; e (c) a abstração conceitual da noção de qualidade de vida, porquanto, mesmo que se reconheça no direito ao ambiente um direito à qualidade de vida, estar-se-á diante de uma obrigação exigível de cada Estado, em função de condicionantes objetivas (economia, geografia, cultura etc.), mas não de um direito subjetivo invocável individualmente. Nem mesmo a tentativa de atribuir um sentido essencialmente procedimental ao direito do ambiente é vista por Gomes como algo capaz de salvá-lo da adjetivação de “fórmula vazia”. Isso porque essa suposta dimensão procedimental do direito ao ambiente, consubstanciada nos direitos de acesso (à informação, à participação e à Justiça) em matéria ambiental, segundo a autora, não passam de direitos procedimentais específicos que têm aplicação geral na maioria das Convenções e Declarações Internacionais de Direitos Humanos. Gomes conclui que a via da subjetivização da tutela ambiental pelo reconhecimento de um direito fundamental ao ambiente se revela uma fórmula não apenas inútil, em razão da sobreposição com posições jurídicas já consagradas, como também deficitária, já que a tutela ambiental fica sempre adstrita às necessidades individuais humanas, inviabilizando uma reparação puramente ecológica, desvinculada de interesses humanos. Defende, por conseguinte, a existência de uma dimensão exclusivamente objetiva da proteção jurídica do ambiente: seja como tarefa (ou fim) do Estado, consubstanciada em deveres objetivos de proteção em matéria ambiental, seja como dever fundamental de cada membro da comunidade política na preservação do ambiente.4 A argumentação de Gomes ganha força quando analisada a resistência que ainda hoje se verifica no âmbito do direito internacional público com relação ao reconhecimento de um direito humano ao ambiente sadio e ecologicamente equilibrado. Muito embora seja inegável que a luta pela proteção do ambiente está inserida em um contexto que não é distinto daquele da luta por direitos humanos – embora nela não se esgote ae que diversos autores nacionais e estrangeiros sustentem a existência do direito humano ao ambiente, a partir de uma perspectiva historicista dos direitos humanos, de matriz hegeliana,5 a questão não é de todo pacífica. Isso se deve ao fato de que os regimes de proteção internacional dos direitos humanos e dos direitos ambientais ao longo das últimas décadas desenvolveram-se, a par da íntima relação e dos pontos de contato existentes, separadamente, gerando lacunas que até hoje carecem de uma melhor sistematização. O Sistema Interamericano de Direitos Humanos é um bom exemplo. Christian Courtis chega a afirmar que no âmbito do Sistema Interamericano a vinculação entre direitos humanos e proteção do ambiente é um “terreno movediço”, onde quase tudo está por ser feito. Courtis chega a sugerir que em virtude da ausência efetiva do reconhecimento do direito ao ambiente como um direito justiciável no âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, a melhor forma de salvaguardar interesses ambientais junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos é por meio de estratégias indiretas de litígio, invocando outros direitos humanos (substantivos ou adjetivos) igualmente violados em casos de degradação do ambiente.6 Contudo, como ressaltado, inúmeras têm sido as abordagens teóricas que se propõe a traçar um paralelo dos sistemas de proteção internacional na tentativa de fortalecer o reconhecimento do direito ao ambiente como direito humano. Nesse particular, em nível nacional, inegável destaque deve ser dado a Antônio Augusto Cançado Trindade,7 que já a mais de duas décadas atrás se preocupava em desenvolver uma abordagem teórica de aproximação entre os sistemas de proteção internacional dos direitos humanos e dos direitos ambientais. É possível identificar na doutrina de Trindade diversos fundamentos que influenciaram direta ou indiretamente o constitucionalismo ambiental brasileiro contemporâneo. Aspecto importante, e que aqui nos interessa em especial, diz com a posição de Trindade acerca dos sujeitos e do objeto de proteção do direito ao ambiente, onde se percebe claramente a posição do autor a respeito da existência de uma dupla dimensão (subjetiva e objetiva) desse direito, bem como da sua interação ou integração com outros direitos individuais e sociais pré-existentes. A esse respeito, Trindade afirma: Página 4

Os deveres de proteção do Estado em matéria ambiental e o controle judicial de proteção insuficiente

“O direito a um meio ambiente sadio, como o direito ao desenvolvimento, revela a um tempo uma dimensão individual e uma dimensão coletiva. Se o sujeito é um indivíduo ou um grupo privado, a relação se exaure na relação entre o indivíduo (ou grupo de indivíduos) e o Estado; mas se tivermos em mente a humanidade como um todo, a relação jurídica não se exaure naquela relação. É esta provavelmente a razão pela qual frequentemente se recorre à distinção entre as dimensões individual e coletiva. Se nos concentrarmos na implementação, há que se admitir que todos os direitos, sejam ‘individuais’ ou ‘coletivos’, se exercitam em um contexto social, tendo todos uma dimensão ‘social’ neste sentido, porquanto sua vindicação requer a intervenção – em graus variados – da autoridade pública para que sejam exercitados. Há, no entanto, ainda, um outro enfoque que pode esclarecer a questão em apreço: o do objeto de proteção. Tomando como tal objeto o bem comum, (…) não apenas passamos a dispor de critérios objetivos para abordar a questão, mas também aprendemos melhor o sentido próprio dos direitos coletivos”.8 Também é inegável que a doutrina jurídico-constitucional estrangeira foi e ainda tem sido igualmente decisiva no desenvolvimento do marco jurídico-constitucional voltado à proteção do ambiente no Brasil. Especificamente no que se refere à discussão acerca da existência ou não de um direito (subjetivo) ao ambiente sadio e equilibrado, merece especial ênfase o debate travado na Europa, em países como Alemanha, Portugal e Espanha, nos quais o tema ganhou maior destaque.9 Na Alemanha, Robert Alexy10 sustenta que o direito fundamental ao ambiente se caracteriza por ser um “direito fundamental completo”, porquanto composto por “um feixe de posições de espécies bastante distintas”, as quais podem incorporar direitos de defesa, direitos de proteção, direitos a procedimentos e direitos a prestações fáticas. De ressaltar que o ordenamento jurídico alemão, até o ano de 1994, não dispunha de um preceito constitucional especificamente dedicado à proteção ambiental, o que induzia uma tutela do ambiente pela via da subjetivização, vinculada a direitos fundamentais como a vida, a integridade física, a propriedade etc. Entretanto, em 1994 insere-se o art. 20a) na Lei Fundamental da Alemanha, que qualifica a proteção do ambiente expressamente como uma tarefa fundamental do Estado. Desde então, segundo afirma Gomes,11 a doutrina alemã converge na afirmação da proteção do ambiente como tarefa do Estado e desaconselha a subjetivização, todavia, a autora está simplificando, pois o debate na Alemanha é muito mais intenso e tem relação com um tema difícil que diz respeito com as relações entre os direitos subjetivos e a teoria da proteção normativa ( Schutznormtheorie) no espaço europeu de direito administrativo, notadamente com o que diz com a internacionalização e europeização da proteção ambiental, tema que aqui não poderemos desenvolver.12 Michael Kloepfer é um dos autores alemães citados por Gomes a amparar sua conclusão. De fato, Kloepfer se manifesta no sentido de que na atual sistemática do Texto Constitucional alemão, no que tange a proteção do ambiente, nenhum direito subjetivo público resulta para o cidadão,13 o que, no entanto, não significa a sua não admissão um direito subjetivo público ambiental.14 Todavia, a tarefa estatal de proteção do ambiente dirige-se aos três Poderes do Estado, fixando uma proibição de retrocesso (Rückschrittsverbot), garantindo padrões ecológicos mínimos, ou seja, uma ecologização ( Ökologisierung) do sistema jurídico alemão.15 Kloepfer, muito embora reconheça a forte indeterminabilidade de conteúdo do direito subjetivo ao ambiente, admite a tutela ambiental pela via da subjetivação, como derivativo do princípio do Estado social, “(…) na medida em que se trata da asseguração do mínimo existencial ecológico”.16 Em Portugal, a posição de Carla Amado Gomes – que, como visto, nega a dimensão subjetiva à proteção do ambiente – não corresponde a da doutrina majoritária. Para José Joaquim Gomes Canotilho, a inclusão, na Constituição da República de Portugal, no catálogo dos direitos econômicos, sociais e culturais, do direito a um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado (art. 66.m da CRP), revela a opção dos constituintes portugueses de reconhecer no direito ao ambiente a natureza de direito fundamental subjetivo.17 Nada obstante, não indiferente à crítica contrária à subjetivização da tutela do ambiente, pondera Canotilho:18 “Independentemente de saber se o direito ao ambiente é um verdadeiro direito subjectivo, tornou-se claro que a problematização constitucional deste direito não deveria limitar-se ao recorte do ambiente como tarefa fundamental do Estado. A orientação jussubjectiva da Constituição Portuguesa é tanto mais de assinalar quanto se assiste, ainda hoje, à elaboração de robustas posições doutrinárias contra a jusfundamentalização ambiente. Precisamente por isso, a primeira idéia forte Páginado 5

Os deveres de proteção do Estado em matéria ambiental e o controle judicial de proteção insuficiente

enquadramento jurídico-constitucional do ambiente é a de que no ordenamento jurídico português a conformação jurídico-subjectiva do ambiente é indissociável da sua conformação jurídico-objectiva.” Semelhante é a posição do constitucionalista português Vasco Pereira da Silva. Muito embora o autor defenda a ideia de que a defesa do ambiente é tarefa estatal, reconhece o direito ao ambiente como um direito subjetivo fundamental completo – do qual emanam posições distintas posições jurídicas –, axiologicamente radicado no princípio da dignidade da pessoa humana e dotado de uma dupla faceta, defensiva e prestacional.19 Segundo o autor, uma coisa é a tarefa objetiva de proteção do ambiente e outra, distinta, é a proteção jurídica subjetiva ambiental, a qual decorre “(…) da existência de um domínio individual constitucionalmente protegido de fruição ambiental, que protege o seu titular de agressões ilegais provenientes de entidades públicas (e privadas)”.20 Ainda no âmbito do direito constitucional português, merecem especial destaque as posições de Jorge Miranda e José Carlos Vieira de Andrade sobre o tema em questão. Para Jorge Miranda a base da subjetivação da tutela do ambiente não reside propriamente no art. 66.r da Constituição da República de Portugal, mas sim na possibilidade, prevista no art. 52.r da referida Carta Constitucional, de todo e qualquer cidadão português requerer a tutela judicial preventiva e ressarcitória em face de condutas lesivas ao ambiente.21 Já para Vieira de Andrade o direito ao ambiente é um direito de solidariedade que não se limita a uma intervenção prestacional do Estado, nem à exigência de respeito a um bem próprio individual, mas trata-se de um verdadeiro “direito circular”, cujo conteúdo define-se essencialmente “(…) em função do interesse comum, pelo menos em tudo que aquilo que ultrapassa a lesão direta de bens individuais”.22 Na Espanha, uma importante autora a abordar o tema é Teresa Vicente Giménez. Ao comentar o art. 45 da Constituição espanhola, a autora afirma que o ordenamento constitucional da Espanha reconheceu a proteção do ambiente como um direito e um dever, elevando-a a categoria de princípio orientador da política social e econômica daquele país. Assim, Giménez insere o direito ao ambiente no rol dos direitos fundamentais de terceira dimensão, que têm na solidariedade o seu valor guia. Especificamente sobre a subjetivização do direito ao ambiente, Giménez reconhece a existência de resistência de parte da doutrina em aceitar a ideia de que o art. 45 da Constituição da República da Espanha diga respeito a um direito fundamental ao meio ambiente. Contudo, para a autora, ao invés de negar a dimensão subjetiva do direito ao ambiente, reconhecendo exclusivamente sua dimensão objetiva, mais proveitoso é “(…) profundizar y avanzar en el concepto de los derechos de tercera generación o de la solidariedad, derechos que se caracterizan por llevar implícitos el deber de su protección”.23 Também reconhecendo o direito subjetivo ao ambiente, destaca-se a posição de Juan José Solozábal Echevarria. Para o autor, o direito ao ambiente é um direito dotado de fundamentalidade material que também se justifica sob o ponto de vista de um direito individual (subjetivo), notadamente por ser imprescindível ao desenvolvimento da pessoa e por manter relação direta com o princípio da dignidade da pessoa humana.24 Em sentido oposto, parte da doutrina constitucional espanhola se inclina para a qualificação da norma do art. 45 da Constituição da Espanha como concretização de um princípio fundamental de atuação do Estado na proteção dos bens ambientais naturais (água, ar, solo, fauna e flora).25 Um dos adeptos dessa vertente doutrinária na Espanha é Antonio-Enrique Pérez Luño. Para esse autor, muito embora a sobrevivência da espécie humana, cada vez mais ameaçada pela degradação do ambiente, constitua um valor prioritário para qualquer sociedade, isso não implica o reconhecimento de um direito fundamental ao ambiente. Para Pérez Luño, as técnicas de positivação dos direitos fundamentais exigem que eles se refiram a situações jurídicas bem determinadas quanto ao seu objeto e titularidade, o que não ocorre com o pretenso direito fundamental ao ambiente, dada a dificuldade de se estabelecer com precisão o seu conjunto de faculdades constitutivas.26 Nesse sentido, defende a tutela do ambiente essencialmente como finalidade dos Estados Constitucionais.27 Por fim, também no âmbito do direito constitucional espanhol, destaca-se a posição de Fernando Simón Yarza. Para esse autor resulta impraticável reconhecer a existência de um direito autônomo ao meio ambiente, devido ao objeto desse pretenso direito ser um bem jurídico de caráter coletivo. Contudo, esclarece: “Ello no implica, sin embargo, que el medio ambiente carezca de relevancia iusfundamental. Al Página 6

Os deveres de proteção do Estado em matéria ambiental e o controle judicial de proteção insuficiente

contrario, en cuanto que se relaciona con bienes jurídicos individuales, el interés medioambiental puede influir decisivamente en la interpretación y aplicación de estos derechos. Este influjo sólo puede producirse, no obstante, en la medida en que se encuentren implicados los que hemos denominado aspectos individuales del medio ambiente. No es posible, pues, un derecho subjetivo al medio ambiente, aunque sí caben los derechos de contenido medioambiental.”28 Dessa forma, Yarza adota clara posição no sentido de que a conexão entre os direitos fundamentais e o meio ambiente pode adotar múltiplas formas, não somente pelos distintos bens jurídicos que são afetados por essa relação, mas também pelas distintas categorias jurídico-fundamentais que essa relação pode traduzir. No Brasil, há praticamente um consenso doutrinário a respeito do reconhecimento da dupla funcionalidade da proteção do ambiente: tanto objetivo e tarefa do Estado, quanto direito (e dever) fundamental do indivíduo e da coletividade. A posição defendida por Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer é clara no sentido de reconhecer, a existência de uma dimensão subjetiva da proteção do ambiente, ou seja, de um direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado e saudável, que se caracteriza por ser um “conjunto diferenciado e complexo de posições subjetivas”.29 Os autores, analisando o art. 225, caput , § 1., da CF brasileira, igualmente identificam a dimensão objetiva do direito fundamental ao ambiente, a qual impõe aos particulares deveres fundamentais em matéria ambiental, bem como delimita a obrigação “(…) de proteção e promoção ambiental do Estado, que também encontram supedâneo expresso ou implícito no texto constitucional”.30 Como objetivo e tarefa do Estado, a proteção ambiental assume a forma de deveres de proteção, os quais, segundo Gilmar Ferreira Mendes,31 são deveres que se impõem ao Estado para evitar riscos, autorizando o Poder Público a atuar em defesa do cidadão mediante a adoção de medidas de proteção ou prevenção. Em semelhante sentido, Antônio Herman Benjamin reconhece a fundamentalidade do direito ao ambiente, o qual se alicerça nos valores da “fraternidade” ou “solidariedade”. Na visão de Benjamin, o direito fundamental ao ambiente sadio e equilibrado tem estrutura bifronte (negativa, associado a um non facere; e positiva, exigindo prestações positivas do Estado e da sociedade). É direito de exercício coletivo, mas também individual, (…) não se perdendo a característica unitária do bem jurídico ambiental – cuja titularidade reside na comunidade (“todos”) odao reconhecer-se um direito subjetivo ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.32 Destaca-se também a posição de Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros em obra específica sobre o tema, na qual sustenta, a partir de uma interpretação sistemática da proteção constitucional do ambiente, e com forte influência das doutrinas constitucionais germânica e portuguesa, que a proteção constitucional do ambiente no Brasil traduz um típico direito-dever fundamental. Assim, defende que a proteção do ambiente é um direito fundamental (subjetivo), dotado de dupla função (defensiva e prestacional), bem como um dever fundamental de cunho positivo e negativo, tendo no Estado (Poder Público) e na coletividade os titulares ativos e passivos desse dever fundamental.33 Não menos relevante é a posição defendida por Andreas Krell ao analisar o art. 225, caput, da CF brasileira. Segundo Krell, o referido dispositivo constitucional consagrou a proteção do ambiente tanto como tarefa fundamental do Estado (seja como “norma-fim” direcionada ao poder estatal, seja como “tarefa estatal disfarçada” cuja concretização dependa de intervenção do Poder Público), quanto como direito público subjetivo, ainda que não seja típico, ou seja, divisível, particularizável ou desfrutável individualmente. Para o autor, somente por meio do reconhecimento constitucional de um direito subjetivo ao ambiente equilibrado é que se torna possível reconhecer no equilíbrio ecológico do ambiente um bem jurídico autônomo, não dissolvido na proteção de outros bens jurídicos relevantes. Essa dimensão jurídico-subjetiva do direito ao ambiente, porém, guarda íntima correlação com sua dimensão jurídico-objetiva. Assim, muito embora a dimensão subjetiva enfatize o caráter individualista do direito ao ambiente, isso em nada diminui sua dimensão coletiva ou social.34 Com efeito, traçado um panorama geral dos principais argumentos doutrinários a favor e contra da vertente subjetiva da proteção constitucional do ambiente, posicionamo-nos claramente em favor do reconhecimento da proteção do ambiente como típico direito-dever fundamental, que se caracteriza, na dimensão subjetiva, por um feixe de posições jurídicas de vantagem, cuja tutela pode ser individualmente reivindicada, muito embora diga respeito a um bem jurídico que é essencialmente coletivo. Já na dimensão objetiva, se caracteriza tanto por deveres fundamentais que se impõem a Página 7

Os deveres de proteção do Estado em matéria ambiental e o controle judicial de proteção insuficiente

todos os indivíduos na consecução do objetivo comum da proteção do ambiente, quanto por deveres de proteção em matéria ambiental que são exigíveis do Estado (Poder Público). Na perspectiva dos deveres fundamentais socioambientais, e já tomando como referência o significado do conceito de Estado Socioambiental, cita-se o art. 225 da Carta de 1988, que ocupa topo central no espaço jurídico ambiental ao dispor: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Do Texto Constitucional fica bem esclarecido que o ambiente é um direito atribuído a um sujeito total35 sobre bem de uso comum cujo atribuído será determinado ou determinável no momento da incidência de suas normas.36 Como res communes omnium esum bem público com um qualificado predicado: atemporalidade. De outro modo, perspectivado como totalidade atributiva,37 caracteriza-se como um macrobem que não se confunde com os bens que o incorporam.38 Ademais, é insusceptível de apropriação, também indisponível, indivisível, imaterial e de titularidade difusa. O ambiente, como um bem salienta Herman Benjamin, revela-se como um bem público em sentido objetivo e não subjetivo,39 fundado em um interesse difuso, o que oportuniza a dimensão horizontal e vertical do dever de proteção e preservação: Estado e Sociedade, ademais dos sujeitos de direito entre si mesmos. Nesse sentido, para assegurar tal direito constituem, entre outros, deveres do Estado: a) preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas (art. 225, §t1.º, I, da CF/988 c/c a Lei 9.985/2000 e Lei 11.515 de 28.08.2007, e demais alterações ulteriores); b) preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético (art. 225, §t1.º, II, da CF/1988 c/c a Lei 9.985/2000, a Lei 11.105/2005, Lei 11.460/2007 e demais alterações ulteriores); c) definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção (art. 225, §t1.º, III, da CF/1988 c/c a Lei 9.985/2000 e demais e alterações ulteriores); d) exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade (art. 225, §t1.º, IV, da CF/1988 c/c a Lei 9.985/2000, e demais alterações ulteriores); e) controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente (art. 225, §t1.º, V, da CF/1988 c/c a Lei 9.985/2000, e demais alterações ulteriores); f) promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente (art. 225, §t1.º, VI, da CF/1988 c/c a Lei 9.795/1999 e o Dec. 4.281 de 25.06.2002, e demais alterações ulteriores); g) proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade (art. 225, §t1.º, VII, da CF/1988 c/c a Lei 9.985/2000, com o Dec. 4.340 de 22.08.2002, e demais alterações ulteriores). A ação verbal de restaurar, preservar, definir, exigir, controlar, promover e proteger implica transitividade, isto é, não permanece indefinidamente, necessita de permanente complemento, ou recriação e revigoramento, o que se alcança com o permanente cumprimento dos deveres inerentes. A Constituição brasileira, desta forma, privilegia uma estrita modalidade de posições jurídicas, pois ou são direitos-deveres (ou deveres-direitos pendente a posição do sujeito) de proteção, articulando os direitos subjetivos de sujeitos singulares e plurais, e na esfera pública, tarefas, objetivos, sujeições e deveres de proteção do Estado. É neste sentido que os direitos-deveres socioambientais são direitos e deveres fundamentais, e como tais, gozam de tratamento privilegiado na ordem constitucional e nos tratados internacionais, albergados pelo ordenamento jurídico brasileiro. No Página 8

Os deveres de proteção do Estado em matéria ambiental e o controle judicial de proteção insuficiente

espaço constitucional podemos encontrá-los de modo implícito ou explicito. Explicitamente são aqueles referidos expressamente no art. 225 da CF/1988, ao contrário, os implícitos são irradiações ou decorrências da proteção ambiental, pois incorporam, além de os assegurarem, os atos de valoração ambiental, como o direito à vida, saúde, propriedade, informação, cultura, educação e ao exercício das ações constitucionais, entre outros, logo podemos falar de deveres socioambientais na dimensão objetiva e subjetiva, pois ora exigem a inação, ora a efetiva prestação dos seus destinatários. Os deveres fundamentais são posições subjetivas ex lege, pois ao contrário dos direitos e deveres humanos quando compreendidos como processos culturais emancipatórios de contendas para a concretização da dignidade humana, sempre derivam do direito objetivo positivo. Como posições subjetivas ex lege, ora se apresentam com caráter material, como, e.g., os direitos e deveres contidos no mandamento “preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais”, ora instrumentais, como aqueles que objetivam a execução de direitos e obrigações materiais, e.g., estudo prévio de impacto ambiental, ou os com vínculos tipicamente processuais, e.g., ação popular, inquérito civil, termos de ajustamento etc.40 Na dimensão objetiva, ou prestacional, sempre que não correspondam a qualquer direito subjetivo, os deveres fundamentais socioambientais, seja o destinatário o Estado, ou os particulares, revelam-se como fronteiras no exercício dos direitos. Direitos e deveres fundamentais socioambientais são importantes balizadores do poder político, notadamente o Poder do Estado, pois esses têm de respeitar os limites que lhe são impostos, isto é, a sujeição ao espaço de autonomia da cidadania, ou ativamente na intervenção mediante prestações específicas na conformação dos direitos e deveres atribuídos a essa mesma cidadania. É neste locus discursivo onde também se revela o tema da eficácia dos direitos e deveres fundamentais sociais, ambientais e econômicos, que podem ser perspectivados desde diferentes notações, segundo a intensidade normativa de cada um desses direitos, deveres, pretensões, obrigações, ações e exceções (na clássica sena pontiana). Aí se insere a dissensão entre normas constitucionais preceptivas e normas constitucionais programáticas, com as consequentes resultantes que operam em ambas as espécies normativas, isto é, uma intervenção reguladora, e uma intervenção restritiva. Sabidamente, e aí há consenso doutrinário, a força diretiva dos direitos, liberdades e garantias é mais robusta que aquela atribuída aos Direitos Econômicos, Sociais, Culturais (DESC), e isto vai se refletir, especialmente, na perspectiva material e na organizatória desses direitos, pois a intensidade de restrição nos primeiros é bastante limitada, e na perspectiva organizatória sempre haverá submissão à reserva parlamentar, contrariamente ao que ocorre com os últimos, que possuem menor força diretiva, o que tem reflexos imediatos no tema dos deveres. Relativamente aos deveres socioambientais fundamentais está para ser construída uma deontologia socioambiental. Aí, ingressamos no fértil terreno das obrigações diretamente implantadas pelo legislador, com destinatários específicos, sejam sujeitos singulares ou plurais, seja a coletividade como identidade, seja o Estado ou seus agentes políticos. Nesse espaço deontológico toma lugar de destaque um dever geral de não degradar, de não contaminar, com toda a irradiação das obrigações pertinente, como explicitado no art. 225, §es.º, da Carta de 1988. Aliás, este dever central, talvez tenha sido inspirado pelo que já estava bem definido no art. 29 da Declaração Universal de 1948.41 Agora, um renovado dever-direito, onde a dimensão da obrigação avulta na proteção socioambiental justamente para tornar possíveis as atribuições de direitos e torná-los concretos. O direito-dever fundamental ambiental está informado por muitos princípios que a doutrina vem afirmando com grande insistência, cuja revelação a ciência jurídica e os pretórios vêm aperfeiçoando. São princípios decorrentes, na sua maioria, da amplitude da previsão contida no art. 225, incisos, e parágrafos, da CF/1988, combinados com outras normas constituídas na mesma Carta, e em Tratados e Convenções por ela recepcionados, ademais do conjunto normativo infraconstitucional pertinente.42 Sabemos que o direito de cada sujeito, singular ou plural, a um ambiente ecologicamente equilibrado não constitui per se um direito subjetivo susceptível de apropriação. A atribuição que aí está, é de permissão que exige um dever fundamental consubstanciado na utilização racional desde uma perspectiva de fraternidade ou solidariedade, seja na atualidade, seja com as gerações vindouras. Página 9

Os deveres de proteção do Estado em matéria ambiental e o controle judicial de proteção insuficiente

Este dever evde todos e de cada um individualmente, inclusive, por constitucionalmente expresso, do Estado.43 Veja-se que o tipo constitucional do art. 225 encerra um objetivo composto: ambiente equilibrado e bem de uso comum, essencial para a qualidade de vida, e deveres recíprocos do Estado e da coletividade. A proposição normativa configura sim um direito subjetivo, aliás, um só não, muitos direitos subjetivados e conexos a preservação ambiental, independentemente da objetividade da proteção ambiental, pois sanciona um dever de preservação para a atualidade e para o porvir. Revelando-se, então, um dever-direito por um lado, e por outro um direito-dever fundamental acrônico, cujo núcleo duro está na vedação da degradação ambiental, objeto do princípio, sob pena de defraudar-se o conceito. Reconhece-se, porém, o peso dos argumentos dos defensores da vertente unicamente objetiva da proteção do ambiente. De fato, a via da subjetivização da proteção do ambiente muitas vezes acaba por não alcançar êxito, sobretudo por ser de difícil preenchimento o conteúdo do direito ao ambiente, permitindo assim uma ampla margem de flexibilização, notadamente quando em conflito com outros direitos também fundamentais em um Estado de Democrático de Direito. Por outro lado, muito embora o maior peso que a moderna doutrina venha atribuindo à dimensão objetiva da proteção do ambiente, não pode ser desconsiderada a importância da subjetivização, sobretudo quando compreendemos o direito ao ambiente como um direito fundamental que, por refletir um feixe de diferentes posições jurídicas de vantagem, permite que o seu titular se valha de diversas estratégias diretas e indiretas para a defesa do bem jurídico ambiental. A subjetivação do direito ao ambiente sadio e equilibrado, aqui envolvido por um interesse transindividual, deve ser compreendida, portanto, de forma distinta do direito subjetivo que tenha por objeto um interesse jurídico puramente individual. A subjetivação do direito do ambiente vincula-se a essa gama de posições jurídicas de vantagem de que dispõe cada indivíduo para reivindicar a tutela do ambiente. Nesse sentido, é válido lembrar a antiga lição de Wesley Newcomb Hohfeld,44 ao apontar os diferentes significados que a noção de “direito” (subjetivo) pode assumir no discurso jurídico, conforme a natureza da relação jurídica estabelecida. A palavra direito pode ser utilizada no sentido de um direito subjetivo em sentido estrito, vinculado a um interesse jurídico puramente individual, mas também pode traduzir privilégios, poderes e imunidades, aos quais correspondem, ora em correlação ora em oposição, conforme o caso, os conceitos de dever, não direito, sujeição e incompetência. A antiga lição de Hohfeld subsidia a compreensão, portanto, que o direito (subjetivo) ao ambiente pode também assumir diferentes significados no discurso jurídico contemporâneo, e não deve ser compreendido unicamente pelo viés do direito subjetivo em sentido estrito. Não pode ser esquecido que o ambiente é um bem da coletividade,45 aí reside seu núcleo duro, portanto não pode servir a uma perspectiva meramente individualista. Sua própria matriz ancorada na solidariedade o informa como dever-direito ao ambiente ecologicamente equilibrado, bem como a defendê-lo e preservá-lo. A mais de ser um dever-direito e um direito-dever, ele é diretamente derivado do princípio do Estado Social e Democrático de Direito, onde se insere no sistema jurídico objetivado. E nesse particular, notadamente no que se refere a ser proteção do ambiente uma tarefa do Estado, converge a esmagadora doutrina nacional e estrangeira. Contudo, salvo raros aportes da doutrina constitucional pátria sobre o tema dos deveres de proteção do Estado em matéria ambiental,46 pode-se afirmar que a temática ainda comporta maior aprofundamento. Essa é a motivação para as linhas que seguem. 3. A justificação dos deveres de proteção do Estado De um modo geral, como já afirmamos, a temática dos deveres fundamentais é ainda pouco abordada pela doutrina nacional. Mesmo a doutrina estrangeira acerca-se do tema com reservas, sendo raros os autores que se dedicam a um enfrentamento aprofundado do assunto. José Casalta Nabais é um desses autores, ele aponta as razões para o esquecimento do tema pela doutrina constitucional contemporânea, citando o próprio sentido originário da ideia de Estado, que objetivava, através do direito, manter o exercício do poder dentro de determinados limites, assegurando assim a liberdade e autonomia individuais. Isso levou a primazia por direitos subjetivos Página 10

Os deveres de proteção do Estado em matéria ambiental e o controle judicial de proteção insuficiente

públicos, como posições jurídicas ativas dos titulares em face do Poder do Estado.47 Entretanto, mesmo diante do aparente desprezo que a doutrina constitucional contemporânea e as próprias cartas constitucionais ocidentais vigentes destinem ao tema dos deveres fundamentais, isso não implica uma recusa de reconhecimento, já que eles constituem uma exigência estrutural de qualquer constituição e “(…) mais do que visarem os comportamentos dos particulares, constituem a legitimação para a intervenção dos Poderes Públicos em determinadas relações sociais ou em certos âmbitos da autonomia pessoal dos cidadãos”.48 Segundo a lição de Konrad Hesse, pertence à tradição dos direitos fundamentais a ideia de que eles não são apenas direitos subjetivos, mas ao mesmo tempo representam princípios objetivos da ordem constitucional. Ou seja, em um Estado de Direito os direitos fundamentais, além de atuarem como limites da ação estatal, obrigam o Estado a proteger seus conteúdos jusfundamentais mediante procedimentos adequados;49 portanto, a compreensão dos direitos fundamentais como princípios objetivos adquire uma importância decisiva no âmbito das tarefas do Estado, na medida em que vinculam os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário a esses direitos, não apenas de forma negativa (abstenção de ingerências no âmbito protegido pelos direitos fundamentais), mas também de forma positiva (levar a cabo tudo que seja necessário para a realização dos direitos fundamentais).50 Esse efeito de irradiação dos direitos fundamentais, com força conformadora, tem sua raiz jurisprudencial na relevante decisão do caso Lüth do Bundesverfassungsgericht de 1958. Essa paradigmática decisão reconheceu o conteúdo jurídico-objetivo dos direitos fundamentais e sua irradiação para toda a ordem jurídica, acrescentando à tradicional eficácia vertical (Estado-cidadão) das normas de direito fundamental, uma eficácia horizontal – entre terceiros (os particulares), bem como lançou luzes definitivas para uma nova concepção da ordem constitucional fundada em um sistema objetivo de valores centrado necessariamente na dignidade da pessoa humana.51 Nesse quadro de irradiação inclui-se o encargo constitucional do Estado de Direito de prover as condições objetivas mínimas para o efetivo exercício dos direitos fundamentais. A propósito, assevera Jorge Reis Novaes:52 “Considera-se, com isso, que o Estado está obrigado, nomeadamente através da mediação do legislador ordinário, mas também, em caso de omissão deste, através da actuação autónoma do poder judicial e da Administração, a uma actuação normativa, judicial ou fáctica tendente a garantir os bens e as actividades protegidas de direitos fundamentais também contra agressões não estatais, ou seja, contra intervenções de terceiros (particulares e entidades públicas estrangeiras, logo, terceiros na relação primária de direito fundamental que se estabelece entre cidadão e Estado) ou contra contingências naturais ou riscos sociais”. Segundo Novaes, há duas formas de se compreender essa obrigação jurídica estatal: como obrigação decorrente de um eventual direito subjetivo, em sentido lato, dos particulares à proteção ou à segurança, integrando-se na vertente negativa da dimensão objetiva dos direitos fundamentais; ou como consequência jurídica dos conteúdos objetivos positivos dos direitos fundamentais e da sua natureza de decisões objetivas de valor, posição essa defendida pelo autor.53 Em semelhante sentido, Sarlet e Fensterseifer ressaltam que os deveres de proteção do Estado contemporâneo decorrem do compromisso estatal, constitucionalmente assumido, de tutelar e garantir uma vida digna a todos os cidadãos, o que lhe impõe as distintas tarefas de promoção e proteção dos direitos fundamentais. Isso pressupõe não apenas ações de cunho negativo, mas também – e essencialmente – ações positivas “(…) de modo a remover os ‘obstáculos’ de ordem econômica, social e cultural que impeçam o pleno desenvolvimento da pessoa humana”.54 Mas quais seriam os princípios inspiradores da doutrina dos deveres de proteção jusfundamentais? Entre outros, Fernando Simón Yarza55 nomeia-os: (a) princípio da segurança, que traduz a ideia de que não basta ao Estado a não intervenção na esfera de liberdade dos indivíduos, mas também se faz necessária uma função estatal protetora dos direitos fundamentais contra as invasões privadas, calcada numa ideia de segurança social; e (b) princípio do Estado social, que complementa o princípio da segurança, ampliando o aspecto protetivo dos direitos fundamentais, para além da proteção frente a terceiros, voltado à proteção Página do 11

Os deveres de proteção do Estado em matéria ambiental e o controle judicial de proteção insuficiente

indivíduo contra aquelas ameaças que recaem sobre seu âmbito vital efetivo e contra as quais o indivíduo sozinho não tem condições de defender-se, como por exemplo, a proteção frente a certos riscos ambientais. No entanto, Yarza admite que os referidos princípios constituem tão somente uma inspiração material para os deveres de proteção jusfundamentais, não servindo, porém, para o fim de criar obrigações justiciáveis. Em outras palavras, não traduzem um elenco de deveres de proteção estatal. 56 Para esse fim, faz-se necessária uma análise jurídica constitucional mais densa sobre como se fundamentam os deveres de proteção em concreto. Uma forma de fundamentar a existência de deveres de proteção jusfundamentais parte da literalidade de certas normas atributivas de direitos, ou seja, decorre de preceitos que não apenas reconhecem direitos, como também os protegem e garantem. Porém aqui, o cuidado reside, segundo Yarza, em não extrapolar a interpretação literal do âmbito de proteção concretizado no texto constitucional. Para o autor a missão do intérprete reside em desentranhar do texto constitucional “(…) aquello que ya no se encuentra em palabras y, sin embargo, está dicho”.57 Também a perspectiva da solução jurídico-defensiva (abwehrrechtliche Lösung58), em sua matriz teórico-discursiva pode ser utilizada para fundamentar os deveres jusfundamentais de proteção do Estado.59 Trata-se de tese que se baseia no fato de o Estado intervir de diferentes modos nas atividades dos sujeitos privados, seja financiando-as, seja submetendo-as a autorizações, o que permite imputar a ele uma responsabilidade pelo correto exercício das atividades privadas e uma culpa (in vigilando) quando esse exercício seja lesivo. Porém, essa tese é alvo de inúmeras críticas que argumentam que o simples fato de uma ação ou atividade não estar proibida, e sim permitida ou autorizada, não fundamenta uma participação do Estado na sua realização, não se podendo, portanto, imputar ao Estado uma conduta lesiva que decorra da atividade, exceto na hipótese de uma neutralidade negligente que tenha por base um dever de proteção prévio.60 O compartilhamento da responsabilidade do Estado relativamente às atividades perigosas61 decorrentes do dever do Estado de proteção dos direitos fundamentais na fórmula germânica ( Grundrechtliche Schutzpflichten des Staates), também fundamenta a existência de deveres de proteção. Trata-se aqui de imputar ao Estado uma posição especial de garante, impondo-lhe uma responsabilidade por uma adequada regulação das atividades de risco. Ou seja, reconhece-se ao Estado a existência de um dever de proteção especialmente intenso no âmbito das atividades perigosas.62 Mas os fundamentos mais robustos a justificar os deveres de proteção, a nosso ver, são os que concebem os deveres de proteção como conteúdo jurídico-objetivo dos direitos fundamentais, ou seja, emanações de valor ou de princípio jusfundamentais; bem como aqueles que fundamentam, sem exceder os limites do texto constitucional, a existência de um dever de proteção à dignidade humana, baseado na existência de um núcleo de dignidade humana que é garantido pelos direitos fundamentais e que impõe a obrigação estatal de uma proteção essencial dos bens vitais mais básicos. Tecidas essas observações, parte-se para uma análise mais apurada dos deveres de proteção do Estado brasileiro em matéria ambiental, tendo em vista o marco jurídico-constitucional vigente. 4. Os deveres de proteção do Estado em matéria ambiental à luz do direito constitucional brasileiro Com efeito, à luz dos aportes doutrinários analisados, impõe-se, para fins da presente reflexão, estabelecer um quadro geral da tarefa estatal de proteção do ambiente à luz do direito constitucional brasileiro, com o intuito de possibilitar uma análise mais clara da proteção estatal insuficiente e da possibilidade de seu controle pelo Poder Judiciário, ponto que será adiante abordado. A proteção da integridade dos bens ambientais é, inegavelmente, uma missão de natureza pública. Ou seja, há um flagrante interesse público primário no desenvolvimento de ações políticas, administrativas, legislativas e jurídicas de tutela ambiental, quer por imperativo constitucional expresso, quer pela carga valorativa jurídico-objetiva que emana do direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado (no caso do Brasil, expressamente reconhecido no art. 225 da CF/1988). Como demonstrado, os deveres de proteção do Estado em matéria ambiental igualmente Página 12

Os deveres de proteção do Estado em matéria ambiental e o controle judicial de proteção insuficiente

vinculam-se à dimensão objetiva do direito fundamental ao ambiente, a qual traduz novos valores ecológicos que passaram a ser incorporados no cenário político-comunitário contemporâneo, muito em decorrência da importância que a temática ambiental alcançou em âmbito internacional. O reconhecimento dessa dimensão objetiva do direito fundamental ao ambiente e dos deveres de proteção estatais correlatos implica efeitos positivos específicos, bem destacados por Krell:63 (a) reduz o espaço da livre conformação do legislador ordinário em todos os níveis da federação, na elaboração das normas relacionadas com aspectos ambientais; (b) impõe aos parlamentares que sempre levem em consideração a proteção ambiental no que se refere à regulamentação das atividades públicas e privadas de todas as áreas da vida social; (c) influencia uma adequada interpretação axiológica das leis ordinárias e do exercício do poder discricionário da Administração Pública; (d) impõe que o Poder Público, na formulação de políticas públicas, sempre opte pela alternativa menos gravosa ao ambiente; (e) conduz à “proibição de retrocesso ambiental”,64 vetando ao Poder Público a adoção de medidas que reduzam o nível da proteção normativa do ambiente já alcançado sem legítimas razões; (f) implica a judicialização da proteção ao mínimo existencial ecológico,65 núcleo essencial do direito fundamental ao ambiente e à sadia qualidade de vida. Inegavelmente, os destinatários dos deveres de proteção em matéria ambiental são o Estado, como destinatário geral, e seus Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) como destinatário específicos, aptos a implementar as medidas concretizadoras de proteção. A esse respeito, Sarlet e Fensterseifer afirmam que os deveres de proteção do Estado em matéria ambiental limitam claramente o espaço de liberdade de conformação na adoção de medidas legislativas e administrativas pelos Poderes Legislativo e Executivo, cabendo ao Estado-juiz (Poder Judiciário) “(…) fiscalizar a conformidade da atuação dos demais Poderes aos padrões constitucionais e infraconstitucionais de proteção ambiental”.66 O § 1. do art. 225 da CF brasileira elenca um rol exemplificativo das tarefas estatais de proteção do ambiente (retro, n. 1 deste ensaio) que delimita o marco constitucional dos deveres de proteção em matéria ambiental, que objetivamente se impõem ao Poder Público de um modo geral. Porém, objetivando uma maior clareza sobre como se desdobram esses deveres de proteção ambiental no âmbito de atuação de cada um dos Poderes estatais (Legislativo, Executivo e Judiciário), esboça-se um quadro, simplificado e meramente ilustrativo, das tarefas gerais de proteção do Estado brasileiro em matéria ambiental: Poder Legislativo Dever geral (primário): modelar, à luz do sistema constitucional vigente, um marco legislativo (infraconstitucional) e administrativo adequado à proteção do ambiente. Deveres específicos: • Estabelecer normas organizativas estruturais e de distribuição clara de competências em matéria ambiental; • Estabelecer normas substantivas para proteção ambiental (prevenção contra riscos presentes e futuros; proteção da vida animal; proteção de serviços ecológicos essenciais, ecossistemas e recursos naturais ameaçados; aperfeiçoamento do sistema de responsabilidade compartilhada e logística reversa em matéria de resíduos sólidos; criação de mecanismos ou isenções fiscais atreladas a boas práticas ambientais etc.); • Estabelecer normas adjetivas para a proteção ambiental (que regulem o acesso à justiça e à informação em matéria ambiental; ampliem a legitimidade para agir em defesa do ambiente no âmbito administrativo e judicial; facilitem a produção probatória em ações ambientais etc.). Poder Executivo Dever geral (primário): concretizar, à luz do sistema constitucional vigente, o marco legislativo (infraconstitucional) e administrativo de proteção do ambiente. Deveres específicos: • De polícia (atuação normativa, atuação preventiva, atuação autorizativa, atuação fiscalizatória, Página 13

Os deveres de proteção do Estado em matéria ambiental e o controle judicial de proteção insuficiente

atuação repressiva/dissuasória); • De fomento (concessões de incentivos fiscais legalmente autorizados e de subvenções atreladas a boas práticas ambientais); • De formação (realização de campanhas e políticas públicas de sensibilização e educação ambiental); • De informação (facilitar o acesso de todos às informações ambientais de caráter geral, bem como no âmbito de procedimentos administrativos). Poder Judiciário Dever geral (primário): fiscalizar a conformidade da atuação dos demais Poderes ao marco constitucional, infraconstitucional e administrativo de proteção ambiental, bem como dar a máxima eficácia e efetividade ao direito fundamental (de todos) ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Deveres específicos: • Rechaçar a legislação e os atos administrativos inconstitucionais, ou corrigi-los mediante uma interpretação conforme a Constituição; • Vedar o retrocesso em matéria ambiental injustificado; • Facilitar o acesso à Justiça em matéria ambiental e a produção probatória; • Primar pela celeridade no curso das demandas que objetivem a proteção ambiental; • Fiscalizar do cumprimento das sentenças protetivas; • Responsabilizar os agentes causadores de discriminação ou racismo ambiental; • Adotar métodos adequados de valoração econômica do ambiente, para fins de responsabilização por danos. Fonte: Adaptado por Rogério Rammê na proposta similar desenvolvida por Carla Amado Gomes (Ob. cit., p. 89). Não podem ser olvidados, porém, os apontamentos de Michael Kloepfer,67 sobre os principais problemas que assolam a proteção estatal do ambiente: (a) ainda carece de aprofundamento doutrinário e jurisprudencial a adequada medida em que os direitos fundamentais dos destinatários das medidas estatais de proteção ambiental podem arrefecer ou mediar a proteção estatal do ambiente. Segundo adverte Kloepfer, não se pode admitir, uma posição aprioristicamente sempre favorável à proteção do ambiente, sob pena de submeter os cidadãos a uma ordem intervencionista de direito ambiental; (b) em Estados federados, não raro surgem problemas referentes à distribuição de competências em matéria ambiental, exigindo o aperfeiçoamento de um sistema federativo cooperativo no trato dessas questões; (c) a ampliação da proteção estatal do ambiente pode ocasionar problemas à democracia e ao Estado de Direito. Para Kloepfer, a proteção do ambiente no âmbito legislativo esbarra na carência de formação técnico-científica dos legisladores. Ao mesmo tempo, muitas vezes quem detém o conhecimento técnico-científico necessário para a elaboração das normas definidoras de padrões ambientais são as próprias empresas destinatárias das normas, que oneram o ambiente. Isso faz com seja necessário tornar mais transparentes os procedimentos que dão origem aos padrões normativos ambientais, bem como os critérios e filosofias que os fundamentam. O mesmo problema se dá no âmbito das decisões judiciais, onde também não existem critérios claros sobre como se deve dar o assessoramento técnico-científico para a construção das decisões judiciais em matéria ambiental. A democracia representativa também vem sendo colocada em cheque, diante da crescente resistência de parcelas da população frente a decisões estatais com efeitos potencialmente onerosos ao ambiente, sem que haja critérios claros de mediação e avaliação dos interesses atingidos. Esses problemas inegavelmente afetam e comprometem a tarefa estatal de proteção do ambiente. Daí a importância, cada vez mais evidente, de que o Estado (Socioambiental e Democrático de Direito68) brasileiro, aperfeiçoe um sistema federativo cooperativo que incorpore valores ecológicos e de Justiça ambiental; princípios materiais essenciais para a tutela do ambiente (precaução, prevenção, poluidor-pagador, proibição de retrocesso, gestão racional dos recursos, integração); bem como princípios instrumentais para o bom funcionamento do sistema federativo e da tarefa estatal de proteção ambiental (cooperação e subsidiariedade). Página 14

Os deveres de proteção do Estado em matéria ambiental e o controle judicial de proteção insuficiente

5. O controle judicial da proteção estatal insuficiente em matéria ambiental: limites e desafios O tema do controle judicial da proteção estatal insuficiente em matéria ambiental é deveras controverso, tanto em âmbito doutrinário quanto jurisprudencial. Como bem observa Álvaro Luiz Valery Mirra, a origem da controvérsia está diretamente vinculada ao fato de o Estado desempenhar papéis ambíguos e contraditórios no que tange a sua tarefa-fim de proteção do ambiente: ora promovendo a defesa ambiental por meio da elaboração e execução de políticas públicas ambientais e do controle e fiscalização das atividades potencialmente degradadoras do ambiente; ora sendo o responsável direto ou indireto pela degradação da qualidade ambiental. Isso se deve, segundo bem analisa Mirra, pelo fato de que quando o Estado age ou se omite contribuindo direta ou indiretamente para a degradação do meio ambiente, ele se vale dos argumentos do “interesse público” ou da persecução da satisfação de “interesses ou necessidades imediatas da coletividade”, passando a falsa impressão de inexistência de alternativas à postergação da proteção ambiental, tendo em vista exigências diversas, de ordem econômica e social. Dessa forma, porém, coloca-se em patamar de inferioridade hierárquica uma tarefa estatal objetiva, diretamente relacionada com a garantia do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, direito fundamental.69 A interrogação que se oferece é a seguinte: quais os limites e desafios que se impõem à intervenção coativa do Poder Judiciário frente ao descumprimento, pelos Poderes Executivo e Legislativo, das tarefas essenciais de proteção ao ambiente, seja pela ação seja pela omissão? Normalmente, uma análise dessa ordem perpassa pelo tema da discricionariedade administrativa e legislativa que, para muitos, limita a esfera de ingerência do Judiciário. Ainda hoje, há uma forte corrente jurisprudencial no Brasil que não admite a possibilidade de ser obtida, junto ao Judiciário, a condenação da Administração Pública em obrigações de fazer, consistentes na adoção de medidas positivas de proteção do meio ambiente, tudo com base na impossibilidade de controle judicial do mérito administrativo (pautado pelo binômio “oportunidade e conveniência”), salvo se este ofender ao princípio da legalidade. Do contrário, estar-se-ia permitindo ao Judiciário atuar como administrador, ferindo de morte o princípio da separação dos Poderes. Assim, o controle judicial dos atos administrativos estaria adstrito ao exame das prescrições legais, expressamente determinadas, “(…) quanto à competência e manifestação da vontade do agente, quanto ao motivo, ao objeto, à finalidade e à forma”.70 Entretanto, comunga-se do entendimento de Mirra quando afirma que “(…) a realização de escolhas ou opções em matéria de meio ambiente e a tomada de iniciativas na utilização dos instrumentos legais de preservação ambiental não é mais incumbência privativa da Administração”,71 notadamente pela importância jusfundamental que adquiriu a tarefa estatal de proteção do ambiente no Brasil. No tocante especificamente à esfera de competência do Poder Executivo, não há falar em ingerência indevida do Poder Judiciário, ou mesmo ofensa ao princípio da separação dos Poderes, quando, diante de uma flagrante omissão ou desvio de sua tarefa-fim (jusfundamental) de proteção do ambiente, impõe à Administração Pública o cumprimento de obrigações de fazer que objetivem corrigir a proteção estatal insuficiente a determinado bem jurídico ambiental. Afinal não está o Judiciário, quando assim age, criando uma norma inexistente ou uma determinada política pública, penetrando no mérito administrativo e nas esferas da conveniência ou da oportunidade. Definitivamente não. Está, sim, impondo o cumprimento de uma obrigação pública objetiva implícita ou expressamente prevista na Constituição ou na legislação infraconstitucional. Uma forma de melhor compreender essa questão passa por uma adequada compreensão do significado de discricionariedade administrativa. Na clássica lição de Karl Engisch, a discricionariedade administrativa provém do Direito e consiste em uma margem de liberdade que tem o administrador na escolha de uma dentre duas ou mais alternativas.72 Deve-se ter claro, portanto, que a discricionariedade administrativa está condicionada pela finalidade jurídico-constitucional do ato a ser praticado pela Administração, daí que o controle que se permite ao Judiciário realizar nesta seara é o controle finalístico da discricionariedade administrativa, podendo ser impostas à Administração, caso verificado o desvio de finalidade (na ação ou na omissão das políticas públicas adotadas), obrigações de fazer ou de não-fazer, sem caracterizar com isso ofensa à separação dos Poderes. Página 15

Os deveres de proteção do Estado em matéria ambiental e o controle judicial de proteção insuficiente

Ao comentar a jurisprudência do STF, Sarlet constata a aderência da Corte constitucional pátria ao entendimento de que o princípio da separação dos Poderes não acarreta uma visão estanque ou compartimentada dos Poderes estatais, mas sim implica o reconhecimento de um sistema complexo e dinâmico de “freios e contrapesos”, no qual as funções de cada poder estatal se caracterizam por serem funções preponderantes, mas não exclusivas.73 O mesmo ocorre com relação ao Poder Legislativo. Omissões legislativas ou mesmo legislações que se desviem da tarefa estatal de proteção do ambiente, notadamente quando reduzem ou flexibilizam a proteção ambiental já consolidada no plano normativo, também são passíveis de controle finalístico pelo Poder Judiciário. Como bem destacam Sarlet e Fensterseifer, tanto a discricionariedade administrativa quanto a liberdade de conformação legislativa assim como a própria atividade jurisdicional encontram-se sujeitas sempre a um controle com base nos princípios e regras constitucionais.74 O papel do Poder Judiciário, nesse particular, assume um viés corretivo. Como já destacado, o atual marco jurídico-constitucional brasileiro impõe ao Estado (Poder Público), em todos os níveis da federação, a tarefa de proteger o ambiente sadio e ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Esta tarefa envolve não apenas a proibição de interferir negativamente no ambiente, como também a obrigação de promover ações positivas, prestacionais, que garantam a eficácia e a efetividade do direito de todos ao ambiente sadio e equilibrado. Disso resulta a possibilidade de reconhecer, via controle finalístico realizado pelo Poder Judiciário, a prática de condutas inconstitucionais (por ação ou por omissão), decorrentes da não adoção de medidas protetivas pelos Poderes Executivo e Legislativo. Vale a pena reproduzir, nesse particular, a lição de Sarlet e Fensterseifer:75 “(…) a ação estatal acaba por se situar no âmbito do que se convencionou designar de uma dupla face (ou dupla dimensão) do princípio da proporcionalidade, entre proibição de excesso de intervenção, por um lado, e a proibição de insuficiência de proteção, por outro. Posto de outra forma, se por um lado, o ente estatal não pode atuar de modo excessivo, intervindo na esfera de proteção de direitos fundamentais a ponto de desatender aos critérios da proporcionalidade ou mesmo a ponto de violar o núcleo essencial do direito fundamental em questão, também é certo que o Estado, por força dos deveres de proteção aos quais está vinculado, também não pode omitir-se ou atuar de forma insuficiente na promoção e proteção de tal direito, sob pena de sua atuação (no primeiro caso) ou omissão ou mesmo ação insuficiente (no segundo caso) implicar violação da ordem jurídico-constitucional”. Possível também, na linha de pensamento dos autores supra referidos, reconhecer, além da possibilidade de o Judiciário impor ao Estado medidas concretas para sanar a omissão ou atuação insuficiente no âmbito da sua tarefa-fim de promoção e proteção do ambiente, a possibilidade de responsabilização judicial do Estado à reparação dos danos causados a indivíduos e grupos sociais afetados pelos efeitos negativos decorrentes da proteção estatal insuficiente em matéria ambiental.76 Mas não podem ser olvidados certos limites que se impõem à atuação do Poder Judiciário nesse âmbito. Dois em especial são destacados por Luis Roberto Barroso. O primeiro é relaciona-se com a questão da capacidade institucional, ou seja, sobre qual Poder está mais habilitado a produzir a melhor decisão em determinada matéria. Para Barroso, certos temas exigem conhecimento técnico e científico de grande complexidade, não sendo o juiz o árbitro mais indicado ou qualificado, justamente por lhe faltar o conhecimento específico que o caso exige. Isso implica que o controle finalístico exercido pelo Judiciário se restrinja ao âmbito de verificação da lesão à ordem jurídico-constitucional, evitando adentrar no campo de definição de políticas públicas a serem adotadas, priorizando que a elaboração concreta dessas políticas seja realizada pelos Poderes Legislativo e Executivo, “(…) cedendo passos para juízos discricionários dotados de razoabilidade”.77 Porém esse primeiro limite apontado por Barroso não pode ser tomado em absoluto. Concorda-se aqui com a posição defendida por Wilson Antônio Steinmetz e Bruno Gabriel Heinz, ao afirmarem que, excepcionalmente, o Judiciário pode ver-se obrigado a impor a providência a ser adotada, notadamente quando a omissão ou proteção insuficiente por parte do Legislativo ou Executivo acarretar risco grave, atual ou iminente, ao destinatário do direito em questão. Em situações tais, entendemos, ao lado dos autores referidos, que o limite da capacidade institucional cede em face da 78 urgência e da “(…) inexistência de alternativa eficaz para afastar a situação de vulnerabilidade”. Página 16

Os deveres de proteção do Estado em matéria ambiental e o controle judicial de proteção insuficiente

O segundo limite referido por Barroso é o do risco de efeitos sistêmicos imprevisíveis e indesejáveis decorrentes da intervenção judicial no âmbito de políticas públicas. O limite em questão relaciona-se com a possibilidade de o Judiciário vir a adotar políticas públicas que se mostrem desastrosas no futuro, sobretudo pelo desconhecimento e até mesmo despreparo dos magistrados nesse campo. Porém, Barroso admite que na hipótese de afronta clara a normas constitucionais ou violação evidente de direitos fundamentais esse limite também deve ser flexibilizado. Ademais, um ativismo judicial que expresse uma postura interpretativa expansiva das normas constitucionais, para além marco constitucional estabelecido, externando um juízo claramente axiológico baseado nas convicções particulares do julgador, é um problema a ser superado, aí sim residindo sérios riscos à legitimidade democrática e à separação dos Poderes. Especificamente à área ambiental, um desafio que se impõe ao Judiciário para o bom exercício do controle da proteção estatal insuficiente diz respeito à necessidade de aperfeiçoamento dos magistrados em áreas outras, diversas da ciência jurídica, já que o trato das questões ambientais invariavelmente exige do julgador conhecimentos interdisciplinares, para além dos conhecimentos meramente jurídico-dogmáticos. A observância dos limites e a busca de superação dos desafios aqui pontuados legitimam o controle finalístico que o Judiciário deve exercer no âmbito das políticas públicas (executivas e legislativas) em matéria ambiental, e o consolidam como guardião da Constituição e dos direitos fundamentais. 6. Considerações finais: uma deontologia socioambiental De todo o articulado, pensamos que já estamos capacitados para lançar as bases para a formulação de uma reflexão sobre os deveres fundamentais socioambientais com a preocupação de desenhar um Estatuto Deontológico dos Direitos e Deveres Fundamentais Socioambientais, este é um empreendimento que requer muito esforço, mas a doutrina já alcançou expertise para realizar a tarefa, alinharemos algumas considerações e convidamos, pois, que os mais doutos a realizem. Sabemos que deontologia etimologicamente significa ciência do dever, está em #### ######, ou aquilo que é devido, preciso ou necessário, particípio presente neutro de ###,79 logo, vamos entender a expressão como aquilo que é necessário, conveniente. Contudo, não esqueçamos que a criação do termo é de Benthan,80 e depois foi empregado pelos utilitaristas para designar o estudo empírico que se necessita fazer em uma situação determinada. Com o passar do tempo o uso do termo foi apropriado pelas associações profissionais para construir um catálogo de deveres vinculados à praxis profissional. A origem da necessária apropriação está na dissimetria ocasionada por alguns detentores do conhecimento e da técnica que lhes outorgou um grande poder, e o usuário deste saber e técnica ficou reduzido a uma dependência intelectual e econômica. Logo os códigos intentaram superar essa dissimetria com regras formais cuja transgressão é passível de sanção. O intento de refletir sobre os deveres fundamentais socioambientais está intimamente vinculado ao desenho de uma deontologia socioambiental, e por consequência, não pode afastar-se do indispensável estudo da moral, na perspectiva de uma moral pública.81 Neste sentido a deontologia possui um viés moral. Os deveres morais frequentemente denominam-se deontológicos. Há uma deontologia moral, sem dúvida, assim como há uma deontologia jurídica em sentido estrito. O que mais nos interessa é a deontologia jurídica, onde estão contidos os deveres jurídicos de qualquer tipo. Atente-se que mesmo nos Códigos de Ética Profissional, a parte dispositiva sobre os deveres é jurídica, pois os atos de coerção previstos não são unicamente aprovados pela consciência, mas são atos coercitivos socialmente organizados que têm efeitos no próprio grupo profissional, levando inclusive a interdição da profissão (!) e com efeitos na ordem jurídica estabelecida. Com maior razão, a construção de uma deontologia socioambiental, fundada na moral pública, mas com forte densidade jurídica é uma exigência para a maior eficácia dos direitos fundamentais socioambientais que todos, Estados e particulares, devem privilegiar. Portanto, a deontologia jurídica no âmbito ambiental deve intentar desenhar uma deontologia socioambiental que construa e identifique os deveres fundamentais socioambientais distintos Páginadas 17

Os deveres de proteção do Estado em matéria ambiental e o controle judicial de proteção insuficiente

obrigações socioambientais. Daí o necessário enfoque da distinção entre deveres, obrigações, ônus, sujeições e encargos socioambientais, privilegiando sempre a fundamentalidade dos deveres e das responsabilidades inerentes ao próprio conceito dos Direitos e Deveres Fundamentais. Neste sentido, foi feliz a Declaração de Responsabilidade e Deveres Humanos de Valença de 1999,82 pois os deveres estão na base da efetiva validez dos direitos humanos e fundamentais. Por conseguinte, necessário investigar com apuro e com o intento de sistematizar os deveres dedicados a proteção do ambiente e da biodiversidade, além do dever de informar todas aquelas atividades que possam afetar o meio ambiente, ademais do dever de restaurar ou ressarcir os danos eventualmente ocasionados, deveres esses que cabem tanto ao Estado, como aos particulares (lembrando sempre que Estado “somos todos nós”), que devem ter presente que todos os recursos naturais, renováveis e não renováveis incluídas a biodiversidade biológica (flora e fauna), o solo, subsolo, espaço aéreo, espectro eletromagnético, recursos hídricos, hidrocarburos, minerais, pedras preciosas ou semipreciosas e outros compostos e elementos que se encontram de forma natural na terra, dentro dos limites do território nacional, assim como a conservação e manejo das áreas protegidas e os sítios de importância biológica, paleontológica, histórica, cultural, arqueológica, espeleológica, geológica e as paisagens de excepcionais características. De outro modo, tal empresa deverá identificar e sistematizar o dever do Estado, na regulação e controle no ingresso e saída do país de recursos biológicos e genéticos, e sua utilização de acordo com os interesses nacionais. Somando-se o dever do Estado e da Sociedade na proteção do acervo natural e seu aproveitamento sustentável para a garantia de sua conservação, até mesmo como recurso estratégico, para as atuais e futuras gerações. Direitos e deveres como categorias jurídicas implicam atribuições para sujeitos identificados ou identificáveis em algum cronotopos definido ou definível. Sujeitos de direitos e deveres são as pessoas naturais ou fictas, as universalidades de direito e as instituições e os órgãos despersonalizados. Partir de uma consideração deontológica dos direitos fundamentais socioambientais revela uma conexão intima com deveres que a todos são impostos em relação com a natureza, com o biótico e abiótico, motivo porque assumimos obrigações (correlativas às pretensões) de evitar a degradação sistemática do espaço socioambiental. Como sujeitos de direitos, de alguma forma, todos (Estado e sociedade – o Estado e cidadania) estão submetidos às leis naturais; como espécie, somos como qualquer outra, e os deveres de proteção são da espécie, não da natureza. Os sistemas naturais, a natureza, dispõem de processos de proteção frente à ação antrópica.83 Basta, para tanto, destruir a espécie, não há qualquer segurança transcendente para a proteção aos seres humanos que degradam o espaço que ocupam e onde atuam, portanto, esta é uma razão suficiente para uma autoimposição de deveres de preservar e promover as condições de vida planetária. Os recursos naturais são limitados, as reservas não são intermináveis e acabarão por esgotar-se, não podemos esperar que uma tecnologia venha no futuro sanar os problemas que no presente são quase incontornáveis. Como sujeitos de direitos, somos também obrigados a atuar de modo responsável. Neste sentido, temos o dever de solidarizarmo-nos, primeiro, com os processos naturais, em estrita cooperação com eles, só assim poderemos construir os instrumentos necessários para a nossa sobrevivência como espécie. Atente-se que os intercâmbios bióticos e abióticos não se comportam de modo singelo e linear, sim de modo complexo plurilinear, isto é, tudo está em interação e em mútua dependência: o que ocorra em um determinado lugar do planeta repercutirá em outra ambiência ou em uma determinada espécie, pois esta mútua interação e dependência asseguram – ainda que de modo paradoxal – a biodiversidade. Contudo, essa interação e essa biodiversidade ocorrem em uma larga escala temporal que necessariamente não coincide com o timing da produtividade alocada e inconsciente que exigem as sociedades de consumo indiscriminado; sirva de exemplo o denominado aquecimento global, que conduz ao dano atmosférico irreversível dado o progredimento rápido e continuamente crescente da escala temporal em que os processos naturais atuam em sua reprodução.84 Observe-se que se as interações humanas respeitassem a biodiversidade, incluídas nesta ambiência as relações sociais, os mecanismos de regulação entre os qualificados e diversificados elementos dos sistemas naturais estariam assegurados. Todavia, a intervenção antrópica homogeneizante e preocupada exclusivamente pelo benefício Página 18

Os deveres de proteção do Estado em matéria ambiental e o controle judicial de proteção insuficiente

econômico imediato, modificou substancialmente a velocidade, a simetria e os equilíbrios entre tais processos. É sabido que uma floresta, em sua escala temporal, filtra os elementos daninhos a sua manutenção; contudo, quando a ação antrópica é que “filtra” rápida e continuamente, por lavradores ou madeireiros, esses processos naturais se fragmentam e desaparecem. Portanto, uma deontologia socioambiental tem por objetivo afirmar o dever de proteger e promover a sustentabilidade ambiental e social em todas as relações que estabelecemos com o biótico e abiótico; ademais, tem o dever de precaução ante as incertezas e falta de previsão das consequências sociais e naturais das políticas econômicas e ambientais do atual modo de produção, um modelo já convertido na forma globalizada de justificar, decodificar e interferir no mundo. Discorrer sobre direitos e deveres, na perspectiva jurídica – abandonando propositadamente os denominados moral rights e os respectivos moral duties, ainda que possam, como efetivamente assim ocorre, influir como razões justificatórias dos direitos e deveres jurídicos, pode levar a equívocos entre as relações que se estabelecem entre autoridade e liberdade como característica dos regimes políticos. Em sede política, é comum que ao privilegiar-se a autoridade seja atribuído aos deveres a maior significância na ordem jurídica; ao contrário, sempre que privilegiada a liberdade, o destaque vai para o conjunto de direitos atribuídos pelo ordenamento jurídico. Ao lado, discorrer sobre deveres fundamentais, na perspectiva jurídica, pode, também, levar a alguns equívocos na distinção entre deveres e obrigações, entre deveres constitucionais, e entre estes os deveres fundamentais, e deveres legais, entre obrigações constitucionais e obrigações legais.

1 GOMES, Carla Amado. Risco e modificação do acto autorizativo concretizador de deveres de protecção do ambiente. 2007. 564 f. Tese de Doutorado em Ciências Jurídico-Políticas, Faculdade de Direito. Universidade de Lisboa, Lisboa. 2 GOMES. Risco e modificação do acto autorizativo concretizador de deveres de protecção do ambiente. p. 30. 3 GOMES. Risco e modificação do acto autorizativo concretizador de deveres de protecção do ambiente. p. 27-30. 4 GOMES. Risco e modificação do acto autorizativo concretizador de deveres de protecção do ambiente. p. 99-100. 5 A esse respeito ver, por todos, BOBBIO, Norberto. A era dos direitos.Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. Ver também: CARDOSO, Tatiana de Almeida Freitas R. As origens dos direitos humanos ambientais. Direitos Fundamentais & Justiça 23/131-157, abr.-jun. 2013; SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito constitucional ambiental. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2013. p. 44-49. 6 COURTIS, Christian. Derechos sociales, ambientales y relaciones entre particulares: nuevos horizontes. Bilbao: Universidade de Deusto, 2007. p. 113. 7 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Direitos humanos e meio ambiente: paralelo dos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1993. 8 TRINDADE. Direitos humanos e meio ambiente. p. 143. 9 No cenário Europeu, o tema também ganhou importante destaque na Itália, sobretudo pelo fato de a Constituição italiana não fazer menção expressa a um direito ao ambiente, consagrando apenas o direito à saúde e a tarefa estatal de proteção da paisagem (arts. 32 e 9 respectivamente). Segundo Gomes, tal fato conduziu boa parte da doutrina e a jurisprudência italianas a enveredar pela via da subjetivização da proteção do ambiente. GOMES. Risco e modificação do acto autorizativo concretizador de deveres de protecção do ambiente. p. 45-50. Página 19

Os deveres de proteção do Estado em matéria ambiental e o controle judicial de proteção insuficiente

10 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais.Trad. de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 443. 11 GOMES. Risco e modificação do acto autorizativo concretizador de deveres de protecção do ambiente. p. 52. 12 Cf., o estudo elaborado por HONG, Mathias. Subjektive Rechte und Schutznormtheorie im europäischen Verwaltungsrechtsraum. JZ –Juristen Zeitung. Tübingen. A. 67, n. 8 (2012), p. 380-388, o artigo está online, pay-per-view, no site da ingenta-connect™, DOI: [http://dx.doi.org/10.1628/002268812800261987]; também, KRÜPER, Julian. Gemeinwohl im Prozess – Elemente eines funktionalen subjektiven Rechts auf Umweltvorsorge. Berlin: Duncker & Humblot, 2009, especialmente, Parte C, Subjektives öffentliches Recht und Schutznormtheorie, p. 104-164, notadamente, p. 138-150. Aqui de todo relevante lembrar com Maurer que “o direito subjetivo revela-se como uma figura do direito em geral. Portanto, o direito público subjetivo poderia ser sintetizado – na perspectiva do cidadão ou individuo – como aquele poder que permite ao indivíduo exigir do Estado uma determinada conduta de fazer ou não fazer ou deixar de fazer de acordo ao prescrito pelas leis e para o interesse do indivíduo” (MAURER, Hartmunt. Allgemeines Verwaltungsrecht. München: C.H. Beck, 1997. p. 149). Para maiores detalhes, sobre a funcionalização do direito subjetivo ver, relativamente às ações de classe e os interesses protegidos, a decisão no processo C-115/09 do Tribunal de Justiça da União Europeia (não confundir com a Corte Europeia dos Direitos Humanos) de 12.05.2011 (in: http://lexetius.com/2011,1702), e o excelente comentário de SCHLACKE, Sabine. Die Novelle des Umwelt-Rechtsbehelfsgesetzes – EuGH ante portas?, in: ZUR –Zeitschrift für Umweltrecht (Nomos Online), 2013 Heft 4, p. 195-202, disponível (p-p-v) em: [https://nomos.beck.de/default.aspx?typ=reference&y=300&z=ZUR&b=2013&s=195&n=1]. Sobre os limites da funcionalização dos direitos subjetivos descritos do ponto de vista da conformação dos direitos fundamentais, por todos, KRÜPE, Julian. Gemeinwohl im Prozess – Elemente eines funktionalen subjektiven Rechts auf Umweltvorsorge. Berlin: Duncker & Humblot, 2009, especialmente p. 212 e ss. 13 Nesse sentido é enfático: (…) kein subjectiv-öffentliches Recht (nenhum direito subjetivo público). KLOEPFER, Michael. Umweltrecht. 3 Auf. München: C. H. Beck, 2004. p. 118. 14 KLOEPFER, Michael. Umweltschutzrecht. 2 Auf. München: C. H. Beck, 2011. p. 166. 15 KLOEPFER, Michael. A caminho do Estado Ambiental? A transformação do sistema político e econômico da República Federal da Alemanha através da proteção ambiental especialmente desde a perspectiva da ciência jurídica. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Estado socioambiental e direitos fundamentais. Trad. de Carlos Alberto Molinaro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 50. 16 KLOEPFER. A caminho do Estado Ambiental? A transformação do sistema político e econômico da República Federal da Alemanha através da proteção ambiental especialmente desde a perspectiva da ciência jurídica. p. 46. 17 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional ambiental português: tentativa de compreensão de 30 anos de gerações ambientais no direito constitucional português. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (org.). Direito constitucional ambiental brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 4. No mesmo sentido: CANOTILHO, José Joaquim Gomes. O direito ao ambiente como direito subjectivo. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2004. p. 177-189. 18 CANOTILHO. Direito constitucional ambiental português: tentativa de compreensão de 30 anos de gerações ambientais no direito constitucional português. p. 4. 19 PEREIRA DA SILVA, Vasco. Verde cor de direito: lições de direito do ambiente. Coimbra: Almedina, 2002. p. 84-106. 20 PEREIRA DA SILVA. Verde cor de direito: lições de direito do ambiente. p. 95. 21 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2000. t. IV –

Página 20

Os deveres de proteção do Estado em matéria ambiental e o controle judicial de proteção insuficiente

Direitos Fundamentais, p. 534. 22 VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2012. p. 158, nota 126. 23 GIMÉNEZ, Teresa Vicente. Proyección de la justicia ecológica en la ordenación política y jurídica del medio ambiente. In: GIMÉNEZ, Teresa Vicente (coord.). Justicia ecológica y protección del medio ambiente. Madrid: Editorial Trotta, 2002. p. 78. 24 ECHAVARRÍA, Juan José Solozábal. El derecho al medio ambiente como derecho público subjetivo. In: Studia Iuridica (81) – A tutela jurídica do meio ambiente: presente e futuro. Coimbra, 2005. p. 33-45. 25 GOMES. Risco e modificação do acto autorizativo concretizador de deveres de protecção do ambiente. p. 61. 26 PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Derechos humanos, Estado de Derecho y Constituición. 9. ed. Madrid: Tecnos, 2005. p. 455. 27 PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Perspectivas e tendências atuais do Estado Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2012. 28 YARZA, Fernando Simón. Medio ambiente y derechos fundamentales. Madrid: CEPC, 2012. p. 97. 29 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Deveres fundamentais ambientais. RDA 67, São Paulo: Ed. RT, 2012, p. 14. A temática também é abordada pelos autores, com profundidade, na seguinte obra: SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito constitucional ambiental. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2013. 30 SARLET; FENSTERSEIFER. Deveres fundamentais ambientais. p. 13. 31 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. 32 BENJAMIN, Antônio Herman. Constitucionalização do ambiente e ecologização da constituição brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (org.). Direito constitucional ambiental brasileiro. 2. ed.São Paulo: Saraiva, 2008. p. 103. 33 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Meio ambiente: direito e dever fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2004. p. 114-141. 34 KRELL, Andreas Joachim. Comentário ao art. 225, caput. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 2082. 35 Cf., PONTES DE MIRANDA, Francisco C., em várias passagens de sua obra, e.g., Tratado de direito privado, Rio de Janeiro: Borsoi, vários anos, t. 3, § 166, 2, § 183, 5; t. 6, § 509, 2; 537; 567, 3; t. 8, § 727, 2; t. XII, § 1.159, 3. OBS. Neste texto citaremos autor e obra com descrição completa somente quando aparece pela primeira vez, as demais serão abreviadas. 36 Preferimos denominar esses de “sujeito plural”. Quando falamos de direitos individuais, ou de direitos sociais, falamos da especial condição do sujeito de direito: singular ou plural, e por óbvio, quando falamos de sujeito singular estamos nos referindo a um determinado indivíduo, sujeito de direitos. Daí que todos os denominados direitos sociais, seja na comunidade internacional, ou no interior das ordens nacionais, são direitos individuais sempre que singularizados o sujeito plural (total) de direito. Na condição de direito atribuído a um sujeito plural, são direitos, na grande maioria dos casos, a prestações. Prestações positivas e negativas do Estado da Sociedade inseridas em bem definidos deveres fundamentais constitucionais (Cf., MOLINARO, Carlos Alberto. A intervenção regulatória do sistema jurídico nas fases iniciais dos sistemas tecnológicos em um Estado

Página 21

Os deveres de proteção do Estado em matéria ambiental e o controle judicial de proteção insuficiente

Socioambiental e Democrático de Direito. In: PEREIRA DA SILVA, Vasco; SARLET, Ingo Wolfgang (coord.). Direito público sem fronteiras. Lisboa: Instituto de Ciências Jurídico-Políticas, 2011. p. 69 – E-book, in: [www.icjp.pt]). 37 As totalidades atributivas são aquelas cujas partes estão referidas umas com as outras, seja simultaneamente, seja sucessivamente e, mais, suas conexões atributivas não implicam a inseparabilidade. 38 Cf. BENJAMIM, Antônio Herman V. Função ambiental. Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Ed. RT, 1993. p. 66-69. Cf., ainda, SOUZA FILHO, Carlos F. Marés. O dano socioambiental e sua reparação. In: FIGUEIREDO, Guilherme J. Purvin de (coord.). Direito ambiental em debate. Rio de Janeiro: Esplanada, 2004. p. 67-75. Cf., também, LEITE, José R. Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Novas tendências e possibilidades do direito ambiental no Brasil. In: WOLKMER, Antonio Carlos; LEITE, José Rubens Morato (org.). Os novos direitos no Brasil: natureza e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2003. v., p. 181-292: “(…) Com efeito, desta forma, visualiza-se o meio ambiente como um macrobem, que além de bem incorpóreo e imaterial se configura como bem de uso comum do povo. Isso significa que o proprietário, seja ele público ou particular, não poderá dispor da qualidade do meio ambiente ecologicamente equilibrado, devido à previsão constitucional, considerando-o macrobem de todos. Adita-se, no que se refere à atividade privada, a qualidade do meio ambiente deve ser considerada, pois o constituinte diz que a atividade econômica deverá observar, entre outros, o princípio da proteção ambiental, conforme estatui o art. 170, VI, da CF. (…)” p. 216. 39 BENJAMIM, Antônio Herman V. Função ambiental. Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Ed. RT. p. 66. 40 Cf. BENJAMIN, Antônio Herman V. Crimes contra o meio ambiente: uma visão geral. Ministério Público e Democracia – Livro de teses. Fortaleza: Conamp, 1998. t. 2, p. 28-29. 41 Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. XXIX. 1. Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível. 42 O conjunto normativo ambiental está construído através de proposições empíricas especialíssimas. No percurso de seu desvelamento e submetidas à racionalidade prática essas proposições se incorporaram em uma série de princípios, ditos princípios ambientais que se positivaram e, de modo não exaustivo, podem assim ordenar-se: Princípio constitucional de proteção ambiental (CF/1988, art. 225). Princípio da legalidade (CF/1988, art. 5, II). Princípio da supremacia do interesse público primário e princípio da indisponibilidade do interesse público (CF/1988, art. 225), temperado pela observância dos direitos fundamentais e das normas programáticas a eles referidas. Princípio da obrigatoriedade da proteção ambiental (idem). Princípio da prevenção e princípio da precaução (CF/1988, art. 225, § 1.º, IV; Dec. Rio/1992, princípio (15). Princípio da obrigatoriedade de avaliação prévia de obras potencialmente gravosas (CF/1988, 225; EIA, Rima). Princípio da publicidade (CF/1988, art. 225; Res. 9 do Conama). Princípio da reparabilidade do dano ambiental (CF/1988, art. 225, § 3.º; Lei 6.938, art. 4.º, VII). Princípio da participação (Declaração Rio/92, princípio 10; CF/1988, art. 225). Princípio da informação (CF/1988, art. 225; 216, § 2.º; Lei 6.938/1981; Dec. 98.161/1989; Lei 8.078/1990 [CDC]; Agenda 21, cap. 40; e as convenções sobre Diversidade Biológica e Combate a Desertificação). Princípio da função socioambiental da propriedade (CF/1988, art. 5.º, XXIII, 170, III e 186, II). Princípio do poluidor-pagador (CF/1988, art. 225, § 3; Rio/92, princípio 16; Lei 6.938/1981, art. 4.º; Lei 9.433/1997). Princípio da compensação (art. 8.º da Lei 6.938/1981, atrib. Conama). Princípio da responsabilidade (Lei 9.605/1998, crimes ambientais; Lei 6.938/1981, art. 14, responsabilidade objetiva do degradador). Princípio do desenvolvimento sustentável (Declaração Rio/92, princípio 13, e Agenda 21). Princípio da educação ambiental (CF/1988, art. 1.º; e, Agenda 21). Princípio da cooperação internacional (Declaração Rio/92, princípio 2). Princípio da soberania dos Estados na política ambiental (Agenda 21). Princípio da Prevenção de danos, aqui cabe uma distinção: princípio da prevenção e princípio da precaução. A distinção está na natureza do risco, v.g., CF/1988, art. 7.º, XXII prevê: “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. Aplica-se o preceito constitucional ao cuidado da prevenção ou precaução. Tudo está na natureza do risco. Sendo o núcleo duro na prevenção, o perigo concreto; na precaução, o perigo abstrato. Em ambos os casos, o meio ambiente do trabalho deverá contar com as condições necessárias para minimizá-lo, e contar o Página 22

Os deveres de proteção do Estado em matéria ambiental e o controle judicial de proteção insuficiente

trabalhador com a proteção adequado, mesmo a compensação argentária. 43 Atente-se que Robert Alexy entende o ambiente numa perspectiva de holodimensão, de “direito fundamental como um todo” (Teoría de los derechos fundamentales. Trad. de Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 3.ª reimp., 2002, p. 240-245), vale dizer, um objeto complexo e de estrutura definida: “as distintas posições do cidadão e do Estado, e entre estas posições existem relações claramente determináveis, as relações de precisão, de meio/fim e de ponderação” (op. cit., p. 245). Mais adiante, afirma Alexy: “Está constituído por um feixe de posições de tipos muito diferentes. Assim, quem propõe o estabelecimento de um direito fundamental ambiental ou sua adiscrição interpretativa às disposições iusfundamentais existentes pode, por exemplo, incluir neste feixe um direito a que o Estado se omita de determinadas intervenções no meio ambiente (direito de defesa), um direito a que o Estado proteja o titular de direito fundamental frente a intervenções de terceiros que danifiquem o ambiente (direito de proteção), um direito a que o Estado permita participar o titular de direito em procedimentos relevantes para o meio ambiente (direito ao procedimento) e um direito a que o próprio Estado realize medidas fáticas tendentes a melhorar o ambiente (direito a uma prestação fática)” (p. 429); concluindo o ilustre jurista que essas posições tratam-se como direitos prima facie ou como direitos definitivos. 44 HOHFELD, Wesley Newcomb. Conceptos jurídicos fundamentales. Trad. Genaro R. Carrió. Buenos Aires: Centro Editor de América Latina, 1968. p. 47. 45 José Rubens Morato Leite o denomina de um macrobem (Cf. LEITE, J. R. M. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2003. p. 81-85), uma concepção que conduz o nosso olhar para uma dimensão holística, um ver estético que apreenda toda sua totalidade. 46 Sobre o tema, ver, por todos: SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Breves considerações sobre os deveres de proteção do Estado e a garantia da proibição de retrocesso em matéria ambiental. RDA 58/41-85, São Paulo: Ed. RT, 2010. 47 NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a compreensão do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2009. p. 17-18. 48 NABAIS, O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a compreensão do estado fiscal contemporâneo. p. 19. 49 HESSE, Konrad. Temas fundamentais do direito constitucional. Textos selecionados e traduzidos por Carlos dos Santos Almeida, Gilmar Ferreira Mendes e Inocêncio Mártires Coelho. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 35-37. 50 HESSE. Temas fundamentais do direito constitucional. p. 40. 51 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012 (passim). 52 NOVAES, Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição. 2. ed. Coimbra: Coimbra Ed., 2010. p. 88. 53 NOVAES, As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição. p. 86-87. 54 SARLET; FENSTERSEIFER. Breves considerações sobre os deveres de proteção do Estado e a garantia da proibição de retrocesso em matéria ambiental. p. 45. 55 YARZA. Medio ambiente y derechos fundamentales. p. 102-106. 56 YARZA. Medio ambiente y derechos fundamentales. p.107. 57 YARZA. Medio ambiente y derechos fundamentales. p. 109.

Página 23

Os deveres de proteção do Estado em matéria ambiental e o controle judicial de proteção insuficiente

58 Cf., SCHWABE, Jürgen. Probleme der Grundrechtsdogmatik. Darmstadt: J. Schwabe [Selbstverl.], 1977. p. 213; também, MURSWIEK, Dietrich. Die staatliche Verantwortung für die Risiken der Technik: Verfassungsrechtliche Grundlagen und immissionsschutzrechtliche. Belin: Duncker & Humblot, 1985. p. 309, o autor menciona, na perspectiva da defesa legal do direito, como exemplo a Bundes-Immissionsschutzgesetz – BimSchG: que proíbe não superar a certos valores de emissões, mas também permite intervenções na proteção fundamental que estão abaixo desses limites (ver: BimSchG, § 52 e ss., in: [www.gesetze-im-internet.de/bimschg/bjnr007210974.html]. Acesso em: 23.05.2012). 59 A respeito de grande valia o trabalho de Thorsten Koch, Der Grundrechtsschutz des Drittbetroffenen: zur Rekonstruktion der Grundrechte als Abwehrrechte. Tübingen: Mohr Siebeck, 2000, especialmente p. 305 e ss. 60 YARZA. Medio ambiente y derechos fundamentales. p. 113. 61 Sobre o tema, Fernando Simón Yarza afirma: “(…) hay que apuntar que la decisión judicial que ha llevado más al extremo la idea de ‘corresponsabilidad estatal’ fue la adoptada por el Tribunal Administrativo de Henssen (Kassel) el 06.11.1989, sobre los riesgos de la ingeniería genética” (YARZA. Medio ambiente y derechos fundamentales. p. 117-119).

62 Conf., TSAI, Tzung-Jen. Die verfassungsrechtliche Umweltschutzpflicht des Staates: zugleich ein Beitrag zur Umweltschutzklausel des Art. 20 a GG. Berlin: Duncker und Humblot, 1996, notadamente p. 112 e ss., e p. 204 e ss. Observe-se que o dever de proteção foi desenvolvido com apuro, a doutrina legal ampliou seu conteúdo para as situações de perigo e riscos previsíveis e imprevisíveis assegurando que o Estado não só está obrigado a neutralizá-los, bem como e evitar tais situações. No direito pretoriano é o caso da Decisão citada na nota supra (59) pelo Hessische Verwaltungsgerichtshof (8. Senat), processo 8 TH 685/89, Parlamentsvorbehalt für Errichtung und Betrieb gentechnischer Anlagen, sobre a necessidade de obter licença para o desenvolvimento de atividades experimentais da manipulação genética, quando não havia nenhum regulamento sobre essas técnicas. O Tribunal considerou que, dado que no inquérito de inovadores materiais básicos, tais como a energia nuclear, a tecnologia espacial, a biologia e, em particular, a tecnologia genética movendo-se em outras dimensões e outros níveis qualitativos, e dada a falta de certeza dos resultados, deve esperar-se que o legislador decida acerca atividade, sem que se possa desenvolver a mesma no período de ausência de regulação. A decisão pode ser consultada online no site do Tribunal, direcionado: [www.lareda.hessenrecht.hessen.de/jportal/portal/t/14cx/page/bslaredaprod.psml?pid=dokumentanzeige&showdoccas 63 KRELL. Comentário ao art. 225, caput. p. 2083. 64 Sobre o tema da proibição de retrocesso em matéria ambiental ver, por todos: MOLINARO, Carlos Alberto. Direito ambiental: proibição de retrocesso. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. 65 Sobre o tema, no direito pátrio, ver, por todos: SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Estado socioambiental e mínimo existencial (ecológico?): algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 11-38. 66 SARLET; FENSTERSEIFER. Breves considerações sobre os deveres de proteção do Estado e a garantia da proibição de retrocesso em matéria ambiental. p. 46. 67 KLOEPFER. A caminho do Estado Ambiental? A transformação do sistema político e econômico da República Federal da Alemanha através da proteção ambiental especialmente desde a perspectiva da ciência jurídica. p. 50-53. 68 Essa definição de Estado Socioambiental e Democrático de Direito é bem desenvolvida em: MOLINARO. Direito ambiental: proibição de retrocesso. p. 104-109. 69 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. O problema do controle judicial das omissões estatais lesivas ao meio ambiente. RDA, vol. 4, n. 15, p. 61, São Paulo, jul.-set. 1999.

Página 24

Os deveres de proteção do Estado em matéria ambiental e o controle judicial de proteção insuficiente

70 FAGUNDES, M. Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 129. 71 MIRRA. O problema do controle judicial das omissões estatais lesivas ao meio ambiente. p. 71. 72 ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 7. ed. Trad. J. Baptista Machado. Lisboa: Fundação Caloustre Gulbenkian, 1996. p. 219-220. 73 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia e a efetividade de direitos fundamentais, controle judicial de políticas públicas e separação de Poderes – Anotações ao AgRg no AgIn 708.667 do STF. RT 921/478, São Paulo, jul. 2012. 74 SARLET; FENSTERSEIFER. Direito constitucional ambiental. p. 345. 75 SARLET; FENSTERSEIFER. Breves considerações sobre os deveres de proteção do Estado e a garantia da proibição de retrocesso em matéria ambiental. p. 49-50. 76 SARLET; FENSTERSEIFER. Breves considerações sobre os deveres de proteção do Estado e a garantia da proibição de retrocesso em matéria ambiental. p. 50. 77 BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Thesis, vol. 5, n. 1, p. 30, Rio de Janeiro, 2012. 78 STEINMETZ, Wilson Antônio; HEIZ, Bruno Gabriel. A face prestacional do direito ao ambiente: políticas públicas e gestão ambiental. In: JOBIM, Marco Félix (org.). Inquietações jurídicas contemporâneas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 233. 79 Que é obrigar, mas, antes, ter falta ou estar necessitado de algo, também desejar, pretender. 80 BENTHAN, Jeremy. Deontology or, the science of morality: in which the harmony and co-incidence of duty and self-interest, virtue and felicity, prudence and benevolence, are explained and exemplified. London: Longman, Rees, Orme, Browne, Green, and Longman, 1834, p. 21 e ss. Este livro pode ser obtido em diversos formatos em: The Internet Archive (https://archive.org/), mais especificadamente: [https://archive.org/details/deontologyorthes01bentuoft]. 81 Cf., em particular, Joseph Raz, The Morality of Freedom, Oxford: Clarendon Press, 1979 (especialmente p. 37-52; 212-220). Também, About Morality and the Nature of Law, em: The American Journal of Jurisprudence 48 (2003) 1-15. Ainda, The authority of Law: Essays on Law and Morality. Oxford: Oxford University Press, 2002. Observe-se que para Raz, o que determina a validez das regras de direito são suas fontes jurídicas, portanto, ainda que o fenômeno jurídico, como tal, resulte de fatos sociais e estes de alguma forma vinculem conteúdos morais, tal circunstância não autoriza a incorporação da moral no direito, pois a validade da norma está indelevelmente presa a sua fonte (jurídica), e esta última não vincula um conteúdo moral. Daí a formulação da sua strong social thesis, pois a validade das normas jurídicas depende apenas de fatores empíricos, de fatos sociais, livres, portanto, de critérios de justiça ou de correção moral (The authority of Law: Essays on Law and Morality, Oxford: Oxford University Press, 2002, p. 39-40; também 228 e ss.). 82 Cf., [www.cic.gva.es/images/stories/declaracion_de_valencia.pdf] (acesso em: 23.02.2007). 83 O adjetivo antrópico é qualificador da ação do homem relativamente às transformações por ele provocadas no ambiente. 84 As emissões de gases de efeito estufa, v.g., dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), e óxido nitroso (N2O), além dos clorados e fluorados dos hidrocarbonetos (CFC), produzem significativo mudança climática, o que tem gerado uma imensa dívida ambiental, a denominada dívida do carbono. Esta dívida que deveria ser paga pelos que mais contaminam, passa a ser através da “razão astuta” um ótimo negócio; aliás, desde os anos setenta uma “razão astuta” tem sido sustentada teoricamente pelos seguidores do movimento do Law and Economics, na denominada escola de análise econômica do direito, na esteira de Ronald Coase, Guido Calabresi, Richard A.

Página 25

Os deveres de proteção do Estado em matéria ambiental e o controle judicial de proteção insuficiente

Posner, Kenneth Arrow entre outros. Atente-se que os juristas imbricados aos postulados do Law and Economics acreditam que a análise econômica, seja instrumental e funcional, perseguindo uma evolução formal do direito. Mas, na verdade, esta teoria se associa a uma versão pragmatista do direito com forte acento na crença de um direito flexível e intuitivo. Contudo, a análise econômica do direito, suportada num determinismo de tipo científico, aponta soluções ambivalentes e indeterminadas mais próximas dos interesses crematíscos da economia moderna. Certamente, estamos gerando uma dívida ecológica para com as gerações futuras que, evidentemente, não vamos poder pagar; vale dizer, estamos vivendo do “crédito ecológico”, com a tranquilidade de saber que nunca vamos quitar essa dívida, sequer os seus “juros”.

Página 26

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.