Os empresários da sub-região de Aveiro, 1864-1931

August 5, 2017 | Autor: M. Ferreira Rodri... | Categoria: Entrepreneurship, Economic and Social History, História de Portugal, História Local (Aveiro)
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ATAS I CONGRESSO DE HISTÓRIA CONTEMPORANEA

Coordenação Maria Fernanda Rollo (IHC, FCSH-UNL) Maria Manuela Tavares Ribeiro (CEIS20, UC) Ana Paula Pires (IHC, FCSH-UNL) João Paulo Avelãs Nunes (CEIS20, UC)

Actas!I!Congresso!de!História!Contemporânea! !

! Ficha&técnica! ! ! ORGANIZAÇÃO!

Rede de História Contemporânea Instituto de História Contemporânea Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa –IHC Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra CEIS20 !COORDENAÇÃO!GERAL!DA!OBRA!

Maria Fernanda Rollo

Revisão e Design: Cristina Luisa Sizifredo

ISBN: 978-989-98388-0-2 ! ! !

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! Comissão'científica! António Matos Ferreira, CEHR, Universidade Católica Portuguesa António Pedro Pita, CEIS20, Universidade de Coimbra António Pedro Vicente, IHC e FCSH da Universidade Nova de Lisboa António Ventura, FL da Universidade de Lisboa Carlos Cordeiro, Universidade dos Açores Fátima Nunes, CEHFCi e Universidade de Évora Fernando Catroga, FL da Universidade de Coimbra Fernando Rosas, IHC e FCSH da Universidade Nova de Lisboa Gaspar Martins Pereira, FL da Universidade do Porto Helder Adegar Fonseca, Universidade de Évora Joaquim Romero Magalhães, FE da Universidade de Coimbra Jorge Alves, FL da Universidade do Porto José Viriato Capela, Universidade do Minho Luís Reis Torgal, CEIS20, Universidade de Coimbra Magda Pinheiro, CEHCP do Instituto Universitário de Lisboa Maria Fernanda Rollo, IHC e FCSH da Universidade Nova de Lisboa Maria Manuela Tavares Ribeiro, CEIS20 e FL da Universidade de Coimbra Miriam Halpern Pereira, Instituto Universitário de Lisboa Norberto Cunha, Universidade do Minho Nuno Valério, ISEG, Universidade Técnica de Lisboa

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Os empresários da sub-região da ria de Aveiro, 1864-1931 Manuel Ferreira Rodrigues Universidade de Aveiro e CEIS20

Introdução Entre meados do século XIX e o início dos anos 30, o território que compreende o somatório das áreas geográficas de oito municípios do litoral centro-norte – Vagos, Ílhavo, Águeda, Aveiro, Murtosa, Estarreja, Albergaria-a-Velha e Ovar – viu nascer um significativo número de empresas em vários ramos de atividade. Com efeito, foram então registadas notarialmente 906 sociedades de natureza jurídica diversa, embora uma parte da atividade económica regional continuasse a fazer-se de modo informal, como a produção e venda de sal e quase toda a exploração agrícola e pecuária. Mesmo noutros setores, muitos negócios não eram regulados por contrato notarial. Num primeiro estudo – Empresas e Empresários das Indústrias Transformadoras da Sub-Região da Ria de Aveiro, 1864-1931 (2010) –, analisei sumariamente o conjunto de dados reunidos sobre os dirigentes das empresas, desprezando um apreciável volume de informações que não foi possível tratar. Este texto é, pois, construído com o recurso a uma parte dessa mole documental. Tentei entrever, nesses testemunhos, as funções capitalista, empresarial e de gestão desse empresariado moderno em formação. Primeiro, procurei atender às caraterísticas formais da participação desses indivíduos nas sociedades em que se envolveram – profissão declarada (ainda que muitas vezes seja ocultada pelo título de «proprietário»), capital investido, denominações e características dos cargos assumidos, remunerações, etc. –, dando atenção, depois, sempre que foi possível, tanto às informações disponíveis sobre as empresas que fundaram e dirigiram, como aos percursos biográficos desse grupo numeroso e heterogéneo, às suas origens familiares, à educação, aos círculos sociabilitários em que se moviam, ao casamento, às suas relações com os poderes central e municipal, à sua participação política e associativa, destacando os elementos recorrentes, sem esquecer os excecionais. Ao longo do período estudado, é possível ver como evoluiu a divisão de pelouros e a mão visível dos negócios desta região que tem na ria de Aveiro, até à chegada do comboio, em 1864, e na Linha do Norte, depois, os principais eixos estruturadores da

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maioria das atividades económicas. A delimitação desse espaço foi determinada pela rede de fluxos económicos, expressa pelo conjunto dos atos e contratos notariais inventariados. Como mostrei no estudo indicado, os empresários – especialmente os das indústrias transformadoras – adquirem uma surpreendente visibilidade social, a partir do final do século XIX, mas esse fenómeno é mais evidente após a I Guerra Mundial, quando o grupo se alarga e se diversifica, integrando alguns estratos sociais que, até então, se tinham mantido alheados do mundo dos negócios. Algumas atividades, como a construção civil e a construção naval, em que foi mais lenta a emergência do empresário e da empresa moderna, após 1918 registam um notável incremento de empresarialidade (RODRIGUES, 2001). Nesses anos, aumenta o interesse pelo investimento em determinadas atividades, como a cerâmica de construção, a moagem e a pesca do bacalhau, e assiste-se a fenómenos de enriquecimento e de acentuada mobilidade social. Por fim, importa realçar que as atividades recenseadas definem as bases duma especialização regional, assente na proximidade das matérias primas e num saber-fazer acumulado ao longo de décadas. Assim, é possível situar as cerâmicas especialmente em Aveiro e Ovar, a serralharia e as ferragens em Águeda, os lacticínios, os curtumes e os móveis metálicos em Estarreja, a pesca, seca e salga do bacalhau e a construção naval na Gafanha, a porcelana na Vista Alegre, a torrefação de chicória em Eixo, a tanoaria e a cordoaria em Ovar e em Esmoriz, o papel, a celulose e a fundição em Albergaria-a-Velha.

O que é um empresário, neste espaço geoistórico? À partida, um estudo como este enfrenta dois desafios de natureza teórica, a saber: 1. o que é um empresário, no espaço geoistórico considerado? 2. que metodologia adotar para a consecução dos propósitos enunciados? A resposta à primeira pergunta é decisiva, na medida em que permite delimitar o universo estudado e, de algum modo, cria condições de resposta à segunda que, por sua vez, precisa os termos da resposta à pergunta inicial. A primeira dificuldade decorre do facto de o empresário ser uma função e não uma pessoa, ou melhor, o empresário «refere-se a um conceito e não a um qualquer elemento da realidade», como salienta Manuel Lisboa (2002:288-289), na senda de Schumpeter. Uma pessoa pode acumular as três funções – empresário, capitalista e

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gestor –, mas o empresário schumpeteriano define-se pela liderança, pela sua capacidade de inovar. Ora, o estado em que se encontra este trabalho não permite identificar facilmente essas funções nos dirigentes das empresas recenseadas, como é difícil saber quando estamos perante respostas adaptativas e respostas criativas. Para isso, é necessário que o estudo dos empresários (nível de análise micro) não seja desligado do estudo das suas empresas (nível de análise meso) e do contexto em que atuaram (nível de análise macro), como se infere da reflexão teórica de Anabela Dinis e Ana Maria Ussman (2006), que salientam ser cada vez mais frequente o estudo multidimensional destes fenómenos e das suas interações. Dentre os 2937 indivíduos que se envolveram na fundação das sociedades recenseadas (distribuídos por 104 profissões), tomei como empresários todos os que assumiram cargos de direção, no momento da fundação dessas sociedades, até porque a maioria reúne geralmente as três funções referidas. As informações da imprensa local, independentemente da sua orientação ideológica, permitiu, em muitos casos, perceber melhor os seus perfis biográficos, esclarecendo aspetos que os documentos notariais naturalmente omitem. Nas sociedades por quotas de responsabilidade limitada, saber o que é um empresário parece ser mais simples, pois o perfil é mais preciso, mas nas sociedades em nome coletivo, esse perfil varia muito de atividade para atividade, ao longo do período considerado, embora a I Guerra Mundial também tenha provocado alterações profundas neste domínio. A tarefa de melhor conhecer esses dirigentes tornou-se um pouco mais fácil sempre que foi possível aceder a arquivos de empresa ou, até, a arquivos privados. Esta verificação põe em relevo a importância de estudos de natureza biográfica, para podermos construir uma visão prosopográfica do grupo, e, desse modo, podermos ver a verdadeira dimensão dos casos excecionais. Como referem Verboven, Carlier & Dumolyn (2007:40-41), «a prosopografia, a biografia e a genealogia são disciplinas complementares». Mas o reduzido número de arquivos empresariais e pessoais e o caráter fragmentário das restantes fontes põem a nu alguns dos limites e dos perigos da ilusão prosopográfica assinalados, já em 1971, por Lawrence Stone (2011). Se não quisermos perder «a complexidade das relações que ligam um indivíduo a uma sociedade determinada», não podemos esquecer outros tipos de fontes, «de modo a permitir-nos encontrar o mesmo indivíduo ou grupos de indivíduos em contextos sociais diversos»

(GINZBURG,

1991:173).

Assim,

importa

pesquisar

os

acervos

administrativos (documentação municipal e distrital), fiscais (matrizes, arrolamentos,

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décimas, balanços patrimoniais para efeitos fiscais), judiciais (inventários obrigatórios e de maiores, falências), políticos (recenseamentos, listas partidárias, etc.) e prediais, entre outros, para depois regressarmos aos fundos notariais para o inventário das aquisições de propriedades, os arrendamentos, empréstimos, etc.).

Forte representatividade das indústrias transformadoras Porque a sua especificidade exige um tratamento autónomo, não considerei as 180 sociedades que exploravam as xávegas: 106 de Ovar; 26 de Ílhavo; 23 de Aveiro; 18 da Murtosa; 4 de Vagos e 3 de Estarreja. Nesses contratos para a pesca costeira, os «senhorios» tinham extração social diversa; tanto podiam ser elementos da equipagem, especialmente os arrais, como gente sem relação com o mar, mas predominavam os negociantes de pescado e os proprietários de bovinos para o arrasto das redes, geralmente referidos como «negociantes» e «proprietários». Os empresários surgem apenas com a introdução da pesca a vapor, durante a I Guerra Mundial. Nas restantes atividades do setor primário, inventariei apenas 6 sociedades de escassa importância económica: cultura de cereais: 1; plantação de árvores: 1; minérios de ferro: 1; minérios de cobre: 3. Por essa razão, pode-se afirmar que os documentos notariais (e a imprensa local) permitem identificar os maiores investidores e os principais chefes de empresa das indústrias transformadoras e do comércio, mas pouca valia têm para identificação da «burguesia agrária» deste período. De facto, a maioria das sociedades arroladas diz respeito às indústrias transformadoras – 475, das quais, 157, em Aveiro, e 126, em Ovar. O menor número de sociedades registadas no comércio (245) fica a dever-se, certamente, a uma maior informalidade dos contratos estabelecidos neste setor, onde dominavam as empresas familiares. De qualquer modo, importa salientar que um número apreciável de «comerciantes» e de «negociantes» participa nas atividades industriais, especialmente a partir da I Guerra Mundial. Como se pode ver nos valores do Quadro 1, o número de sociedades e empresas em nome individual das indústrias transformadoras cresce de forma clara na década da Grande Guerra, registando uma pequena redução no decénio seguinte. Mas é evidente que, de 1911 a 1931, o número de empresas criadas representa 68% do total. Ainda que em menor número, a evolução das sociedades criadas (com registo notarial) para a exploração dos diversos ramos do comércio é muito idêntica à das indústrias transformadoras. Se analisarmos a evolução do número de empresas em

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atividade, ano a ano, veremos que esse movimento ascendente revela um pequeno «surto industrial», nos dois decénios referidos, registando um abrandamento a partir de 1924. Note-se que, em 1911, estavam em atividade apenas uma centena de unidades industriais, de natureza variada, em toda esta sub-região, mas, em 1924, esse número ultrapassa as 250 (RODRIGUES, 2010:596).

Quadro 1: Evolução do número de sociedades criadas, 1864-1931

Antes 1864

1871 1881

1891

1901

1911

1921 Soma

1870

1880 1890

1900

1910

1920

1931

27

72

178

145

5

6

13

29

475

1,05% 1,26% 2,74% 6,11% 5,68% 15,16 37,26 30,74 %

%

%

Escassa especialização e hesitações terminológicas Dentre os ramos de atividade de maior relevância económica, contam-se as seguintes: • indústrias alimentares (secagem e salga de bacalhau, conservas, laticínios, moagem de cereais e torrefação de chicória); • indústrias da madeira (serração, carpintaria, construção naval, tanoaria e pasta de papel); • as indústrias cerâmicas e vidro (porcelana, louça doméstica, cerâmica de construção e abrasivos); • indústrias metalúrgicas (ferragens, fundição e mobiliário metálico). Predominam as indústrias alimentares (185 sociedades: 39%), as indústrias da madeira (89 sociedades: 18,7%) e as indústrias cerâmicas e vidro (45 sociedades: 9,5%). !

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No conjunto, os três grupos representam quase 70% das 475 sociedades. Esta produção, esmagadoramente dependente de matérias primas (e de mercados) locais, dita a estrutura do comércio local. Só a preparação do bacalhau exigia a procura distante de matéria prima. O comércio grossista, maioritariamente com sede em Ovar, tem, no negócio de cereais e de produtos hortícolas (39 sociedades), vinho (39 sociedades), madeiras (15 sociedades), caulinos (8) e carne de bovinos, os ramos mais lucrativos. O êxito meteórico da torrefação da chicória chega a determinar alterações na utilização dos campos e dos preços da mão de obra feminina. Mas por num período muito breve. Uma das maiores dificuldades sentidas no estudo económico e social do espaço geoistórico considerado reside na escassa especialização de quase todas as atividades. A sazonalidade de muitos ramos do setor primário determinava a sazonalidade das atividades industriais e comerciais afins. O comércio de «porta aberta» ainda era reduzido: dominava o pequeno retalho, que se fazia predominantemente em feiras e mercados. As fábricas vendiam diretamente ao consumidor. Era frequente um trabalhador ter várias ocupações ao longo do ano e em espaços geográficos diferentes. O mesmo se passava em algumas empresas industriais de maiores dimensões. As empresas de cerâmica doméstica e decorativa tiveram de produzir azulejos de revestimento para poderem sobreviver. As empresas da pesca do bacalhau usavam os navios para o comércio marítimo durante uma parte do ano e, algumas, dedicavam-se também à construção naval. Parece haver uma relação estreita entre essas características e a natureza jurídica das sociedades. E como se pode ver no Quadro 2, que se reporta apenas às indústrias transformadoras, o número de sociedades por quotas e de sociedades anónimas – onde a especialização é maior – representa apenas perto dum terço do total. A paisagem industrial ainda era dominada pela oficina.

Quadro 2:Natureza jurídica das sociedades e empresas em nome individual 1864-1931

Designação jurídica das atividades

ENI SCI SNC SQR SAR Soma L

Indústrias extrativas Indústrias alimentares

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1

56

3

63

L





1

54

4

184

117!

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Indústria têxtil

4

2

14





21

Indústria do couro





5

4

1

10

13



50

22

1

87

Indústrias de pasta e de papel

8

3

13

4

3

34

Fabricação de produtos químicos

8



4

5

1

18

Vidro, cerâmica e abrasivos

11

9

19

14

1

45

Indústria metalúrgicas

36



14

20



72

2



1





4

Total

138

20

183 123

11

475

Percentagem

29,1 4,2 38,5 25,9 2,3

100

Indústria da madeira

Fabricação de mobiliário metálico

Legenda: ENI – Empresa em Nome Individual; SCI – Sociedade de Capital e Indústria; SNC – Sociedade em Nome Coletivo; SQRL – Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada; SARL – Sociedade Anónima de Responsabilidade Limitada.

A falta de especialização nota-se igualmente nas designações e descrições dos pelouros e cargos de direção: contei cerca de 700 «gerentes», mas a palavra «gerência» adjetivada surge em número também elevado: «gerência administrativa», «gerência comercial», «gerência técnica», «gerência geral da sociedade», etc. Algumas empresas chegam a ter mais do que um «gerente». O «gerente» torna-se dominante nos anos 1920, mas as suas funções variam de forma extraordinária, nas descrições notariais. Com a palavra «administrador» surgem 25 variantes: «administração e gerência», «administração

e

caixa»,

«administração

e

escrituração»,

«administração

e

fiscalização», etc. Mas há, também, os «diretores», com diversas variantes («diretor delegado», «diretor gerente», «diretor técnico», «diretor comercial», etc.), e os «caixas», os «caixas gerentes» e os «guarda-livros». Certamente porque a oferta privada era limitada, desde o início do século XX que a Associação Comercial de Aveiro pressiona o Governo para a criação dum curso de comércio. Em 1914, é criado o Curso Elementar de Comércio, na Escola de Desenho Industrial, fundada em 1893, que passa a denominar-se Escola Industrial e Comercial de Aveiro, em 1924 (RODRIGUES, 1996: 9).

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Quatro grupos de empresários Este empresariado compreende basicamente quatro grupos, embora as fronteiras

sejam fluidas: 1. os artífices que se tornam industriais; 2. os que dão continuidade aos negócios da família; 3. os que mudam de profissão ou mantêm mais que uma atividade; 4. os «negociantes» e «comerciantes». Do primeiro grupo fazem parte homens como os serralheiros de Águeda, Joaquim Valente de Almeida e Francisco Rodrigues Canário (RODRIGUES, 2004); o serralheiro Augusto Martins Pereira, fundador da Metalurgia ALBA, que trabalhou em Lisboa e nos EUA; os pintores cerâmicos Manuel Pedro da Conceição e João Aleluia; o serralheiro Adelino Dias Costa, fundador da empresa de mobiliário metálico ADICO (1923). São todos sócios das empresas que fundaram, com quotas de valor inicial reduzido. Diferentemente, o ceramista João Pereira Campos tornou-se empresário depois de sair da Escola de Desenho Industrial de Aveiro. António de Brito Pereira de Resende, que fundou a primeira fábrica portuguesa de abrasivos depois de regressar do Brasil, teve de se associar a dois «negociantes» para obter financiamento. São exemplos locais de self-made men. O maior número de empresários do segundo grupo verifica-se no comércio. Nas indústrias estacam-se Domingos e Duarte Ferreira Pinto Basto, da família Vista Alegre, e Domingos Pereira Campos, o mais importante empresário de cerâmica de construção da região. No terceiro grupo é muito heterogéneo: o mestre de obras Manuel Homem Cristo tornou-se industrial de moagem; o médico Amadeu Tavares da Silva, ligado à indústria cerâmica, é fundador da empresa de conservas Salineira, Lda.; o médico José Maria Soares, fundador duma importante empresa de moagens, em Ovar; o major Carlos Gomes Teixeira fundou uma importante empresa cerâmica, em Aveiro. Diferentes são os casos de António Henriques Máximo Júnior e Egas Salgueiro. O primeiro, filho dum negociante ligado ao comércio marítimo, investe na pesca do bacalhau, na cerâmica, na construção naval, no comércio de cereais, na moagem, nas conservas e na banca: é um dos fundadores do Banco Regional de Aveiro (1920-1967). O segundo, filho dum importante prestamista, é um dos primeiros gestores modernos, um líder desta região; dirigiu uma empresa de moagem, o Banco Regional de Aveiro, mas ganhou notoriedade

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na pesca do bacalhau. O quarto grupo, o dos negociantes, comerciantes, «proprietários» e «brasileiros», como o Visconde de Salreu, ou os irmãos Oliveira Santos, é o mais numeroso. Reúnem com frequência as três funções. Avultam nomes como os do negociante Albino Pinto Miranda, António Soares Pinto, da Fábrica de Moagens de Ovar, Carlos Melo Guimarães da Fábrica de Louça da Fonte Nova, os irmãos António e João Maria Ferreira, padeiros e negociantes que vieram a tornar-se empresários da Fábrica de Lixa Luzostela. Foi este grupo que mais arriscou. No conjunto, dos 2937 indivíduos que integraram as sociedades recenseadas, 876 (29,83%) participaram em duas ou mais sociedades, como mostro no Quadro 3. Pertenciam, esmagadoramente a este grupo, mas também há industriais que reinvestem no mesmo ramo de negócio. Quadro 3: Número de participações nas diversas sociedades

Participações N.º

%

Participaçõe

N.º

%

s Com 1

2061 70,14

Com 6

2061

0,47

Com 2

494

16,82

Com 7

494

0,54

Com 3

183

6,23

Com 8

183

0,30

Com 4

94

3,20

Com 9

94

0,10

Com 5

52

1,77

Com 10

52

0,27

Concluindo Estamos perante um grupo muito numeroso e heterogéneo que se destaca numa paisagem empresarial masculina, marcada oficinas que não chegaram a ser fábricas, pelo negócio não especializado. Predominava a pequena empresa, sem capital, nem equipamento técnico moderno, amarrada às contingências da empresa familiar. Mesmo nas sociedades por quotas, as estratégias familiares são decisivas. Neste ambiente, não há espaço para o empresário. Mesmo assim, a produção e as trocas visavam geralmente um mercado de proximidade. Exportava-se apenas conservas, pasta de papel, minério, madeira, cortiça e citrinos. Alguns produtos, como a porcelana, a faiança fina, os azulejos decorativos e de revestimento, os ovos moles, a lixa, algum fogo de artifício e, fugazmente, sal empacotado, seguiam pontualmente para Espanha, Brasil e mercados

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coloniais. Havia mão de obra estrangeira em algumas destas atividades, mas apenas numa empresa, a Companhia de Curtumes de Antuã, SARL (1922), um estrangeiro – o engenheiro espanhol Juan de Guinea – assume cargos de direção. A I Guerra Mundial introduz mudanças significativas, mas ainda se estava longe do moderno capitalismo de ações. A modernidade empresarial é, aqui, assinalada pelas sociedades por quotas, responsáveis pelos principais avanços desta industrialização incipiente, distante do modelo clássico. Mesmo assim, estes empresários, com os seus produtos e serviços, são decisivos para uma alteração profunda dos estilos de vida, para a construção duma ideia de urbanidade que a cidade do século XIX desconhecia. Este aspeto põe em relevo a dimensão integradora do modelo de Parsons e Smelser (Lisboa, 2002: 298-299) sobre o papel da empresarialidade no desenvolvimento económico. Bibliografia

DINIS, A., & USSMAN, A. M. (2006), “Empresarialidade e empresário: revisão dliteratura”.Comportamento Organizacional e Gestão. 12(1), p. 95-114. Disponível em http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/cog/v12n1/v12n1a06.pdf GINZBURG, C. (1991), A micro-história e outros ensaios, Lisboa, Difel. LISBOA, M. (2002), A indústria portuguesa e os seus dirigentes, Lisboa, EDUCA. RODRIGUES, M. F. (2010), Empresas e empresários das indústrias transformadoras na sub-região da Ria de Aveiro, 1864-1931, Lisboa, FCT e FCG. RODRIGUES, M. F. (1996), “As elites locais e a Escola Industrial e Comercial de Aveiro, 1893-1924”. Boletim Municipal de Aveiro. 28, p. 9-46. RODRIGUES, M. F. (2001), “A lenta emergência da empresa e do empresário na construção naval, em Aveiro e Ílhavo, no início do século XX”. XXI Encontro da Associação Portuguesa de História Económica e Social, Braga. RODRIGUES, M. F. (2004), “A indústria de ferragens de Águeda. Contributo para o seu estudo histórico”. Revista do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX. 4, p. 391-410. STONE, L. (2011), “Prosopography”. Revista de Sociologia e Política, 19(39), p. 115137. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010444782011000200009&script=sci_arttext&tl ng=es VERBOVEN, K., CARLIER, M., DUMOLYN, J. (2007), “A short manual to the art of

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Disponível

em

http://prosopography.modhist.ox.ac.uk/images/01%20Verboven%20pdf.pdf Os textos da Internet estavam disponíveis em 30 de junho de 2012.

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