[Os] Fundamentos do Sistema Stanislávski e [a] Filosofia e Prática [do] Yoga (Partes 1 e 2) - Sergei Tcherkasski

September 1, 2017 | Autor: Laédio José Martins | Categoria: Teatro, Stanislavski System, Stanislavski, Stanislávski; Teatro; Ações Físicas, Stanislavskij, Stanislávski
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TCHERKASSKI, Sergei. Fundamentals of the Stanislavsky System

and Yoga Philosophy and Practice. Stanislavski Studies 1, February, 2012. Traduzido para fins didáticos por Laédio José Martins (Dez. 2014/Jan. 2015). Disponível em: http://stanislavskistudies.org/wp-content/uploads/Sergei_Tcherkasski_Stanislavski_studies_1.pdf

Este artigo foi escrito em 2009 e seu conteúdo foi ampliado e convertido em livro em 2013. O livro ganhou uma versão em Inglês no ano de 2016. Para saber mais visite https://www.routledge.com/Stanislavsky-andYoga/Tcherkasski/p/book/9781138954083

[Os] Fundamentos do Sistema Stanislávski e [a] Filosofia e Prática [do] Yoga – Sergei Tcherkasski Uma versão anterior deste artigo foi originalmente publicada na revista Problemas Teatrais [Voprosi Teatra], em 2009. Para a presente publicação uma série de ajustes foram feitos ao texto original.

Em 1930, Stanislávski escreveu sobre seu quase terminado livro O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo [An Actor's Work on Himself] em uma carta a L.Y. Gurevich, [datada] de 23 de dezembro: “Na minha opinião, o principal perigo neste livro é “criação da vida do espírito humano” (é proibido falar sobre o espírito). Outro perigo é subconsciente, emanação, imanação, a palavra alma. E se eles banirem o livro por causa disso?”1 Stanislávski tinha um motivo para estar temeroso. No final de 1920 começou o processo de converter à força o Teatro de Arte de Moscou num teatro modelo, um elemento da imagem oficial de total prosperidade; ideólogos de Stalin estavam criando “a torre do realismo socialista” [por] fora do Teatro de Arte [de Moscou]. Todo um comitê foi reunido a fim de ler o livro de Stanislávski: o manuscrito deveria ser limpo de tudo que não correspondesse às exigências da filosofia materialista, do materialismo dialético.

1

Stanislávski C. S. Obras Completas [Sobraniye sochinenij]. Em 8 vol. Moscou, 1961. V.8. P. 277-278.

Stanislávski foi forçado à autocensura. Por exemplo, tornou-se necessário livrar-se de memória “afetiva”. “Agora este termo tem sido rejeitado e não é substituído por um novo”, diz o autor do Sistema em O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo e exclama quase relutantemente, “Mas nós ainda precisamos de alguma palavra para definí-la”.2 Assim, memória “afetiva” tornase memória “emocional”. Em seus cadernos de anotações [notebooks] Stanislávski até mesmo encontra “tradução” para sua principal definição do objetivo

da

arte

dramática

sem

usar

a

palavra

“espírito”,

comprometida/colocada em risco [jeopardized] pela censura: “Ao invés de “criação da vida do espírito humano” – “criação do mundo interior das pessoas que atuam sobre o palco e transmitem a ideia deste mundo através da forma artística”.3 Tais ajustes [compromises] feitos por Stanislávski numa tentativa de transmitir/entregar [to deliver] seus pensamentos mais importantes e ainda obter a aprovação dos censores podem ser encontrados em abundância. Ao mesmo tempo, um oficial responsável do Comitê Central do Partido Comunista de toda a Rússia, A. I. Angarov, educada, mas insistentemente, “instrui” o autor do Sistema: “Quanto mais eu leio suas obras publicadas e [seus] manuscritos, mais eu chego à conclusão de que por “intuição” você quer dizer instinto artístico... Termos vagos tais como “intuição”, “subconsciente” devem ser explicados, seu conteúdo realista deve ser exibido, as pessoas devem dizer o que esse instinto artístico significa precisamente, como ele é expressado. Esta é uma das tarefas daqueles que exploram os aspectos da arte teoricamente”,4 explica Angarov para o criador da ciência dedicada à natureza da atuação. Stanislávski agradece humildemente A. I. Angarov pelo conselho “amigável” o qual ele tenta seguir (ver sua carta de 11 de Fevereiro de 1937): “Prevendo que durante nossa reunião você irá dar-me explicações detalhadas sobre intuição, eu cortei esta palavra dos livros da primeira edição.

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Stanislávski C. S. Obras Completas [Sobraniye sochinenij]. Em 9 vol. Moscou, 1989. V.2. P. 164. 3 Stanislávski. C. S. Dos Cadernos de Anotações [Iz zapisnyh knizhek]. Em 2 Vol. Moscou, 1986. V. 2. P. 323. 4 Citado em Dybovskij, V. V. Preso às Circunstâncias Determinadas // Passado. Almanaque Histórico [V plenu predlagaemykh obstoyatelstv // Minuvshee. Istoricheskij almanah]. Nº 10. Moscou – S. Petersburgo, 1992. P.312-313.

[...] Eu concordo que [não] há nada de misterioso ou místico sobre o processo criativo e nós devemos falar sobre isso”.5 Foi no final de 1920 que todas ou quase todas as menções da filosofia e prática do yoga começaram a desaparecer dos manuscritos de Stanislávski e [de suas] obras publicadas. De acordo com as crenças dos ideólogos de Stalin, o grande homem do realismo socialista no teatro não poderia ser inspirado pelos estudos místicos de eremitas Indianos. Foi assim que eles começaram a dissimular/mascarar/omitir [to conceal] uma das fontes mais importantes do Sistema. A palavra “yoga” já não existe em Minha vida na Arte [My Life In Art] (1926). Ela também não é encontrada na edição Russa de O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo[: O trabalho Sobre Si Mesmo] no Processo Criador das Vivências [An Actor's Work on Himself in the Creative Process of Experiencing], (1938). Ela irá aparecer brevemente pela primeira vez no volume 3 da coleção em 8 volumes das obras de Stanislávski (1955), embora somente no comentário explicando que “o termo ‘prana’, emprestado da filosofia dos iogues Hindus, foi substituído pelo termo mais claro e científico ‘energia muscular’ ou simplesmente ‘energia’.”6 O quarto volume das obras completas [collected works] de Stanislávski (1957), O Trabalho do Ator Sobre o Papel [An Actor’s Work on a Role], parece mais enriquecido com as provas que devem ter evitado a censura, das conexões entre o sistema de Stanislávski e [o] yoga. Referências ao yoga aparecem três vezes: enquanto é feita a declaração de que “a única aproximação ao subconsciente é através da consciência”7, e em dois exemplos vividamente iogues: sobre o trabalho oculto da aglomeração de pensamentos [cluster of thoughts], arremessada para “a sacola do subconsciente”, e sobre a criança ingênua [silly] “que, tendo plantado uma semente, puxa-a para fora a cada meia hora a fim de ver se ela criou raízes”.8 No entanto, essas referências distintas [separate references] soam mais como fragmentos particulares de contos de fadas orientais, do que uma explicação metodicamente fundamentada de empréstimos da filosofia e prática 5

Stanislávski C. S. Obras Completas [Sobraniye sochinenij]. Em 8 vol. V.8. P. 432-433. Stanislávski C. S. Obras Completas [Sobraniye sochinenij]. Em 8 vol. V.3. P. 459. 7 Stanislávski C. S. Obras Completas [Sobraniye sochinenij]. Em 8 vol. V.4. P. 156. 8 Ibid. P. 158-159. 6

do yoga. Como resultado, a importância do impacto que o conhecimento iogue sobre a natureza do homem, acumulado durante séculos, teve sobre o Sistema de Stanislávski nos estudos teatrais soviéticos foi constantemente diminuído e até mesmo omitido. V. N. Galendeyev justamente destaca: “Eles gostavam de dizer sobre Stanislávski, especialmente na[s] [década[s] de [mil novecentos e] cinquenta-sessenta, que na virada do século e durante a primeira (“decadente”) década do século vinte ele supostamente passou por uma curta e não tão profunda paixão com a filosofia de iogues Indianos e seus ensinamentos de prana – uma misteriosa substância do interior da alma [a mysterious inner soul substance], que serve para fazer a conexão entre a alma humana e o espaço (ou, se traduzirmos isto para a linguagem mais parecida à do inicial [to the early] Teatro de Arte de Moscou, a Alma do Mundo). Considerou-se que Stanislávski prontamente e com sucesso superou a influência da filosofia dos distantes Hindus e percebeu-o tudo na noção materialista de ação onde não havia lugar para qualquer tipo de ‘misticismo’”.9 No presente artigo estamos tentando provar o contrário. Em 1967, S. V. Gippius publica sua famosa coleção de exercícios A Ginástica dos Sentimentos [The Gymnastics of Feelings], baseada na prática de Stanislávski. Embora muitos dos exercícios tenham sido retirados diretamente do yoga – Gippius destaca na parte introdutória de seu livro – A Ginástica dos Sentimentos não contém qualquer análise substancial de sua influência sobre o Sistema de Stanislávski. O tom da conversa sobre o yoga como “sistema filosófico religioso e idealista” é forçosamente negativo, às vezes até mesmo condescendentemente irônico. O autor está ridicularizando o pressuposto de que o ser humano possui uma aura, e reduz prana à “cinestesia”.10 E, por exemplo, o fenômeno da “radiação” e “irradiação” Gippius, citando P. V. Simonov está equivocadamente tentando reduzir para “micromímica” [“micromimic”].11 Na segunda edição, preparada após a morte do pedagogo, em 1981, e na verdade publicada somente em 2003, os dizeres mais odiosos foram removidos, e um curto relato do yoga é dado [e] está [n]um

9

Galendeyev V. N. Investigações de Stanislávski Sobre a Palavra Cênica [Ucheniye Stanislavskogo o stzenicheskom slove]. L., 1990. P. 105. 10 Gippius S. V. Ginástica dos Sentimentos. Treinando a Psicotécnica Criativa. [Gimnastika chuvstv. Trening tvorcheskoj psihotehniki.] Leningrado- Moscou, 1967. P. 26. 11 Gippius S. V. Ibid. P. 282-283.

pequeno capítulo separado Yoga. T. Ribot. Tradições do Realismo Russo. Ele começa com a confissão de que “yoga, o antigo sistema filosófico Indiano, serviu como um estímulo para a criação de certos exercícios” 12, e além disso [o] texto contém uma série de teses iogue e exercícios com suas fontes especificadas. No entanto, mesmo aqui os leitores são informados de que, a julgar “pelas últimas notas de Stanislávski concernentes ao treinamento, seus exercícios de 1930 já estavam livres... do misticismo do yoga”13. Assim, mesmo este livro, amplamente embasado sobre o treinamento iogue [largely based on yogic training], não contém uma análise séria das conexões entre o Sistema de Stanislávski e [o] ensino [do] yoga. Isso ainda hoje não é encontrado, em minha opinião, nos estudos de teatro Russo. Embora os criadores de cada site sobre yoga – estejam orgulhosos das pessoas famosas que praticavam hatha yoga – menção, entre outros, a Stanislávski, “cujo sistema é conhecido por ser baseado no yoga”. [grifo meu – S. T.]14 Quem sabe disso? Sobre o que se baseiam? Esta afirmação é por todos os meios só uma jogada de publicidade em vez de uma reflexão do verdadeiro conhecimento acumulado na bagagem dos estudos do teatro moderno [real knowledge, accumulated by modern theatre scholarship]. [A] ausência do entendimento da inter-relação entre [o] sistema de Stanislávski e [o] ensino do yoga leva a uma sucessão de sérios problemas na pedagogia teatral. A professora L. V. Gracheva, uma aclamada expert no treinamento de atores, aponta justamente que sem o conhecimento da profunda base iogue [the knowledge of the deep yogic basis] de certos exercícios seus objetivos tornam-se simplificados, e seu conteúdo – desinteressante/insípido [vapid]. Aqui está um exemplo que ela fornece: “O exercício ‘ouvindo aos sons’ [‘listening to the sounds’] é quase sempre feito no primeiro semestre. Contudo, sua execução [its performance] é muitas vezes incompreendido: sugere-se que o ‘pobre’ aluno ouça a todos os sons na sala e fora dela, e aquele que depois conseguir nomear mais sons do que os seus 12

Gippius S. V. Treinando o Elenco. Ginástica dos Sentimentos. [Aktyorsky trening. Gimnastika chuvstv]. S. Petersburgo, 2007. P. 290 13 Ibid. P. 292. 14 No website lemos: “Não só Mahatma Gandhi e Jawaharlal Nehru ocuparam-se [do] Hatha Yoga, mas também o ex-presidente dos E. U. John Kennedy, e na União Soviética - Constantin Stanislávski e outros. O laureado acadêmico do Prêmio Nobel Ivan Pavlov também teve uma atitude positiva em relação ao yoga”.

colegas é, supostamente, mais atento. Este exercício tem raízes Zen antigas, ele nasceu a partir da meditação baseada no som e seu significado não estava na capacidade de lembrar a maior quantidade de sons, mas na máxima concentração: uma mudança de consciência, onde os sons preenchem a consciência; Não somente os sons eram escutados, mas também as distâncias entre eles. É um exercício muito difícil, exige certo grau de preparação, e nós o oferecemos para os recém-chegados [newcomers] que estão no primeiro ano de seus estudos. Naturalmente, o exercício rapidamente se transforma em um jogo um tanto chato, ele não é absorvido e, acima de tudo, não dá resultados.”15 Este e muitos outros exemplos provam que hoje, quando uma centena de anos se passaram desde o momento em que Stanislávski começou a fertilizar o sistema com ideias encontradas no yoga, é necessário examinar o que o sistema realmente deve à antiga filosofia e prática Indiana. Infelizmente, apesar de certas afirmações sobre a fundamental e duradoura [long-term] influência do yoga sobre Stanislávski [ter] começado a permear a literatura sobre o teatro há muito tempo atrás16, o domínio [the palm] na pesquisa do tema pertence a autores estrangeiros. Entre os trabalhos substanciais devemos citar os artigos de William Wegner17, Andrew White18 e capítulos dos livros de Mel Gordon19, Sharon Carnicke20 e Rose Whyman21.

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Gracheva L.V. Psicotécnica do Ator no Processo de Aprendizagem: Teoria e Prática. Tese para obtenção do Grau de Doutor em Artes. [Psihotehnika aktera v processe obucheniya: teoriya i praktika. Dissertaciya na soiskaniye uchenoj stepeni doktora iskusstvovedeniya]. S. Petersburgo, Psicotécnica do Ator 2005. P. 34-35. 16 Polyakova E. l. Stanislávski [Stanislavskij]. Moscou, 1977; Chernaya E. l. Curso de Treinamento em Respiração Fonatória e Exercícios de Fonação baseados no Oriente [Kurs treninga fonacionnogo dyhaniya i fonacii na osnove uprazhnenij Vostoka]. S. Petersburgo, 1997; Silantyeva I., Klimenko Y. O Ator e seu Alter Ego [Akter i Yego Alter Ego]. Moscou, “Graal”. 2000. O autor gostaria de expressar sua gratidão à L. D. Alferova por atrair a atenção para o último trabalho e por ler e discutir a primeira versão do presente artigo. 17 Wegner, William H. Um Círculo Criativo: Stanislávski e Yoga [A Creative Circle: Stanislavski e Yoga] // Educacional Jornal Theater, 28: 1. 1976. P. 8589. 18 White, Andrew. Stanislávski e Ramacharaka: A Influência do Yoga e a Virada do Século do Ocultismo sobre o Sistema [Stanislavsky and Ramacharaka: The Influence of Yoga and Turnof-the-Century Occultism on the System] // Investigação Teatral [Theater Survey] 47:1, Maio de 2006. P.73-88. O autor do presente estudo considera um agradável dever agradecer a Andrew White por fornecer uma cópia de seu artigo. 19 Gordon, Mel. A Técnica de Stanislávski: Rússia Nova York [The Stanislavsky Technique: Russia New York], 1987. P. 30–37. 20 Carnicke, Sharon. Stanislávski em Foco: Um Mestre da Atuação para o Século XXI [Stanislavsky in Focus: An Acting Master for the Twenty-First Century], 2ª Ed. Routledge, 2008. P. 167-184. O autor do presente trabalho também teve a oportunidade de ouvir a apresentação de Sharon Carnicke no simpósio Stanislávski na Finlândia, em Abril de 2009, onde ambos

Muitas das teses das obras de Carnicke, White e Whyman foram usadas durante o trabalho sobre este artigo. No entanto, a fonte principal é certamente o legado literário e a prática do próprio C. S. Stanislávski.

Yoga na prática de Stanislávski

Stanislávski foi introduzido ao ensino dos iogues em 1911. Este momento é registrado em detalhes na crônica de sua vida. Voltemo-nos para as memórias da atriz N. A. Smirnova sobre suas férias com a família de Stanislávski em Saint-Lunaire, no verão de 1911. Ela diz que suas conversas diárias “pelo profundo azul do mar” – durante as quais Stanislávski testava seus pensamentos sobre o sistema nos ouvintes – eram muitas vezes frequentadas por N. V. Demidov, o professor particular [tutor] do filho de Stanislávski. Não surpreendentemente, este estudante de medicina da Universidade de Moscou, que estudou medicina Tibetana em São Petersburgo na Escola Russa – Buryat de P. A. Badmayev, , médico da família do Czar 22, ouvindo a Constantin Sergeievitch “uma vez disse-lhe: ‘Por que você iria querer inventar exercícios e procurar/pesquisar [search] pelos nomes de coisas que haviam sido nomeadas há muito, muito tempo. Vou dar-lhe os livros. Leia Hatha Yoga e Raja Yoga. Isso irá lhe interessar, porque muitos de seus pensamentos coincidem com as coisas escritas lá.’ De fato, Constantin Sergueievitch se interessou e parece que esses livros fornecem prova e explicação de muitas de suas próprias descobertas na esfera da psicologia do trabalho criativo sobre o palco”.23 N. A. Smirnova está certa em suas conclusões. Ao retornar a Moscou, Stanislávski de fato adquiriu o livro de Ramacharaka, Hatha Yoga. Filosofia Iogue do Bem-Estar Físico do Homem [Hatha Yoga. Yogic Philosophy of the

apresentamos artigos. Tenho o prazer de expressar o meu apreço a ela pelas mais interessantes discussões acadêmicas que se seguiram. 21 Whyman, Rose. O Sistema de Atuação de Stanislávski: Legado e influência na performance moderna [The Stanislavsky system of acting: legacy and influence in modern performance]. Cambridge University Press, 2008. P. 78-88. 22 Grekova T. Medicina Tibetana na Rússia // Ciência e Religião [Tibetskaya medicina v Rossii// Nauka i religiya]. 1988. № 8. P.11. 23 Citado em Vinogradskaya I. N. Vida e Obra de C. S. Stanislávski. Crônicas em Quatro Volumes [Zhizn i tvorchestvo K.S. Stanislavskogo. Letopis' v chetyreh tomah]. Moscou, 2003. V. 2. P. 291-292.

Physical Well-Being of a Man], traduzido e editado por V. Singh (São Petersburgo, 1909) e o estudou minuciosamente, o que se comprova pela cópia mantida no Museu do Teatro de Arte de Moscou. Contudo, de acordo com certas fontes, Stanislávski poderia ter se familiarizado com as ideias de filósofos Indianos antes [disso]. Se confiarmos [em] A. L. Fovitzky, as técnicas iogues chamaram a atenção de Stanislávski já em 1906 quando ele usou algumas delas a fim de aumentar a concentração da atenção enquanto representava Astrov, em Tio Vânia [Uncle Vanya], durante a turnê em Hamburgo. Foi então que Stanislávski “encontrou uma dica nas práticas dos sábios da religião Budista – e desde então ele requisitou que seus atores praticassem continuamente exercícios psicofísicos como um meio de cultivar a concentração da atenção... Seguindo os ensinamentos da metafísica Oriental, seus seguidores esforçaram-se para visualizar o evasivo ‘ego’ – viver, enquanto sobre palco, a vida do espírito e tornar-se familiarizado com as estranhas fases da vida espiritual”.24 Aparentemente, na familiarização de Stanislávski com a filosofia do Hinduísmo, certo papel foi representado por L. A. Sulerjitski cujo conhecimento da espiritualidade Oriental era muito bom, em parte graças à sua familiaridade com a prática dos Dukhobors25. Depois de ler suas anotações sobre o transporte dos membros desta seita religiosa para o Canadá por dois épicos anos, Stanislávski convidou “Suler” para se tornar seu assistente. A prática meditativa dos Dukhobors, a qual ressoava com a prática Oriental, indubitavelmente influenciou Sulerjitski. Há uma opinião de que Sulerjitski introduziu Stanislávski à meditação matinal sobre os projetos vindouros do dia [upcoming projects of the day], o que era uma parte da prática Dukhobor: eles costumavam sentar-se numa posição relaxada e em seus pensamentos, passo a passo, imaginavam e visualizavam como eles iriam cumprir todas as tarefas do dia que estava prestes a acontecer.26 É claro que tal meditação não está necessariamente 24

Fovitzky, A. O Teatro de Arte de Moscou e suas Distintas Características [The Moscow Art Theatre and Its Distinguishing Characteristics]. Nova York, 1923. P. 42. 25 Dukhobors: Membros de uma seita religiosa camponesa, proeminente na Rússia do Século XVIII, que viviam principalmente no sul. Rejeitavam a autoridade tanto da Igreja (incluindo a Bíblia) quanto do Estado em favor da revelação pessoal direta. Fonte: Encyclopaedia Britannica. N.T. 26 Gordon, Mel. Ibid. P. 31-32.

ligada à prática Iogue. No entanto, é importante ressaltar descrições similares de Stanislávski da jornada mental do ator no processo de “perceber o papel”. Em O Trabalho Sobre o Papel. A Desgraça de Ter Espírito/Ai de Mim [Working on the Role. Woe from Wit] um ator imagina as circunstâncias e as tarefas de seu papel e, “sonhando com o papel”, entra na casa de Famusov, conhece as pessoas de lá e até mesmo estabelece contato com elas.27 De qualquer forma, se a evidência sobre o interesse inicial de Stanislávski no yoga é fragmentária e é em parte um palpite, o fato de que Stanislávski começou a usar [o] yoga depois de 1911 – ano em que se familiarizou com o Hatha Yoga de Ramacharaka – é incontestável. O território para a introdução da antiga prática Indiana para a educação dos atores foi o Primeiro Studio [First Studio], onde, de acordo com E.I. Polyakova, “improvisações eram alternadas com leituras do Hatha Yoga”.28 Lá este livro foi difundido [passed around] e tornou-se leitura obrigatória. Uma curiosa carta de E. B. Vartángov, que foi preservada, na qual, em Maio de 1915, ele estava pedindo aos estudantes: “Há mais um pedido. Peguem 1 rublo da bilheteria. Peguem-no em meu nome. Comprem o Hatha Yoga, de Ramacharaka. E o deem a Ekzemplyarskaia em meu nome [Vera Ekzemplyarskaia foi estudante do Primeiro Studio [First Studio] – S. T.] Ela deve ler o livro atentamente e é necessário que no verão ela faça todos os exercícios da parte sobre a respiração e sobre ‘prana’”.29 Vartángov também pede um relatório de Ekzemplyarskaia: “Quando você tiver lido Hatha Yoga, escreva-me. Por Favor”.30 [A] biografia [memoirs] de Boris Sushkevich, um participante do estúdio, sobre um dos ensaios em 1912 (neste caso ele está falando sobre o conto de Tchekhov, A Feiticeira) nos dá um retrato de como as ideias, encontradas no livro, foram realizadas na prática: “No espaço do Studio na [Rua] Tverskaya, numa sala muito pequena são construídos seis ou sete cubículos, no sentido literal da palavra, como na praia. Em cada cubículo está sentado um casal: um clérigo e uma feiticeira. Eles todos ensaiam simultaneamente e não interferem 27

Stanislávski C. S. Obras Completas [Sobraniye sochinenii]. Em 9 vol. V. 9. P. 72-85. Polyakova E.I. Teatro de Sulerjitski: Ética. Estética. Direção [Teatr Sulerzhickogo: Etika. Estetika. Rezhissura]. Moscou, 2006. P. 184. 29 Vártangov E.B. Coletânea/Coleção [Sbornik]. Moscou, 1984. P. 211. 30 Ibid. P. 212. 28

uns com os outros. É proibido falar [speak loud]. Quando o som irrompe [bursts out], está incorreto. Eles só olham um para o outro e sussurram algo... era proibido liberar até mesmo um pouco de som”.

31

Sushkevich não foi capaz de

dizê-lo (sua biografia foi publicada em 1933), mas o que ele descreveu não é nada além de um exercício iogue sobre emanação do prana. Mais liberal em suas expressões foi outra atriz do Primeiro Studio [First Studio], Vera Soloviova (1892 – 1986). Já nos Estados Unidos, ela lembrou: “Nós trabalhamos muitíssimo [a great deal] sobre a concentração. Chamava-se ‘Entrar no círculo’ [‘To get into the circle’]. Imaginávamos um círculo em torno de nós e enviávamos raios ‘prana’ de comunhão para o espaço e para os outros. Stanislávski dizia ‘envie o prana lá – Eu quero alcançar com a ponta do meu dedo – a Deus – o céu – ou, mais tarde [later on], o meu parceiro. Eu acredito na minha energia interior e eu a dou – eu a propago [I spread it] ”.32 E Michael Chekhov, que mais tarde tornou-se um seguidor da teosofia de Rudolf Steiner, reivindicou [claimed] que “a filosofia dos iogues foi percebida por mim bastante objetivamente,... sem qualquer resistência interna”. Por exemplo, Chekhov considerou a emanação como um dos dispositivos mais importantes da psicotécnica do ator. Vamos citar apenas um excerto de seus exercícios. Ele foi retirado de Sobre a Técnica da Atuação [On the Technique of Acting] e é quase idêntico às lembranças de V. Solovyova sobre o treinamento de Stanislavski no Primeiro Studio [First Studio]: “Comece emanando sua atividade a partir do seu peito, então a partir de suas mãos esticadas e, eventualmente, de todo seu ser. Envie emanações em diferentes direções...”.33 M. Chekhov deu muita atenção a tal trabalho com emanação do prana, e Beatrice Straight, sua aluna durante o período [Norte] Americano, descreveu os exercícios de Chekhov sobre a radiação como “irradiar uma aura... num sentido quase místico”.34

31

Sushkevich B.M. Sete Momentos do Trabalho Sobre o Papel [Sem momentov raboty nad rolyu]. Leningrado, 1933. P.11. 32 Gray, Paul. A Realidade do Fazer: Entrevistas com Vera Soloviova, Stella Adler e Sanford Meisner [The Reality of Doing: Interviews with Vera Soloviova, Stella Adler, and Sanford Meisner] // Munk, Erica, Org. Stanislávski e América [Stanislavski and America]. Nova York. 1964. P. 211. 33 Ibid. P. 260. 34 Citado em Hirsch, Foster. Um Método para sua Loucura: A História do Actors Studio [A Method to their Madness: The History of the Actors Studio]. Cambridge. 2002. P. 347.

Explorando a tríplice unidade [tri-unity] “consciência-corpo-alma” no estado criativo do ator, o treinamento no Primeiro Studio [First Studio] foi sobretudo dedicado aos aspectos espirituais. A primazia da orientação espiritual sobre o treinamento puramente técnico estava ligada, em primeiro lugar, com a personalidade de L. A. Sulerjitski. Não é por nada que Alexei Dikiy, um participante do estúdio observa que Sulerjitski “não era um diretor no sentido usual da palavra” e que “sua influência sobre a montagem [production] era realizada através do ‘incitamento’ espiritual [spiritual ‘prompting’]”.35 E Stanislávski lembrou que seu assistente sonhou que junto com ele iriam “criar algum tipo de ordem espiritual de atores”.36 E, quando chegar a hora de os ex-participantes do studio começarem a ensinar eles mesmos, eles irão lembra-se as lições de ‘Suler’. Por exemplo, Richard Boleslavski (1889 – 1937), que juntamente com outra participante do Primeiro Studio [First Studio], Maria Ouspenskaia (1876 – 1949), fundou o Teatro Laboratório [Norte] Americano (O Lab) [American Laboratory Theatre (The Lab)], em sua pedagogia também “sublinhou o treinamento espiritual do ator como a parte mais importante do trabalho, e... desenvolveu uma série do que ele chamou de ‘exercícios alma’ [‘soul exercises’]...”37 A própria Ouspenskaia continuou fazendo yoga por toda sua vida e tornou-se uma participante

da

Sociedade

da

Auto-Realização

[The

Self-Realization

Fellowship], fundada em 1920 pelo autor do livro Autobiografia de um Iogue [Autobiography of a Yogi], Yogananda (1893 – 1952), cujos esforços ajudaram a introduzir o yoga para muitas pessoas no mundo ocidental.38 Outro participante do [Primeiro] studio, Valentin Smyshliaev (1891 – 1936), amigo de M. Chekhov, diretor de Hamlet no Segundo Teatro de Arte de Moscou [Second MKhT] e cavaleiro templário da Ordem da Luz [knight of the templar Order of Light], também preservou o interesse no esoterismo Oriental [Oriental esoterics] ao longo de toda sua vida criativa. O autor deste artigo já teve a chance de escrever sobre o seu destino extraordinário no livro V.V. Smyshliaev, O Mestre do meu Mestre [V. V. Smyshlyaev. The Teacher of my

35

Dikij A.D. A História da Juventude do Teatro [Povest o teatralnoj yunosti]. Moscou, 1957. P. 214. 36 Stanislávski C. S. Obras Completas [Sobraniye sochinenii]. Em 9 vol. V. 1. P. 437. 37 Hirsch, Foster. Ibid. P. 63-64. 38 White. Andrew. Ibid. P.80.

Teacher], porque o meu professor Mar Vladimirovich Sulimov, professor de Direção no LGITMIK (Instituto Estatal de Teatro, Música e Cinema de Leningrado) [LGITMIK (the Leningrad State Institute of Theatre, Music and Cinematography)], estudou no Estúdio de Diretores Smyshliaev no GITIS (Instituto Estatal de Arte Teatral) [Smyshlyaev’s directors’ studio at GITIS (the State Institute of Theatre Art)].39 Em suma, a experiência de ser apresentado ao yoga no Primeiro Studio [First Studio] permaneceu com muitos participantes durante toda sua vida e, provavelmente, foi inevitavelmente passada adiante para seus alunos. Tendo entrado [Having entered] a pedagogia de Stanislávski e Sulerjitski no Primeiro Studio [First Studio], [o] yoga foi aplicado com sucesso por Stanislávski mais tarde – na prática do desenvolvimento de estudantes do Segundo Studio [Second Studio] (criado em 1916) e no Ópera Studio (criado em 1918), bem como com os atores do próprio Teatro de Arte de Moscou. Os cadernos de anotações de Stanislávski da temporada de 1919-1920 contêm uma quantidade considerável de notas sobre o uso do hatha yoga durante os estudos que eram praticados no mesmo nível com a ginástica Sueca, exercícios sobre o ritmo, ginástica de Duncan, Treinamento da fala [speech training], e liberação dos músculos. Uma diversidade de exercícios externos eram equilibrados com a estrita exigência de Stanislávski: “Nota bene40 de uma vez por todas. Cada exercício físico deve ser motivado com antecedência ou justificado por uma ação psicológica interna ou tarefa”.41 N’O Programa/Plano de Exercícios Operísticos Adicionais [In The Plan of Further Operatic Exercises] (1920, Outubro), encontramos as seguintes instruções sobre a liberação muscular: “Crie (em si) um observador inconsciente da liberdade. Na primeira sessão, deitado (hatha yoga), depois em pé”. Mais adiante algumas páginas: “Durante a liberação muscular há dois momentos: a) liberação (revocação) do prana [release (recall) of prana] e b) [o] enviá-lo [sending it]. O prana (em Hindu – ‘coração’) libera ( está sendo liberado) a fim de agir, para usar essa energia [Prana (in Hindu—‘heart’) Veja Tcherkasski S.D. Valentin Smyshlyaev – Ator, Diretor, Pedagogo [Valentin Smyshlyaev – akter, rezhisser, pedagog]. S. Petersburgo, 2004. 40 Em Italiano, no original. N. T. 41 Stanislávski C. S. Dos Cadernos de Anotações [Iz zapisnyh knizhek]. Em 2 vol. Moscou, 1986. Vol. 2. P. 209. 39

releases (is being released) in order to act, to use this energy.]. Como e para que usá-la? Primeiramente, a fim de suportar o centro de gravidade do corpo em diferentes posições; em segundo lugar, a fim de agir não só com o corpo, músculos, olhos, ouvidos, todos os cinco sentidos, mas com a alma também”.42 No entanto, de forma mais detalhada a conexão com o ioga pode ser encontrada [traced] nas notas para as aulas com os atores do Teatro de Arte de Moscou. Analisando o programa/plano [plan] da lição de Stanislávski com os atores do Teatro de Arte de Moscou de 13 de Outubro de 1919, Rose Whyman prestou atenção ao fato de que ele contém oculta uma sinopse do Hatha Yoga.43 Numa extensa citação, seguindo o estudioso britânico, vamos colocar em itálico e marcar com colchetes os paralelos entre o texto de Stanislávski e os capítulos do livro de Ramacharaka, a principal fonte de conhecimento de Stanislávski sobre a teoria e [a] prática do yoga. 44 Assim escreve Stanislávski: “Estaremos lidando com a arte da vivência/experiência [experiencing]. [...] Os elementos deste estado criativo: a) liberdade do corpo (músculos), b) concentração, c) eficiência/eficácia [effectiveness]. Estou começando com a liberação muscular. Ensino sobre [o] prana. a) Prana – a energia da vida, é retirada do ar [Capítulo XX. Energia Prânica], [dos] alimentos [Capítulo Х. Absorção do Prana dos Alimentos], [d]o sol [Capítulo ХХVII. Energia Solar], [da] água [Capítulo ХII. Irrigação do Organismo], [de] emanações humanas. b) Quando um homem morre, [o] prana vai para debaixo da terra, com os vermes, para os microorganismos [Capítulo ХVIII. Pequenas vidas do corpo], c) Eu sou eu – não [o] prana. O [eu] é que une todos os pranas em um. d) Como [o] prana entra no sangue e nervos através dos dentes, pela mastigação dos alimentos. Como a brisa, a percepção da água não fervida, [os] raios de sol. Como mastigar e respirar, a fim de absorver mais prana (mastigar os alimentos tão bem que você [os] bebe, não [os] come) [Capítulo Х. Absorção do Prana dos Alimentos]. Expire; seis batimentos cardíacos – inspire; três 42

Ibid. P. 213-214. Whyman, Rose. Ibid. P. 83. 44 A edição a que tivemos acesso – “Ramacharaka. Hatha Yoga: filosofia hindu do bem-estar físico do homem” [“Ramacharaka. Hatha Yoga: jogijskaya filosofiya fizicheskogo blagosostoyaniya cheloveka”], 2ª edição, Moscou, 2007 – às vezes contém traduções bem estranhas [quite awkward] (o nome do tradutor é desconhecido), portanto em tais casos, fornecemos referências ao recurso da web: Ramacharaka. Hatha Yoga [Recurso eletrônico] – . 43

batimentos cardíacos – segure o ar; e seis batimentos cardíacos – expire. Chegar até quinze batimentos cardíacos [...] [Capítulo ХХI. Exercícios Prânicos]. Exercícios sentado. a) Sente-se e nomeie um lugar que está tenso. b) Libere de modo que finalmente você possa mover livremente o seu pescoço etc. c) Não endureça na imobilidade. Ouça o movimento do prana. d) [O] prana se move, brilha como mercúrio, como uma cobra, da base da mão para seus dedos, do quadril até os dedos dos pés. e) O papel dos dedos do pé numa caminhada. Elevação dos quadris; o papel da coluna vertebral. Exercício: Balançar uma perna livre como um chicote a partir do quadril e simultâneamente elevar e abaixar os dedos do pé. O mesmo com as mãos, o mesmo com a coluna vertebral. f) O movimento do prana é criado, na minha opinião, através do ritmo interno [Capítulo ХХI. Exercícios Prânicos] ".45 Coincidências entre os textos são indiscutíveis e em alguns lugares são cem por cento idênticos, incluindo até mesmo a contagem numérica (seis – três – seis – quinze) sugerida para inspiração-expiração e retenção da respiração. Portanto,

apesar

de

Stanislávski

não

falar

diretamente

sobre

Pranayama, o ramo do yoga que ensina as técnicas de controle do prana, nem usar esta palavra, suas anotações revelam um estudo sério dos conceitos da prática iogue. Ele corajosamente está usando exercícios de Pranayama no intuito de afinar o estado criativo do ator e a comunicação sincera [genuine communication]. Além disso, o fascínio de Stanislávski com [o] yoga só aumenta nos primeiros anos pós-revolucionários, no período quando seus interesses de pesquisa voltaram-se para a técnica externa do ator e à exploração de conexões profundas entre o físico e [o] psíquico do ator criativo. Stanislávski estudou [o] yoga especialmente no processo de trabalho com atores-cantores no Estúdio de Ópera do [Opera Studio] do Teatro Bolshoi. Como é bem conhecido, a virada do criador do sistema em direção à ópera não foi acidental. Stanislávski foi atraído por ópera desde seus primeiros anos. Este interesse foi suprido por aulas de canto que ele tomou tanto em sua juventude [como] nos últimos anos. Sabe-se também que ele tinha um 45

Stanislávski C. S. Dos Cadernos de Anotações [Iz zapisnyh knizhek]. Em 2 vol. Moscou, 1986. Vol. 2. P. 220-221.

interesse de pesquisa nos princípios do trabalho de Chaliapin, a quem ele considerava um modelo potencial para o ator de teatro. No entanto, a realização das intenções de Stanislávski – ensinar os atores de ópera de um jeito novo – coincide com seu estudo dos princípios iogues de respiração ritmada a qual para os iogues é a chave para controlar o prana [to managing prana]. Não surpreendentemente, em 1920, na esteira de seu interesse nas conexões entre os ritmos da respiração e os processos da atenção, interação e comunicação (e, numa escala mais ampla, – o estado criativo sobre o palco), motivado [caused] por seu trabalho com cantores, Stanislávski faz anotações sobre o livro de Olga Lobanova, baseado nos princípios do yoga e intitulado Respire do Jeito Certo [Breathe in the Right Way].46 E as conversações do próprio Stanislávski no Estúdio de Ópera [Opera Studio] em 1918-1922 revelam novos paralelos entre o sistema e os princípios iogues. Eles foram registrados pela jovem cantora Concordia Antarova (1886 – 1959), que posteriormente – talvez não por acaso – estivesse destinada a empenhar-se seriamente na prática esotérica e se tornar autora do romance Duas Vidas [Two Lives], o qual foi, por si mesmo, portador da sabedoria iogue.47 Nas anotações da atenta estudante, por vezes encontramos uma história curta, atribuída a “um sábio hindu” (a comparação entre uma mente indisciplinada com os movimentos de um macaco bêbado)48, às vezes um “provérbio hindu” (uma lição, ensinada a um estudante em resposta à pergunta sobre a solução para um problema criativo e estimulado a apoiar-se no subconsciente [urging to rely upon one’s subconsciousness], então há frequentemente

o

uso

por

Stanislávski

da

imagem

da

“sacola

do

subconsciente”). As anotações de Antarova foram publicadas em 1952, e há uma boa razão para supor que durante as aulas de Stanislávski na virada dos [anos] 1920, a palavra “yoga” foi ouvida com muito mais frequência do que no livro. Contudo, mesmo que a palavra “prana” não seja usada, fica claro que o 46

Vinogradskaya I. N. Ibid. V. 3. P. 135. M. Strizhenova escreveu sobre o romance esotérico de K. E. Antarova, Duas Vidas (Dve Zhizni, Moscou, 1993-1994): “Como um Indianista, estou muito impressionado com o sutil e profundo conhecimento da autora sobre a vida peculiar deste grande país Oriental, sua antiga sabedoria, [do] yoga e [dos] locais das sociedades esotéricas secretas do Himalayan Shambala”. Veja Strizhenova M. Konkordiya Antarova // Enciclopédia do Esoterismo Moderno [Enciklopediya sovremennoj ezoteriki] (recurso eletrônico). . 48 Ibid. P. 100. 47

exercício inicial descrito, da lenta “respiração através” do contrair e relaxar dos dedos da mão [of the slow, “breathed-through” up to the tips clenching and release of the fingers of the hand], estabelecendo conexão entre o ritmo da respiração e [a] concentração, está ligado com o fluxo do “prana”.49 O pedido de Stanislávski dirigido a seus alunos tem a mesma mensagem: aprender [a] “transformar o seu pensamento em algum tipo de bola de fogo”.50 Foi no Estúdio de Ópera [Opera Studio] que a declaração dos iogues sobre a respiração como o fundamento da vida encontrou a crença de Stanislávski de que o ritmo é o fundamento do trabalho criativo no teatro. Dirigindo-se [aos] cantores de ópera, Stanislávski salienta: “A música, estando de acordo com o ritmo da sua respiração, ou seja, com base em toda a sua vida na terra, deve aumentar sua concentração, conduzindo todo o seu ser em harmonia. A música deve unir-se ao ritmo do seu pensamento e dos seus sentimentos e conduzi-lo para o que chamamos de estado de verdadeira inspiração, ou seja, o despertar da sua intuição ou [do] subconsciente”.51 À frente de um cantor de ópera Stanislávski coloca a tarefa de “colocar as características físicas e psicológicas no ritmo existente do compositor”, e na frente de um ator de teatro “conduzir a si mesmo como um compositor”, “para criar um ritmo para si”, sem o qual “seu papel não é nada”.52 Em ambos os casos, o ritmo da vida de um ator e, especialmente, o ritmo de sua respiração no palco, adquirem importância fundamental. E Stanislávski passa muito tempo dando explicações básicas dos princípios da respiração, explica a conexão entre a respiração correta e a atenção, a respiração correta e [a] cultura física do ator. “Utilizando os exemplos mais simples de ação física precisamos atrair sua (do aluno – S.T.) atenção para a analogia invariável: respiração calma – pensamentos saudáveis, corpo saudável, sentimentos saudáveis, fáceis de concentrar; ritmo errado da respiração – psique perturbada, sentimentos de dor e déficit total de atenção”.53 Esses pensamentos certamente têm algo em comum com a declaração do iogue Ramacharaka, de que a consciência, o corpo e as emoções são 49

Ibid.P. 73-74. Ibid. P. 74. 51 Ibid. 52 Ibid. 53 Ibid. P. 58. 50

unificados pelo fio da respiração e, além do benefício físico da prática da respiração correta, “o poder espiritual do homem, seu/sua felicidade, autocontrole, clareza mental, moralidade e até mesmo o desenvolvimento espiritual podem ser significativamente aumentados através da aplicação racional [d’]A Ciência da Respiração na Prática [could be significantly increased through reasonably applying The Science of Breathing in practice].”54 Assim, a compreensão da influência da prática do yoga sobre o sistema de Stanislávski lança [sheds] nova luz sobre a pesquisa de Stanislávski na arte da ópera, e em parte revela mais uma razão para sua crença na necessidade de pesquisar as leis gerais da existência do ator na ópera e no teatro, bem como da fecundidade da educação conjunta [coeducation] para atores de teatro e de ópera. Esta ideia será desenvolvida posteriormente no trabalho do Estúdio de Ópera e Teatro [Opera and Drama Studio] em meados da década de 1930. Embora Stanislávski estudou e aplicou mais detalhadamente [o] yoga no primeiro período de desenvolvimento do sistema, ele nunca deixou estes exercícios durante toda a sua vida. Como o termo “prana” foi se tornando cada vez menos ideologicamente aceitável, na [década de] 1930 Stanislávski passou a substituí-lo frequentemente com a palavra “energia”. No entanto, em seu trabalho prático, ele ainda usava o termo “prana” e, mais importante, os próprios princípios iogue. Por exemplo, ele fez isso na montagem de Boris Godunov no Estúdio de Ópera [Opera Studio]. De acordo com P. I. Rumiantsev, trabalhando sobre a ópera já apresentada [already performed opera] (ensaios da cena entre Marina Mniszech e Rangoni em Novembro de 1934), Stanislávski falou muito sobre a conexão entre a plasticidade do ator e a capacidade de ter o “fluxo” do prana [to have the prana “flow”]. Aqui estão seus comentários para a intérprete [performer] feminina: “A fim de parecer uma Czarina você precisa do método que eu vou contar a você. Nada de meiosgestos são permitidos. Começando da raiz do seu braço (do seu ombro) você deixa o movimento do prana (energia muscular) [seguir] através da extensão do seu braço. Gire totalmente seu braço e gradualmente libere a tensão começando da ponta dos seus dedos. Lembre-se: a coisa principal está nos seus dedos. Se [o] “mercúrio”-prana está “fluindo” pela [along] sua mão, [por]

54

Ramacharaka. Hatha Yoga. 2ª edição. Moscou, 2007. P. 77.

suas pernas, você sempre será plástica. Dança e ginástica não irão garantir a plasticidade, a menos que você tenha a sensação interna do movimento. É necessário que enquanto você esteja caminhando, a energia flua [streams] através de todas as suas vértebras e [vá] direto para seus pés. Você deve procurar por isso teimosamente. Então você será plástica... Exercite suas mãos, [seus] dedos. Os dedos são os olhos do corpo... Tente movê-lo sentada, para que [o] prana flua através de seu corpo o tempo todo. Quando você caminha, caminhe com toda a extensão de seu pé [When you walk, walk as far as the tip of your thumb]. O resto do seu corpo está totalmente livre. Lembre-se de que as costas tem um grande papel na plasticidade. “O fluxo do prana” também deve se dar na coluna vertebral...”.55 Ao citar essas declarações, P. I. Rumiantsev descreve a invariabilidade dos componentes iogue nos ensaios e na prática pedagógica de Stanislávski por muitos anos: “Na verdade, estas instruções reiteram exercícios iniciais para plasticidade os quais Stanislávski havia conduzido quase quinze anos antes com [os] jovens membros do [Primeiro] estúdio. Ele reiterou constantemente essas exigências no que diz respeito a todos os atores-cantores, não importa que personagem eles encarnem... (os itálicos são meus. S. T.)”.56 No

ensaio

de

Molière

[The

Cabal

of

Hypocrites

(A

Maquinação/Trama/Intriga de Hipócrites], de Bulgakov em 04 de Maio de 1935, explicando e mostrando, em detalhes e vividamente, uma reverência típica da época de Molière, Stanislávski salienta: “Tenha em mente que você nunca será capaz de curvar-se a menos [que o] prana seja liberado depois de cada movimento. A plasticidade do movimento é impossível sem [o] prana. Você deve necessariamente liberar todo o prana. ... Você irá extrair esse prana do seu coração e emanar este prana ao [seu] redor”.57 A. White, comparando dois textos de Stanislávski de meados [da década] de 1930, fornece a prova mais importante de que nesse período as ideias do yoga permaneceram parte integrante do sistema. Um texto é a conhecida [familiar] edição Russa de O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo[: o

55

Rumyancev P. I. Stanislávski e a Ópera [Stanislávski i opera]. Moscou, 1969. P. 407. Ibid. P. 407. 57 Stanislávski Ensaiando: Gravações e Transcrições de Ensaios. Comp. e ed. [Stanislavskij repetiruyet: Zapisi i stenogrammy repeticij. Sost. i red]. I. N. Vinogradskaya. Moscou, 1987. P. 427. 56

Trabalho Sobre Si Mesmo] no Processo Criador das Vivências, aprovado para impressão em 1937, e o outro – o manuscrito desse mesmo livro, enviado para a tradutora E. Hapgood com a nota “a versão final para a América [do Norte]”, o qual agora está preservado na Biblioteca Pública de Nova York para as Artes Performativas [The New York Public Library for the Performing Arts]. Na edição Russa (capítulo “Comunicação”), lemos: “Como chamar esse caminho invisível e método de comunicação mútua? Radiação e irradiação? Emanação e imanação? Uma vez que não temos qualquer outra terminologia, vamos nos contentar com estas palavras, considerando que elas ilustram graficamente o processo de comunicação do qual estou falando com vocês. Está próximo o tempo quando as correntes invisíveis que são de interesse para nós agora serão estudadas pela ciência, e então uma terminologia mais adequada será criada para elas. Para o presente vamos nos contentar com o nome trabalhado pelo jargão dos nossos atores”.58 E no capítulo correspondente do texto “[Norte] Americano” datilografado de 1935, a afirmação de Stanislávski está mais claramente definida: “Eu li o que os Hindus têm a dizer sobre o tema. Eles acreditam na existência do assim chamado prana, uma energia vital, uma força que dá vida a todo o nosso corpo. De acordo com suas noções, a principal fonte do prana está localizada no plexo solar, de onde é enviado para todo o organismo”. 59 Anotemos para o futuro que aqui Stanislávski cita vagamente Ramacharaka. E, apesar de que as notas para o terceiro e o quarto volumes da primeira edição das obras completas de Stanislávski estejam nos dizendo que no final de sua vida o autor do sistema rejeitou o conceito de prana, “acriticamente emprestado da filosofia burguesa” (aqui o filósofo Francês Ribot tem o seu crédito [got his due]) e, ao rejeitar [o] yoga, avança para uma visão de mundo e terminologia científica, a conclusão de que depois de sua fascinação com yoga na prática do período inicial do sistema Stanislávski subsequentemente rejeitou-a é prematura. 58

Stanislávski C. S. Obras Completas [Sobraniye sochinenii]. Em 9 vol. V. 2. P. 338-339. Stanislávski, Cópia datilografada de O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo, Parte I, Versão Definitiva para a América [do Norte] [Rabota aktera nad soboi, Chast’ I, Okonchatel’nyi dlia Ameriki] [O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo, Parte I, Projeto Final para a América], o documentos de Elizabeth Reynolds Hapgood, T-Mss 1992-039, Coleção de Teatro Billy Rose, Biblioteca Pública de Nova York para as Artes Performativas [The New York Public Library for the Performing Arts], Série II: Traduções, 1930-1973, Caixa 7, Pasta 6, cap. 10.9. 59

O fato que mesmo em 1935 – vinte anos depois dos experimentos do Primeiro Studio [First Studio] – Stanislávski escrever e falar sobre [o] prana, significa que ele ainda considera os princípios do yoga parte constituinte do sistema e dos elementos do estado criativo do ator. As lembranças de B. V. Zon sobre os ensaios de Stanislávski em 1933, preservaram para nós uma prova mais notável disso. O trabalho sobre A Criada de Pskov [The Maid of Pskov], de Rimsky-Korsakov, estava acontecendo no Teatro de Ópera Stanislávski [Stanislavski Opera Theatre], e Zon tomou notas: “Uma sugestão muito interessante foi feita por Constantin Sergueievitch ao intérprete do papel de Mikhailo. Estenda sua mão para Olga. Totalmente. Assim que a mão chamou, emanou o chamado. (E na minha direção.) Anteriormente nós ingenuamente chamávamos isso de “prana”.60 O que forçou Stanislávski a jogar isto “de lado” na direção de um jovem diretor de Leningrado que estava assistindo seus ensaios pela primeira vez (mas assistindo-os mediante a recomendação de pessoas fieis e realmente interessadas no sistema)? Talvez uma necessidade premente para transmitir [passing] ([pro] exterior? Para a posteridade?) do seu exílio de gala na Travessa Leontievski a informação mais importante sobre os princípios de seu trabalho? V. N. Galendeyev está certo: “No limiar da não-existência, um homem, especialmente uma pessoa de importância, voluntária ou involuntariamente pensa sobre as principais coisas, as coisas que são exigidas pelo espírito ainda não esgotado, e retorna para os assuntos mais emocionantes. Duplamente então se essas ideias e assuntos não foram ainda moldados em algo completo e harmonioso, num testamento espiritual. Stanislávski nos últimos anos de sua vida cada vez mais [more and more often] voltou-se para o tema da espiritualidade da palavra, [do] movimento, [do] silêncio do ator (os itálicos são meus. – S. T.)”.61 V. N. Galendeyev conecta esses problemas (infelizmente, sem nomeá-los diretamente) com o pensamento iogue sobre a externalização [outpouring] das partículas da alma (ou seja, [o] prana) através dos sons da fala. No entanto, o texto do parágrafo no livro de Stanislávski a que ele se

60

C. S. Stanislávski. Materiais. Cartas. Investigações [Materialy. Pis'ma. Issledovaniya]. Moscou, 1955. P. 445. 61 Galendeyev V. N. Ibid. P. 105.

refere, é transparente: “Vocês não sentem”, Tortsov se dirige a seus discípulos “que através das ondas vocais as partículas de nossas próprias almas vão para fora ou para dentro? Todos estes [sons] não são superficiais, mas os sons espiritualmente substanciais das vogais que me dão o direito de dizer que no interior, no seu coração, há um pedaço da alma humana”.62 De acordo com Stanislávski, acontece [que] [it turns out] os átomos do discurso contém os átomos da alma humana! Assim, meditando sobre “a alma dos sons” e seus meios de emanar, sobre a plasticidade dos movimentos os quais “não podem existir sem prana”, Stanislávski mesmo no crepúsculo de sua vida continua o diálogo com o antigo e eterno conhecimento do yoga sobre o homem, seu corpo e alma. Parece que a atual visão geral do uso do yoga no trabalho de Stanislávski é suficiente para se chegar a uma conclusão bem fundamentada sobre a importância da teoria e da prática do yoga na criação e desenvolvimento de seu sistema.

[O] Yoga no legado literário de Stanislávski

Ao reler novamente os principais livros de Stanislávski, o entendimento da presença constante do componente iogue na prática do criador do sistema nos dá uma chance, nos faz encontrar um “pano de fundo” [background] iogue em seu legado literário. Em muitas de suas obras – por exemplo, [em] O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo: [O Trabalho Sobre si Mesmo] no Processo Criador das Vivências – o yoga nunca é mencionado, no entanto, podemos ver que muitas das páginas de Stanislávski são virtualmente permeadas pelas ideias iogues. E neste caso G. Christie e V. Prokofyev, autores das notas censuradas para os volumes 3 e 4 da primeira edição das obras completas de Stanislávski, ajudam-nos muito. Quando você as lê hoje, ao início estas notas parecem quase irritantes por causa de sua estreiteza de visão [narrow-mindedness] no estilo do materialismo dialético. No entanto, vamos prestar atenção às táticas de Esopo utilizadas naquela parte das notas que dizem respeito ao ensino dos

62

Stanislávski C. S. Obras Completas [Sobraniye sochinenii]. Em 9 vol. V. 3. P. 61.

iogues. Tendo feito ressalvas autorizadas sobre o fato de que Stanislávski acriticamente percebeu o ensino idealista dos iogues e nos últimos anos aderiu às posições do materialismo, os comentaristas nos fornecem informações extremamente valiosas sobre as origens de certas partes dos manuscritos sobre o sistema, mesmo naquelas partes onde Stanislávski foi muito cauteloso para mencionar a sua fonte – os livros do iogue Ramacharaka. Quem tem ouvidos que ouça! [Let the person who has ears listen!] E, seguindo a pista dada pelos comentadores de Stanislávski, é possível desfazer a cadeia completa. No entanto, em primeiro lugar, vamos falar em detalhes sobre os livros do iogue Ramacharaka. Na biblioteca particular de Stanislávski e no arquivo são mantidos dois de seus livros: Hatha Yoga. Filosofia Iogue do Bem-estar Físico do Homem e Raja Yoga. O Ensinamento dos Iogues sobre o Mundo Psicológico do Homem [Raja Yoga. The Teaching of Yogis about the Mental World of a Man].63 Traduzidos

para

o

Russo

e

publicados

em

1909

e

1914,

respectivamente, estes livros, de fato, não foram escritos em um monastério Budista isolado ou numa cabana de um iogue-eremita na Índia, mas na movimentada Chicago em 1904 e 1906, a qual, depois do Parlamento Mundial das Religiões [World's Parliament of Religions], em 1893, tornou-se central na introdução do mundo ocidental ao yoga. Eles foram escritos pelo autor [norte] Americano William Atkinson (1862 – 1932), cujo nome e circunstâncias de vida, graças à sua discrição e uso frequente de pseudônimos (nada menos do que dez!), hoje estão praticamente esquecidos. Na virada do século XX, Atkinson, um advogado, escritor, procurador [attorney] comerciante e editor, pertencia à lista dos autores mais influentes do Novo Pensamento [New Thought] nos primeiros anos deste movimento. Ele mesmo tomou o caminho do conhecimento esotérico depois de sua cura milagrosa no início da década de 1890. Durante 30 anos, ele escreveu mais de uma centena de livros, muitos dos quais foram publicados sob pseudônimos, e [o] iogue Ramacharaka é apenas um deles. No comentário da Sociedade das Publicações Iogue [The Yogi Publication Society], foi afirmado que esta série de livros sobre yoga era o resultado dos esforços colaborativos de Atkinson e [do] Brâmane Baba Barat e

63

Stanislávski C. S. Obras Completas [Sobraniye sochinenii]. Em 8 vol. V. 4. P. 496.

como sinal de respeito, foram atribuídos ao guru deste último – [o] ioge Ramacharaka. [Até] mesmo datas (1799 – 1893) e dados biográficos da vida do sábio Hindu foram incluídos. Contudo, não foram encontradas evidências de que Baba Barat ou Ramacharaka realmente existiram. Quem iniciou Atkinson e se ele oficialmente se converteu ao hinduísmo – [são questões] também veladas em mistério. De qualquer forma, nos dez anos seguintes depois de 1903 saíram mais de uma dúzia de livros do autor Iogue Ramacharaka, e até hoje eles ainda são impressos em Inglês e em Russo, figurando no topo [topping] de inúmeras listas de literatura sobre yoga. Nesta qualidade eles permanecem para muitas pessoas – como para Stanislávski uma centena de anos atrás – uma introdução ao conhecimento sistemático do yoga. A estrutura do yoga clássico remonta aos Yoga Sutras de seu fundador Patanjali, escritos (ou, para ser mais preciso, compilados de ensinamentos precedentes e filosoficamente fundamentados), na Índia no século II a. C. Ela consiste de oito etapas:  Yama (regulação do comportamento e auto-restrições morais),  Niyama (as séries de práticas de auto-purificação, seguindo regras religiosas e instruções religiosas),  Asana (poses, unificando mente e corpo através do exercício físico),  Pranayama (controlando [o] prana – a energia vital – através da respiração rítmica e suspensão temporária “das inquietas/agitadas [restless] atividades da mente”),  Pratyahara (dá força espiritual interior, permite atingir uma concentração da mente, aumenta a força de vontade; distração dos sentimentos do objeto de desejo),  Dharana (concentração da atenção, motivar a concentração da mente, fundindo-se na meditação),  Dhyana (meditação, atividade interna que gradualmente leva à samadhi),  Samadhi (meditação sobre [o] om, pacífica condição superconsciente do entendimento da verdadeira natureza [do ser], nirvana). Às vezes essas oito etapas estão divididas em quatro [etapas] inferiores e quatro etapas superiores, das quais as etapas inferiores correspondem ao

hatha yoga, enquanto as etapas superiores pertencem ao Raja Yoga. Isto implica que o objetivo da prática [do] hatha yoga é um corpo desenvolvido para a prática meditativa do raja yoga. Num sentido foi sorte de Stanislávski que sua introdução às ideias do yoga aconteceu através dos livros de Atkinson-Ramacharaka. Não há dúvida de que esta interpretação do yoga foi adaptada para os leitores ocidentais. É a eles a quem o iogue [Norte] Americano [se] dirige, citando extensivamente estudiosos Europeus e [Norte] Americanos dos séculos XIX e XX, e intencionalmente não sobrecarregando os leitores com as especificidades de certos ramos e escolas do yoga Hindu. Ele estabelece um tipo de tradição iogue generalizada, e “não favorece uma escola ou filosofia de Yoga específica, como o verdadeiro poder Iogue”.64 Concordamos com S. Carnicke que quando Jerzy Grotowski, seguindo os passos de Stanislávski, tentou aplicar [o] yoga ao trabalho teatral com base em textos Hindus genuínos, ele encontrou-se num beco sem saída. Pegue-o ou deixe-o, o objetivo dos exercícios iogue está na liberação da Roda do Sofrimento [the Wheel of Suffering], na invalidação das reações da vida mortal circundante ao eterno absoluto. Naturalmente, em um determinado estágio isto começou a contradizer os objetivos do teatro e [da] expressão teatral, porque a verdadeira concentração iogue “destrói toda a expressão: é um sono interno, um equilíbrio inexpressivo: um grande repouso que [põe] fim a todas as ações. Isto deveria ter sido óbvio, porque o objetivo do yoga é parar [...] todos os processos vitais [... e encontrar] plenitude e realização na morte consciente”. 65 Foi mais fácil para Stanislávski dominar [o] yoga: [ao] introduzir os leitores Ocidentais ao mundo da sabedoria Oriental, Ramacharaka definiu os princípios do yoga como a base da capacidade de controlar a si mesmo, como a arte do auto-aperfeiçoamento, sem delinear o verdadeiro objetivo final de alcançar o nirvana. E, embora Ramacharaka visse [o] yoga como um meio de transformar a consciência dentro de si mesmo, o que contrariou a principal tarefa criativa do sistema – encontrar os meios para expressar externamente o sentimento interior – Stanislávski conseguiu personalizar a ideia iogue de

64

White. Andrew. Ibid. P. 82. Schechner, Richard e Wolford, Lisa. O Manual de Grotowski [The Grotowski Sourcebook]. New York. 1997. P. 44. Citado em Carnicke p. 176. 65

“desvencilhar-se das impressões que distraem” [“disengaging oneself from the distracting impressions”] para a condição fecunda de concentração e atenção durante a performance. Ele sabia que para um ator a principal “impressão que distrai”, [contra] a qual Stanislávski lutou com tanta paixão, é o assustador buraco negro da plateia. E neste sentido a existência atrás da famosa “quarta parede” parece estar relacionada com o desapego iogue [yogic disengagement] das tentações terrenas. Ao mesmo tempo Stanislávski entendeu a diferença entre suas tarefas práticas e os objetivos finais do yoga. Nas palestras para os atores do Teatro de Arte de Moscou, em Novembro de 1919, Stanislávski resume [outlined]: “Acontece que [há] mil anos atrás eles [os iogues – S. T.] estavam procurando as mesmas coisas que estamos procurando, no entanto, nos aprofundamos na arte, e eles – em seu mundo espiritual [afterworld]”.66 Vamos mais uma vez nos voltar para as anotações das lições de Stanislávski no Estúdio de Ópera [Opera Studio]. Em suas conversas Stanislávski conduz os estudantes através [do que é] “comum para todas as etapas [meu itálico – S. T.] da criação, não importando quais sejam as épocas e individualidades das pessoas”67, e estas etapas, as quais devem ser galgadas [climbed] por “todos os que tem dedicado sua vida à arte do palco” estão mais próximas aos estágios do esotérico auto-aperfeiçoamento moral do que do conjunto de exigências da profissão [shoptalk demands]. A primeira etapa é a concentração, a segunda – [a] vigilância, a terceira – [o] destemor, a criação corajosa, a quarta – [a] tranquilidade criativa. E, da mesma forma que a transição para os assuntos elevados do raja yoga depois das quatro primeiras etapas do hatha yoga, depois das quatro etapas do “trabalho sobre si mesmo”, conduzindo à unificação interior do ator com ele mesmo, Stanislávski designa objetivos artísticos profundos. O movimento ascendente continua até a quinta etapa – “trazendo todos os poderes de seus sentimentos e pensamentos, transferidos para a ação física, para a máxima tensão, a precisão da ação heroica”.68

66

Radischeva O. A. Stanislávski e Nemirovitch-Dantchenko: História de sua Relação Teatral, 1917-1938. Moscou, 1999. P. 60-61. 67 Antarova K. E. Ibid. P. 79. 68 Ibid. P. 90-91.

A sexta etapa é conectada ao cultivo da atração do ator [pelo] palco, a nobreza que ele usa para purificar as paixões que ele retrata. 69 Aqui, completamente no espírito do Budismo, Stanislávski fala sobre “os momentos fatais quando o espírito humano aspira libertar-se da paixão”.70 E, finalmente, “a última etapa sem a qual é impossível viver na arte. É a felicidade”.71 E essa luta pela felicidade da criatividade como a coroa do processo de formação do ator contém a mais significante lição para as gerações futuras e a essência da posição ética de Stanislávski. Suas célebres/famosas [renowned] palavras, escritas no dia de seu septuagésimo aniversário, confirmam que o próprio criador do sistema, tendo passado por todas as etapas acima mencionadas no atormentado caminho da pesquisa pessoal [para o personagem] Salieri [tormenting Salieri’s way of self-searching], desfrutou [enjoyed] a felicidade da sétima etapa em sua plenitude: “Eu vivi uma vida longa. Eu vi muita [coisa]. Eu fui rico. Então cresci pobre. Eu vi o mundo. Eu tive uma boa família, filhos. A vida espalhou todos eles pelo mundo. Eu almejei [sought] a fama. Eu a encontrei. Eu vi os louros, eu era jovem. Eu envelheci. A morte está se aproximando. Agora me pergunto: onde está a felicidade sobre a terra? Ela está no processo cognitivo. Ela está na arte e [no] trabalho, em conhecer a arte. Conhecendo a arte, você chega a conhecer a natureza, a vida do mundo, a essência da vida, a alma – o talento. Não há felicidade maior”. 72 Provavelmente não seja por acaso que o número aritmético das etapas do yoga não coincida com o do ensino de Stanislávski, porque a oitava etapa do yoga vai levar ao nirvana, e aqui está a discrepância definitiva [the final discrepancy] entre os objetivos finais da prática do yoga e do sistema de atuação. Notemos no caminho que as dificuldades acima mencionadas na adaptação do yoga para o teatro não leva à perda de interesse de Grotowski por ele [o Yoga]. 69

No entanto, a conversa da influência do yoga sobre

Ibid P.94. Ibid P. 96. 71 Ibid P. 96. 72 Stanislávski C. S. Obras Completas [Sobraniye sochinenii]. Em 8 vol. V. 8. P. 324-325. 70

Grotowski, que, na escolha da futura profissão estava [se] debatendo entre os estudos Orientais, psiquiatria e direção, que afirmou que ele “começou onde Stanislávski terminou”, cuja aparência depois de sua peregrinação à Índia em 1970, mudou tão dramaticamente que ele não foi reconhecido não só por seus atores, mas até mesmo por seu próprio irmão, e que, no final de sua vida, quis que suas cinzas fossem espalhadas sobre a Índia, que estava ao mesmo tempo longe e perto dele, – este é um assunto de uma séria conversa em separado73. No entanto, você vai entender como a “reorientação” mundana no uso do yoga tornou-se possível, se você só imaginar quantas pessoas no mundo todo hoje se envolvem com versões modificadas do hatha yoga e meditação, principalmente a fim de manter sua forma física e para livrar-se do estresse. Em anos anteriores Stanislávski realizou o mesmo tipo de reorientação das técnicas iogue voltadas [para o] íntimo e para a elevação [espiritual] [directed inwards and upwards] (somente com propósitos teatrais). No entanto, entre suas numerosas anotações na cópia do Hatha Yoga preservado no arquivo do Teatro de Arte de Moscou, há um parágrafo marcado contendo um aviso para aqueles que consideram [o] yoga somente como um conjunto de proezas físicas [physical stunts] ou apenas uma forma Oriental de cultura física. Parece que Stanislávski entendeu muito bem que a coisa mais valiosa para ele no yoga era a profunda conexão entre [os] exercícios físicos exteriores [outward physical exercises] e [a] instrução espiritual [spiritual upbringing], a multifacetude

[the

multisidedness]

da

cadeia

contínua

de

exercícios,

atravessados pela linha ascendente do auto-aperfeiçoamento. Este pathos da aprendizagem contínua está, é claro, para Stanislávski perto de seu cerne [close in its core to Stanislavski]. É por isso que ele estudou minuciosamente tanto [o] Hatha Yoga [quanto o] Raja Yoga de Ramacharaka e foi nestes livros que ele encontrou muitos posicionamentos importantes do sistema. Sharon Carnicke delineia uma série de analogias bibliográficas interessantes [interesting textological analogies] entre as obras de Stanislávski e Ramacharaka, e nossa pesquisa subsequente repete em parte a linha de seu pensamento. 73

Bashindzhagyan N. Contornos Biográficos // Jerzy Grotowski. O Teatro Pobre. [Ezhi Grotovskij. Ot Bednogo teatra k] Iskusstvu-provodniku. Moscou, 2003. P.24.

Acontece que muitas das imagens do sistema até mesmo têm suas analogias diretas nos textos do iogue [Norte] Americano. Por exemplo, ambos os autores chamam o subconsciente [de] seu “amigo” que ajuda no seu psíquico e no trabalho criativo.74 Ambos surpreendem o leitor pelo fato de [que o] subconsciente ocupa 90% de nossa vida mental.75 Além disso, Stanislávski, sem citar a fonte, empresta diretamente de Ramacharaka a referência aos psicólogos Gets e Modsly.76 Para ambos o sentido da formação e [do] estudo está na capacidade para usar, nas palavras de Ramacharaka, “o pensamento subconsciente, controlado pela mente consciente” e, de acordo com Stanislávski, “o trabalho da esfera consciente do pensamento, empreendida pela ordem da esfera da consciência”.77 Ambos descrevem a memória como “o armazém”, de onde as partículas da experiência humana são retiradas [are taken].78 Eventualmente, eles são parecidos em seu esforço para entender [to grasp] a verdade de uma nova maneira – “não só em sua aparência, imperfeita e enganosa, mas na forma como ela realmente é”, 79 e no entendimento de que “a verdade da vida sobre o palco é totalmente diferente da verdade da vida real”.80 Quando você lê os livros de Ramacharaka hoje, você involuntariamente se depara com inúmeras frases, imagens e palavras-chave distintas [separate keywords] tão bem conhecidas por nós a partir de Stanislávski. Além disso, as obras de Ramacharaka “claramente provêm Stanislávski com mais do que noções conceituais e exercícios práticos: elas fornecem um modelo estrutural para o que ele queria mais apaixonadamente: ajudar os atores a [tirar] proveito [in harnessing] do estado criativo”.81 Em geral, o sistema de Stanislávski nos ensina a aproveitar o estado criativo do mesmo modo como “a ciência do

74

Stanislávski C. S. Obras Completas [Sobraniye sochinenii]. Em 9 vol. V.2. P. 436. Ramacharaka. Raja Yoga. O Ensinamento dos Iogues sobre o Mundo Psicológico do Homem [Radzha-joga. Ucheniye jogi o psihologicheskom mire cheloveka]. Rostov-na-Donu, 2004. P. 188. 76 Stanislávski C. S. Obras Completas [Sobraniye sochinenii]. Em 9 vol. V.4. P. 140. 77 Stanislávski C. S. Obras Completas [Sobraniye sochinenii]. Em 9 vol. V.2. P. 61, 427, 437. 78 Ibid. P. 290. 79 Ramacharaka. Raja-Yoga [Radzha-joga]. P. 93. 80 Stanislávski C. S. Obras Completas [Sobraniye sochinenii]. Em 9 vol. V. 4. P. 380. 81 Carnicke. Ibid. P. 173. 75

ensinamento do yoga como princípio fundamental para o seu próprio pensamento”82, “ensina a ser o mestre de sua própria mente”.83 Ramacharaka propõe um programa consistente que, à semelhança dos livros sobre o sistema, se desenvolve do trabalho espiritual sobre si mesmo para o trabalho físico exterior. Ambos os sistemas de treinamento estão embasados no senso de que [based on the point that] “antes que um homem comece a tentar revelar os mistérios do universo exterior, ele tem que ser o mestre de seu próprio mundo interior”.84 Este conhecimento sobre si mesmo deve ser alcançado no nível dos sentimentos. Ramacharaka escreve [outlines]: “Os professores de yoga não estão satisfeitos se aquele que busca a iniciação cria para si mesmo apenas uma compreensão intelectual de sua verdadeira identidade; eles insistem que ele deve sentir a veracidade dessa noção, entender o que é o seu verdadeiro Ser”.85 É aí que a famosa frase muitas vezes repetida de Stanislávski aparece: “na nossa linguagem compreender significa sentir”.86 Até mesmo os títulos do livro do sistema refletem aquela própria sequência iogue [that very yogic sequence] de auto-aperfeiçoamento do interior para

o

exterior:

o

trabalho

sobre

si

mesmo

(no

processo

da

vivência/experiência [experiencing], então – no processo de realização), [e] o trabalho sobre o papel. Mesmo a crucialmente importante palavra “trabalho” pode ser encontrada em todos os escritos de Ramacharaka: “Não devemos esquecer que temos [que] ‘trabalhar’ [‘worked out’] em nós mesmos tudo o que sabemos. Nada vem para uma pessoa preguiçosa ou descuidada”, ele instrui [a] seus estudantes.87 É claro, esse modo de colocar a questão está próximo do criador do primeiro teatro de arte na Rússia, o qual nasceu em oposição às companhias privadas com baixos padrões – nascido de seu desejo “para limpar a arte de toda imundície, para construir uma catedral ao invés de um estande de feira”. 88 82

Yogi Ramacharaka. Uma Série de Lições em Raja Yoga // Projeto de Gutemberg (Recurso Digital) [A Series of Lessons in Raja Yoga // Project Gutenberg's (Сетевой ресурс)]. – 83 Ramacharaka. Raja-Yoga [Radzha-joga]. P. 92. 84 Ibid. P. 8. 85 Ibid. P. 6. 86 Stanislávski C. S. Obras Completas [Sobraniye sochinenii]. Em 9 vol. V. 1. P. 373. 87 Ramacharaka. Raja Yoga [Radzha-joga]. P. 141. 88 Stanislávski C. S. Obras Completas [Sobraniye sochinenii]. Em 9 vol. V. 1. P. 268.

Não por acidente a necessidade de disciplina criativa foi descrita em ambos[: n]a vida prática do Teatro de Arte de Moscou e [em] seus estúdios de todos os períodos, e em obras literárias baseadas no sistema. “Eu me considero obrigado a ser rigoroso durante um trabalho coletivo como se eu estivesse no [serviço] militar”, afirmou o gentilíssimo Rachmanov–Suler, o assistente de Tortsov-Stanislávski.89 Entre outros termos de Ramacharaka os quais estão ecoados no sistema de Stanislávski, também podemos citar “um objetivo”. [Os] iogues também basearam seu trabalho sobre “objetivos espirituais.” Além disso, Ramacharaka enuncia no [livro] Raja Yoga “um sistema de exercícios, treinos/práticas [drills], etc.”90, – Stanislávski cria o sistema que implica o exercício e treinos/práticas [drills]. Ramacharaka mostra a seus estudantes o Caminho, – Stanislávski indica [outlines] que “o ‘sistema’ é um guia”.91 A assimilação pelos “objetos de consideração e discussão”92, os quais Ramacharaka considera cruciais para a concentração bem sucedida, será ecoado no arsenal do ator como “objetos de atenção.” Os pensamentos de um homem, assim como uma peça [de teatro], são melhor digeridos quando divididos em “pedaços” [“pieces”]. Como uma árvore crescendo em uma fenda adapta sua forma ao tamanho da fenda através do “princípio da adaptação” iogue, os atores usam “dispositivos” nas circunstâncias dadas da peça e [da] montagem [production]. De acordo com ambos, Ramacharaka e Stanislávski, se o “querer” [“wishing”] não é forte o suficiente, nem o homem nem o personagem irão alcançar seu objetivo. Podemos encontrar mais e mais exemplos de declarações de Stanislávski e de Ramacharaka concordando estreitamente. Há um ponto no qual [where] nós não concordamos com S. Carnicke. Ao conduzir-se através de pesquisa bibliográfica [textological research] e tendo encontrado coincidências muito interessantes e paralelos entre Stanislávski e Ramacharaka, Carnicke, sendo muito influenciada [being too carried away], às vezes apresenta a causa de tal modo que parece [que] Stanislávski seguiu Ramacharaka em tudo. 89

Stanislávski C. S. Obras Completas [Sobraniye sochinenii]. Em 9 vol. V. 2. P. 48. Ramacharaka. Raja Yoga [Radzha-joga]. P. 6. 91 Stanislávski C. S. Obras Completas [Sobraniye sochinenii]. In 9 vol. V. 3. P. 371. 92 Ramacharaka. Raja Yoga [Radzha-joga]. P. 45. 90

Assim, ela escreve: “Modelando-se nos ‘professores Iogues [que] estão constantemente conduzindo/liderando [leading] os Candidatos na busca de [toward] [seu] objetivo [...] primeiro por este caminho e então por aquele, [...] até finalmente o estudante encontrar o caminho mais adequado para seus pés’93, Stanislávski diz aos seus alunos diretores três meses antes de sua morte que, ‘É preciso dar aos atores vários caminhos. Um destes é o caminho da ação [física]. Mas há também outro caminho [... que começa a partir do] sentimento’”.94 Os pensamentos de Stanislávski, expressados (vamos corrigir Carnicke um pouco) na conversa com os estudantes graduandos do Departamento de Direção do GITIS [Director’s Department of GITIS] em 15 de Maio de 1938, provavelmente não são apenas “modelar-se num exemplo” dos iogues ou réplica [d]as declarações do livro de Ramacharaka, lidos duas décadas antes disso. Em vez disso, Stanislávski está tirando conclusões do longo caminho de um pesquisador que incluiu o diálogo com numerosos recursos entre os quais [o] yoga foi um dos mais importantes, mas não o único. A principal coisa é que naqueles anos finais Stanislávski aborda a superação de dicotomias, característica da mente Ocidental, e dá preferência ao método dos estudos [etudes] nos quais a análise e [a] realização, interior e exterior, [o] físico e [o] psíquico do ator-criador são holisticamente mesclados. É claro, os livros de Ramacharaka não foram a única fonte de informação sobre [o] yoga e [os] ensinamentos esotéricos para Stanislávski. Em 1916, o Teatro de Arte de Moscou começou a trabalhar na montagem da peça O Rei da Câmara Escura [The King of the Dark Chamber], do ganhador do Prêmio Nobel 1913, o autor Bengalês Rabindranath Tagore. No centro desta alegoria dramática sobre a iluminação espiritual havia a imagem do rei enigmaticamente místico que aparecia na frente de seus súditos sempre sob o véu da escuridão, e eles só poderiam fazer suposições sobre sua verdadeira essência, somente acreditar em sua existência. Stanislávski entusiasticamente falou sobre a peça, ele viu na montagem de “um mistério religioso profundo” possibilidades para alargar o diapasão do teatro e da técnica de atuação de seus atores. “Rabindranath, Ésquilo – estes 93 94

Ibid. P. 71. Carnicke Ibid. P. 173.

são os verdadeiros. Não podemos jogar/representar [play] isso, mas devemos pelo menos tentar”,95 escreveu a V. I. Nemirovitch-Dantchenko. E, embora a montagem não tenha sido concluída (os ensaios terminaram com a exibição de fragmentos da montagem em Dezembro de 1918), o trabalho sobre este material ampliou o conhecimento de Stanislávski sobre Hinduísmo e os valores espirituais do Oriente – não por nada, durante o curso do trabalho foram organizadas palestras sobre a filosofia Hindu. O fato de que essas palestras pareciam, para Stanislávski, necessárias para o trabalho prático fora do projeto Tagore, confirma o fato de que em Março de 1919, na conversa com os atores do Teatro de Arte de Moscou sobre as novas formas teatrais, ele aconselhou a convidar o palestrante Hindu novamente a fim de continuar sua conversa. 96 No entanto, as principais fontes de Stanislávski do estudo do yoga foram os livros de Ramacharaka, e por isso nos concentramos principalmente na comparação entre as obras do iogue [Norte] Americano e [o] autor do sistema. O estudo dos fundamentos do antigo ensinamento Hindu sobre o homem começou para Stanislávski naquele mesmo 1911, quando o sistema foi declarado o método oficial de trabalho do Teatro de Arte de Moscou, [e] acabou por não ser apenas “outra paixão de Constantin Sergueievitch.” Isso resultou na duradoura e fértil influência [the longterm and fertilizing influence] do yoga nas pesquisas do autor do sistema e seus estudantes. Muitas gerações de atores durante a vida de Stanislávski – atores do Primeiro Studio [First Studio] na [década de] 1910, cantores do Estúdio de Ópera [Opera Studio] na [década de] 1920, e estudantes do Estúdio de Ópera e Teatro na [década de] 1930 – passaram pelos exercícios básicos do sistema baseados no yoga. Muitas gerações de atores depois de Stanislávski fazendo seus preparativos diários de acordo com o sistema, prestaram homenagem aos princípios iogues, – graças à política de censura Soviet no campo da arte e da cultura – às vezes mesmo sem saber disso. Reformulando L. A. Dodin, que disse que “quando um ator performa no caminho certo, ele performa de acordo com Stanislávski, mesmo que ele não goste de Stanislávski”,97 podemos afirmar que quando um ator faz o treinamento de acordo com o sistema de Stanislávski, ele se apóia [depends

95

Vinogradskaya I.N. Ibid. V. 2. P. 529. Stanislávski C. S. Obras Completas [Sobraniye sochinenii]. Em 9 vol. V. 6. P. 488. 97 Dodin L. A. Entrevista // Notícias [Intervyu // Izvestiya]. 1997. 6 de Maio. № 88. 96

upon] na centenária experiência do yoga, mesmo que ele nunca tenha praticado yoga. [A] leitura paralela dos textos de Ramacharaka e Stanislávski, começada no presente artigo, também nos dá a possibilidade de discutir de um jeito novo os elementos do estado criativo do ator – os elementos do sistema de Stanislávski que estão diretamente conectados ao ensino do yoga. Entre eles – liberação

muscular,

comunicação,

radiação

e

irradiação,

atenção,

visões/visualizações [visions]. Especial atenção deve ser dada aos pontos de vista de Stanislávski sobre a estrutura da atividade inconsciente do homem, incluindo o seu subconsciente e superconsciente. É [a partir] do Raja Yoga que Stanislávski teve a ideia da conexão entre o estado criativo e [o] inconsciente, emprestando a noção de superconsciente como fonte de inspiração, intuição criativa e do conhecimento transcendental. E na introdução de O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo Stanislávski estará apontando para o significado essencial do capítulo [O] Subconsciente no estado criativo do ator, o que para ele é “a essência da criação e de todo ‘o sistema’”. O segundo artigo, que está sendo preparado para publicação na próxima edição da revista será dedicado à análise detalhada dos elementos iogue no sistema de Stanislávski; lá vamos esboçar as conclusões da presente pesquisa.

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