Os games enquanto jornadas semióticas [2013]

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Coordenadoria Geral de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão

Os games enquanto jornadas semióticas

Tese de Conclusão do Curso de Especialização em Estéticas Tecnológicas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP

Aline Carelli Salgado Antunes 2013

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Banca Examinadora

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Sumário Introdução ..................................................................................................................................... 4 O advento do ciberespaço e as linguagens líquidas ...................................................................... 6 Sobre o lúdico, o jogo e o jogar .................................................................................................. 10 Relevância cultural, pesquisa e mercado .................................................................................... 13 Classificações e a hibridização das linguagens ............................................................................ 15 Games: características fundamentais ......................................................................................... 18 Narratologia versus Ludologia ..................................................................................................... 22 Possibilidades de experiências nos games .................................................................................. 27 Diferentes possibilidades existentes ........................................................................................... 30 Primeiridade em Flower: o acaso extático .............................................................................. 32 Secundidade em EyePet: a relação com a realidade ............................................................... 41 Terceiridade em Heavy Rain: o autoconhecimento ................................................................ 50 Reflexões finais ........................................................................................................................... 64 Referências das imagens ............................................................................................................. 67 Bibliografia selecionada .............................................................................................................. 70 Anexos ......................................................................................................................................... 73 Fichas técnicas dos games analisados .................................................................................... 73 Vídeos demonstrativos ........................................................................................................... 74

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Introdução

A pesquisa partiu do pressuposto de que os games – ou jogos eletrônicos – têm em sua recepção a possibilidade inerente de proporcionar àquele que o experimenta – o gamer – uma vivência que vai além do simples entretenimento. Qualidades como a contemplação, o acaso extático, as relações de identidade e até mesmo o aprendizado e o autoconhecimento são possíveis consequências do ato de jogar, a depender principalmente de dois fatores: o objetivo primeiro dos desenvolvedores quando propõe seu game e a relação que o próprio gamer – “usuário final” – tem com o gameplay. Ao mencionar o objeto “game” enquanto foco da pesquisa, busca-se recortar a análise de jogos construídos a partir de (e para) suportes tecnológicos – eletrônicos ou computacionais. Vale ressaltar que, dentro desses parâmetros, existem três tipos distintos: games para consoles (cujo funcionamento depende exclusivamente de consoles de videogames; ex. PlayStation, xBox, Wii, DS); games para computador (cujo funcionamento depende exclusivamente do processamento em microcomputadores pessoais); e games para arcades (vulgo “fliperamas”1, que são máquinas cujo console e monitor são integrados). Para esta pesquisa, limitou-se o estudo a três games desenvolvidos para consoles – mais especificamente, para o Playstation 3, da Sony. A escolha de cada game foi determinada pela análise semiótica de sua recepção, onde cada um deles tem um aspecto predominante diferente. Conforme será devidamente explicitado oportunamente, o primeiro é Flower, game cuja predominância de recepção se encontra na categoria fenomenológica de C. S. Peirce, denominada de primeiridade e sua ênfase, - no acaso, no icônico. O segundo é Eyepet, que se encontra na secundidade, em sua relação com a realidade, sua indicialidade. O terceiro é Heavy Rain, game predominantemente narrativo e, portanto, no domínio das leis e do arbitrário, o simbólico. Através da análise de cada um dos games selecionados, busca-se refletir acerca das possibilidades de recepção que suas jornadas permitem. O objetivo é demonstrar que essas possibilidades de recepção permitem experiências únicas a cada indivíduo, 1

“Fliperama é a designação utilizada para as máquinas criadas no final do século XIX nos Estados Unidos (pinball), que consistem de dois ou mais flippers (braços) com a função de rebater uma bola – que, à medida em que se encosta em pinos, plaquetas e outros objetos, acumulam pontos – de volta para a mesa de jogo sem deixa-la passar por entre os dois flippers, nem cair em canaletas laterais. No Brasil acabou se tornando a designação genérica para arcades (e, em alguns casos, para toda espécie de games), bem como para o tipo de estabelecimento onde normalmente se encontra uma grande concentração dessas máquinas” (NESTERIUK, 2009: 26).

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que podem variar desde a satisfação contemplativa de um cenário bem resolvido a uma reconstrução de identidade por parte de um personagem-herói bem elaborado. Atualmente, vive-se o apogeu da história dos videogames. Santaella, em seu livro Mapa do Jogo, apresenta de forma muito relevante a importância cultural (e econômica) atual dos games. Segundo ela, os games são hoje “os grandes estimuladores e responsáveis pelo avanço tecnológico da indústria do entretenimento, aproveitando-se das pesquisas de ponta, ao mesmo tempo em que as disponibilizam com grande rapidez” (SANTAELLA, 2007: 407). Um bom exemplo disso são os títulos lançados que fazem uso da tecnologia da realidade aumentada – como o jogo EyePet, que será analisado – e do mapeamento de ambientes e pessoas – que ocorre nos jogos desenvolvidos pela Microsoft compatíveis com seu dispositivo sensorial Kinect, para o console xBox. Além de estimular avanços tecnológicos, outro fator importante é a sua posição na economia: dentro da indústria do entretenimento, os games estão em primeiro lugar – acima até mesmo do cinema. Já na indústria mundial, eles ocupam a terceira posição, atrás apenas da indústria bélica e da automobilística. Já ao focar a atenção para o meio acadêmico, as estatísticas são bastante desanimadoras. Os games ainda sofrem um forte menosprezo crítico, sendo vistos como algo banal, vulgar e nocivo, principalmente por estimular comportamentos agressivos e a violência – fato erroneamente postulado e divulgado nas mídias em geral. Vale citar a opinião de Marcus Bastos, quando ele diz que “é possível supor que o século XXI terá, na prática de jogar por meio do computador, uma forma de entretenimento tão dominante quanto os formatos audiovisuais foram no século XX” (2009: 148), fato este que a própria economia do entretenimento já começa a comprovar. E mais ainda, Henry Jenkins (apud BASTOS, 2009: 148) diz que “o problema com a maior parte dos jogos contemporâneos não é que sejam violentos, mas sim que sejam banais, formulaicos e previsíveis”. Um dos objetivos deste trabalho é justamente apresentar – através da análise semiótica – três games que caminham na contramão da crítica de Jenkins e, com essa reflexão, alimentar e expandir essa área de pesquisa ainda tão carente, não só no Brasil, como no mundo.

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O advento do ciberespaço e as linguagens líquidas Com a finalidade de melhor embasar a análise semiótica dos games propostos, será apresentada uma breve contextualização do universo digital atual, com foco nas teorias de jogos e, mais especificamente, de games. De início, deve ser mencionado que esse contexto é definido por ciberespaço, e se encontra no domínio das linguagens líquidas. Nele, “linguagens antes consideradas do tempo – verbo, som, vídeo – espacializam-se nas cartografias líquidas e invisíveis do ciberespaço, assim como as linguagens tidas como espaciais – imagens, diagramas, fotos – fluidificam-se nas enxurradas e circunvoluções dos fluxos” (SANTAELLA, 2007: 24). Outro aspecto essencial para melhor compreender o contexto das futuras análises é a noção de desconstrução do sujeito. Antes, na cultura impressa, o indivíduo era visto como um ser autônomo e racional, possuidor de uma identidade fixa e estável. Com o advento da cultura digital, esse indivíduo torna-se múltiplo, descentrado, com uma identidade instável. Santaella reforça, no entanto, que o que se multiplicou não foi o sujeito, mas sim a realidade: “o efeito das novas mídias, tais como internet e realidade virtual, entre outras, é potencializar as comunicações descentralizadas e multiplicar os tipos de realidade que encontramos na sociedade” (SANTAELLA, 2007: 92). A variedade de práticas na rede – com o uso de e-mail, programas de bate-papo online e videoconferências, por exemplo – constituiu “um sujeito múltiplo, instável, mutável, difuso e fragmentado, uma constituição inacabada, sempre em projeto” (SANTAELLA, 2007: 92). No entanto, a tendência à instabilidade é uma característica da subjetividade e do ego humanos, o qual apenas encontrou no ciberespaço o melhor meio de representação. No domínio do ciberespaço, o indivíduo encontra-se submerso no reino do simbólico, livre de sua fisicalidade: agora, seus significados são diretamente relacionados às suas descrições puramente virtuais. A autora considera que, ao invés de identificação, o melhor termo que definiria a relação homem-ciberespaço seria o de incorporação, uma vez que nele “não existe o distanciamento necessário entre o sujeito e aquilo a que ele pode se identificar – a identidade é a ele incorporada, entra-se na pele do outro, tornamo-nos o outro” (SANTAELLA, 2007: 96). A principal novidade do ciberespaço, portanto, não consiste na multiplicação identitária do sujeito – visto que a identidade humana é, por natureza, múltipla – e sim

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na possibilidade de manifestação dessa multiplicidade. No ciberespaço, o indivíduo encontra a possibilidade de experimentar, como forma até mesmo de brincadeira, todas as faces de sua múltipla identidade. Janet Murray, em seu clássico Hamlet no Holodeck, diz que ao possibilitar inúmeras manifestações das identidades do sujeito, o ciberespaço concretiza um desejo ancestral humano: viver fantasias em universos ficcionais. Por ser um meio participativo e imersivo, o ciberespaço tem a capacidade de satisfazer esse desejo humano da forma mais completa possível, pelo menos até o atual momento: “com detalhes enciclopédicos e espaços navegáveis, o computador pode oferecer um cenário específico para os lugares que sonhamos visitar” (MURRAY, 2003: 101). A autora define, então, as duas características mais importantes do ciberespaço: a imersão e o agenciamento. Por imersão, Murray considera toda e qualquer experiência prazerosa na qual o indivíduo é transportado para um lugar simulado, independentemente do conteúdo ficcional do qual é constituído. Ambientes simulados por computador são por ela definidos como possíveis “lugares encantados” e podem proporcionar a estrutura necessária para uma visita de imersão. Neles, a tela do monitor funcionaria como uma quarta parede e o controle – mouse, teclado, joystick entre outros – como um objeto liminar que permite entrar e sair da experiência (MURRAY, 2003: 109). Outro aspecto determinante para uma experiência de imersão bem-sucedida é pela autora definida como a “criação ativa da crença”. Segundo ela, a tendência de um indivíduo imerso em um ambiente simulado é a de acreditar na possível existência desse ambiente, ao invés de questionar ou duvidar. “Por causa de nosso desejo de vivenciar a imersão, concentramos nossa atenção no mundo que nos envolve e usamos nossa inteligência mais para reforçar do que para questionar a veracidade da experiência” (MURRAY, 2003: 111). Vale ressaltar que o indivíduo que segue o caminho contrário – da dúvida e da descrença – é aquele não consegue extrair uma experiência estética satisfatória de ambientes simulados. No ato de jogar, trata-se do famoso “estragaprazeres”. Um dos elementos mais comuns dos ambientes simulados é a representação do indivíduo imerso através de um personagem virtual – um avatar. Para Murray, esse avatar funciona como uma máscara indicadora do limiar, a qual separa participantes de não-participantes e também cria as fronteiras da realidade imersiva. Através da máscara, o indivíduo declara estar representando um papel e não agindo como si próprio.

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A segunda característica importante do ciberespaço, segundo Murray, é a capacidade de agir, ou seja, o agenciamento. A autora diz que, quanto mais bem resolvido o ambiente de imersão, mais ativo um indivíduo deseja ser no momento de interação. A agência, mais do que a capacidade de agir, é também definida pela capacidade gratificante de assistir aos resultados das próprias ações e escolhas tomadas. No computador, o indivíduo pode encontrar um universo que é alterado de forma dinâmica de acordo com sua participação (MURRAY, 2003: 128). A forma de agência de ambientes digitais é principalmente determinada pela navegação espacial, a qual desperta o prazer humano “da exploração e das repetidas chegadas”. Esse prazer pode ser apresentado pelos ambientes simulados através de duas formas diferentes, cada uma com um poder narrativo próprio: pelo labirinto solucionável e pelo rizoma emaranhado. O primeiro, o labirinto solucionável, é também pela autora definido como a “casa maluca”2, a qual incorpora a narrativa clássica de contos de fadas. Composto por perigo e salvação, nele o indivíduo encontra-se no confronto entre encontrar o caminho (problema cognitivo) e enfrentar o assustador e o desconhecido (problema emocional simbólico). Essa forma de narrativa é bem apropriada para o ambiente digital, uma vez que a história encontra-se relacionada à navegação do espaço. Essa forma, no entanto, apresenta um problema: por apresentar muitas vezes uma solução exclusiva, ou seja, uma única saída, pode ser muito limitante: “o desejo de agência nos ambientes digitais deixa-nos impacientes quando nossas opções são tão limitadas. Queremos uma estrada aberta, com vasta liberdade para explorar e mais de um caminho para chegar em qualquer lugar” (MURRAY, 2003: 132). A segunda forma, a do rizoma emaranhado, é pela autora definido como “o hipertexto narrativo pós-moderno”. Ao explorar um ambiente rizomático, encena-se uma história de perambulações, de atração por rumos conflitantes, de constante abertura para a surpresa, de uma sensação de impotência para se orientar ou encontrar uma saída, mas tal história é também estranhamente reconfortante” (MURRAY, 2003: 133). Numa narrativa rizomática, o leitor encontra-se protegido da situação de irreversibilidade da morte, uma vez que a própria narrativa não precisa terminar em um ponto específico. 2

Por “casa maluca”, Murray define qualquer jogo computacional de quebra-cabeça baseado num labirinto no qual o jogador é levado através de um espaço disposto em múltiplas camadas, “que lembra vagamente um palácio das ‘Mil e Uma Noites’”. (MURRAY, 2003: 130) O termo se refere às atrações geralmente presentes em parques de diversões, nas quais os participantes também são convidados a explorar diversos ambientes, como um labirinto de surpresas.

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Outra das características principais que diferenciam a narrativa “casa maluca” da rizomática é o fato de que na última não existe o problema limitante da saída única. Nela, a história é constituída por uma multiplicidade de enredos significativos, que giram em torno de um núcleo de ação ou violência. Ao apresentar diversas soluções que dependem unicamente das escolhas e atuações do indivíduo nela imerso, essa multiplicidade de enredos enriquece a narrativa, que é pelo indivíduo reconstituída a partir de perspectivas diferentes. “Reconstituir a situação a partir de perspectivas diferentes leva a um contínuo aprofundamento da compreensão do leitor sobre o ocorrido, aprofundamento esse que pode resultar num sentimento de resolução capaz de levar em conta a complexidade da situação e de manter o momento do choque inalterado e ainda central” (MURRAY, 2003: 135). Nesse caso, a narrativa é desvendada como fragmentos de um quebra-cabeça. Outro aspecto interessante de ser ressaltado que intensifica tanto a imersão quanto o agenciamento do indivíduo é o prazer de solucionar problemas. Os enigmas mais satisfatórios são aqueles em que o indivíduo deve investir um raciocínio lógico do mundo real no mundo virtual; como consequência, pode-se dizer que todos os jogos, eletrônicos ou não, podem ser experimentados como dramas simbólicos, onde o próprio indivíduo é o protagonista da ação simbólica: “Nos jogos (...) temos uma oportunidade para encenar nossa relação mais básica com o mundo. (...) os jogos são ações rituais que nos permitem encenar simbolicamente os padrões que dão sentido às nossas vidas” (MURRAY, 2003: 141). O fato de serem recreativos advém da falta de benefícios imediatos para a sobrevivência daquele que joga. Entretanto, as habilidades para jogar são comportamentos adaptáveis. Em outras palavras, o ato de jogar serve como um treinamento daquele que joga, um treinamento seguro com valor prático real. Pode-se, portanto, concluir que o ato de jogar funciona como um ensaio para a vida. Ao combinar o sentido de agência com o de imersão, aplicados no contexto dos games, tem-se “o casamento perfeito entre o dispositivo de controle e a ação na tela. Um clique tangível no mouse ou no joystick resulta numa explosão. É necessário um mínimo esforço de imaginação para entrar num mundo como esse, porque a sensação de agência é muito direta” (MURRAY, 2003: 143). Para concluir, Murray define a atuação daquele que joga como agente, e não coautor. Uma vez que o indivíduo tem a possibilidade de atuar apenas dentro dos limites estabelecidos pelo roteiro e programação pré-definidos, pode-se dizer que a autoria nos

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meios eletrônicos é procedimental. O autor de um game não cria cenas específicas, mas “um mundo de possibilidades narrativas”. Em outras palavras, o autor é responsável pela criação de uma estrutura de estruturas possíveis.

Sobre o lúdico, o jogo e o jogar Uma vez apresentado o ciberespaço, vale também contextualizar algumas diretrizes que norteiam o tema central deste trabalho: o lúdico, o jogo e o ato de jogar. A respeito da natureza e do significado do ato lúdico, o pesquisador Johan Huizinga (1958) define o ato de jogar como “uma atividade livre, conscientemente tomada como ‘não-séria’ e exterior à vida habitual, mas, ao mesmo tempo, capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total”. Segundo o autor, a função do jogo pode se resumir a uma luta por alguma coisa ou a representação de alguma coisa (SANTAELLA & FEITOZA, 2009: 6). No universo dos games, ou jogos computacionais, a função não sofre alteração; a maior mudança se deu pela simulação. Neles, tanto os comportamentos (ações), quanto os espaços (ambientes) passaram a ser simulados digitalmente. O lúdico é definido por Santaella como a capacidade para brincar, “o dispêndio sem finalidade utilitária, da energia física e psíquica acumulada” (2007: 406). Segundo a autora, ao longo de sua história, o homem transmutou a brincadeira em arte, em jogo, em música e em poesia, que se tornaram brincadeiras codificadas. Hoje, a brincadeira codificada de maior atenção e sucesso de público é a dos jogos eletrônicos. O jogo, no entanto, não possui um meio único de suporte. Segundo o pesquisador Jesper Juul (2003), o que existe é uma variedade de mídias, cada qual com seus próprios potenciais. O computador é, segundo ele, apenas a mídia mais recente que surgiu. Em busca de uma definição de jogo satisfatória e independente do suporte utilizado, Juul afirmou que deveria considerar três fatores principais: 1) os tipos de sistemas criados pelas regras de um jogo; 2) a relação entre o jogo e o jogador; e 3) a relação entre o ato de jogar e o mundo. Ao unir diversas definições de jogo e do ato de

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jogar de diversos pesquisadores 3, o autor extraiu seis características principais de todo e qualquer jogo – independente do meio: 1) Regras: todo jogo é baseado em regras; 2) Resultado variável e quantificável; 3) Valorização do resultado: os resultados potenciais dos jogos têm valores diferentes, podendo ser positivos ou negativos; 4) Esforço do jogador: o jogador se esforça para influenciar o resultado; 5) Vínculo do jogador ao resultado: o jogador está emocionalmente vinculado ao resultado (se ganha, fica feliz; se perde, triste); 6) Consequências negociáveis: o mesmo jogo pode ser jogado com ou sem consequências para a vida real. Juul chegou, então, à seguinte definição de jogo: “Um jogo é um sistema formal, baseado em regras, com um resultado variável e quantificável, no qual diferentes resultados são atribuídos por diferentes valores, o jogador empenha esforço a fim de influenciar o resultado, o jogador sente-se vinculado, e as consequências da atividade são opcionais e negociáveis”4

Essa definição abrange todo e qualquer tipo de jogo, independentemente do suporte utilizado. Com os games – os jogos eletrônicos –, Juul alerta para algumas mudanças. A primeira e mais significativa delas: agora, é o computador quem controla as regras, o que permitiu que os jogos se tornassem mais complexos do que antes. Por exemplo, em alguns games surgiu a possibilidade do jogador nunca atingir um objetivo final – nesses jogos, com objetivo indeterminado, joga-se pelo simples prazer de continuar jogando. Existem jogos, inclusive, em que, além de não ter objetivo algum definido, não existe um resultado positivo ou negativo – como The Sims. Outra mudança que o autor aponta é a possibilidade, em alguns games, da modificação de suas regras básicas. Nestes, a jogabilidade assemelha-se a uma “caixa de

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A tabela com todas as definições utilizadas pelo autor encontra-se em seu artigo “The Game, the Player, the World: Looking for a Heart of Gameness” (2003), disponível em: . Acesso em 2012. 4

Tradução de João Ranhel (2009: 12).

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peças montáveis”, onde o jogador pode interagir com, alterar e até mesmo personalizar suas estruturas básicas, funcionando como complexas caixas de peças virtuais de Lego. Para Juul, a afinidade entre os jogos e os computadores tem sua principal causa no fato dos games serem um fenômeno transmidiático: não são necessariamente associados a uma plataforma específica, mas sim ao processamento computacional de dados. E mais: como os jogos têm nas regras suas estruturas primordiais, o computador se tornou uma excelente plataforma, devido à sua alta capacidade de processamento. Ao refletir a respeito da recepção – do ponto de vista daquele que joga – podese afirmar que a busca por satisfação e entretenimento são os objetivos principais. Segundo Adriana Sato, é a satisfação obtida a cada aprendizado e a superação de um desafio que levam à diversão e ao prazer, e determina o aspecto lúdico no jogo (SATO, 2009: 38). Seria impossível levantar a questão da recepção sem tocar na forma de atuação daquele que joga: sua representação. O indivíduo que joga representa seu papel de acordo com o que acredita ser o mais adequado; diversas vezes chega a contrariar suas atitudes e posturas da vida real. Aqui, pode ser retomada a questão do ato de jogar enquanto ensaio da vida: o jogo possibilita a exploração de novos limites, percepções e desejos. Em outras palavras, permite àquele que joga experiências novas que vão além de seu cotidiano. O fator lúdico está justamente nas ações dentro do jogo, que importam muito mais do que a sua finalidade. A estrutura do jogo muitas vezes é baseada em uma jornada central, na qual o protagonista deve passar por um percurso repleto de obstáculos, em busca da resolução de um problema maior – diretamente relacionada à jornada do herói, estruturada por Joseph Campbell (2007). A jogabilidade, no entanto, pode ser focada em duas habilidades distintas do jogador: sua agilidade e coordenação motora (como em jogos de ação e aventura) ou sua capacidade analítica (como em jogos de enigmas a serem desvendados). Segundo Renata Gomes (2009), ao reproduzir o mais diretamente possível as ações e motivações do jogador em seu avatar, o game também eleva seu potencial de agenciamento – acarretando uma maior imersão. Mais do que isso, através das atividades e desafios impostos pelos games e superados pelos jogadores, é possível que seja criada com maior eficiência a identificação entre o gamer e seu personagem virtual, através de seu instinto de sobrevivência:

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“Diante de uma situação de ‘vida ou morte’, qualquer um tende a buscar a saída que lhe preserve a vida e, assim, interator e protagonista, impulsionados por um instinto de sobrevivência, que é o mais universal possível em termos de intenção dramática, conseguem, finalmente, ser um só herói” (GOMES, 2009: 73).

Outro aspecto interessante de ser mencionado é o sentido de realidade que o game deve proporcionar ao jogador. Segundo Gomes, esse sentido de realidade está diretamente relacionado à existência de coisas à revelia das intenções do jogador. Em outras palavras, a realidade é caracterizada por tudo aquilo que se apresenta inflexível e intransigente em relação à vontade do jogador. A autora diz que a criação desse efeito é a pedra fundamental para “o estar no mundo do game” (GOMES, 2009: 79). A existência de elementos inacessíveis e não controlados pelo jogador também levanta outra questão fundamental: a necessidade da presença do outro nos games. Sergio Nesteriuk (2003: 6) afirma que a necessidade do outro – que não é necessariamente outro jogador – é embasada na necessidade de um contra-lance. Para o autor, não existe “um jogar para si somente, visto que todo jogar é um ser jogado”. Sobre essa questão, Gadamer acredita que “o verdadeiro sujeito do jogo não é o jogador, mas o próprio jogo. É o jogo que mantém o jogador a caminho, que o enreda no jogo, que o mantém em jogo” (GADAMER, 1997: 181).

Relevância cultural, pesquisa e mercado Como já afirmado no início do trabalho, a relevância cultural dos games pode ser exposta de maneira estatística pelos dados de seu mercado. Atualmente, encontra-se em primeiro lugar da indústria econômica de entretenimento – superior à indústria audiovisual – e em terceiro lugar da economia mundial, seguida apenas pelas indústrias bélica e automobilística (SANTAELLA, 2007: 407). Segundo Santaella, os games são os grandes estimuladores e responsáveis pelo avanço tecnológico da indústria do entretenimento. Ao aproveitarem-se das pesquisas de ponta, não só tiram proveito das novidades como também agilizam sua disponibilidade ao grande público. Sobre este assunto, Poltronieri encontra um ponto de intersecção entre os games e a arte. Em seu estudo a respeito dos parangolés de Oiticica

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(POLTRONIERI, 2009: 165), o autor diz que “a arte muitas vezes tem o poder de antecipar os desenvolvimentos tecnológicos bem antes de uma geração”. Sob outra perspectiva, em seu estudo Cultura da Interface, Steven Johnson acredita que os meios modestos do presente fazem com que estejamos para o videogame do futuro assim como a obra de Melié está para a de Welles no cinema (JOHNSON apud NESTERIUK, 2004). Para o autor, os jogos de videogame fornecem para nós uma das maneiras mais claras e diretas de vislumbrar o futuro através dos limitados meios disponíveis no presente. Enquanto área de pesquisa, Nesteriuk apresenta três linhas principais de estudos de games: os estudos funcionalistas, os estudos técnico-tecnológicos e os estudos formalistas. Os primeiros partem do estudo das causas, consequências e efeitos dos jogos – o meio é a mensagem – e estão divididos entre visões apocalípticas (neoluditas) e integradas (tecnoutópicas). Os segundos têm foco no desenvolvimento e na exploração da inteligência artificial, na computação gráfica, na programação e nas demais ciências técnicas e computacionais. Para eles, o videogame é usado para fins experimentais, como um laboratório de novas linguagens e tecnologias – o jogador é visto como explorador das potencialidades tecnológicas. Os terceiros e últimos, formalistas, concentram seus estudos nas questões referentes à linguagem, à estética e à retórica do meio – o meio não é a mensagem; seus pesquisadores investigam as formas expressivas e as potencialidades intrínsecas do videogame. Infelizmente, é a linha de estudos onde encontra-se o menor número de pesquisadores (NESTERIUK, 2009: 23). Um dos motivos para essa escassez, segundo o próprio autor, é o fato dos games serem hoje “um dos fenômenos tecnológicos de maior interdisciplinaridade e complexidade para se estudar”. Nesteriuk acredita que, ao serem incentivados os estudos formalistas e qualitativos sobre o videogame, possa ser criada uma “vida inteligente” dentro dele, a partir do momento em que ele seja pensado enquanto meio expressivo interativo, imersivo e comunicacional. Sua produção, no entanto, esteve há muitos anos na contramão desse ideal. A respeito da produção dos games, Johnson (apud NESTERIUK, 2004) acredita que vivemos sob uma “tirania do mercado”, a qual dita a produção de acordo com estatísticas de venda e não de investigação e inovação experimental. Segundo o autor, uma possível saída para esse “tiranismo” estaria no desenvolvimento de uma geração de vanguarda digital ativa e participativa, que seria capaz de desenvolver e

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oferecer alternativas significativas a esta situação. Ele acredita que isso poderia se dar de duas formas: através da subversão do meio e da abertura de novas possibilidades exploratórias. Outro problema fortemente enraizado na cultura midiática é o menosprezo crítico com relação ao videogame em geral. Visto como algo banal, vulgar e nocivo, é erroneamente acusado de estimular comportamentos agressivos e violência: “Ao longo de sua história, o videogame já foi vítima – para absoluta indignação e revolta dos jogadores e seus defensores mais fervorosos – de inúmeras denúncias e acusações, desde ser gerador de imbecilidades até formador de assassinos. Esse tipo de abordagem volta a ser adotada constantemente no caso de tragédias e violência envolvendo, sobretudo, crianças e jovens. Nesses casos, o videogame foi apontado por uma parcela da sociedade como o principal responsável por tais atitudes, o que promoveu movimentos favoráveis à proibição de alguns jogos e até do próprio videogame em si.” (NESTERIUK, 2003: 1).

Este trabalho busca demonstrar possíveis exemplos de subversão e de novas possibilidades, que vão na contramão das críticas atuais, através da análise dos games Flower, EyePet e Heavy Rain.

Classificações e a hibridização das linguagens Os jogos computacionais são, por constituição, definidos por sua hibridização de linguagens. Segundo Santaella (2007), games são híbridos por envolverem programação, roteiro de navegação, design de interface, técnicas de animação e usabilidade; a partir dessa hibridização, surge a natureza intersemiótica dos games: “pela interseção de linguagens ou processos sígnicos (jogos tradicionais, quadrinhos, animações, cinema...) que passam por um processo de tradução intersemiótica (Plaza, 1987) para se adequarem aos potenciais abertos pelas novas tecnologias”

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(SANTAELLA, 2007: 408). Outro aspecto importante da constituição dos games – e que pode reforçar seu caráter híbrido – é sua ligação direta com os computadores: uma vez que existem na 5

Vale ressaltar que, segundo a autora, da mesma forma que os games absorvem as linguagens de outras mídias, estas também passam a incorporar recursos semióticos e estéticos que são próprios dos games, como nos filmes “Matrix”, “Kill Bill” e “Corra, Lola, Corra”. (SANTAELLA, 2007: 408).

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forma de algoritmos, necessitam da mediação de processadores eletrônicos digitais para serem executados. Nessa característica reside, segundo Juul, a principal diferença entre os games e seus antepassados analógicos. Em suas palavras, “a principal diferença entre um jogo computacional e seus precursores não eletrônicos encontra-se no fato de que os jogos computacionais adicionam automação e complexidade – eles podem manter e calcular as regras do jogo por si mesmos, possibilitando, portanto, mundos mais ricos no interior dos games” (SANTAELLA, 2009: 57). Com a finalidade de melhor compreende-los, os games receberam diversas classificações, cada uma levando em consideração um de seus aspectos. A primeira delas a ser aqui apresentada é a divisão de Neitzel (apud SANTAELLA, 2007), que define três grandes classes de games de acordo com seu gênero. A primeira classe abrange os games baseados em ação, considerados não-narrativos (aqueles de luta, de competição ou esportivos). A segunda, contém os games de inteligência, baseados nas ações de construir e destruir (games de simulação, quebra-cabeças, estratégias ou enigmas). A terceira e última divisão engloba os games de exploração e aventura, considerados narrativos (basicamente, os de RPG gráficos ou textuais). A segunda classificação a ser apresentada é citada por Santaella (2009) e leva em consideração o suporte utilizado pelos games. Aqui, têm-se os jogos para consoles (onde os principais hoje, de mercado e público, são o Playstation, o Xbox e o recente Wii U), os jogos para computadores (que são softwares instalados nas máquinas) e os jogos para arcades (máquinas compostas por CPU e monitor embutidos, vulgos fliperamas). Apesar de todas as divisões, adotou-se o termo videogame para designar qualquer um dos tipos, uma vez que todos eles têm em comum a mesma estrutura digital: todos dependem do processamento computacional, tanto para sua produção, quanto para seu processamento. Ao pensar a respeito de sua recepção – a jogabilidade – Juul localiza os games no limiar entre dois mundos: o mundo da imaginação e fantasia (o reino do fictício) e o mundo do cotidiano (o reino do real). Se o game for pensado enquanto interação com regras reais, ele se encontra sob domínio do cotidiano; se for pensado enquanto imersão em um mundo fictício, encontra-se sob o domínio da fantasia. O sistema do jogo, portanto, é composto pelo mundo da imaginação, responsável por tornar o game atrativo e imersivo, e pelo mundo cotidiano, responsável por trazer elementos identificáveis ao jogador e impedir que o game torne-se desinteressante.

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A pesquisadora Adriana Sato defende a importância do paradoxo desses mundos para o prazer da jogabilidade (SATO, 2009: 44). Para ela, é imprescindível que os eventos do game façam algum sentido ao jogador e que possam ser associados a experiências anteriores – ou ao seu repertório, ou ao seu conhecimento formal e empírico. Dessa forma, o processo imersivo é garantido através da associação aos sistemas simbólicos do jogador. Sobre isso, a autora cita também a opinião de Arlindo Machado, segundo o qual “ao interpretar, o interator reconhece e identifica, ou associa os elementos apresentados na mídia ao seu imaginário. Ele pode dar significados a estes elementos ou ainda ressignificá-los conforme seu sistema simbólico” (SATO, 2009: 45). Uma outra linha interpretativa dos games enquanto linguagem híbrida é responsável por pensá-lo enquanto forma de arte. Aarseth (apud SANTAELLA, 2007: 408) acredita que os games “são um gênero artístico por si mesmos, um campo estético único de possibilidades, que deve ser julgado em seus próprios termos”. Para o autor, os games constituem um expressivo e complexo fenômeno cultural, estético e de linguagem. Já para Jim Andrews, um dos maiores pontos de intersecção entre a arte e o jogo se encontra na noção de lúdico (ANDREWS, 2009: 144). O jogo também pode ser visto enquanto arte ao ser analisado seu aspecto de constante transformação em configuração. Sérgio Nesteriuk (2003) diz que tal aspecto “apresenta o estado do jogo humano liberto de sua atividade representativa, formando sua real consumação em ser arte”. O jogo passa, então, a ser visto enquanto fenômeno puro daquilo que se joga. Para Nesteriuk, obra de arte é aquilo que se mantém de forma infinita, sempre atual e viva na memória, e que traz à tona novas possibilidades do passado, de transformação. Da mesma forma, pode-se observar em videogames, a transformação em configuração da narrativa: liberta de seu referencial essencialmente representativo, ela passa a operar dentro de sistemas e de configurações de simulação, e atinge hermeneuticamente seu status arte.



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Games: características fundamentais Antes de partir para a análise dos games propostos, uma melhor compreensão de seus aspectos fundamentais faz-se necessária. Uma vez compreendidos os alicerces, a reflexão sobre as diferenças e dominâncias específicas se tornará mais clara. Como ponto de partida, tratar-se-á a respeito do tempo no universo dos games. Muitos games têm por fator básico a projeção de um mundo virtual, no qual o ato de jogar significa envolver-se em uma brincadeira de faz-de-conta. Nela, aquele que joga apresenta-se tanto como si mesmo quanto como um outro – no papel que lhe é designado pelo mundo virtual. Essa dualidade, segundo Juul (2004), reflete-se no tempo do jogo, que pode ser dividido entre o tempo do jogar (o tempo que o jogador leva para jogar) e o tempo do evento (o tempo que passa no mundo virtual do jogo). Na jogabilidade, o fator fundamental dos jogos consiste em sua mudança de estado, ou seja, o movimento entre o estado inicial, no qual uma ação ainda não foi decidida, e o estado seguinte, consequente da ação já realizada. O jogo pode, portanto, ser considerado uma máquina de estados, através do qual o jogador apenas interage com seu estado atual. Em um jogo cujo tempo de evento equivale ao tempo do jogar, ou seja, um jogo em “tempo real”, o jogador atua como si próprio ao mesmo tempo em que é um personagem do mundo virtual. Em jogos de tiro tem-se um claro exemplo do tempo real 1:1 – o tempo de jogar equivale ao tempo do evento: ao mesmo tempo em que o jogador pressiona um botão de seu controle, um tiro é disparado pela arma virtual no mundo do game. Outros elementos, que também interferem na noção do tempo no game, são as chamadas “cut-scenes”

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– animações narrativas não-interativas que são disparadas no

desenrolar do jogo e que complementam o repertório do jogador – e a função de salvar (“save game”), a qual permite ao jogador gravar o estado do jogo em que se encontra para que continue posteriormente – ocorre uma pausa no tempo de evento que pode ser retomado posteriormente sem perda de informação alguma para o jogador 7. 6

“Cut-scenes depict events in the event time (in the game world). Cut-scenes are not a parallel time or an extra level, but a different way of creating the event time. They do not by themselves modify the game state - this is why they can usually be skipped, and why the user can’t do anything during a cut-scene. While action sequences have play time mapped to event time, cut-scenes disconnect play time from event time” (JUUL, 2004). 7

Para o pesquisador Chris Crawford, a necessidade da possibilidade de “salvar” um jogo indica uma falha em sua jogabilidade. Para ele, “experienced gamers have come to regard the save-die-reload cycle as a normal component of the total gaming experience... Any game that requires reloading as a normal part of

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Também vale mencionar a questão do tempo subjetivo: a experiência de jogar pode ser considerada como resultado da relação entre o tempo do jogar com o tempo do evento, assim como dos resultados consequentes dos desafios e escolhas do jogador. Por definição, os games deveriam ser sempre experiências prazerosas. É aqui que surge a questão: o que poderia tornar os games experiências prazerosas? Juul tem uma possível resposta: escolhas interessantes. Os games que trazem escolhas muito óbvias tendem a gerar, como consequência, um gameplay desinteressante e tedioso. Além das escolhas interessantes, Juul destaca que, para serem prazerosos, os games deveriam alcançar o chamado “estado de fluência” (state of flow). Cunhado por Mihaly Csikszentmihalyi, o termo define o estado mental de satisfação que as pessoas atingem em diversas situações ao longo da vida. Para atingi-lo, um game não pode ser muito difícil – o que levaria à ansiedade – nem muito fácil – o que levaria ao tédio. A experiência do tempo no jogo, portanto, não depende apenas da relação entre o tempo do jogar e o tempo do evento, ou de seus desafios propostos, mas também depende da relação entre a dificuldade de sua jogabilidade e a habilidade do jogador. Um jogador apenas alcançará o estado de fluência se os desafios a ele propostos forem condizentes à sua capacidade e habilidade; quando isso ocorre, o jogador tem a sensação de que o “tempo voou” enquanto jogou. Para Santaella, os games também foram responsáveis por trazer o giro paradigmático da temporalidade para a espacialidade navegável (2007: 412). Segundo a autora, suas características principais consistem em sua natureza participativa, na interatividade e na imersão. A respeito da natureza participativa, basta pensar que sem a participação ativa e concentrada do jogador, não existiria jogo (SANTAELLA, 2007: 410). Sobre a interatividade, a autora destaca sua variação: desde a ação meramente reativa – a qual chama de baixa interação – até o limiar mais complexo – quando “o programa possui multiplicidade, não-linearidade, bidirecionalidade, potencialidade, permutabilidade, imprevisibilidade” – o qual chama de alta interação. Na alta interatividade, o jogador tem maior liberdade de intervenção, de criação e de participação. Santaella acredita que, nela, a interatividade não funcionaria apenas como experiência ou agenciamento do jogador, mas “como possibilidade de co the player’s progress through the system is fundamentally flawed. On the very first playing, even a below-average player should be able to successfully traverse the game sequence. As the player grows more skilled, he may become faster or experience other challenges, but he should never have to start over after dying.” (CRAWFORD apud JUUL, 2004).

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criação de uma obra aberta e dinâmica, em que o jogo se reconstrói diferentemente a cada ato de jogar” (SANTAELLA, 2007: 411). A imersão, segundo a autora, também possui uma graduação: da mais leve, na qual basta estar conectado a uma interface computacional; à mais profunda, encontrada na realidade virtual presente em CAVEs 8 – onde atinge-se o grau máximo de imersão. Já Adriana Sato define imersão como sendo a propriedade que, a partir da interação que o ambiente virtual promove, faz com que o jogador se integre a esse ambiente. Em outras palavras, é a propriedade responsável por tornar o jogador efetivamente participante deste ambiente. Segundo Sato, a imersão está ligada diretamente à fantasia, à fuga da realidade para um mundo virtual (SATO, 2009: 45). Seu pensamento encontra-se alinhado às ideias de Janet Murray, a qual associa a imersão ao encantamento da experiência: “a experiência de ser transportado para um lugar primorosamente simulado é prazerosa em si mesma, independentemente do conteúdo da fantasia. Referimo-nos a essa experiência como imersão” (SATO, 2009: 45). Sérgio Nesteriuk, por sua vez, define de forma muito clara a maneira ideal para se obter uma imersão bem-sucedida: “O que deve haver, então, é uma transferência plena para um outro mundo, o mundo do jogo, próprio em si mesmo e acima do questionamento do “mundo real”, pois a partir deste outro mundo há uma verdade própria. Assim é possível entendermos o videogame como algo mais do que quadrados ou polígonos que se mexem na tela.” (NESTERIUK, 2003: 9).

Para o autor ainda, outro aspecto fundamental para a compreensão dos games encontra-se na questão da interface, uma vez que ele considera a relação homemmáquina uma das mais férteis enquanto campo de criação. Nesteriuk diz que o ideal, a cada novo jogo, é a interface ser trabalhada de forma que ao mesmo tempo repita elementos passados – para que o jogador a assimile a seu repertório – assim como apresente novas estruturas de interação. Ele também acredita que o videogame esteja sob o domínio da coautoria, uma vez que cada jogo jogado é único, “não apenas em sua 8

“A sigla CAVE vem de Cave Automatic Virtual Environment, aqui conhecida por Caverna Digital. Trata-se de um pequeno ambiente onde são projetados gráficos tridimensionais em cada uma de suas superfícies – paredes, teto e piso. Através de um dispositivo, esses gráficos são atualizados em tempo real pela pessoa imersa na caverna, que pode explorar e interagir com ambientes e pessoas virtuais.” (ANTUNES: no prelo).

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instância mental ou interpretativa (cada jogador tem uma leitura), mas em sua própria existência enquanto jogo” (NESTERIUK, 2009: 28). A obra do videogame é, portanto, o resultado do próprio jogo jogado. Com isso, cabe ao designer de games a criação e disponibilização de uma estrutura necessária do jogo9, composta por um texto aberto à interatividade do jogador; em outras palavras, como dito anteriormente sobre a autoria em games, o designer de jogo é responsável por desenvolver uma estrutura de estruturas possíveis10. A interatividade, além de possibilidade de imersão, deve funcionar como possibilidade de construção de obras abertas e dinâmicas, nas quais os jogadores nunca possam se certificar de que um determinado caminho narrativo tenha sido percorrido em sua totalidade. Outro aspecto importante de ser apresentado é por Santaella definido como a problemática da auto-referencialidade ou reflexividade das mídias, segundo a qual “a mídia fala de si para si mesma inconsequentemente” (SANTAELLA, 2009: 53). Definida semioticamente, a auto-referencialidade ocorre quando um processo de signos – um discurso, um texto – refere-se a si mesmo, com maior ou menor intensidade, ao invés de se referir a algo fora da mensagem transmitida. Como exemplo principal de auto-referencialidade nos games, Santaella cita suas regras: um jogo deve ser autoexplicativo e as regras são justamente os elementos que desempenham essa função. A relação de estados definida por Juul e apresentada anteriormente – que considera o game como máquina de estados – é também pela autora reconhecida como outro elemento de sua auto-referencialidade. Segundo ela, essa relação de estados é indicadora da indexicalidade interna dos games: “o estado inicial, até certo ponto, antecipa o estado seguinte, e este último mantém a memória do estado anterior” (SANTAELLA, 2009: 59). Juul também analisa a função das regras e reflete acerca de suas propriedades ditas limitadoras (2003). No entanto, ao invés de acreditar que limitam as ações do 9

“Uma das maiores virtudes de um designer de videogame talvez seja a capacidade de fazer com que a repetição ofereça, a cada novo jogo, novas possibilidades exploratórias, assim como o próprio cotidiano que, à medida que se renova, nos oferece a cada dia desafios diferentes.” (NESTERIUK, 2004: 8). 10

“O designer precisa, dentro da lógica dessas estruturas, desenvolver linhas criativas paralelas e coerentes para que o jogador possa descobri-las por si só, sem com isso fechar outras possibilidades. Trata-se de um espaço "(...) multidimensional e teoricamente infinito, com uma igual infinidade de possibilidades de conexões, sejam elas programadas (fixas ou variáveis), randômicas ou ambas (programadas e randômicas)” (NESTERIUK, 2004: 9).

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jogador, o autor considera que essas mesmas ações tornam-se contextualizadas por elas. Segundo ele, as regras somam significado e possibilidades de ações, ao configurar as diferenças entre movimentos e eventos possíveis. Para finalizar a respeito dos aspectos fundamentais dos games, Sherry Turkle (apud NESTERIUK, 2003) levanta hipóteses interessantes sobre como a disseminação do uso dos computadores pessoais e da imersão no ciberespaço vêm alterando a nossa própria identidade. A autora defende que, além de ser uma ferramenta, o computador também oferece a nós tanto novos modelos de mentalidade como novos meios nos quais podemos projetar nossas ideias e fantasias. Em outras palavras, a multiplicidade do sujeito pós-moderno pode ser realizada de forma fluida no espaço virtual. A autora, entretanto, alerta: se por um lado a simulação permite que os jogos sejam transformados em realidade, por outro, ela também permite que a realidade seja transformada em jogo.

Narratologia versus Ludologia Atualmente, a oposição dominante no campo da pesquisa e estudos em games se dá entre ludologistas e os narratologistas. Os primeiros têm sua pesquisa enfocada na dinâmica do jogo, enquanto os segundos enfocam em seus aspectos narrativos. Para Renata Gomes (apud SANTAELLA, 2007: 412), o game pode ser visto como protótipo da narrativa da era digital. O jogador, através do avatar, encarna uma identificação responsável pela intensificação da competitividade e pelo seu envolvimento emocional e afetivo. Para Juul, todavia, os games não tratam apenas de contar boas histórias: sua qualidade depende principalmente da “liberdade que o jogador de um game tem para explorar e compreender a estrutura de um mundo irreal e para aprender a manipulá-lo” (SANTAELLA, 2007: 412). O autor, em seu estudo “Games Telling Stories?” (JUUL, 2001), define os três argumentos mais utilizados para que os games sejam considerados enquanto narrativas: 1) as pessoas utilizam a narrativa para descrever tudo; 2) a maioria dos games utiliza a narrativa em sua introdução e em seu contexto; e 3) os games possuem algumas características narrativas. Em contraposição, Juul também levanta três argumentos para que os games sejam considerados não-narrativos: 1) os games não fazem parte da ecologia midiática narrativa, composta por filmes, romances e peças de teatro; 2) o tempo nos games

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funciona de forma diferente do que nas demais narrativas; e 3) a relação entre o leitor/espectador e o mundo da história é diferente da relação entre o jogador e o mundo do jogo. Um dos argumentos que Juul utiliza para tentar esclarecer a disputa é atentar para a diferença entre o fato se usar a narrativa e o fato de ser narrativo. Ao se partir do princípio de que utilizamos a narrativa para dar sentido às nossas vidas (para processar informação) e que podemos até mesmo contar uma história de um game jogado, nenhum gênero ou forma pode estar completamente fora da narrativa. No entanto, o fato de se considerar as narrativas como fundamentais para o pensamento humano não significa que tudo deva ser descrito em termos narrativos. Da mesma forma, não é porque algo pode ser apresentado de forma narrativa que sua natureza é, por definição, narrativa. Em alguns games, por exemplo, existem as chamadas “back-stories”, que são histórias-base com a finalidade de dar um contexto ao mundo virtual. Não é porque existe uma contextualização em forma narrativa que os games assim contextualizados são narrativos; na verdade, esses games apenas se utilizam da narrativa para objetivos específicos. Outra diferença que deve ser considerara: uma sessão de um game jogado não pode ser visto como uma história fechada, com um começo, um meio e um fim. A sessão deve, isso sim, ser vista como uma das inúmeras possibilidades de histórias que o game pode apresentar; deve-se, para isso, considerar a experiência do gamer enquanto um participante ativo e a sessão do jogo, apenas uma das versões possíveis. Juul também diferencia as narrativas pelo fato de elas se apresentarem como estruturas independentes de meio. Em outras palavras, uma história pode ser traduzida de um meio para outro, sem que haja perdas significativas em seu conteúdo. A estrutura das narrativas pode ser dividida em discurso (o ato de contar a história) e história (a história em si, contada); a história, por sua vez, é composta por dois elementos principais: os existentes (personagens e configurações) e os eventos (ações e acontecimentos). Desta forma, uma mesma história pode ser reconhecida em diferentes discursos por possuir os mesmos existentes (personagens com mesmos nomes, por exemplo) e/ou os mesmos eventos. Dito isto, se o jogo eletrônico fosse de fato um meio narrativo, as histórias de outras mídias deveriam ser facilmente adaptáveis a ele, assim como os próprios games deveriam ser facilmente adaptados a outras mídias – fato que

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não ocorre sem a perda de elementos fundamentais, como a interação. Nos games, a ligação entre a história e o discurso faz-se essencial. Já a respeito do tempo, a narrativa pode ser dividida entre dois tempos distintos: o tempo da história (o tempo dos eventos contados, em sua ordem cronológica) e o tempo do discurso (o tempo do ato de contar a história, na ordem em que é contada). Em uma narrativa verbal, o tempo gramatical deve necessariamente apresentar uma relação temporal entre o tempo do discurso e o tempo da história – de maneira geral, existe um distanciamento que torna clara a diferença entre os tempos (por exemplo, histórias que começam com "Era uma vez, há muito tempo atrás..."). Por outro lado, ao se considerar o tempo nos games, deve-se levar em conta o agora: dificilmente existe o distanciamento entre o tempo da história e o tempo do discurso. Nos games, os eventos representados não podem já ter ocorrido ou serem passados, uma vez que os jogadores podem influenciá-los diretamente, em tempo real. Dessa forma, Juul comprova que a interatividade e a narrativa são dois aspectos impossíveis de serem simultâneos: “it is impossible to influence something that has already happened. This means that you cannot have interactivity and narration at the same time”. O autor ainda reforça sua teoria ao mencionar que, na maioria dos games, operações narrativas como flashback ou flash forward são praticamente inexistentes: não faria sentido algum se o jogador pudesse, por exemplo, “morrer” com seu personagem em um flashback, uma vez que ele sabe que o mesmo personagem se encontra vivo no futuro. A questão do agora também demanda um esforço por parte do interator. Quanto mais aberta à interpretação é uma narrativa, maior é a ênfase no esforço do leitor/espectador no agora. A diferença, entretanto, entre o agora das narrativas e o agora dos games é que o primeiro diz respeito à situação em que o leitor, ao se esforçar para interpretar, obscurece a história – o texto transforma-se completamente em discurso e, consequentemente, as tensões temporais são aliviadas. Já o agora dos games significa a convergência do tempo da história com o tempo do jogar, sem que o contexto – o game – seja obscurecido pelo jogador. Para concluir, Juul acredita que 1) um jogador pode contar uma história a respeito de uma sessão de um game, 2) muitos games contêm elementos narrativos e, em muitos casos, os jogadores podem jogar com a finalidade de assistir a uma cena (cut-scene) ou a uma sequência narrativa; e 3) os games e as narrativas compartilham alguns aspectos estruturais. No entanto, seu objetivo em seu artigo é demonstrar que 1)

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os games e as histórias não são correspondentes traduzíveis como são os filmes e os romances; 2) existe um conflito inerente entre o agora da interação e o passado da narrativa (não pode existir narrativa e interação ao mesmo tempo); e 3) as relações entre o leitor/história e jogador/game são completamente diferentes: o jogador habita uma zona limiar, onde se torna tanto um sujeito empírico fora do game quanto um personagem com um papel a desempenhar dentro dele. Outro pesquisador a discutir essa dicotomia é Gonzalo Frasca (2003), que busca também deixar clara sua posição: para ele, não se pode descartar a narrativa da ludologia. Segundo o autor, alguns conceitos básicos da ludologia podem ser utilizados em parceria com a narratologia, com a finalidade de melhor compreender os videogames (FRASCA, 2003). Seu objetivo não é o de substituir a visão narratológica, mas sim de complementá-la. Frasca também defende o ato de jogar enquanto prática configurativa e não apenas interpretativa, ou seja, o ato de jogar é predominantemente um ato de construção, e não só de interpretação, como assistir a um filme ou ler um livro. A pesquisadora Karen Keifer-Boyd, ao citar Frasca, afirma que enquanto as narrativas são compostas de sequências de signos semióticos, as simulações geram signos (KEIFERBOYD, 2009: 131). De forma diferente da narrativa, as simulações não são feitas apenas de sequências de eventos; elas também incorporam regras de comportamento. Celia Pearce também defende a compreensão dos games com foco no ato de jogar. Para a autora, “A primeira (e mais importante) coisa a saber sobre os jogos é que eles são focados no jogar. Diferente de literatura e filmes, os quais estão focados na história, nos jogos tudo gira em torno do jogar e da experiência do jogador. Os designers de jogos estão muito menos interessados em contar histórias do que em criar uma estrutura convincente para jogar” (KEIFER-BOYD, 2009: 8).

Em um cinema, o espectador acompanha a jornada dos personagens por meio de um vínculo de natureza psicológica, mais narrativa; já nos games, quem deve resolver os conflitos é o próprio jogador, através de ações diretas. Os games podem, portanto, ser considerados como estruturas onde os jogadores atuam como agentes plenos, donos das ações.

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O pesquisador João Ranhel, por sua vez, discorre a respeito das naturezas diferentes das narrativas e dos games: “Narrativas descrevem ações passadas. Jogos são um agora, um fazer acontecer no momento em que são jogados. Narrativas baseiam-se em fatos que já ocorreram, suas relações de causa e consequência” (RANHEL, 2009: 17). No entanto, o autor alerta que quando ambos migram para os computadores, começa a haver uma fusão: “da literatura com narrativa linear passando por aplicativos multimídia e em hipermídia; dos games que são puras estruturas até os jogos de aventura e dramas interativos”. O que vale perceber, para o autor, é que quanto mais narrativo for o game, menos o jogador será agente (menos ele poderá agir e modificar o resultado da narrativa, como em RPGs gráficos); por outro lado, quanto mais o game for uma estrutura pura, mais o jogador será agente (mais ele poderá interferir no resultado, como em Tetris).

Figura 1. O diagrama de migrações de narrativas e games para meios computacionais, de Ranhel.

Para Jim Andrews, o próprio termo “imersão” é usado de forma mais literal quando relacionado aos games do que à literatura. Mesmo assim, o autor adverte que o termo deva permanecer em seu sentido figurativo: “somos quem somos onde estamos quando estamos, e não há como contornar esse fato” (ANDREWS, 2009: 141). Para finalizar, outra autora que trabalha a questão das narrativas em games é Marie-Laure Ryan. Em seu artigo “Beyond Myth and Metaphor” (2001), Ryan relaciona a questão da identidade com o distanciamento existente nos livros:

27 “If we derive aesthetic pleasure from the tragic fate of literary characters (…), if we cry for them and fully enjoy our tears, it is because our participation in the plot is a compromise between the first-person and the third-person perspective. We simulate mentally the inner life of these characters, we transport ourselves in imagination into their mind, but we remain at the same time conscious of being external observers” (RYAN, 2001: 4) .

Para a autora, a principal característica constituinte das mídias digitais – e que as diferencia da literatura – é a sua habilidade de responder a modificações impostas. Mesmo assim, o uso de elementos narrativos nos games é uma manobra recorrente, com a finalidade de atrair os jogadores. Ryan também acredita que a narratologia e a ludologia não devem ser excludentes, mas sim complementares. Ela diz que “The inability of literary narratology to account for the experience of games does not mean that we should throw away the concept of narrative in ludology; it rather means that we need to expand the catalog of narrative modalities beyond the diegetic and the dramatic, by adding a phenomenological category tailor-made for games” (RYAN, 2001: 10).

Possibilidades de experiências nos games Uma última reflexão antes da análise dos games propostos será a respeito das possibilidades de experiências que lhes são inerentes. De acordo com Murray, o ato de tornar-se uma personagem em um contexto de ficção deveria ser uma experiência prazerosa e, ao mesmo tempo, instrutiva. Ao relatar sobre o mito do Holodeck, a autora o descreve como um local seguro onde o interator poderia confrontar-se com seus sentimentos mais complicados, que de outra forma seriam suprimidos. O Holodeck, portanto, permitiria ao interator o reconhecimento de suas fantasias mais ameaçadoras, sem que elas o paralisassem (MURRAY apud RYAN, 2001). Outra possibilidade bastante recorrente nos games é a construção de sua narrativa baseada na estrutura mítica da jornada do herói, de Joseph Campbell. A estrutura é principalmente aplicada em games de aventura e de RPG: neles, tem-se a missão do herói de atravessar um território repleto de perigos os quais ele deve enfrentar para conquistar um objeto desejado. Pode-se, portanto, pensar que uma vez que a jornada do herói funciona como metáfora da vida, tem-se nos games os ensaios para ela.

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Ryan também relata a respeito da importância do limite de ação dos jogadores: os games de aventura, geralmente, não preveem cada desenvolvimento possível de sua narrativa, mas tentam manter as opções do jogador dentro de certo limite. Assim, seu destino não se afasta tanto da linha central da trama principal. A questão da reação imediata também é determinante da experiência do jogador; em outras palavras, seu agenciamento. Em um game, o jogador espera que suas ações tenham efeitos imediatos: quanto mais instantânea for a resposta do game à ação do jogador, maior é a sua sensação de poder – e maior sua imersão. Na visão de Ryan, esse pode ser um dos motivos do grande sucesso dos jogos de tiro: “Shooting gives an even greater feeling of power because of the instantaneous and dramatic result of pulling the trigger. The predominance of violence in computer games has been widely attributed to cultural factors, but I think that it can be partly explained by a desire for immediate response (…). The theme of shooting exploits with a frightful efficiency the reactive nature of the medium.” (RYAN, 2001: 9)

Karen Keifer-Boyd trata de outra dualidade: games finitos versus games infinitos. Enquanto os primeiros têm conjuntos de regras e resultados conhecidos, os segundos quebram as regras ou nem têm regras definidas – são jogados pelo puro prazer de continuar a jogar (KEIFER-BOYD, 2009: 125). Alguns artistas criam games infinitos como obras de arte; nesses jogos, raramente existe um jeito de “ganhar”. O objetivo é, na maioria dos casos, proporcionar uma experiência emocional. Outras possibilidades também são exploradas pelos games experimentais, nos quais seus idealizadores buscam expandir as possibilidades do formato, muitas vezes por meio de um questionamento metalinguístico da própria prática de jogar (KEIFER-BOYD, 2009: 151). Deve também ser considerada a existência de um paralelo entre o processo de fruição estética e a atividade de jogar. Para Jim Andrews, “a leitura de um poema (...), assim como duas partidas diferentes de um jogo, não se repete. A cada turno da leitura, haverá respostas diferentes da mesma pessoa” (KEIFER-BOYD, 2009: 155). Pode-se dizer, portanto, que os formatos que surgem na cultura digital potencializam os mecanismos de leitura, na medida em que estimulam processos mais abertos de produção de sentido. No entanto, na cultura digital, a produção de sentido resulta da combinação de fragmentos e da operacionalização de regras; por ser o interator quem

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estabelece as relações entre as partes e o desenrolar das regras, a fruição depende de um leitor atuante. A obra interativa também pode ser vista como campo de possibilidades, sempre em construção. Nela, cada interator atualiza parte das possibilidades em discursos únicos e a composição da obra se dá nessa tensão entre as brechas do discurso proposto e o desafio da inclusão dos diversos repertórios dos interatores –não mais limitados à contemplação, os interatores devem agir de forma efetiva (KEIFER-BOYD, 2009, 2009: 164-5). Deve também ser mencionado o princípio da interatividade dentro do universo dos games, o qual determina que a obra deva ser aberta aos interatores, possibilitandolhes a modificação dos roteiros. Para tanto, deve existir a possibilidade dos interatores incorporarem elementos não-lineares à sua constituição. Aqui, a mensagem não é mais fixa, mas “forma-se na mobilidade de jogos, que ocorrem simultaneamente, montados com unidades mínimas fornecidas por diversos participantes”. Em outras palavras, a interatividade deve ser interpretada enquanto ato de experimentar. Por último, ao se considerar a obra de arte como um jogo entre artista e participante, no campo da interação digital ela é representada pelos games. Neles, criam-se ambientes abertos e inacabados com regras básicas que possibilitam o diálogo com a indeterminação. Segundo Poltronieri (2009: 175), quando o interator é estimulado a participar da construção do projeto, seu interesse passa a ser maior. Ao participar efetivamente do desenvolvimento da narrativa, torna-se, ao mesmo tempo, receptor e produtor, mesmo sem ter o domínio pleno da tecnologia envolvida. Aqui, o interator não precisa ser artista para participar da construção da obra; o que precisa é existir um processo de desinibição para que os repertórios individuais venham à tona. Para o autor, tecnologias que buscam atender apenas a pulsões mercadológicas estão fadadas ao ostracismo ou à subutilização. O ideal seria que as características inovadoras fossem apropriadas com a finalidade de criar narrativas fantásticas nos ambientes digitais, que pudessem servir como instrumentos para o descondicionamento do homem e para sua reinserção de forma crítica na sociedade (POLTRONIERI, 2009: 178). Em outras palavras, os games podem ser utilizados para despertar os sentidos e o intelecto do homem.

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Diferentes possibilidades existentes Com o objetivo de apresentar diferentes possibilidades de experiências existentes hoje, foram selecionados três games com base na teoria Semiótica Peirceana, mais especificamente nas categorias fenomenológicas. Cada game tem sua proposta com a predominância da recepção em uma das três categorias: Flower, na primeiridade; EyePet, na secundidade; e Heavy Rain, na terceiridade. Antes de tudo, faz-se necessária uma breve introdução à Semiótica propriamente dita, para que seja esclarecida a metodologia de análise utilizada. Semiótica é, por definição, a ciência dos signos e de todas as linguagens. Os signos, por sua vez, estão em eterno crescimento no mundo. Segundo Santaella (2005), o que Peirce postulava como base de seu pensamento era a teoria do crescimento contínuo no universo e na mente humana. Agora, e cada vez mais, surge a necessidade da definição de uma ciência que consiga abarcar essa realidade em contínua evolução. Para a autora, é na Semiótica de Peirce que pode ser encontrada “uma fonte de inestimável valor para enfrentarmos esta exigência” (SANTAELLA, 2008: XIV). Por ser a ciência geral de todas as linguagens, a Semiótica tem por objetivo primordial "o exame dos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno como fenômeno de produção de significação e de sentido" (SANTAELLA, 2005: 13). Em todo e qualquer fenômeno 11, a Semiótica busca identificar e definir sua ação de signo, ou seja, seu ser de linguagem. Segundo Santaella, o primeiro passo a ser dado para um processo de signos que se quer ler semioticamente é o fenomenológico, para o qual se deve desenvolver as três seguintes habilidades: primeiro, a capacidade contemplativa; segundo, saber distinguir e discriminar diferenças nessas primeiras observações; e terceiro, ser capaz de generalizar essas observações em classes ou categorias abrangentes. Antes de tudo deve-se, então, abrir-se para o fenômeno e para o fundamento do signo. Para isso, segundo Peirce, é necessário que sejam abertas as portas do espírito e que seja olhado o fenômeno. O primeiro olhar que deve lhe ser dirigido – o olhar contemplativo – "significa tornar-se disponível para o que está diante dos nossos sentidos. Desautomatizar tanto quanto possível nossa percepção. Auscultar os fenômenos. Dar-lhes chance de se mostrarem. Deixá-los falar” (SANTAELLA, 2008: 11

Por "fenômeno" entende-se "tudo aquilo que aparece à mente, corresponda a algo real ou não" (SANTAELLA, 2005: 33).

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30). Esse olhar deve ser despido de interpretações, um olhar que disponibilize as primeiras impressões, tanto sensórias quanto abstratas. Aqui, estamos no reino das qualidades, ou seja, daquilo que apela para nossa sensibilidade e sensorialidade. O primeiro olhar, onde o signo diz o que diz através do modo como aparece, simplesmente através de suas qualidades: o signo como pura possibilidade qualitativa, quali-signo. O segundo tipo de olhar, a ser dirigido ao fenômeno, é definido como um olhar observacional. Aqui, deve entrar em ação a capacidade perceptiva daquele que analisa, ou seja, ele deve “estar alerta para a existência singular do fenômeno, saber discriminar os limites que o diferenciam do contexto ao qual pertence, conseguir distinguir partes e todo” (Santaella, 2008: 31). Esse segundo tipo de fundamento do signo, o sin-signo, requer a observação de como ele se corporifica, ou seja, de suas características existenciais. O terceiro e último olhar é decorrente do desenvolvimento da capacidade de generalização daquele que analisa. Em outras palavras, deve-se buscar extrair o geral do particular ao dirigir a atenção para os aspectos mais abstratos do fenômeno: as regularidades, as leis: legi-signo. A partir do reconhecimento desses três tipos de olhar, Peirce extrai os elementos elementares e gerais da experiência que tornam a própria experiência possível. Ao considerar experiência tudo aquilo que se apresenta a um indivíduo e que lhe impõe reconhecimento, Peirce conclui que tudo que aparece à consciência é apresentado numa gradação de três propriedades: 1) Qualidade; 2) Relação; e 3) Representação. Em busca de englobar a generalidade das propriedades, mais tarde ele as renomeia para Primeiridade, Secundidade e Terceiridade. Para esclarecer a amplitude e abertura máxima que as categorias apresentam, segundo Santaella, "basta lembrarmos que, em nível mais geral, a 1º corresponde ao acaso, originalidade irresponsável e livre, variação espontânea; a 2º corresponde à ação e reação dos fatos concretos, existentes e reais, enquanto a 3º categoria diz respeito à mediação ou processo, crescimento contínuo e devir sempre possível pela aquisição de novos hábitos. O 3° pressupõe o 2° e 1°; o 2° pressupõe o 1°; o 1° é livre." (SANTAELLA, 2005: 39).

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Para Peirce, essas categorias são três possíveis modalidades de apreensão de todo e qualquer fenômeno e se constituem nas modalidades mais universais e mais gerais através das quais pode ocorrer a apreensão-tradução dos fenômenos em toda e qualquer mente interpretante.

Primeiridade em Flower: o acaso extático Por Primeiridade, Santaella define a "presentidade como está presente", a pura qualidade de ser e de sentir. É nela que está contida a qualidade da consciência imediata, a impressão primeira causada por um signo; essa impressão dá-se de forma frágil, inocente, indivisível e não analisável. A Primeiridade é presente e imediata, nunca podendo ser segundo para uma representação. Em outras palavras, "Trata-se de estados de disponibilidade, percepção cândida, consciência esgarçada, desprendida e porosa, aberta ao mundo, sem lhe opor resistência, consciência passiva, sem eu, liberta dos policiamentos do autocontrole e de qualquer esforço de comparação, interpretação ou análise. Consciência assomada pela mera qualidade de um sentimento positivo, simples, intraduzível." (SANTAELLA, 2005: 46).

A consciência em Primeiridade é qualidade de sentimento, enquanto que qualidade de sentir é a forma mais imediata de estar no mundo. O sentimento, portanto, é um quase-signo do mundo: define-se como primeira forma rudimentar, vaga, indeterminada e imprecisa de percepção das coisas. No game Flower, sua recepção apresenta a predominância dessa qualidade de sentimento em seus interpretantes – ou seja, em seus jogadores.

Figura 2. Arte da capa do game em sua loja virtual.

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O game, de autoria de Jenova Chen e Nicholas Clark, foi desenvolvido pela empresa ThatGameCompany e lançado em fevereiro de 2009, em formato exclusivo via download digital para o console Playstation 3, da Sony. Nele, o jogador é responsável por fazer flutuar uma pétala através do controle do sopro do vento. Ao flutuar próximo a outras flores, outras pétalas são libertas, as quais começam a acompanhar a primeira. Além de liberar outras pétalas, o movimentar do vento pode disparar efeitos no mundo, como colorir magicamente um grande campo acinzentado ou ativar grandes geradores eólicos antes adormecidos. O game não apresenta elemento textual algum (com exceção dos créditos ao final), nem mesmo diálogos; sua narrativa é construída através de representações puramente visuais, com alto teor emotivo. O objetivo do game é despertar emoções positivas no jogador e não ser apenas desafiador ou divertido. Ao acreditar no potencial dos games de provocar sentimentos e diferentes sensações àqueles que os experimentam, sua produção caminhou em sentido oposto àquele dos demais games que fazem sucesso – cuja grande maioria tem uma carga emocional bastante limitada. Em busca de provocar emoções positivas, alguns elementos de jogabilidade e de interação normalmente empregados foram removidos, até mesmo algumas mecânicas que causavam sensações inapropriadas aos seus objetivos – como ansiedade e frustração, por exemplo. Sua trilha sonora é também em grande parte responsável pela imersão: ao responder diretamente às ações dos jogadores, sua trilha sonora segue um ritmo quase que de transe, o que intensifica o teor emotivo do game. Em sua jogabilidade, Flower é dividido em seis níveis ou fases principais e uma última com os créditos. Na tela inicial, cada fase é representada por um vaso que contém uma flor, diferentes entre si e localizados sobre uma mesa em frente a uma janela. O ambiente aparenta ser um apartamento, uma vez que pela paisagem da janela vê-se que está localizado bem acima do nível do chão.

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Figura 3. Imagem da tela inicial - o menu de fases. O único vaso em cima da mesa dá acesso à primeira fase do game.

Para acessar cada uma das fases, o jogador deve inclinar o controle, para a direita ou para a esquerda, de acordo com o vaso que deseja selecionar. Na primeira vez jogada, apenas um vaso estará disponível – a primeira fase – e basta pressionar e segurar qualquer botão do controle para que seja iniciada. Na metáfora do jogo, ao iniciar uma fase, o jogador mergulha no universo onírico da flor selecionada – “the Flower dream”. Uma vez dentro da primeira fase, o jogador é levado a uma extensa e bucólica paisagem, em um campo aberto. Aqui, ele deve controlar o soprar do vento para mover uma única pétala que se encontra flutuando ao centro da tela. Para tanto, o controle deve ser inclinado, para a direita ou para a esquerda, para cima ou para baixo; esses movimentos são diretamente relacionados à movimentação do vento, que irá mover-se para os lados, para cima ou para baixo de forma simultânea. Para intensificar a velocidade do vento e, consequentemente, mover a pétala com maior rapidez, qualquer botão do controle pode ser pressionado. O enquadramento do game acompanha os movimentos por trás da pétala, numa visão em terceira pessoa. Apenas em alguns momentos específicos ela é alterada: torna-se uma vista superior ou congela em determinado ângulo, de acordo com o objetivo da fase.

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Figura 4. Cenário de uma das fases iniciais. A corrente de pétalas à esquerda é aquela controlada pelo jogador.

Em algumas fases, encontram-se flores agrupadas ou alinhadas pela paisagem; ao aproximar sua pétala das demais, as flores são desmanchadas de forma suave, fazendo com que as novas pétalas se soltem e se unam à primeira controlada. Determinados grupos de flores, ao serem assim tocados pelo vento, disparam eventos no mundo do game; esses eventos são variados, como liberar uma área da paisagem antes inacessível, transformar gramados ressecados em verdejantes e ligar grandes turbinas eólicas. Essas ações também, como resultado, intensificam a quantidade de pétalas controladas pelo jogador, que unem-se à primeira solitária formando um ramalhete de pétalas coloridas.

Figura 5. Grandes hélices eólicas adormecidas, que devem ser despertas pelo jogador.

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Cada fase tem sua trilha sonora orquestrada em melodias diferentes e sincronizadas aos movimentos do jogador: cada nova flor tocada, cada nova pétala liberada e reunida, dispara também uma nota musical. Em agrupamentos ou linhas organizadas de flores, o passar do vento é transformado em uma nova melodia, que lembra sempre o tocar de um xilofone. Extasiante. Outro aspecto diferenciado do game encontra-se no ato de “perder”: é impossível. Nesse jogo, não existe game over ou morte de personagem; não existem também inimigos a serem vencidos, moedas ou pontos a serem acumulados ou tempo limite a ser respeitado. Não existe interrupção ou recomeço algum, a menos que seja por escolha do próprio jogador. O tempo total do jogo também foi feito de maneira a não cansar e manter a imersão – ou a possibilidade de transe – do jogador, pois pode ser jogado na íntegra em aproximadamente uma hora. No entanto, mesmo sem o uso de diálogos ou de textos – com exceção dos créditos -, as seis flores/fases podem ser interpretadas como uma jornada narrativa, pois o local de partida dentro de cada fase sempre assemelha-se ao local final da fase anterior. Ao se considerar o tempo total do jogo, seu percurso segue a jornada de um dia por completo: a primeira fase começa em um dia ensolarado; ao progredir pelas demais fases vai anoitecendo até que, na fase final, tem-se um novo amanhecer.

Figura 6. Outro cenário do game.

As fases iniciais são concentradas no ato de restaurar vida e cor à paisagem; têm-se os dias ensolarados que, gradualmente, seguem ao pôr-do-sol. Na quarta fase, em pleno pôr-do-sol, ao despertar diversas turbinas eólicas, o jogador é levado a um campo

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noturno. Nesta fase, o papel do jogador é iluminar os diversos postes apagados que encontra pelo caminho – sempre através de flores suavemente despetaladas por seu vento. Os postes de luz vão-se acendendo até atingir uma cidade distante, habitada pela escuridão e pelo silêncio. Repleta de estruturas metálicas retorcidas, cabos elétricos partidos e prédios cinzentos despedaçados, a cidade convida o jogador a animá-la – aqui, no sentido primeiro da palavra: anima, alma, dar vida. Seguem-se as duas fases finais do jogo onde, ao percorrer cada caminho e bifurcação, cada poço de lama e base de torres, o jogador deve suavemente tocar as poucas flores encontradas e transformar, gradualmente, a cidade fantasma em um local brilhante, colorido, cheio de vida e de sinfonia. Conforme o jogador avança pelas fases do game, ao retornar ao apartamento (tela inicial com o menu de vasos), a cidade vista pela janela vai sendo também transformada. De seu estado inicial cinzenta e chuvosa, com ruídos de metrópoles como motores de carros e buzinas, a cidade vai se transformando em luz e perdendo ruídos, de maneira vibrante e colorida. Se o jogador descobrir e despertar, em cada uma das seis fases, três pétalas secretas especiais, ao final do jogo a paisagem do apartamento se transforma em um campo brilhante, com montanhas ao fundo. É como se, ao final, Dorothy Gale transformasse a cinzenta Kansas na brilhante e animada Oz.

Figura 7. Tela inicial apresentada ao desenrolar do game.

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Figura 8. Tela inicial apresentada ao final, caso o jogador encontre todas as pétalas especiais escondidas. A paisagem na janela encontra-se completamente transformada.

A trilha sonora também é alterada no decorrer do percurso: cresce em escala e em complexidade, de acordo com a necessidade narrativa e com o teor emocional que cada fase demanda. Os créditos, por sua vez, são apresentados como a sétima e última fase; aqui, no entanto, ao tocar suavemente as flores pelo caminho, não são pétalas que se desprendem e se unem ao jogador, mas os próprios nomes e cargos da equipe de desenvolvimento que são libertos - os créditos em si –, e somem, gradualmente, em direção ao céu. De volta ao apartamento, não é um sétimo vaso que surge, mas um pequeno porta retrato cuja imagem apresentada é de uma nova flor. No geral, pode-se dizer que Flower é melhor definido enquanto experiência do que enquanto ato de jogar. Nele, o gamer pode experimentar a sensação de liberdade (existe algo mais libertador do que o ato de voar?), ao ser inserido em grandes paisagens nas quais sua exploração é livre e não-direcionada, sem objetivos muito claros. É-lhe permitido, inclusive, parar completamente a ação do soprar do vento e apenas contemplar o local escolhido, modelado com muito cuidado e embalado por uma melodia relaxante. Pode-se afirmar que a experiência do acaso extático é a grande predominante para o gamer. Ao oferecer paisagens abertas à exploração daquele que o experimenta, seus desenvolvedores priorizaram o game enquanto estrutura – ao invés de simulação ou narrativa. Uma vez que não existe um percurso claro a ser seguido, é o próprio gamer o

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grande responsável pela descoberta dos possíveis trajetos, assim como também pode optar por não seguir trajeto algum e apenas explorar a vastidão e os pequenos detalhes de cada novo cenário.

Figura 9. Cenário da fase noturna; as pétalas a serem controladas encontram-se em primeiro plano.

Figura 10. Cenário da cidade em ruínas.



Figura 11. Cenário da cidade em transformação: ganha vida com a ação do jogador, que a desperta.

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A possibilidade de o gamer entrar em estado de transe também é um grande fator que demonstra o quanto Flower é dedicado às suas sensações e emoções. O gamer encontra-se imerso em um ambiente repleto de qualidades e acasos, o qual é convidado a explorar livremente, sem pressa e sem destino definido. Por isso, pode-se dizer que o papel do jogador aqui é muito mais agente, e em sua recepção predomina a qualidade de sentimento. Retomando a discussão acerca da narratologia versus ludologia, Flower pode ser considerado um game onde o equilíbrio está próximo do ideal. Ao explorar livremente cada fase, aos poucos o gamer desvenda os mistérios narrativos do game, percorrendo uma trajetória próxima à jornada do herói. Uma vez compreendido cada “sonho” de cada flor, o gamer gradualmente liberta sua cidade inicial, onde seu apartamento se encontra, de sua prisão cinza e chuvosa, trazendo-lhe o elixir da vida, da natureza e das cores. Existe ainda um paradoxo: ao mesmo tempo em que existe essa progressão temporal, típica de uma jornada, o tempo do jogo é também o tempo do sonho das flores, do onírico, e, portanto, atemporal. Para intensificar a possibilidade de imersão extática, os controles do jogo foram feitos da maneira mais intuitiva e simples possível: para escolher a direção, basta inclinar o controle como um todo à direção desejada; para controlar a velocidade, basta pressionar qualquer botão desse controle. Com isso, além de facilitar a imersão, os desenvolvedores também facilitaram a inclusão de diversos níveis de gamer diferentes: desde os mais experientes, até os mais amadores, qualquer pessoa consegue facilmente dominar o controle e mergulhar no universo onírico proposto. Um último aspecto que enfatiza as qualidades icônicas do game é a sua presença em diversas exposições de arte e tecnologia ao redor do mundo12, das quais ainda obteve alguns prêmios de reconhecimento13.



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Esteve presente, inclusive, no Brasil, na mostra Festival Internacional de Linguagem Eletrônica - FILE de 2009. 13

O prêmio ganho mais significativo para o propósito dessa pesquisa foi o "Artistic Achievement", pela British Academy of Film & Television Arts Video Game Awards, em 2010. Para conhecer os outros prêmios, acesse: . Acesso em abril de 2013.

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Secundidade em EyePet: a relação com a realidade Por Secundidade, entende-se o mundo real, sensual e reativo; o mundo da existência cotidiana. Santaella a define como sendo a "consciência reagindo em relação ao mundo. Existir e sentir a ação de fatos externos resistindo à nossa vontade" (SANTAELLA, 2005: 47). Em outras palavras, a Secundidade é determinada pelas qualidades de resistir e reagir, pelo confrontar-se. Enquanto a qualidade, em Primeiridade, é apenas uma parte do fenômeno, para existir de fato, ela necessita estar corporificada em uma matéria. É aqui que se encontra a Secundidade: no simples fato de existir, na corporificação material. Enquanto meras qualidades não resistem, é a matéria corporificada que permanece. Outras características que determinam a Secundidade são: agir, reagir, interagir e fazer; enfim, é na interação dialógica que a predominância reside. E é justamente por isso que o game EyePet foi selecionado. O jogo foi desenvolvido, inicialmente, de forma exclusiva para o console Playstation 3, da Sony, e lançado em outubro de 2009. Sob a autoria das equipes London Studios e Playlogic Game Factory, no game o jogador é convidado a criar e cuidar de um animal de estimação virtual, que tem a aparência de um pequeno macaco com o comportamento mimetizado entre um gato e um cachorro.

Figura 12. Imagem da capa do jogo.

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Apesar da temática "bichinho virtual" não ser nada original, é na forma de interação do game que se encontra seu grande diferencial – e é aqui que a ação-reação definidora da Secundidade torna-se clara: ao utilizar a tecnologia da realidade aumentada, através de uma câmera, o pequeno animal de estimação é inserido virtualmente no ambiente real onde o jogador se encontra no momento da interação. A realidade aumentada é uma tecnologia através da qual elementos virtuais são sobrepostos a ambientes reais, sempre em tempo real, através da captura desse determinado ambiente por uma câmera. Os elementos virtuais são sobrepostos à camada de vídeo através de marcadores específicos e apresentados simultaneamente em telas, projeções ou monitores. Na grande maioria dos casos, os elementos virtuais reagem à interação, aumentando a sensação de veracidade e de imersão. Por exemplo, um interator pode manipular um objeto virtual sobreposto a um marcador, como na imagem a seguir, desvelando todos os ângulos desse objeto virtualmente modelado. Em alguns casos mais elaborados, o elemento virtual reage fisicamente à ação do interator, podendo, por exemplo, ao ser inclinado, rolar ou até mesmo cair de determinada superfície.





Figura 13. Exemplo de utilização da tecnologia da Realidade Aumentada, com uso de marcadores: obra artística levelHead, de autoria de Julian Oliver (2007). À esquerda, cubos com os marcadores em suas superfícies; à direita, a sobreposição de conteúdo virtual.

Em EyePet, é o próprio animal de estimação que é sobreposto à camada de vídeo capturada em tempo real. Partindo do princípio de que a maioria dos jogadores deve interagir com o game em suas próprias residências, o pequeno animal transformase rapidamente na mascote da família, sendo inserido virtualmente em sua sala de estar ou em seu dormitório, por exemplo. Uma vez em funcionamento, o animal responde a diversas ações impostas pelos jogadores: ao ser acariciado, ele ronrona de forma

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carinhosa; se detecta algum movimento em alta velocidade vindo em sua direção, ele pula ou esquiva – acompanhado de uma expressão carismaticamente assustada. Além do pequeno animal, todos os elementos e objetos necessários para seu cuidado e entretenimento são também sobrepostos em realidade virtual, sendo necessária para seu funcionamento a existência do chamado “Cartão Mágico”. Este cartão, feito de plástico resistente, é o grande responsável pelo funcionamento da tecnologia empregada, uma vez que é nele que se encontra impresso o marcador identificado pela câmera e utilizado para posicionar os elementos virtuais.

Figura 14. Imagem promocional do game com os acessórios necessários (câmera e cartão mágico).

Ao iniciar o jogo pela primeira vez, automaticamente, dá-se início ao tutorial, o qual explica as coordenadas para o melhor posicionamento da câmera e o manuseio do cartão mágico. No tutorial, um ator, no papel de um cientista, apresenta o EyePet enquanto experimento, no qual o jogador é convidado a participar. Para tanto, o jogador recebe como presente um ovo e, em seguida, acompanha o nascimento da nova mascote. O próprio nascimento já é a primeira forma de interação: na tela, o ovo é posicionado sobre o cartão mágico e o jogador é convidado a fazer uma análise de raioX para conferir se o animal está bem. Para a análise, o jogador deve pegar o cartão do chão, que irá se transformar em um dispositivo de avaliação, e passar pelo ovo, cujo interior irá aparecer na tela – justamente como se fosse um raio-X. Depois da análise, o jogador deve aquecer o ovo e bater palmas para acordar a mascote, que lentamente irá

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quebrar a casca. Nesse momento, o jogador é convidado a batizar seu novo companheiro, que receberá um cartão de registro – como se fosse um RG.

Figura 15. Nascimento de uma nova mascote.

A partir de seu nascimento, toda interação é possível. Além das ações diretas, realizadas com as próprias mãos dos jogadores – como afagar, acariciar, assustar e provocar, por exemplo –, outras formas de interação se dão através de atividades disponíveis no painel de controle do game. Nesse painel, acessado através do controle do jogo, encontram-se as seguintes sete opções: 1) Programa do EyePet; 2) Cuidar do EyePet; 3) Brinquedos Mágicos; 4) EyePet Online; 5) Desenhar; 6) Ao ar livre; e 7) Área Pessoal.

Figura 16. Imagem do menu principal do jogo, onde se encontram as sete principais opções de interação.

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Na primeira opção, "Programa do EyePet", encontra-se o principal objetivo do jogo: existem sessenta desafios variados, distribuídos em 15 dias (quatro desafios por dia), que devem ser vencidos pelo jogador. A jogabilidade de cada desafio pode variar, podendo ser uma disputa entre a mascote e o jogador – como um jogo de memória ou pega-pega, nos quais o jogador deve sempre tentar ganhar – ou uma conquista a ser alcançada em dupla harmonia, dependendo das habilidades coordenadas entre eles – como uma corrida de obstáculos em que a mascote depende das palmas do jogador para desviar e vencer. Cada desafio possui a premiação em três graus diferentes – bronze, prata e ouro -, as quais liberam diferentes prêmios aos jogadores. Esses prêmios constituem sempre em novos conteúdos a serem explorados no próprio jogo, como novas roupas para a mascote e novas texturas para objetos a serem criados. Vale destacar, também, que inicialmente apenas o primeiro dia de desafios é liberado; para liberar os demais, o jogador deve conquistar e acumular medalhas. Na segunda opção do painel, "Cuidar do EyePet", encontram-se as ferramentas necessárias para manter a mascote bonita e saudável: pode-se alterar sua aparência (cor e comprimento dos pelos, roupas, fantasias e chapéus), dar banho, alimentar e avaliar seu estado de saúde através de raio-X – da mesma maneira que foi realizada quando ainda era apenas um ovo. Agora que está maior, ao apontar o dispositivo que aparece no cartão mágico em áreas específicas, um feedback aparece imediatamente: na cabeça, se está ativo ou inativo; no coração, se está feliz ou triste; no estômago, se está com fome; e nos músculos dos braços, se está precisando de exercícios.

Figura 17. Radiografia do pequeno animal, para conferir sua saúde.

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A terceira opção do painel apresenta os "Brinquedos Mágicos", que o jogador possui para interagir com seu pequeno animal. Esses brinquedos também fazem uso excelente da tecnologia da realidade aumentada, sempre respeitando as leis da física e mantendo a experiência bastante lúdica. Entre eles, tem-se um trampolim – que o jogador deve controlar enquanto a mascote pula, impedindo que ela caia –; um jogo da memória – no qual o jogador é desafiado contra seu bichinho; um macaco que solta bolhas de sabão – as quais o animal irá perseguir e estourar de forma divertida – e até mesmo um conjunto de microfone e gravador, através do qual o jogador pode ensinar algumas músicas que serão repetidas pela mascote.

Figura 18. Uma das brincadeiras mágicas: jogo da memória.

A quarta opção consiste no ambiente online do jogo, composto por uma loja virtual e pela galeria de fotos e vídeos. Na loja virtual, os jogadores podem adquirir monetariamente novos acessórios e materiais, ou apenas baixar conteúdos disponíveis gratuitamente – geralmente, conteúdos relacionados a feriados internacionais são distribuídos de forma gratuita, como roupa de Papai Noel ou Coelho da Páscoa. Na galeria de fotos e vídeos, o jogador pode publicar seus próprios conteúdos ou acessar o conteúdo de outros jogadores ao redor do mundo. Vale destacar que o jogador pode, a qualquer momento, gravar cenas pessoais do jogo – screenshots – na forma de fotografias ou vídeos, não importa a atividade que esteja fazendo; a Playstation Network (rede online dos jogos Playstation), no entanto, tem um órgão avaliador desse conteúdo, para evitar a publicação de materiais impróprios ou ilegais e conseguir manter a classificação etária do game livre.

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É na quinta opção do painel de controle – "Desenhar" – que a Secundidade se torna mais evidente. Nessa atividade, o jogador pode desenhar em um papel determinados objetos – baseados em modelos base de carro, avião, robô e boneco –, e mostrar seu desenho para a mascote, através da câmera do próprio jogo. Como se tivesse realmente observado, a mascote pega seu caderno mágico de desenhos e copia, de maneira muito fiel, o desenho apresentado pelo jogador. É aqui, então, que a mágica acontece: o desenho, composto inicialmente apenas de linhas, salta da superfície do papel, ganha volume e passa a ser interativo.

Figura 19. Atividade "Desenhar": desenha-se um foguete de forma simples...



Figura 20. ... e a mascote irá copiar de forma bastante fiel em seu caderno mágico.

Por exemplo: caso o jogador tenha desenhado a silhueta de um foguete, essa silhueta pula da superfície do papel digital, como se tivesse sido recortada dela, e em seguida ganha tridimensionalidade. A aparência dessa tridimensionalidade depende da

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escolha do material que o próprio jogador define, dentre uma lista de materiais disponíveis e liberados ao longo dos desafios completados. Têm-se os materiais mais diversos e engraçados: papelão, jornal, plástico, tecido, casca de laranja, bolo recheado e até mesmo biscoito crocante. A antes silhueta torna-se então um foguete de fato, que pode ser controlado pelo jogador e interagir com sua mascote – que irá fugir, tentar atacar o veículo em movimento ou até mesmo pegar uma carona.

Figura 21. Em seguida, o desenho irá saltar, ganhar tridimensionalidade e transformar-se-á em brinquedo interativo.

A sexta opção de atividade do painel de controle é "Ao ar livre"; nela, é como se o jogador levasse literalmente sua mascote para passear ao ar livre, tendo as opções de Pescaria ou Jardinagem. Em Pescaria, por exemplo, o ambiente transforma-se em um lago, o qual o pequeno animal fica rodeando à espera de um peixe distraído. Caso o jogador veja algum peixe se aproximar, deve emitir algum som para que a mascote tente acertá-lo; pode até mesmo gritar "Pega!". Se acertar, o peixe será arremessado para cima e cabe ao jogador conseguir pegá-lo com sua rede de aquário, controlada pelo cartão mágico. Depois de pego, esse peixe pode ser armazenado no aquário virtual do jogo – a televisão ou monitor transforma-se em um grande aquário, através do qual o jogador pode ver-se a si mesmo, como se refletido do outro lado. A sétima e última opção de interação do painel é a chamada "Área Pessoal" e constitui no banco de informações do jogador. Aqui, ele tem acesso às listas de prêmios oferecidos pelo jogo – tanto a lista completa quanto a lista dos prêmios já conquistados –, e à sua área particular de fotos e vídeos. É aqui que o jogador pode rever suas

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imagens capturadas, em forma de álbuns. Ele pode ainda editá-las, publicá-las e até mesmo apagar as indesejadas. Além dessas sete opções de interação pré-formuladas, o jogador pode ainda colocar a pequena mascote para dormir: basta que acaricie seu corpo com as pontas dos dedos, como se fizesse um cafuné. Aos poucos, o animal vai acalmando e ronronando, até que se encolhe, deita no chão e cai no sono. Ao dormir, ele pode sonhar com os momentos mais emocionantes e excitantes que passou com seu jogador: sem aviso prévio, são gravados pela câmera alguns momentos em que a interação se encontra em perfeita harmonia – por exemplo, uma atividade que rendeu algumas risadas ou até mesmo um momento de aprendizado do pequeno animal. No momento do sono, esses vídeos gravados são exibidos na tela, na forma mesma de sonhos (dentro de balões com uma leve opacidade), o que aumenta de forma significativa o carisma e a ligação emocional entre o jogador e a mascote – especialmente pelo público mais jovem. Além do afeto, a própria sensação de veracidade da interação real com o animal virtual é intensificada, uma vez que os conteúdos dos sonhos são totalmente inesperados. É como se o pequeno animal tivesse mesmo uma memória própria, criada pelo vínculo emocional com seu dono.

Figura 22. Pode-se interagir com objetos variados, desde que o jogador desperte a atenção da mascote.

É nessa sensação de realidade, nessa forte relação criada entre mascote virtual e jogador real, que habita a força da Secundidade. A realidade aumentada, através da criação da sensação de mágica pela ilusão, pode ser vista como a grande responsável

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pelo feito. No jogo, há o predomínio da simulação, não mais o simples estrutural como em Flower, pois é na constante confrontação com o animal virtual e em suas reações imediatas e realistas que se encontra o grande prazer do game. Com isso, pode-se inclusive dizer que sua recepção tem o predomínio do indicial e o jogador tem um forte papel de agente, e não mero "apertador de botões". Sobre a discussão anterior acerca da narratologia versus a ludologia, nesse jogo existe o predomínio da segunda sobre a primeira: enquanto jogo de simulação, o game não apresenta um objetivo central a ser seguido e nem mesmo um final definido – ele termina apenas quando o jogador decidir parar de jogar. Por isso, seu poder narrativo é bastante aberto e incerto, cabendo ao próprio jogador criar mentalmente uma narrativa linear, caso deseje. Ao tomar para si, literalmente, o mundo real, sensual e reativo, o mundo da existência cotidiana, e com esse mundo permitir a interação em tempo real, o game EyePet, mais enfaticamente através do uso da tecnologia da realidade aumentada, tem sua recepção na Secundidade por excelência.

Terceiridade em Heavy Rain: o autoconhecimento A Primeiridade é definida como a categoria que dá à experiência sua qualidade distintiva, sua originalidade irrepetível e liberdade. A Secundidade é aquilo que dá à experiência seu caráter factual, de luta e confronto – ação e reação, sem o controle da camada mediadora da intenção, razão ou lei. É justamente a Terceiridade que “aproxima um primeiro e um segundo numa síntese intelectual”, ou seja, é ela que corresponde à camada de inteligibilidade – ou pensamento em símbolos. É através dela que uma pessoa representa e interpreta o mundo em que vive (SANTAELLA, 2005: 51). Algumas palavras que definem a Terceiridade: generalidade, infinitude, continuidade, difusão, crescimento e inteligência. Mas, segundo Santaella, a ideia mais simples de Terceiridade é aquela de um signo ou representação (2005: 51). Para melhor compreender o conceito de signo, antes é necessário saber definir o ato de perceber. O ato de perceber trata, sobretudo, da ação de traduzir um objeto de percepção em um julgamento de percepção, ou seja, é interpor uma camada de interpretação entre a consciência e o que é percebido. A partir dessa definição, tem-se que o signo é um

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primeiro, o objeto que representa é um segundo e o interpretante um terceiro. Segundo Santaella, “(...) o signo está numa relação a três termos; sua ação pode ser bilateral: de um lado, representa o que está fora dele, seu objeto, e de outro lado, dirige-se para alguém em cuja mente se processará sua remessa para um outro signo ou pensamento onde seu sentido se traduz. E esse sentido, para ser interpretado tem de ser traduzido em outro signo, e assim ad infinitum.” (SANTAELLA, 2005: 52).

E é exatamente por esse poder representativo, que depende diretamente da existência de um intérprete (sem o qual não existe interpretante), que o game Heavy Rain foi selecionado enquanto dominância da Terceiridade. O jogo, desenvolvido pela empresa Quantic Dreams, foi lançado em 2010 também exclusivamente para o console Playstation 3, da SONY. Com seu gênero definido por drama interativo, o game trata de um suspense policial, ambientado nos moldes dos filmes noir e é protagonizado por quatro

personagens distintos, envolvidos no misterioso caso do Origami Killer (Assassino do Origami).

Figura 23. Imagem da capa do game.

O Assassino é um serial killer de crianças, as quais ele mata através de afogamento em águas pluviais e abandona seus corpos em lugares inóspitos, sempre

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acompanhados de uma figura animal feita de origami. Na trama, Ethan Mars é um pai que busca salvar seu filho, a próxima vítima sequestrada pelo Assassino. Em paralelo, a jornalista Madison Paige, o investigador do FBI Norman Jayden, e Scott Shelby, um detetive particular, também buscam pistas para identificar e capturar o serial killer. O game é dividido em 40 cenas – 39 jogáveis e a final, com o desfecho –, onde cada uma delas tem como centro um dos quatro personagens. O gamer interage através da realização de ações relacionadas ao controle do console, apresentadas na tela. Essas ações variam: existem escolhas de respostas, relacionadas a botões específicos do controle; sequências corretas de botões a serem pressionados simultaneamente em momentos de ação mais rápidos (chamados de quick time events); e, até mesmo, a movimentação do controle inteiro. Outra característica interessante é que o gamer pode “ouvir os pensamentos” do personagem: ao pressionar um botão específico, assuntos diferentes aparecem na tela relacionados a diferentes reflexões do personagem, que podem ajudar nas decisões a serem tomadas. As decisões e ações do gamer durante o jogo afetam diretamente sua narrativa: os personagens principais podem, inclusive, morrer ou ficar detidos e, com isso, não aparecer nas cenas seguintes. Também existem desfechos diferentes para a história, decorrentes de cada decisão tomada ao longo do percurso. Embora a identidade do Assassino seja sempre a mesma, as versões da história são múltiplas, ou seja, os percursos de cada um dos quatro personagens em busca da solução do caso são variáveis, assim como o destino da criança sequestrada, que pode ser salva ou não. Ao ser considerada sua jogabilidade, não existem escolhas erradas no game – ou “game over”. O jogo sempre irá prosseguir, tomando rumos inesperados e apresentando finais diferentes, dependendo somente do desempenho e – principalmente – das escolhas do gamer. Até mesmo com a morte de todos os personagens o jogo apresenta um desfecho. No entanto, após terminar o jogo uma vez, pode-se voltar a cenas anteriores e jogá-las novamente para experimentar o surgimento de outras cenas e de outros desfechos diferentes. Não é necessário jogar o game por completo para isso, pode-se apenas partir da cena a qual o gamer deseja mudar. A multiplicidade de enredos faz com que o game seja enquadrado na definição de histórias rizomáticas, apresentada por Murray (2003, p.135). Segundo a autora, histórias rizomáticas ao redor de um núcleo de violência não possuem uma solução única e combinam uma percepção clara da estrutura da história, justamente por conta de sua multiplicidade de enredos. A narrativa é então enriquecida, pois o fato de

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“reconstituir a situação a partir de perspectivas diferentes leva a um contínuo aprofundamento da compreensão do leitor sobre o ocorrido, aprofundamento esse que pode resultar num sentimento de resolução capaz de levar em conta a complexidade da situação e de manter o momento do choque [no caso, o sequestro e a morte iminente do filho de Ethan] inalterado e ainda central” (p.135). A jogabilidade, aqui, é a grande peça-chave para se compreender Heavy Rain enquanto signo de Terceiridade. Ao permitir que qualquer escolha seja feita por parte do jogador, o game faz com que, a qualquer novo instante de interação, toda a responsabilidade das escolhas seja por ele percebida. Com isso, não basta o jogador apenas se dedicar à contemplação de cada cenário ou simplesmente reagir a cada novo estímulo: é necessário seu poder de reflexão, sua frequente reavaliação pessoal do todo da história, a cada novo fato descoberto, para que consiga progredir em seu desenvolvimento e, se bem-sucedido, desvendar o mistério e salvar o garoto. O game começa apresentando Ethan Mars, em um dia qualquer de sua vida, com sua esposa e seus dois filhos, Jason e Shaun. Este prólogo funciona como tutorial do jogo, onde o gamer é apresentado à jogabilidade do sistema. Na cena seguinte, Ethan se encontra em um shopping com sua família, onde, numa distração, acaba perdendo de vista um de seus filhos, Jason. A criança é encontrada na rua e, prestes a ser atropelada, Ethan pula para protegê-la. Ambos são atingidos. Jason morre e Ethan fica em coma por seis meses. Dois anos depois do acidente, separado de sua esposa e afastado de seu segundo filho, Ethan está em depressão, tem fobia de grandes multidões e sofre alguns instantes de “blackout” – perde a consciência, como se desmaiasse –, que chegam a durar algumas horas. Em um passeio com Shaun em um parque, Ethan passa por um desses blackouts e, quando acorda, descobre que o filho desapareceu. Logo, o sumiço de Shaun é relacionado à série de ataques do serial killer “Assassino do Origami”. O modo de ação do criminoso é reconhecido pelo sequestro de garotos durante períodos de chuva no outono, os quais são posteriormente encontrados mortos por afogamento em lugares inóspitos, com uma figura animal de origami na mão e uma orquídea sobre o peito.

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Figura 24. Ethan e seu filho Shaun, minutos antes do blackout.

A seguir, a história apresenta Scott Shelby, um detetive particular em busca do Assassino do Origami. O detetive começa sua busca entrevistando Lauren Winters, a mãe da última vítima morta pelo Assassino. Em uma próxima cena, o gamer controla o investigador do FBI, Norman Jayden, enviado à polícia para ajudar também na busca pelo Assassino. Em sua investigação, ele chega à conclusão de que a criança sequestrada – Shaun – estaria presa em algum lugar no qual, após chover por três dias, morreria afogada. Esse, então, é o tempo de busca de que os personagens – e o gamer – dispõem para encontrar a criança com vida.

Figura 25. Scott Shelby entrevista Lauren, mãe de uma das vítimas do Assassino.

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Figura 26. Norman Jayden, em sua primeira aparição no game, investigando um dos casos do Assassino. Em primeiro plano, a vítima morta: um garoto com uma orquídea branca sobre o peito.

Finalmente, num próximo capítulo, a quarta e última personagem é apresentada: Madison Paige, uma jornalista. O gamer começa a controlando em seu apartamento e conhece seu cotidiano: a jornalista sofre de insônia e não consegue ter uma única noite tranquila em sua casa. Após um pesadelo aterrorizante, resolve partir para um motel a fim de tentar solucionar seu problema com o sono. No desenrolar da história ela acaba conhecendo Ethan e, pelo interesse jornalístico, também decide por ajuda-lo a encontrar seu filho – e, consequentemente, encontrar o Assassino.

Figura 27. A jornalista Madison Paige em cena de ação (em seu pesadelo). As imagens de "X" e "quadrado" referemse aos botões específicos a serem pressionados no controle.

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Figura 28. Madison Paige, pouco depois de despertar de seu pesadelo.

Dá-se, então, início aos testes e desafios pelos quais cada um dos quatro personagens deve passar e superar, a fim de alcançar seu objetivo único: capturar o serial killer e encontrar a criança sequestrada. Esses testes exigidos de cada personagem, como o próprio nome diz, são o “passar-de-fases” de cada um deles. De volta a Ethan, o novo capítulo começa com a chegada de uma carta anônima, com instruções que o levam a um armário de uma estação de trem. No armário, Ethan encontra uma caixa de sapato que contém um celular, uma arma e cinco figuras de origami. Com a caixa em mãos e a fim de fugir da mídia, Ethan se refugia em um motel – o mesmo de Madison Paige –, de onde começa sua busca. No quarto do motel, Ethan inicia a exploração da caixa encontrada no armário. O celular nela encontrado apresenta uma mensagem gravada a qual exige que o pai realize os testes contidos por escrito nas figuras de origami também localizadas na caixa. Segundo a mensagem, cada teste realizado com sucesso irá liberar parte da informação da localização de Shaun. Os testes, no entanto, não são fáceis de realizar: através deles, o Assassino quer provar o limite que Ethan pode alcançar para salvar seu filho. Na sequência do game, os cinco testes para Ethan são: dirigir na contramão de uma rodovia em alta velocidade; passar por um túnel estreito cheio de vidros quebrados, tendo que se arrastar sobre eles e, em seguida, por um labirinto de fios de alta tensão; cortar um dedo da própria mão; matar um homem; e, por último, beber um veneno mortal, que lhe dá apenas mais uma hora de vida – tempo suficiente para encontrar e salvar Shaun. Em todos os testes, sempre existem duas opções oferecidas ao gamer: fazer ou não o que lhe é exigido. Ao recusar, Ethan prossegue em sua história sem conseguir

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pista alguma do paradeiro de seu filho. Caso o gamer opte por realizar todos os testes com sucesso, deve se esforçar ao máximo para conseguir completar os desafios – a maioria deles depende de sua habilidade, pois consiste de sequências de botões do controle que devem ser pressionados rapidamente. Uma vantagem para o gamer é que, caso não consiga completar algum desafio por falta de habilidade, é possível jogar os capítulos novamente (desde que o game já tenha sido terminado uma vez). No motel, entre o primeiro e o segundo teste, Ethan conhece Madison, que, como dito anteriormente, resolve o ajudar a encontrar seu filho. Além de buscar informações, Madison também o ajuda a se recuperar dos ferimentos resultantes das provas do Assassino. Em sua busca por informações, Madison também passa por exatos cinco desafios. No primeiro, Madison deve ajudar Ethan a escapar da polícia em um antigo galpão abandonado, em seu teste de cortar o dedo da mão. No segundo, a jornalista parte para investigar um médico psicopata, o qual é o dono do galpão abandonado anterior. Neste desafio, Madison pode morrer. No caso de sobreviver, parte para o terceiro desafio, onde ela investiga o dono mafioso de uma boate, a qual o médico psicopata frequentava. Aqui, Madison também pode morrer. Novamente, caso sobreviva, a jornalista descobre a identidade da mãe do Assassino. Em seu quarto desafio, Paige deve ir até o hospital psiquiátrico no qual a mãe do Assassino se encontra internada e deve interroga-la sobre o filho. Nesse capítulo, Madison descobre a identidade do Assassino – a qual não é revelada ao gamer ainda. Seu quinto e último desafio é, justamente, na casa do Assassino. Enquanto Madison investiga sua moradia, ele a flagra, tranca e ateia fogo no apartamento, tanto no intuito de matá-la quanto para apagar as evidências. Aqui, pela última vez, a jornalista também pode morrer. Todas essas possibilidades dependem, sempre, das escolhas e habilidades do gamer.

Figura 29. Boate a que Madison e Jayden partem para investigar.

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Figura 30. Interior da boate Blue Lagoon.

Em paralelo às jornadas dos dois personagens – Ethan e Madison – e de volta à delegacia de polícia, a ex-mulher de Ethan conta a respeito dos blackouts do ex-marido aos policiais e diz temer que seja ele próprio o Assassino do Origami. Aqui, a intuição do gamer é posta à prova, uma vez que o tenente da polícia, Carter Blake, passa também a acreditar nessa hipótese, enquanto o investigador do FBI, Norman Jayden, busca provar o contrário. Blake e Jayden partem, então, juntos para cada investigação (desafio), cabendo ao jogador decidir em qual dos dois deseja acreditar para que consiga optar pelas melhores decisões ao longo da história. O primeiro de seus desafios é investigar o primeiro suspeito, Nathaniel, o qual é envolvido em rituais satânicos e já tem um histórico criminoso. Ao inspecionar seu apartamento, Jayden – o gamer – deve decidir se o considera culpado ou não. Sua intuição, no entanto, é exigida em uma situação bastante tensa: em determinado momento, o gamer deve decidir se mata ou não o suspeito. Em outras palavras, deve escolher rapidamente se deve ser influenciado por Blake ou seguir sua própria intuição. Em seu segundo desafio, um segundo suspeito cuja identidade é desconhecida pelos policiais é encontrado em um mercado de rua. Aqui, Blake provoca uma perseguição. O gamer deve, então, decidir se persegue ou não o suspeito e, caso persiga, deve escolher entre ganhar ou não a luta com ele consequente. Já o terceiro e próximo desafio trata da investigação de Ethan. Para isso, os policiais resolvem interrogar seu psiquiatra. Na cena, o psiquiatra mostra-se resoluto em manter o sigilo profissional, o que leva Blake a assumir uma postura violenta e a espancar o médico. Jayden deve optar entre impedir Blake ou se omitir, apenas assistir e tornar-se seu álibi.

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O quarto desafio é uma luta pessoal de Jayden. Viciado em uma droga, triptocaína, o investigador deve optar por continuar ou não a utilizando. Na cena, seu mordomo o aconselha a deixar a droga antes que ela o mate. Ao longo da história, cabe ao gamer optar por utilizá-la ou não nos momentos oportunos. A depender dessa escolha, segue, então, o quinto teste de Jayden: investigar um quarto suspeito, conhecido como Mad Jack (Jack Louco), dono de um desmanche de veículos. Ao tentar interrogá-lo, o suspeito engaja em uma luta inesperada com o investigador. No momento de estresse, Jayden tem uma crise de abstinência da triptocaína, o que impõe uma difícil escolha ao gamer: optar entre tomar ou não a droga, para que consiga prender o suspeito e “vencer” a cena. No entanto, o ato de tomar o aproximaria da morte. Por outro lado, ao não tomar a droga, uma luta violenta começa entre eles, na qual Jayden também pode morrer.

Figura 31. Norman Jayden em cena de ação com Mad Jack.

O último desafio do investigador, caso sobreviva na cena anterior, trata do último suspeito. Aqui, Jayden se encontra na mesma boate que Madison investigou anteriormente, e está em busca do mesmo mafioso que ela. Se Madison foi bemsucedida, o mafioso estará morto. Com isso, ao inspecionar a cena do crime, Jayden trava uma nova luta corporal com um dos seguranças da boate. Se bem-sucedido, consegue uma prova crucial para a descoberta da identidade do Assassino. Por fim, o último personagem a ser controlado pelo jogador, Scott Shelby, também se encontra em sua investigação pelo serial killer. Começa a interrogar os parentes de suas últimas vítimas e, através disso, passa a coletar inúmeros materiais a

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ele relacionados. O primeiro teste de Shelby é na loja de Hassan, pai de uma das vítimas do Assassino. O proprietário da loja se recusa a dar informações ao investigador e entra em cena outra situação tensa para o gamer: a loja é assaltada logo depois do interrogatório e Scott – o gamer – deve decidir entre salvar Hassan (ser um herói para tentar convencer Hassan a cooperar na investigação) ou permanecer escondido e deixar Hassan ser morto. Em uma próxima cena, Lauren Winter – a primeira entrevistada por Scott – decide se juntar ao detetive em busca do assassino de seu filho. Juntos, passam por outros testes. O principal suspeito de Scott é um playboy milionário e ambos partem para sua mansão. Enquanto Lauren distrai os seguranças, Scott consegue chegar até o dormitório do rapaz. Aqui, uma luta entre o detetive e outros seguranças é travada, e Scott sai com a certeza de que ele é o Assassino. O detetive parte, então, em busca do pai do playboy e o encontra em um clube de golfe. Na cena, um diálogo bastante tenso é desenvolvido, no qual o pai do rapaz, o Sr. Kramer, aconselha Scott a deixar seu filho em paz. Esse conselho, no entanto, serve como uma provocação a Scott, que intensifica ainda mais sua investigação. Entre suas buscas, o detetive percebe que uma das ações recorrentes do Assassino era enviar cartas datilografadas aos pais das vítimas. Por ser uma tecnologia rara, Scott resolve visitar o único antiquário do bairro, Manfred, a fim de obter informações sobre seus clientes – mais especificamente, sobre aqueles que consomem suprimentos de máquinas de datilografia. No entanto, durante sua estadia na loja, o dono do estabelecimento é assassinado de forma inesperada. Scott e Lauren, pegos de surpresa, devem limpar todas as evidências de que estavam no local a fim de fugir da polícia. O próximo desafio começa com Scott acordando amarrado dentro de seu carro, o qual se encontra debaixo d’água. Ao notar que Lauren também está presa ao seu lado, percebe que ambos caíram em uma emboscada. O gamer deve, a seguir, optar entre duas soluções: soltar-se e escapar do carro com ou sem a companheira. Em seu último desafio, Scott volta a encontrar o milionário Sr. Kramer, pai do rapaz suspeito, dessa vez em sua mansão. Ao entrevistá-lo, Scott é constantemente ameaçado e uma nova luta entre ele e os seguranças é travada. Caso vença a luta, Scott inicia um interrogatório bastante violento com o Sr. Kramer, o que lhe causa um ataque do coração. Aqui, uma nova escolha é imposta: se Scott deve salvar ou não o milionário.

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Ao final de todos os testes apresentados para cada personagem, se bem sucedidos, Ethan já tem a localização do filho e Madison, Scott e Jayden sabem a identidade do Assassino do Origami. Este é o ponto em que começa o ato final da história e os possíveis desfechos se revelam. Em uma das últimas cenas do game, o personagem a ser controlado é o próprio Assassino quando criança, em um flashback. Nessa cena, seu passado é finalmente revelado: seu irmão gêmeo morrera afogado por acidente, ao cair em um cano desprotegido de um terreno em construção em um dia chuvoso. O pai deles, bêbado e negligente, recusou-se a ajudar a impedir a desgraça. A criança que permanece viva é identificada como Scott Sheppard que, depois de ser adotado, tem o nome alterado para Scott Shelby. O gamer descobre, finalmente, que o detetive particular é próprio Assassino do Origami, o qual usa sua estratégia de sequestro seguido por testes para buscar um pai que esteja disposto a se sacrificar pelo próprio filho – atitude que seu próprio pai não tomara por seu irmão falecido. Ao longo do game, portanto, Scott estava em busca de cumprir dois objetivos distintos dos demais personagens. O primeiro era conseguir encontrar e destruir todas as provas de seus crimes anteriores: ateia fogo no próprio apartamento, destrói todas as provas que conseguira coletar e ele mesmo mata Manfred, o antiquário no qual conseguia seus suprimentos para as cartas. Seu segundo objetivo era vingar a morte do irmão: o terreno em construção no qual o gêmeo morrera afogado é revelado ser posse do milionário Sr. Kramer, o qual fora posteriormente culpado pela morte devido à falta de segurança do local. Sua vingança se completa caso o gamer opte por não salvá-lo na cena em que o Sr. Kramer tem um ataque do coração. O final feliz para o detetive passa a ser perfeito se, além de matar o milionário, o gamer optar também por não salvar Lauren na emboscada do carro embaixo d’água, uma vez que ela própria se torna uma evidência de seus crimes. As cenas finais do game são concentradas no fato de Ethan, Madison e Jayden, individualmente, descobrirem ou não a identidade do Assassino e, por consequência, a localização de Shaun a tempo de salvá-lo. Como dito anteriormente, o desfecho é diretamente relacionado às escolhas e ao sucesso de habilidade do gamer nas cenas anteriores: os três personagens podem morrer ou falhar na conquista das evidências, o que pode levar a criança à morte e faz com que Scott consiga escapar ileso. Caso os personagens sejam bem-sucedidos, Ethan, Madison e Jayden descobrem que o paradeiro de Shaun é um antigo armazém abandonado em um porto.

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Os três se dirigem para lá, onde encontram Scott à espera. Caso o gamer tenha optado por tomar o veneno – último desafio de Ethan – o pai sabe que tem pouco tempo de vida e se empenha para tirar seu filho do porão onde está preso. Enquanto isso, Madison e Jayden travam uma luta com Scott. Existem várias opções e escolhas possíveis para o final, sendo que, em uma delas, Jayden atira em Scott, que cai morto. Ao final dessa linha de escolhas, Ethan passa por um forte momento de epifania: ele descobre que o veneno que tomara, na verdade, não passara de uma mentira. A simples escolha por tomar era o último teste de Scott para provar o amor do pai pelo filho. No estágio final da história, além de se tornar o herói de seu filho, Ethan prova seu amor por ele, permanece vivo e inicia um romance com Madison. Jayden, por sua vez, deixa de usar a droga e segue em uma carreira de sucesso. O curioso é pensar que, mesmo acabando morto, Scott consegue alcançar seu objetivo maior com os crimes: encontrar um pai capaz de sacrificar a própria vida pelo filho, um verdadeiro herói.

Figura 32. A difícil escolha final de Ethan: tomar ou não o veneno mortal.

O game se mostra, acima de tudo, como experiência de aprendizado, reflexão e até mesmo autoconhecimento do próprio jogador. Ao ser confrontado com difíceis escolhas, é sua própria voz da razão, seu repertório de vida, sua intuição e suas vontades os grandes guias para o desenrolar da narrativa. Aqui, entramos justamente em outra forte característica do game: sua narrativa. Ao retomar o paradoxo entre narratologia e ludologia, em Heavy Rain a força da narrativa é indiscutível. Ao aproximar-se de um roteiro cinematográfico, o que é ainda mais reforçado pelo seu visual altamente realista, o game faz jus à sua classificação enquanto drama interativo. Com a predominância da narrativa sobre o

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lúdico, o game encontra-se completamente imerso no domínio do simbólico, apresentando, portanto, uma jogabilidade cujo jogador faz-se menos agente e mais intérprete, um receptor um pouco mais passivo. Outro aspecto que fortalece ainda mais o vínculo do game com narrativas cinematográficas é o fato de que sua história pode ser diretamente relacionada à estrutura mítica da jornada do herói, estrutura essa formulada por Christopher Vogler para a realização de roteiros cinematográficos de sucesso14. Outro paradoxo também se apresenta caso seja retomado o aspecto rizomático do enredo, conforme o define Murray, citado anteriormente. Embora o game apresente uma multiplicidade de enredos, ele apresenta, ao final e ao cabo, um único final a respeito da identidade do assassino. O que se tem, no entanto, são diferentes e inúmeras formas as quais se desenrola a descoberta de sua identidade e o destino de cada uma das personagens. Heavy Rain encontra-se por completo no domínio da Terceiridade, ao exigir de seus jogadores a constante avaliação de fatos encontrados e situações confrontadas. É como se a literatura tentasse se aproximar do universo dos games; como se Conan Doyle ressurgisse para formular uma nova diretriz possível de experiência interativa.



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Vale ressaltar que o game Heavy Rain foi analisado sob a luz da estrutura mítica da jornada do herói no artigo “Heavy Rain: uma jornada paradoxal” (ANTUNES, no prelo).

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Reflexões finais Essa pesquisa buscou comprovar que os games têm, em sua recepção, a possibilidade inerente de proporcionar àquele que o experimenta uma vivência que vai além do simples entretenimento. Qualidades como a contemplação e o acaso extático, as relações de identidade e até mesmo o aprendizado e o autoconhecimento são possíveis consequências do ato de jogar, que dependem sempre de dois fatores: o objetivo primeiro dos desenvolvedores quando propõe seu game e a relação que o próprio gamer tem com o gameplay. Como apresentado, a escolha de cada game foi determinada pela análise semiótica de sua recepção, onde cada um deles tem uma categoria predominante diferente. Flower, cuja predominância se encontra na Primeiridade, tem sua interação guiada pelo acaso, pelo icônico; em seu conceito e em sua estrutura reside a possibilidade inerente de deleitar àquele que o experimenta. Sua exploração, guiada a maior parte do tempo pelo acaso, é acompanhada constantemente por livres cenários ricos em detalhes e toda e qualquer ação resulta em melodias harmoniosas e envolventes, que proporcionam uma imersão extática sem precedentes. Eyepet, por sua vez, encontra sua predominância na Secundidade, devida a sua relação com a realidade, sua indicialidade explícita. Ao exigir do jogador o constante embate com a realidade – ela mesma, participante ativa do game – através da mágica ilusionista criada, o pequeno animal virtual torna-se quase um chaveiro da segunda categoria fenomenológica encarnada. A experiência gerada no decorrer do jogo chega mesmo a confundir os sentidos do jogador que, envolvido na metáfora da realidade aumentada, chega mergulhar no espelho de Carrol e dedicar à mascote virtual toda a atenção possível, adotando-a para si. Heavy Rain, último dos games analisados, tem seu predomínio na Terceiridade. Por seu forte aspecto narrativo, que o levou a ser definido como drama interativo, o game se encontra no domínio das leis e do arbitrário, no reino do simbólico. Aproximando-se ao máximo do universo do cinema, o jogo tem sua estrutura fortemente enraizada na mítica da jornada do herói, o que acaba por estimular a reflexão, o autoconhecimento e até mesmo o aprendizado do jogador. Vale a pena ressaltar que esses três possíveis estados da mente apresentados – Primeiridade, Secundidade e Terceiridade – não podem ser interpretados enquanto dados estanques. O que existe, e espera-se que este trabalho tenha de certa forma

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comprovado, é a predominância de um desses estados sobre os dois outros, o que de maneira alguma anula suas existências. Neste trabalho, o mais importante é compreender de que maneira cada game demonstra sua predominância, aspecto este analisado através das possíveis experiências que podem proporcionar àquele que joga. A partir das análises realizadas, espera-se ter alcançado o objetivo primeiro de demonstrar diferentes possibilidades de recepção existentes, enquanto experiências únicas a cada indivíduo. Essas experiências que, como em qualquer experiência pessoal, podem variar: desde a satisfação contemplativa de um cenário bem resolvido a uma reconstrução de identidade por parte de um personagem-herói bem elaborado. Ao mudar o foco de atenção para o meio acadêmico, espera-se ter enriquecido a cartografia atual acerca do universo e das possibilidades que os games apresentam. Busca-se, enfaticamente, enfrentar e desmistificar o menosprezo crítico, que enxerga essa nova mídia apenas enquanto algo banal, nocivo e, acima de tudo, violento. Para retomar todas as discussões anteriores às análises, cabem ainda algumas outras reflexões. A primeira delas trata da principal novidade do ciberespaço apontada anteriormente; nos três games analisados, tem-se demonstrada a possibilidade existente da manifestação da multiplicidade da identidade humana. Flower, Eyepet e, mais ainda, Heavy Rain trazem à tona a questão das possibilidades de experiências diversas, que apenas em um universo virtual o indivíduo pode encontrar total liberdade de ação. Em Flower, é como se o indivíduo ganhasse asas e pudesse experimentar a sensação de voar; em Eyepet, ele ganha uma pequena mascote que lhe será eternamente fiel, que não irá lhe causar problemas reais e, talvez a maior das vantagens, nunca morrerá; em Heavy Rain, o indivíduo pode experimentar decisões que lhe seriam fortemente comprometedoras fora do universo do game: desde provocar acidentes ao dirigir na contramão de uma grande rodovia até a decisão de acabar com a vida de uma pessoa. Aqui, pode-se retomar Murray, quando ela diz que ao possibilitar inúmeras manifestações das identidades do sujeito, o ciberespaço concretiza um desejo ancestral humano: viver fantasias em universos ficcionais. Por ser um meio participativo e imersivo, o ciberespaço tem a capacidade de satisfazer esse desejo humano da forma mais completa possível. E o forte mercado dos games hoje funciona como exemplo claro dessa satisfação prometida. A satisfação do desejo de viver fantasias e universos ficcionais tem sua base de sustentação em dois pilares principais, já apresentados: a imersão e o agenciamento. Com a imersão e o agenciamento trabalhados de forma condizente ao universo

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ficcional, tem-se a criação ativa da crença em tal universo. Tanto em Flower, quanto em Eyepet e Heavy Rain,o grau da imersão pode ser considerado satisfatório. No primeiro game, os cenários bucólicos envolvem seus jogadores de tal forma que a crença no voo torna-se factível. No segundo game, a crença é construída a partir da própria realidade engolida pela câmera e apresentada simultaneamente e em tempo real junto a elementos virtuais altamente responsivos. No terceiro game, é o próprio enredo bem amarrado, unido a cenários muito bem resolvidos, que constrói a malha imersiva. Outra questão que deve ser aqui retomada é a visão do ato de jogar enquanto ensaio para a vida. Nos games, o indivíduo que joga representa seu papel de acordo com o que acredita ser o mais adequado; diversas vezes chega a contrariar suas atitudes e posturas da vida real. O jogo, portanto, possibilita a exploração de novos limites, percepções e desejos. Em outras palavras, permite àquele que joga experiências novas que vão além de seu cotidiano. Com isso, é fortalecido o fator lúdico, presente justamente nas ações dentro do jogo, que importam muito mais do que a sua finalidade. Os três games selecionados também representam a quebra de outro paradigma apresentado anteriormente: a “tirania do mercado”, a qual dita a produção de acordo com estatísticas de venda e não de investigação e inovação experimental. Nos três games, tanto a jogabilidade quanto a recepção foram pensadas de maneira inovadoras, desenvolvidas na contramão das estruturas de sucesso até então conhecidas: Flower, por seu aspecto altamente contemplativo e sua exploração guiada pelo acaso; EyePet, pela sobreposição de uma camada virtual à realidade, através do uso da realidade aumentada; Heavy Rain, por se tratar de um drama interativo, rico em decisões mentais e, acima de tudo, morais. Para concluir, este trabalho buscou demonstrar possíveis exemplos de subversão e de novas possibilidades, que vão à contramão das críticas atuais que recaem sobre os games, através da análise de três obras. O objetivo principal que espera ter-se alcançado é o de comprovar que os games não podem ser considerados, de maneira geral, violentos e banais. Eles carregam em si as mais diversas possibilidades de experiência e podem, inclusive, ser utilizados para despertar os sentidos e o intelecto do homem.

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Referências das imagens Figura 1. O diagrama de migrações de narrativas e games para meios computacionais, de Ranhel. (Fonte: RANHEL, 2009, p.18). Figura 2. Arte da capa do game em sua loja virtual. Disponível em: < http://thatgamecompany.com/games/flower/>. Acesso em abril de 2013. Figura 3. Imagem da tela inicial - o menu de fases. O único vaso em cima da mesa dá acesso à primeira fase do game. Disponível em: < http://www.soundingames.com/images/c/c5/Flower-Noise-1.png>. Acesso em abril de 2013. Figura 4. Cenário de uma das fases iniciais. A corrente de pétalas à esquerda é aquela controlada pelo jogador. Disponível em: < http://4.bp.blogspot.com/GkU539SjfuU/TlSNpXYVc1I/AAAAAAAAADg/dDB3c89zcPw/s1600/flower2+%25 281%2529.jpg>. Acesso em abril de 2013. Figura 5. Grandes hélices eólicas adormecidas, que devem ser despertas pelo jogador. Disponível em: < http://thatgamecompany.com/games/flower/>. Acesso em abril de 2013. Figura 6. Outro cenário do game. Disponível http://thatgamecompany.com/games/flower/>. Acesso em abril de 2013.

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Figura 7. Tela inicial apresentada ao desenrolar do game. Disponível em: < http://3.bp.blogspot.com/_cqM9JAed9vI/TIVZGv3NCcI/AAAAAAAAAKE/oVT3UFh tcqM/s1600/7.JPG>. Acesso em abril de 2013. Figura 8. Tela inicial apresentada ao final, caso o jogador encontre todas as pétalas especiais escondidas. A paisagem na janela encontra-se completamente transformada. Disponível em: < http://i702.photobucket.com/albums/ww25/RegorTtenneb/PICT0726.jpg>. Acesso em abril de 2013. Figura 9. Cenário da fase noturna; as pétalas a serem controladas encontram-se em primeiro plano. Disponível em: < http://thatgamecompany.com/games/flower/>. Acesso em abril de 2013. Figura 10. Cenário da cidade em ruínas. Disponível http://thatgamecompany.com/games/flower/>. Acesso em abril de 2013.

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Figura 11. Cenário da cidade em transformação: ganha vida com a ação do jogador, que a desperta. Disponível em: < http://thatgamecompany.com/games/flower/>. Acesso em abril de 2013. Figura 12. Imagem da capa do jogo. Disponível em: < http://ilarge.listal.com/image/1379037/936full-eyepet-cover.jpg>. Acesso em abril de 2013.

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Figura 13. Exemplo de utilização da tecnologia da Realidade Aumentada, com uso de marcadores: obra artística levelHead, de autoria de Julian Oliver (2007). À esquerda, cubos com os marcadores em suas superfícies; à direita, a sobreposição de conteúdo virtual. Disponível em: . Acesso em abril de 2013. Figura 14. Imagem promocional do game com os acessórios necessários (câmera e cartão mágico). Disponível em: < http://pt.hackconsoles.com/uploads/media/images/dacms/image/eyepet3-1.jpg>. Acesso em abril de 2013. Figura 15. Nascimento de uma nova mascote. Disponível em: < http://3.bp.blogspot.com/_vV97FJvAgE/TKA3vwAZ3hI/AAAAAAAABCw/AMrzgjwpzxA/s1600/eyepet+egg.jpg>. Acesso em abril de 2013. Figura 16. Imagem do menu principal do jogo, onde se encontram as sete principais opções de interação. Disponível em: < https://forums.playfire.com/_proxy/?url=http%3A%2F%2Ffarm3.static.flickr.com%2F2 777%2F4132734161_5a66329b68.jpg&hmac=e65b26cfb31aa11af20fec15646748cd>. Acesso em abril de 2013. Figura 17. Radiografia do pequeno animal, para conferir sua saúde. Disponível em: < http://www.gamespot.com/eyepet/images/716164/>. Acesso em abril de 2013. Figura 18. Uma das brincadeiras mágicas: jogo da memória. Disponível em: < http://www.gamespot.com/eyepet/images/829200/>. Acesso em abril de 2013. Figura 19. Atividade "Desenhar": desenha-se um foguete de forma simples... Disponível em: < http://www.gamespot.com/eyepet/images/744229/>. Acesso em abril de 2013. Figura 20. ... e a mascote irá copiar de forma bastante fiel em seu caderno mágico. Disponível em: < http://www.gamespot.com/eyepet/images/744227/>. Acesso em abril de 2013. Figura 21. Em seguida, o desenho irá saltar, ganhar tridimensionalidade e transformarse-á em brinquedo interativo. Disponível em: < http://www.gamespot.com/eyepet/images/744222/>. Acesso em abril de 2013. Figura 22. Pode-se interagir com objetos variados, desde que o jogador desperte a atenção da mascote. Disponível em: < http://www.gamespot.com/eyepet/images/716155/>. Acesso em abril de 2013. Figura 23. Imagem da capa do game. Disponível em: < http://image.gamespotcdn.net/gamespot/images/box/1/2/3/933123_154032_front.jpg>. Acesso em abril de 2013. Figura 24. Ethan e seu filho Shaun, minutos antes do blackout. Disponível em: < http://www.gamespot.com/heavy-rain/images/846981/>. Acesso em abril de 2013.

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Figura 25. Scott Shelby entrevista Lauren, mãe de uma das vítimas do Assassino. Disponível em: < http://www.gamespot.com/heavy-rain/images/846987/>. Acesso em abril de 2013. Figura 26. Norman Jayden, em sua primeira aparição no game, investigando um dos casos do Assassino. Em primeiro plano, a vítima morta: um garoto com uma orquídea branca sobre o peito. Disponível em: < http://www.gamespot.com/heavyrain/images/1023207/>. Acesso em abril de 2013. Figura 27. A jornalista Madison Paige em cena de ação (em seu pesadelo). As imagens de "X" e "quadrado" referem-se aos botões específicos a serem pressionados no controle. Disponível em: < http://www.gamespot.com/heavy-rain/images/1023193/>. Acesso em abril de 2013. Figura 28. Madison Paige, pouco depois de despertar de seu pesadelo. Disponível em: < http://www.gamespot.com/heavy-rain/images/1023196/>. Acesso em abril de 2013. Figura 29. Boate a que Madison e Jayden partem para investigar. Disponível em: < http://www.gamespot.com/heavy-rain/images/716296/>. Acesso em abril de 2013. Figura 30. Interior da boate Blue Lagoon. Disponível em: http://www.gamespot.com/heavy-rain/images/716297/>. Acesso em abril de 2013.

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Figura 31. Norman Jayden em cena de ação com Mad Jack. Disponível em: < http://www.gamespot.com/heavy-rain/images/713321/>. Acesso em abril de 2013. Figura 32. A difícil escolha final de Ethan: tomar ou não o veneno mortal. Disponível em: < http://cdn.gamerant.com/wp-content/uploads/heavy-rain-qte.jpg>. Acesso em abril de 2013.

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Bibliografia selecionada ANDREWS, Jim. “Videogames como dispositivos literários” in SANTAELLA, Lucia; FEITOZA, Mirna (org.). Mapa do Jogo: a diversidade cultural dos games. São Paulo: Cengage Learning, 2009 (p. 137-146). ANTUNES, Aline. “Heavy Rain: uma jornada paradoxal”. Artigo no prelo. BASTOS, Marcus. “Jogar ou não jogar: games em questão” in SANTAELLA, Lucia; FEITOZA, Mirna (org.). Mapa do Jogo: a diversidade cultural dos games. São Paulo: Cengage Learning, 2009 (p. 147-162). BITTENCOURT Neto, Levy Henrique. God of War: a tragédia grega na primeira década do séc. XXI. Dissertação de Mestrado em Tecnologias da Inteligência e Design Digital. São Paulo: PUC-SP, 2012. CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. São Paulo: Pensamento, 2007. DOVEY, John; KENNEDY, Helen W.. Game Cultures: Computer Games as New Media. Berkshire: Open University Press, 2006 FRASCA, Gonzalo. “Ludologists love stories too” in Level up: digital games research conference proceedings. Utrecht University, 2003. Disponível em: . Acesso em 2013. FRASCA, Gonzalo. “The Sims: Grandmothers are cooler than trolls” in Digital Media, Game Studies 1 (1). 2001. Disponível em: . Acesso em 2013. FRASCA, Gonzalo. Videogames of the Oppressed: Videogames as a means of critical thinking and debate. Georgia Institute of Technology, 2001. Disponível em: . Acesso em 2013. FRASCA, Gonzalo. Play the Message: Play, Game and Videogame Rhetoric. IT University of Copenhagen. Denmark, 2007. Supervisor: Espen Aarseth. Disponível em: . Acesso em 2013. GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. GOMES, Renata. “Shenmue e o dilema narrativo” in SANTAELLA, Lucia; FEITOZA, Mirna (org.). Mapa do Jogo: a diversidade cultural dos games. São Paulo: Cengage Learning, 2009 (p.67-84). HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: Perspectiva, 2010.

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PINTO NETO, Zóximo Teixeira; SOARES, Felipe Rodrigues. Concepção visual de personagens para jogos em ambientes virtuais: um paralelo entre o psicológico e o visual in Anais do SBGames 2006. Disponível em: < http://www.sbgames.org/papers/sbgames06/12.pdf>. Acesso em junho de 2013. POLTRONIERI, Fabrizio. “O jogo do parangolé” in SANTAELLA, Lucia; FEITOZA, Mirna (org.). Mapa do Jogo: a diversidade cultural dos games. São Paulo: Cengage Learning, 2009 (p.163-178). RANHEL, João. “O conceito de jogo e os jogos computacionais” in SANTAELLA, Lucia; FEITOZA, Mirna (org.). Mapa do Jogo: a diversidade cultural dos games. São Paulo: Cengage Learning, 2009 (p.3-20). RYAN, Marie-Laure. “Beyond Myth and Metaphor: The Case of Narrative in Digital Media” in Digital Media, Game Studies 1 (1). 2001. Disponível em: . Acesso em 2013. SANTAELLA, Lucia. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007. SANTAELLA, Lucia; FEITOZA, Mirna (org.). Mapa do Jogo: a diversidade cultural dos games. São Paulo: Cengage Learning, 2009. SANTAELLA, Lucia. Matrizes da Linguagem e Pensamento: Sonora Visual Verbal. São Paulo: Iluminuras: FAPESP, 2005. SANTAELLA, Lucia. “O paroxismo da auto-referencialidade nos games” in SANTAELLA, Lucia; FEITOZA, Mirna (org.). Mapa do Jogo: a diversidade cultural dos games. São Paulo: Cengage Learning, 2009 (p.51-66). SANTAELLA, Lucia. O que é Semiótica. São Paulo: Editora Brasiliense, 2005. SANTAELLA, Lucia. Semiótica Aplicada. São Paulo: Cengage Learning, 2008. SATO, Adriana. “Do mundo real ao mundo ficcional: a imersão no jogo” in SANTAELLA, Lucia; FEITOZA, Mirna (org.). Mapa do Jogo: a diversidade cultural dos games. São Paulo: Cengage Learning, 2009 (p.37-47). VOGLER, Christopher. A Jornada do Escritor: estruturas míticas para escritores. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.

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Anexos Fichas técnicas dos games analisados Flower Desenvolvimento Publicação Direção Plataforma Data de lançamento Gênero Modo de jogo Mídia/Distribuição

ThatGameCompany Sony Computer Entertainment Jenova Chen / Nicholas Clark Playstation 3 Fevereiro de 2009 Aventura poética Single Player Distribuição via download digital

EyePet Desenvolvimento Publicação Direção Plataforma Data de lançamento Gênero Modo de jogo Mídia/Distribuição

SCE London Studio / Playlogic Game Factory Sony Computer Entertainment Alastair Lindsay / Richard Jacques Playstation 3 Outubro de 2009 Animal de estimação virtual (Virtual pet) Single Player Blu-ray Disc

Heavy Rain Desenvolvimento Publicação Direção Plataforma Data de lançamento Gênero Modo de jogo Mídia/Distribuição

Quantic Dream Sony Computer Entertainment David Cage Playstation 3 Fevereiro de 2010 Drama Interativo; Suspense psicológico Single Player Blu-ray Disc

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Vídeos demonstrativos Seguem alguns links utilizados para a elaboração do trabalho e a análise dos games apresentados: What makes a hero? - Matthew Winkler Disponível em . Acesso em abril de 2013. Flower Trailer Disponível em . Acesso em abril de 2013 Flower Gameplay Disponível em . Acesso em abril de 2013 EyePet Trailer Disponível em < http://www.youtube.com/watch?v=JHBq8QxHSE4>. Acesso em abril de 2013 EyePet Gameplay Disponível em < http://www.youtube.com/watch?v=7Jvp-i6BHaI>. Acesso em abril de 2013 Heavy Rain Trailer Disponível em < http://www.youtube.com/watch?v=qeM0JrRw998>. Acesso em abril de 2013 Heavy Rain Gameplay Disponível em < http://www.youtube.com/watch?v=o1eGF2_MWQ8 >. Acesso em abril de 2013

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