Os Heróis da História do Brasil nas Telas de Murillo LaGreca: Representações e Discursos em Pintura à Óleo.

October 7, 2017 | Autor: K. Vanderlei Silva | Categoria: Brazilian History, Representations Of History In Art
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SILVA, Kalina Vanderlei . Os Heróis da História do Brasil nas Telas de Murillo LaGreca: Representações e Discursos em Pintura à Óleo. In: PESAVENTO, Sandra et al. (Org.). Sensibilidades e Sociabilidades Perspectivas de Pesquisa. Goiânia-GO: Ed. UCG, 2008.1

Murilo La Greca foi um pintor de origem italiana, radicado no Recife da primeira metade do século XX. Especialista em retratos e desenho naturalista ajudou a fundar a Escola de Belas Artes do Recife, exercendo significativa influência sobre uma geração de artistas plásticos pernambucanos. Nesse trabalho consideramos sua obra como representativa de uma imagem de História que a República construiu e procurou transformar em dominante na primeira metade do século XX. Uma visão de História que buscava engrandecer os heróis históricos: personagens escolhidos para representar a trajetória histórica do Brasil. As pinturas de La Greca, dessa forma, aproximam-nos do imaginário coletivo da República, assim como de suas construções acerca da História do Brasil. Através de suas telas com temática histórica podemos compreender algumas das representações imagéticas acerca de conceitos como heroísmo: como a História representava, no Brasil da Primeira República e do Estado Novo, seus heróis. Murilo La Greca nasceu no interior de Pernambuco, na cidade de Palmares, em 1899, filho de imigrantes italianos. Com 18 anos foi estudar arte no Rio de Janeiro, entrando em contato com o grupo que despontaria na Semana de Arte Moderna em 1922, mas em 1919 iniciou uma temporada na Itália que definiu sua arte: entre 1919 e 1925 envolveu-se com o movimento que se autodenominava Novecento e que tentava resgatar a arte italiana dos séculos XV e XVI. O retorno à ordem estava em vigor, então, e La Greca se deixou influenciar por ele, seguindo, no entanto, uma linha mais voltada para o impressionismo. No Brasil dedicou muito de seu tempo a estudar anatomia, além de empregar as técnicas impressionistas de pintura ao ar livre em suas paisagens. Sua obra mais monumental são os afrescos dos Quatro Evangelistas na Igreja Basílica da Penha, no Recife, terminados em 1942. 1

Trabalho realizado com o apoio financeiro da FACEPE e ao Museu Murillo La Greca (patrocínio do FUNCULTURA).

Seu vívido interesse pela História está atestado tanto em pinturas a óleo, quanto em esboços. La Greca pintou cenas epopéicas, como A Morte do Fanático de Canudos (1924), a Execução de Frei Caneca (1924), e compôs uma série de retratos dos heróis da República, entre 1930 e 1934, a pedido do Comando do Exército, em Recife: Tiradentes (1934), Benjamin Constant (1930), Marechal Deodoro (1930) e Floriano Peixoto (1930). A República uma vez proclamada no Brasil procurou criar seus próprios heróis, conseguindo seu maior êxito com Tiradentes. A obra histórica de La Greca retrata os personagens mais exaltados pela República, tanto pela Primeira república quanto pelo Estado Novo. Seu discurso em óleo agrega ainda aos heróis nacionais outras figuras que em âmbito regional tinham a mesma função: através de uma representação que privilegia a imagem de martírio, atrair empatia para a causa republicana e, em última instancia, forjar uma identidade nacional. Entre os heróis da República cultuados regionalmente em Pernambuco, La Greca pintou, em sua tela mais famosa, o mais prestigiado deles: Frei Caneca. A Primeira República e o Estado Novo se preocuparam, assim como o Império antes, em construir uma identidade nacional que passava pela História e pela celebração de um conjunto de heróis, diferente em cada versão. A arte teve um papel fundamental nessa tarefa: se o Império investiu nas telas clássicas de Pedro Américo e Victor Meirelles, a República e o Estado Novo investiram, por sua vez, em feriados nacionais – Tiradentes – e livros infantis onde os heróis da República eram os protagonistas.2 Abaixo trazemos duas das telas de La Greca que representam os heróis da República: Frei Caneca e Tiradentes. La Greca estudou no Recife quando os livros ufanistas de História já corriam pelo Brasil. Conviveu com as imagens de heróis que esses livros traziam, assim como com a ascensão do culto ao herói na Itália da década de 1920, e com o Estado Novo brasileiro. Suas telas dos heróis republicanos são todas desse momento.

2

OLIVEIRA, Lucia Lippi. A Construção do Herói no Imaginário Brasileiro de Ontem e Hoje. In PESAVENTO, Sandra (org.). História Cultural – Experiências de Pesquisa. Porto Alegre: ed. UFRGS. 2003.

A Execução de Frei Caneca. 02 Quadros. Óleo Sobre Tela. 1924. Acervos: Museu Murilo la Greca; Museu do Estado de Pernambuco. A pintura a óleo intitulada ‘A Execução de Frei Caneca’, finalizada por La Greca na década de 1920, atualmente se encontra dividida em duas: dois quadros pertencentes a diferentes museus. Essa provavelmente é a obra mais famosa de La Greca. Nela vemos retratado o fuzilamento do padre revolucionário pernambucano Frei Caneca pelas tropas do Império brasileiro em 1825. Frei Caneca foi um dos principais ideólogos de dois dos principais movimentos políticos do século XIX no Brasil: a chamada revolução de 1817, em que liberais sediados nas províncias do Norte pregaram a independência e a instalação da República contra a colonização portuguesa; e a Confederação do Equador, em 1824, quando depois da independência do Brasil realizada por D. Pedro I com o suporte das províncias do eixo Centro-Sul, os liberais do Recife passaram a defender uma república separatista no Nordeste. Com o fracasso do movimento de 1817, Caneca foi preso, passando quatro anos nas cadeias da Bahia. Depois de libertado, e com a proclamação da independência por D.Pedro

I, passou a discursar contra as arbitrariedades do imperador. Surgindo daí as linhas gerais de um dos principais movimentos políticos do Brasil Império, no qual liberais de diferentes províncias da região que atualmente chamamos Nordeste, tentaram proclamar a república e a independência dessa região, que passaria então a ser conhecida como Confederação do Equador. A Confederação do Equador estourou depois que D. Pedro I dissolveu a Assembléia Constituinte, em 1823. A extrema centralização do governo, e a não participação das elites do norte nas decisões do Império foram os principais fatores que desencadearam esse movimento. Durante este, Frei Caneca publicou seu projeto para a constituição de um novo Estado, baseado nos direitos do cidadão da Revolução Francesa. Com a derrota da Confederação pelas forças do Império brasileiro, Caneca foi preso, julgado, condenado à morte e, por fim, executado em praça pública, através de fuzilamento, no Recife em 1825. Sua morte gerou uma aura de mártir, bem representada na tela de La Greca. Criaramse mitos como aquele que afirma não ter sido possível encontrar nenhum carrasco para executar o frade. Visto a sua defesa dos ideais liberais das elites nordestinas do século XIX, Frei Caneca foi alçado à condição de herói de Pernambuco pela história política desse Estado no início do século XX. Na tela, La Greca representou um personagem com feições de mártir, em uma pose de dignidade e serenidade perante a morte. Reproduziu, dessa forma, o discurso de um Frei Caneca heróico. A forma como o personagem é apresentado na pintura fala sobre como suas idéias e sua imagem foram apreendidas pelo pintor e pela sociedade. Enquanto o fanático de Canudos aparece como um personagem trágico, mas sob o peso da palavra fanático, que lhe confere uma aura de barbárie, o Frei Caneca de La Greca surge nobre, destemido, estóico, menos trágico e lamentável que o personagem anterior. Os ideais que ele representa são ideais vitoriosos no século XX, a República, diferente da busca por melhores condições econômicas para os camponeses, representada por Canudos. Por essa obra, e pelo retrato do fanático, críticos de La Greca na década de 1920, consideraram-no o pintor da dor histórica. A aura de mártir depois foi utilizada também em retratos de outros ‘heróis’ da História oficial, como o de Tiradentes.

Tiradentes. Óleo sobre Tela. 1934 aproximadamente.

Na década de 1930, Murilo La Greca recebeu uma encomenda do Comando Militar do Nordeste para pintar uma série de retratos históricos de ‘personagens célebres’ da República. Essa série, que o Comando Militar atualmente disponibilizou ao acervo do Museu Murilo La Greca, foi aberta com o retrato do maior dos heróis e ícones da República brasileira, Tiradentes. A fama histórica de Tiradentes veio por sua participação no movimento republicano conhecido como Inconfidência Mineira. Um movimento organizado pelas elites letradas de Vila Rica contra a Coroa portuguesa e sua excessiva imposição de tributos. A chamada

Inconfidência Mineira contou com a participação de letrados do porte de Tomás Antônio Gonzaga e Cláudio Manuel da Costa, dois dos mais importantes nomes das letras brasileiras coloniais. Apesar de sua participação tímida no movimento, por sua baixa situação social, Tiradentes foi o único condenado à morte. Isso porque a lei portuguesa diferenciava as penas de acordo com a condição social dos condenados: e visto que os outros inconfidentes eram pessoas de elevado status social, foram condenados a penas de prisão e degredo, mas não à morte. Tiradentes foi enforcado e esquartejado, seguindo as práticas legais do Estado Português. Sua importância para a História do Brasil, todavia, só veio um século depois, com a proclamação da República em 1889. Nesse momento, os republicanos vitoriosos precisavam construir uma versão da história com mitos e heróis que legitimassem a república nascente no Brasil. Escolheram, para tanto, a figura de Tiradentes por sua associação com um movimento republicano que pouco tinha de revolucionário (não defendia a abolição da escravidão, por exemplo), e que se assemelhava em linhas gerais à República vitoriosa em 1889. Um fator importante na escolha deste personagem como herói da República foi sua morte. Era preciso um mártir, e não simplesmente um revoltoso degredado, caso dos outros inconfidentes. A execução de Tiradentes assim passou a ser interpretada como injusta e brutal, e sua imagem representada como um mártir executado pelo bem da República. A tela de La Greca reproduz essa versão histórica, ainda ensinada por muitos no Brasil. A imagem de Tiradentes aqui equivale a de Jesus Cristo: a barba comprida e o olhar sereno são icônicos das representações de Cristo na arte religiosa. La Greca associou Tiradentes a outro dos mártires da República, Frei Caneca. As vestimentas de condenado, o ar de serena dignidade, são elementos encontrados em ambos os retratos. É importante percebermos que a representação nesta tela não é a de Joaquim José, o militar e dentista amador do setecentos mineiro. Mas a de Tiradentes, herói eleito pela República brasileira e alçado à categoria de mártir.

Bibliografia:

COLI, Jorge. A Pintura e o Olhar sobre Si: Victor Meireles e a Invenção de uma História Visual no Século XIX Brasileiro. In FREITAS, Marcus (org). Historiografia Brasileira em Perspectiva. São Paulo: Contexto. 2005. FURTADO, João Pinto. O Manto de Penélope – História, Mito e Memória da Inconfidência Mineira de 1788-9. São Paulo Companhia das Letras. 2002. LEITE, Glacyra Lazari. Pernambuco 1817: estrutura e comportamentos sociais. Recife: Massangana, 1988. MELLO, Carlos Alberto; BORBA, Fernando. Murilo La Greca, Sua Arte, Sua Vida. Recife: Edições Bagaço. 1989. MURILLO La Greca – Um Artista Brasileiro do Novecento Italiano. Recife: Museu Murillo La Greca/Prefeitura da Cidade do Recife. 2007. OLIVEIRA, Lucia Lippi. A Construção do Herói no Imaginário Brasileiro de Ontem e Hoje. In PESAVENTO, Sandra (org.). História Cultural – Experiências de Pesquisa. Porto Alegre: ed. UFRGS. 2003. PAIVA, Eduardo França. Historia & Imagem. Belo Horizonte: Autêntica. 2003. SILVA, Kalina Vanderlei; COSTA, Sofia Gomes. A Temática Histórica na Obra de Murillo La Greca. Recife: Museu Murillo La Greca. 2007. SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de Conceitos Históricos. São Paulo: Contexto, 2005.

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