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Os homens que não amavam as mulheres e preferem a garota com a tatuagem de dragão: um estudo sobre o consumo de Lisbeth Salander JOSEL AINE CAROLINE

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S I LVA S A N T O S 1

Resumo: O estudo teve como objetivo analisar as relações e conexões de consumo entre o cinema e a moda através de uma abordagem analítica do posicionamento dos jovens na pós-modernidade a fim de compreender o caminho de consumo de Lisbeth Salander, personagem da literatura criada por Stieg Larsson, em suas adaptações para o cinema, partindo do pressuposto das influências e inserções midiáticas na contemporaneidade a partir da análise da construção da protagonista da trilogia Millenium. Presente nos filmes Man som hatar kvinnor (2009), de Niels Arden Oplev e The girl with the dragon tattoo (2011), de David Fincher e a coleção de roupas das lojas H&M inspirada na personagem, descobrindo e trabalhando em cima de perspectivas que constroem uma antítese às ideologias da obra.

Palavras-chaves: consumo, contemporaneidade, pós-modernidade, Lisbeth Salander, H&M.

Abstract: The purpose of this study is to analize the relations and connections of consumption between cinema and fashion through an analytic approach of positioning from the young people at the post-modern era, analizing the pathway consumption from Lisbeth Salander, character of cinema and literature created by Stieg Larsson, on the adaptations to the cinema considering the premise of the influences and midiatic inserts on the contemporary era from the analisys of the construction of the main character of the Millenium trilogy. In the movies Man som hatar kvinnor (2009), from Niels Arden oplev and The girl with the dragon tattoo (2011), from David Fincher, and the fashion collection from H&M inspired in the character, discovering and working on the perspectives that construct an opposition to the ideology of the work.

Keywords: consumption, contemporarity, post-modernity, Lisbeth Salander, H&M.

INTRODUÇÃO INFLUÊNCIA DE astros e personagens de cinema e televisão sobre os jovens há

A

anos tem sido objeto de estudo e questionamento entre teóricos e pesquisadores de comunicação, psicologia, entre outras áreas de estudos. O consumo em torno desse mercado atinge níveis que vão desde construção e mudança de personalidade até utopia e alienação. A pós-modernidade tem como características básicas de seu 1. Universidade Anhembi Morumbi - UAM (Brasil)

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cotidiano praticidade, tecnologia e pressa, resultando na formação de uma cultura instável e efêmera. O consumo é altamente descartável, as coisas perderam seu valor de uso e parecem possuir apenas preço, sendo a necessidade de adquirir alguns produtos amplamente questionável. Analisando a efemeridade em torno do comportamento jovem em detrimento dos valores de uso das coisas através das influências midiáticas que assolam a sociedade contemporânea, trabalharemos os pressupostos que convergem com os princípios de criação e motivações de Lisbeth Salander, personagem literária criada pelo escritor Stieg Larsson na trilogia Millenium, presente nas obras cinematográficas Män som hatar kvinnor (Suécia, 2009), dirigido por Niels Arlen Oplev e The girl with the dragon tattoo (EUA, 2011) dirigido por David Fincher. Lisbeth Salander surge na cena do cinema mundial em quatro obras cinematográficas, três delas realizadas na Suécia, reformatadas de uma série de televisão, sendo elas Män som hatar kvinnor, Flickan som lekte med elden e Luftslottet som sprängdes, realizadas e exibidas no país nórdico, compondo a trilogia cinematográfica adaptada da literatura. Após o grande sucesso, a personagem ganhou vida em uma versão hollywoodiana, The girl with the dragon tattoo, cuja realização refletiu em uma grande repercussão midiática. Foco de estudo deste trabalho, a versão americana apresentou uma versão de Lisbeth Salander, interpretada por Rooney Mara, cujos extra-campos midiáticos acabaram por reconstruir uma relação de consumo heterogênea às ideologias da obra. Lisbeth é uma jovem investigadora hacker contratada para investigar e realizar um relatório sobre a vida de Mikael Blomkvist, jornalista sócio da revista Millenium, acusado e condenado por difamação a um poderoso empresário sueco. O trabalho realizado por Lisbeth Salander é contratado por Henrik Vanger, cuja sobrinha Harriet desapareceu há 40 anos e, conforme investigações realizadas, suspeita-se que fora assassinada por alguém de sua própria família, e Mikael Blomkvist é contratado para desvendar o mistério em torno do caso, uma vez que Henrik Vanger continua recebendo os quadros que sua sobrinha costumava pintar e dar a ele de presente em seus aniversários, antes de desaparecer aos 16 anos de idade. Ao longo da trama, Lisbeth continua observando a vida de Mikael Blomkvist e acaba ajudando a desvendar alguns dos mistérios em torno do caso, até que ele descobre suas ações e a chama para trabalhar com ele. O que descobre-se ao longo da narrativa de 2 horas e 40 minutos é uma história repleta de abusos psicológicos, assédios sexuais e estupros sofridos por Lisbeth e outras mulheres. A problemática garota teve uma juventude difícil após ser enviada para reformatórios e abrigos para pessoas com distúrbios psicológicos após ter ateado fogo em seu pai aos 12 anos de idade, ao vê-lo maltratar sua mãe, nos levando ao fato dela ser considerada pela justiça sueca psicologicamente incapaz de cuidar de si mesma, possuindo um tutor responsável pela sua readaptação e inserção à sociedade. Depois que seu tutor sofre um ataque cardíaco, um novo tutor é designado para a função de tomar conta dela, Bjurman, que abusa sexualmente dela por inúmeras vezes, nas quais Lisbeth precisa submeter-se as suas ordens e decisões, devido ao fato de que sua mãe se encontra no hospício desde o ocorrido, o paradeiro de seu pai é desconhecido e conforme às leis suecas ela deve ficar sob tutela do Estado até que seja considerada apta para cuidar de si mesma. Após inúmeros abusos sexuais de seu novo tutor, a trama desenvolve a vingança de Lisbeth contra Bjurman, e paralelamente se envolve afetivamente com

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Mikael Blomkvist ao investigar o mistério acerca do desaparecimento de Harriet Vanger e abusos sexuais sofridos pelas mulheres que aparecem na trama. À primeira vista, devido à sua aparência e atitude, percebemos que Lisbeth é uma mulher fora dos padrões, reclusa e aparentemente individualista, entretanto conforme a trama vai sendo desenvolvida e ela vai construindo suas relações com os outros personagens, é possível perceber que ela é mais sensível e humana do que a sua androginia e atitudes apresentam. Lisbeth Salander passa por conflitos psicológicos similares aos dos jovens da geração Y, pessoas nascidas entre 1981 e 1999, indiferentemente de suas circunstâncias (BOLTON, 2013, p.6) 2., que possuem como características básicas a premissa de que buscam soluções e ascensões rápidas, acesso à informação, estão sempre antenadas às últimas tendências e notícias, são de forma frequente e prematura expostos à tecnologia, tendo vantagens e desvantagens em termos cognitivos, emocionais e com consequências sociais (BOLTON, 2013, p. 8 apud IMMORDINO, Yang et al., 2012, p. 352 - 364). Lisbeth Salander apresenta todos esses atributos, criando uma forte relação com jovens que passam por esses conflitos da contemporaneidade, como ela. Frequentemente chamada de heroína, uma vez que é a hacker quem desvenda os mistérios da trama, faz justiça com as próprias mãos e vinga-se de seu antagonista, a complexa jovem apresenta características e comportamento de muitas pessoas que se encontram imersas no mundo da tecnologia e inconformismo social da atualidade, sendo frequentemente relacionada ao feminismo por seu papel de justiceira que busca vingança contra aqueles que causaram algum dano à ela ou seus próximos, ainda que a personagem não apresente nenhuma menção direta do tema na narrativa cinematográfica, ou ainda mostre quaisquer perspectivas próprias relacionadas ao assunto. Lisbeth Salander é uma garota franzina, de aparência frágil e vulnerável, mas na maior parte do tempo da narrativa possui traços, aparência e características masculinas, sendo a sua feminilidade, conforme os padrões da sociedade ocidental, pouco vista na tela, apresentando uma ambiguidade de gênero como uma de suas características mais marcantes. À medida que os espectadores vão conhecendo a personagem eles se identificam com ela de alguma forma devido à ampla gama de características e possibilidades que a compõem, chamando atenção principalmente do público feminino jovem, seja pelo fato de sentirem-se um peixe fora d`água, solitárias, injustiçadas ou mesmo vítimas de abusos sexuais que tentam se reabilitar perante a sociedade em que estão inseridas. A trajetória de justiça e vingança contra àqueles que fizeram mal a ela ou à pessoas próximas de alguma forma são um forte elo com indivíduos que sofreram quaisquer tipos de abusos, entretanto, ao contrário de muitos daqueles que se sentem injustiçados, Lisbeth consegue obter sua vingança. Ao criar essas conexões e relações a personagem acaba por ser considerada como o retrato das jovens da contemporaneidade e, devido à sua exposição midiática, tornou-se um produto da sociedade do espetáculo, e ao ser midiatizada e comercializada nos Estados Unidos suas ideologias acabam sofrendo uma distorção com fins de consumo meramente capitalistas. 2. BOLTON, R.N.... et al, 2013. Understanding Generation Y and their use of social media: a review and research agenda. Journal of Service Management, 24 (3), pp. 245-267.

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A trajetória da personagem tem início nas páginas de Os homens que não amavam as mulheres3, um dos maiores sucessos literários de gênero de suspense policial produzidos na Suécia, tendo vendido aproximadamente 63.000.000 de livros pelo mundo4. Depois torna-se uma série da televisão de seis capítulos exibidos na Suécia pelo canal TV4 e, mais tarde, lançado em formato cinematográfico, exportando juntamente com os livros alguns dos dramas das mulheres na sociedade sueca. O livro tornou-se um best-seller mundial, a versão cinematográfica sueca foi indicada à inúmeros prêmios e recebeu um BAFTA de melhor filme em língua estrangeira e, ao ter uma versão cinematográfica americana adaptada do primeiro livro da trilogia, a personagem ganhou uma exposição midiática de grande proporção. Lisbeth Salander saiu dos livros e das telas de cinema, ganhou notoriedade, tornou-se referência para muitas jovens e uma coleção de roupas com o seu nome, com o intuito de disponibilizar seu estilo e atitude aos mais diversos tipos de jovens e mulheres que se identificaram com a jovem hacker. Em 14 de dezembro de 2011, a rede de lojas de departamentos H&M, de origem sueca, que possui em torno de 3000 lojas espalhadas pelo mundo, lançou uma coleção inspirada em Lisbeth Salander, assinada pela figurinista do filme norte-americano Trish Summerville, apresentando 30 modelos caracterizados como estilo urbano dark, conforme as palavras da própria figurinista. Uma semana depois, no dia 21 de dezembro do mesmo ano, a obra cinematográfica norte-americana foi lançada nos cinemas, e tanto a coleção quanto o filme veiculavam em diversos tipos de mídias, como impressa, televisiva, websites e blogs, contribuindo para a exposição da personagem e da coleção. A partir do pressuposto de fatos aleatórios, tem-se: o sucesso da personagem ao redor do mundo através dos livros, a mídia atuando em torno da estreia do filme hollywoodiano, as grandes transformações visuais da atriz Rooney Mara, que interpreta Lisbeth Salander na versão estadunidense, estampando capas de diversas revistas, e ainda, as memórias da recente adaptação do filme sueco de 2009, que conta com uma atuação surpreendente de Noomi Rapace no papel de Lisbeth, gerando diversas comparações e posicionamentos de fãs da trilogia, principalmente na Suécia, país de origem da obra. Ao somarmos estes fatores podemos partir da premissa de que a H&M fez uma grande jogada de marketing e consumo ao expor essa coleção em suas vitrines na mesma época da estreia do filme americano. Cerca de 3 milhões de exemplares do livro Os homens que não amavam as mulheres foram vendidos na Suécia até Dezembro de 2011. Segundo a Statistiska centralbyrån5, o país conta com uma população de aproximadamente 9 milhões de pessoas, logo estima-se que pelo menos 1 a cada 3 suecos leram o primeiro livro da trilogia. A obra era um sucesso no país, impulsionada pela exibição da série e pela exportação do filme sueco e da personagem, então ao lançar uma coleção inspirada em Lisbeth Salander, desenhada pela figurinista do filme americano que estava prestes a ser lançado nos cinemas, é inevitável, devido às inserções e ações de marketing do mundo contemporâneo, que não se crie conexões de publicidade entre a H&M e a versão americana, 3. Tradução em língua portuguesa de ambas versoes cinematográficas, Män som hatar kvinnor e The girl with the dragon tattoo. 4. Stieg Larsson, em: Acesso em 17/03/2015. 5. Statistisk årsbok 2011. Statistyiska Centralbyrån

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entretanto não há registros que comprovem tal conexão, exceto pela assinatura de Trish Summerville. A H&M faz uso do fato de ser uma empresa sueca influente no mundo da moda, mundialmente reconhecida, e do fato da popularidade de Lisbeth em diversos países tornar-se motivo de orgulho para os cidadãos da Suécia, contando ainda com o fato de Stieg Larsson ter sido uma pessoa pública cujas opiniões, investigações e denúncias jornalísticas possuíam grande credibilidade e prestígio entre a população nórdica, fazendo com que o consumo e a exposição da coleção atuassem acerca das psiconecessidades de consumo, valorizando não só seus produtos, mas ainda seu papel social na sociedade de forma sútil e efetiva. Paralelamente, desde setembro de 2011 a atriz Rooney Mara estampava diversas capas de revistas de moda como Vogue e QG, trajada de Lisbeth Salander, criando e associando uma identidade fashion à personagem que vendia a imagem da hacker como uma mulher justiceira, mas com estilo, além de diversas inserções em websites como Huffington Post e blogs de moda, anunciando o estilo “cool” de uma personagem feminina que luta contra a tirania masculina. A humanização da personagem é realizada pela mídia aproximando-a da espectadora que torna-se uma provável consumidora uma vez que a personagem possui dramas e problemas como o das mulheres comuns, tornando a hacker uma mulher próxima da realidade e não mais um modelo de mulher inatingível mostrada nas telas, e a coleção da loja de departamentos apropria-se desse importante aspecto para atingir um maior número de consumidoras. O fator de que a sedução da coleção acontece através do espetáculo promovido por Hollywood em torno do filme é fundamental para as inserções do produto Lisbeth Salander, pois não é a atriz quem está nas capas das revistas, o público pouco se interessa por Rooney Mara, o que vende é a sua caracterização e a encarnação, o processo ao qual ela passou para obter o produto final da personagem, e é isso que temos nas inserções midiáticas. Na capa da revista Weekly Entertainment de 18 de Novembro de 2011, n . 1181 (Figura 1), em que temos o ator Daniel Craig, que interpreta Mikael Blomkvist na versão americana e também famoso por interpretar James Bond nos cinemas, e Rooney Mara. No canto esquerdo, minimizado, estão os nomes dos atores, entretanto a chamada da revista é para a obra, que traz o título em destaque na capa, pois é a personagem de Lisbeth Salander, é o relacionamento e a trajetória com Blomkvist que está sendo vendido ali, e não os atores em si, a partir do momento em que eles se caracterizam como as personagem na capa da revista, caracterizamos uma ação de relação direta com a publicidade do filme. Uma vez que o leitor desconheça a narrativa, a leitura que se faz desta imagem é que Daniel Craig é um cara sedutor e que Rooney Mara necessita dele, e não quer que ele saia de sua vida pela forma como ela segura ele com as mãos e entrelaçando seus pés ao redor de seu tronco, impossibilitando-o de sair. Produto moda, a estrela deve agradar, a beleza [...] exige encenação, artifício, refabricação estética: os meios mais sofisticados, maquiagem, fotos e ângulos de visão estudados, trajes, cirurgia plástica, massagem, são utilizados para confeccionar a imagem incomparável, a sedução enfeitiçadora das estrelas. (LIPOVETSKY, 1987, p.249)

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Figura 1. Revista Weekly Entertainment n 1181 de 18 de Novembro de 2011, com Rooney Mara e Daniel Craig.

Na narrativa, as atitudes de Lisbeth em relação a envolvimentos afetivos e emocionais são totalmente inversas à Lisbeth que a imagem da capa vende, uma vez que devido aos dramas de sua trajetória a protagonista da trama evita demonstrar, dar, receber ou criar vínculos afetivos de quem quer que seja, caracterizando uma desconstrução de uma personagem feminina clássica e frequente nas telas. Entretanto, o que vemos na revista destaca o papel dominante do homem na sociedade e nas narrativas ficcionais clássicas, onde o homem tem o papel de destaque e é o herói da trama, convergindo totalmente ao que ocorre na relação de Lisbeth Salander e Mikael Blomkvist pois é ela quem controla o tipo de relação e contato, e ainda evita seu assassinato, salvando-o das tiranias de um dos vilões da trama, mas colocá-la nesta posição gera um maior grau de aceitação social, humanizando-a. Humanizar a personagem é aproximá-la do público como jovens em conflito de construção de personalidade, às que desejam se libertar das ditaduras fashion do desconforto com roupas sexys, apertadas e saltos altos, pois Lisbeth é igual à muitas jovens, ao mesmo tempo em que se difere de muitas outras personagens femininas em muitos aspectos. Ela tem um estilo de natureza gótica, veste calças rasgadas e confortáveis, camisas largadas, e o que descobriu-se é que isso é altamente vendável, uma vez que se aplique um pouco de estilo, uma marca de peso e associe à uma celebridade. Por mais que a coleção da H&M não tenha Rooney Mara como garota propaganda, o que vemos são roupas de estilo similar ou igual às que ela usou no filme de uma forma acessível ao consumidor devido à assinatura de Trish Summerville.

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Parte-se do pressuposto que o marketing da coleção atuou em torno das psiconecessidades das mulheres, trabalhando o aspecto da figura de mulher forte e segura, mexendo com o sentimento das jovens que buscam ser fortes e destemidas, tratadas com igualdade e, ao mesmo tempo, sedutoras, enigmáticas e atraentes, assim como Lisbeth Salander. Entretanto, Lisbeth é uma garota abusada sexualmente por um longo período sua vida, o seu visual reflete na forma de recepção e impacto que ela quer causar nas pessoas, ela procura afastar homens e mulheres que seguem padrões hipócritas, não busca construir relações com as pessoas da sociedade onde vive devido aos traumas que passou e carrega, e também porque não confia na maioria daqueles que a cercam. Ela carrega uma revolta interna contra o sistema, o governo, sua própria família e muitas das pessoas com as quais já se relacionou. E a tradução do processo de alusão ao estilo e comportamento da personagem feito pela mídia pode ser vista na revista GQ Itália, que na edição de setembro de 2011 traz a atriz americana na capa e com a chamada: “Juventude em revolta”, fazendo conexões com os movimentos como os do grupo radical feminista Femen e Occupy que ganhavam notoriedade na época devido aos movimentos que ocorriam na Europa, onde os jovens protestavam suas insatisfações pelas ruas. A H&M fez uso da transformação dos discursos acerca das ideologias de Lisbeth de forma midiática tornando-a um modelo de tudo que as jovens querem ser, entretanto o que fica em segundo plano em relação à coleção e o marketing da personagem são as motivações de sua trajetória pois “a publicidade forma sistemas textuais com componentes básicos inter-relacionados de tal maneira que apresentem o produto sob luzes positivas” (Kellner, 1998, p. 318). Partimos da premissa de que isso só ocorreu quando a personagem foi exportada da Suécia para os Estados Unidos. Quando Lisbeth chega na forma de importação no país norte-americano nos livros e no filme sueco a essência e a mensagem em torno da personagem dá-se devido aos fatos que acontecem na narrativa, como estupro e violência contra a mulher, mas o que de fato acontece é a conversão do que a personagem representa, a essência de sua notoriedade é o fato de ela superar os obstáculos e abusos e continuar vivendo sua vida, buscando paz e sucesso em suas realizações, tentando compreender a amplitude do significado da vida. A caracterização midiática e o glamour maquiam os problemas psicológicos de Lisbeth, e esses fatores não importam tanto quanto sua roupa e estilo, que acabam por se tornar o foco da mídia. Assim, a personagem retorna para a Suécia em um formato fashion desenvolvido, apresentado e exposto pela H&M em um provável sucesso de vendas, pois Hollywood é inquestionavelmente uma produtora de consumo. Tudo e todos querem consumir o que sai de lá, é como se muitas vezes essa indústria ditasse as regras do que pode ou não ser consumido. Hollywood gira em torno da mídia, é a própria mídia, e a mídia contemporânea tem um papel fundamental na construção da identidade dos jovens. A moda, aqui nesse contexto, atua na forma de espetáculo publicitário e, conforme Baudrillard (2008), a publicidade faz do objeto um pseudoacontecimento que irá se tornar o acontecimento real da vida cotidiana através da adesão do consumidor ao seu discurso. E isso tudo é visivelmente efêmero, nos remetendo à ideia de hipermodernidade apresentada por Lipovetsky (2004), pois não passam de febre consumistas de aspirações imediatistas que amanhã ou depois serão e/ou foram esquecidas pela maioria das consumidoras da coleção.

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Segundo Lipovetsky (1987) a moda tem o poder de lidar com a psicologia do individuo, criando modelos que concretizam emoções, traços de personalidade e caráter. Logo, a imagem que a H&M vende da jovem hacker é a de uma mulher forte e independente, quando na verdade ela é uma garota frágil e traumatizada, que se esconde atrás de uma armadura que desenvolveu para se defender, e que tem dificuldade de aprofundar-se em qualquer tipo de relacionamento, isolando-se do mundo de uma forma melancólica. Mas ninguém quer consumir a verdade nua e crua, então a coleção passa a trabalhar em cima dos anseios femininos, no desejo de libertação aos paradigmas que a sociedade lhes impõe, agradando a todo tipo de mulher, e o fato de Lisbeth ter sido diversas vezes estuprada e abusada passa despercebido, poucas vezes citado e muitas vezes excluído da midiatização. Lojas de departamento como a H&M traduzem o pensamento pós-modernista, são várias possibilidades prontas e embaladas para serem utilizadas, as lojas possuem todos os estilos, entretanto isso é uma questão de identidade e, na pós-modernidade, as pessoas se identificam com muitas coisas ao mesmo tempo, não que isso seja um problema, mas acarreta conflitos na questão da superficialidade, pois se conhece tudo, mas não se conhece nada a fundo, ou muitas vezes não se conhece nada verdadeiramente. Com isso percebemos quão fragmentada e instável a identidade pós-moderna encontra-se no contexto atual. Por mais que saibamos que a questão da construção da identidade dá-se por contato e referência com outros indivíduos, a moda atua como uma grande referencia no assunto sobre a identidade, até porque ela atua sobre as psiconecessidades dos indivíduos, concordando com Lipovetsky (1987) quando o autor afirma que a mulher busca mais que um vestido, ela busca uma renovação de seu aspecto psicológico, ajudando a ser o que ela quer em determinada fase de sua vida: A cultura influi ainda sobre os gostos estéticos, em música por exemplo, mas pouco sobre os valores as atitudes, os comportamentos dos indivíduos, cada vez mais vai ao encontro de sua essência moda, de ser uma cultura superficial sem consequência. (LIPOVETSKY, 1987, p. )

Para muitas jovens, estar na moda vai muito mais além de apenas seguir uma tendência, integrar-se a um grupo, ser aceita e sentir-se mais segura em relação à si própria e seu papel na sociedade. A coleção de Lisbeth vende muito mais que roupas, vende uma atitude, uma trajetória de aceitação. Entretanto, ao caminhar um pouco mais pela H&M e entrar em outra subseção, as mulheres encontram sensualidade e o desejo de se tornar uma mulher que atrai a atenção de quem deseja, pois é a questão do ego neste momento que fala mais forte, uma luta entre a razão e a emoção, mas na H&M você pode agir com a razão e a emoção ao mesmo tempo, em um momento você pode ser Lisbeth Salander, e no outro você pode ser Audrey Hepburn e não há problema nisto. Conclui-se que Lisbeth nasce na Suécia, espalha-se mundialmente através dos livros e filmes suecos apresentando uma caráter social e, nos Estados Unidos, ganha um formato midiático no qual ela se torna um produto estético e retorna para a Suécia como um produto em forma de coleção, passando a fazer parte do cotidiano das mulheres suecas e de outros locais onde a H&M atua, devido ao desenvolvimento, visão e efemeridade da sociedade de consumo e espetáculo ao qual a pós-modernidade está inserida. Conclui-se que a coleção é uma antítese da personagem e da mensagem final que a obra

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tende a passar, questionando-se aqui a forma como as convergências midiáticas atuam acerca do tema central abordado pela narrativa, o abuso sexual às mulheres. Em um dado momento de reflexão é necessário que se questione como uma mulher sexualmente violentada se sente ao se vestir, quais são as premissas que ela usa para se vestir e quais são as suas intenções. A solução oferecida pela loja de departamentos foi colocar glamour e brilho em peças de roupas que representam um tipo de armadura para Lisbeth Salander, assim como para muitas mulheres que lutam para manter-se fortes perante os abusos que sofreram, e a forma como elas se vestem e se caracterizam muitas vezes expressam o modo que elas externalizam suas insatisfações, traumas, medos e anseios, tentando repelir olhares alheios e julgamentos, procurando passar despercebidas. Um conjunto de ideias arbitrárias surge na sociedade pós-moderna juntamente com uma perda de identidade provocada pela abundância de referências e influências midiáticas que acaba por persuadir o consumidor com objetivos individualistas das próprias empresas que visam lucros em cima das psiconecessidades dos consumidores, estes que visam mais status do que necessidade. As mídias atuam fortemente em cima da emoção dos indivíduos, na devoção das pessoas por estrelas e personagens de Hollywood, ultrapassando a barreira da sensatez, podendo causar alienação ao transformar produtos em objetos de alta efemeridade através da forte transitoriedade das últimas tendências de mercado, entretanto o que se percebe é que o resultado da superficialidade de tantas inserções é que, a partir do momento que as capas de revista mudam, novas coleções são apresentadas, mídias são redirecionadas para novos trends, atitudes e valores que, assim como as roupas de Lisbeth, são guardadas no armário.

REFERÊNCIAS Baudrillard, J. (2008). A sociedade de consumo. Portugal: Edições 70. Kellner, D. (1998). A cultura da mídia. Bauru: Edusc Lipovetsky, G. (1987). O império do efêmero. A moda e seu destino nas sociedades modernas. 7.ed. São Paulo: Compania das Letras. 1987. _______ . (2004). Os tempos hipermodernos. São Paulo: Barcarolla. MÄN som hatar kvinnor. Direção: Niels Arlen Oplev. Stockholm: Yellow Bird, 2009. 146 min. THE girl with the dragon tattoo. Direção: David Fincher. Estados Unidos: Columbia Pictures, 2011. 158 min.

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