Os jovens, a fé e o discernimento vocacional... em rede

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IGREJA & COMUNICAÇÃO

O MENSAGEIRO DE SANTO ANTÔNIO

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Abril de 2017

Pe. Antônio Sagrado Bogaz, PODP Professor de Teologia Litúrgica e Patrística (ITES – EDT) Coautor (com João H. Hansen) de Reforma litúrgica: renovação ou revolução? (Paulus)

TREVAS E LUZ DA NATUREZA As trevas cobriram a terra, os céus entristeceram, Deus Filho havia morrido como ser humano na cruz. Ele sofrera demasiadamente, com a morte mais desesperadora que havia na época.

OS JOVENS, A FÉ E O DISCERNIMENTO VOCACIONAL... EM REDE O

Professor João H. Hansen Doutor em Ciências Religiosas e Literatura

Courtneyk/GettyImages

disse: ‘Mulheres de Jerusalém, não choreis por mim; choreis por vós mesmas e por vossos filhos!’” (Lc 23,26.28). Realmente, as mulheres continuam a chorar por seus filhos, desde o momento em que eles nascem. Com tanta estrutura e tantos bens dados por Deus, os seres humanos não conseguem fazer nada do que lhes foi pedido. Quantas crianças nasceram com problemas de saúde que poderiam ser evitados se houvesse uma maior preocupação da parte do governo?. Lamentamos sim; não são somente as mães que padecem, mas também os pais. Jesus é a luz que ainda ilumina tudo isso e nos dá forças para seguir o Calvário que se abateu mais uma vez na nação de tantos biomas e de nenhuma consideração pelos caminhantes. “Por volta do meio dia, uma grande escuridão cobriu a terra. Jesus deu um grande grito: ‘Pai, te entrego meu espírito’. Com estas palavras, expirou” (Lc 22,44-46). Ficamos na escuridão, sem água, ou com grandes tormentas, sem oxigênio e sem o canto dos pássaros, que alegravam nossos bosques. Com a vitória de Cristo, somos convidados a mudar o rumo da história.

Arquivo pessoal

muito que temos; afinal, não é preciso muito para vivermos decentemente. Agora estamos na frente do Senhor para vê-Lo ressuscitar e nos mostrar que temos o direito a partilhar a continuação de nossa vida com Ele. Recordamos a tragicidade da natureza refletida na humilhação de Cristo. “Tiraram as suas vestes e o cobriram com um manto vermelho. Puseram em sua cabeça uma coroa de espinhos. E todos zombavam de Jesus: ‘Salve, rei dos judeus’” (Mt 27,28-29). A natureza perde suas folhas e se arrasa em espinhos, como tantos irmãos que vivem coroados de espinhos e sofrem, como a natureza que é ceifada sem pudor. Jesus percorre Seu caminho até o Calvário, enquanto nós percorremos diariamente o calvário da nação. A humanidade fica triste com Deus Filho sofrendo Seu itinerário até a cruz. Os fiéis que vivem, hoje, a brutalidade e a violência, os assassinatos, os roubos, as filas intolerantes das necessidades aguardando anos a fio hospitais, serviços públicos e tribunais acompanham Aquele que, em nome de todos, surgiu para nos amar e estender os braços. São parceiros de Jesus, como o Cireneu que O auxiliou a carregar a cruz. “Eles levaram Jesus para ser crucificado. Pegaram um tal Simão de Cirene e o obrigaram a carregar a cruz. Seguia-o uma grande multidão do povo, bem como de mulheres que batiam no peito e choravam por ele. Jesus, porém, voltou-se para elas e

Padeceu na cruz. No entanto, havia uma promessa que Ele havia feito para os apóstolos, que não entenderam bem o conteúdo das palavras do Senhor. “Ao entrar no túmulo, não encontram o corpo de Jesus. Um anjo lhes disse: ‘Ele não está mais aqui: ressuscitou!’” (Lc 24,3.6). É Páscoa, é a ressurreição do Senhor. Ele voltou para mostrar à humanidade que há outra vida além desta, que os céus estão abertos para receberem todos os que creem n’Ele. O túmulo vazio dá-nos a certeza de que Jesus honrou todas as suas promessas, mas a humanidade, dois mil anos depois dos acontecimentos, ainda fez pouco para melhorar a vida dos que sofrem. Tantos exemplos e pouco se viu. O sofrimento ameniza somente aqueles que acreditam no Senhor. Ele nos trouxe um mundo novo; veio para mostrar aos seres humanos o caminho que se deve percorrer, trilhando sozinho o d’Ele para nos dar uma lição única. Devemos acreditar n’Ele para seguir Suas pegadas. Fiquemos com a última cena da vida de Cristo, que foi a maior de todas as lições que recebemos d’Ele e que rememoramos em todas as celebrações: Jesus está dividindo o pão e o vinho conosco. Participamos; é a nossa Páscoa, é a Páscoa do Senhor. Vamos preservar os biomas, para perpetuar nossas vidas. Há uma grande interação entre os sistemas naturais e nossa vida saudável. Salvemos plantas e animais, para que possamos ser salvos. Mesmo que o Calvário nos assuste, buscamos sempre rolar a pedra da morte e anunciar novos tempos da ressurreição.

Arquivo pessoal

Vamos preservar os biomas, para perpetuar nossas vidas. Há uma grande interação entre os sistemas naturais e nossa vida saudável. Salvemos plantas e animais, para que possamos ser salvos

Desmatamento no Brasil, 2011, Bruno Taitson/WWF-Brasil

M O M EN TO L ITÚ RGICO

s jovens, a fé e o discernimento vocacional”: esse será o tema da próxima Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos convocada pelo papa Francisco (1936-) para outubro de 2018.1 Para colocar a Igreja “a caminho”, o pontífice convocou os próprios jovens para falarem sobre seu “desejo de mudança”. Foi a eles que o papa enviou uma carta em 13 de janeiro, apresentando o documento preparatório do Sínodo: “Eu quis que vocês estivessem no centro da atenção, porque eu os trago no

coração. […] A Igreja também deseja se colocar à escuta da voz de vocês [...]. Façam ouvir o seu grito, deixem-no ressoar nas comunidades e façam-no chegar aos pastores”. Não se trata apenas de palavras bonitas. Há também uma novidade no caminho preparatório deste Sínodo: o lançamento de um site na internet voltado especificamente aos jovens, com um questionário sobre suas expectativas e sua vida. Todo o material coletado, depois, vai ajudar na redação do documento de trabalho dessa assembleia, o chamado Instrumentum laboris, que será o ponto de referência

para o debate dos padres sinodais. Esse gesto ressalta a importância que o papa Francisco atribui ao papel dos jovens na vida da Igreja (seja pela escolha da temática, seja por querer dar-lhes a palavra de modo especial), mas também o reconhecimento de que as “modalidades mais eficazes hoje para anunciar a Boa Notícia”, como afirma o documento, não podem deixar de envolver as práticas sociais que vêm se desenvolvendo no ambiente digital, especialmente entre os jovens. Se os próprios jovens percebem o mundo e compreendem O M E N S AA GG EE IIRROO DDEE SSAANNTTOO AANNTTÔÔNNI OI O Abril de 2017 2017

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Seria praticamente impossível pensar “os jovens, a fé e o discernimento vocacional” sem atentar para o fato de que estes constroem suas identidades e suas comunidades principalmente a partir das relações em rede também são chamados a “descobrir as ressonâncias profundas da palavra de Deus”.3 Ao longo de seu texto, o documento preparatório do Sínodo aborda a “pastoral juvenil vocacional” articulando-a com algumas questões comunicacionais contemporâneas, que merecem ser aprofundadas. Aqui, vale problematizar alguns pontos do documento que abordam a relação entre a juventude, os processos digitais e as práticas sociais em rede, que se explicitam como um verdadeiro “enigma digital” para a Igreja. Eles se concentram especialmente em dois parágrafos. No primeiro capítulo, no entretítulo

“As novas gerações”, consta-se uma seção intitulada “Rumo a uma geração (hiper)conectada”. Esse trecho afirma: “Hoje as jovens gerações são caracterizadas pela relação com as modernas tecnologias da comunicação e com aquilo que normalmente é chamado o ‘mundo virtual’, mas que também tem efeitos muito reais. Ele oferece possibilidades de acesso a uma série de oportunidades que as gerações precedentes não tinham, e ao mesmo tempo apresenta riscos. No entanto, é de grande importância que se preste atenção ao modo como a experiência de relações tecnologicamente mediadas estrutura o conceito do mundo, da realidade e

das relações interpessoais, e é com isto que é chamada a medir-se a ação pastoral, que tem necessidade de desenvolver uma cultura adequada”.4 Já o terceiro capítulo aborda “A ação pastoral”, refletindo sobre o desafio do cuidado pastoral e do discernimento vocacional a partir de três tópicos: seus “sujeitos”, seus “lugares” e os “instrumentos” à disposição. Em relação aos “lugares” para tal pastoral, o texto inova a reflexão eclesial e apresenta considerações sobre “O mundo digital”. E diz: “[...] merece uma menção particular o mundo dos new media, que sobretudo para as jovens gerações se tornou verdadeiramente um lugar de vida; oferece muitas oportunidades inéditas, sobretudo no que diz respeito ao acesso à informação e à construção de vínculos a distância, mas apresenta também riscos […]. Não obstante as numerosas diferenças entre as várias regiões, a comunidade cristã ainda deve construir a sua presença neste novo

areópago, onde os jovens certamente têm algo para lhe ensinar”.5 Nos dois parágrafos, a preocupação central é convocar a Igreja a repensar a própria “ação pastoral” diante das mudanças no campo da comunicação. O desafio eclesial diante disso não é o de meramente “usar” instrumentos tecnológicos “modernos”, como os “new media” mencionados pelo documento (postura tecnicista), nem de elaborar “boas mensagens” eficazes a serem ouvidas e debatidas “neste novo areópago” (postura informacionalista), nem ainda de apenas avaliar ou sopesar as “oportunidades” ou os “efeitos” de sua comunicação (postura funcionalista). Trata-se de algo muito mais complexo, no sentido de “desenvolver uma cultura adequada”, isto é, promover uma “inculturação digital”. Afinal, no caldo dessa cultura emergente, a Igreja também é chamada a acolher as “formas e valores positivos que podem enriquecer o modo como o Evangelho é pregado, compreendido e vivido” (EG n. 116).6 Portanto, merece destaque o esforço eclesial de reconhecer o ambiente digital como algo de “grande importância” para a vida da Igreja e, especialmente, para as culturas juvenis. Seria praticamente impossível pensar “os jovens, a fé e o discernimento vocacional” sem atentar para o fato de que estes constroem suas identidades e suas comunidades principalmente a partir das relações em rede. É nelas também que eles geralmente fazem suas experiências religiosas e tomam contato com seus modelos de referência, o que inclui, neste caso, o testemunho vocacional de leigos, sacerdotes e religiosos, homens e mulheres, que aí comunicam a própria vocação, principalmente quando não o fazem deliberadamente, mas a partir daquilo que postam, “curtem”, compartilham, isto é, pelo simples fato de “estarem em rede”. Nesse sentido, é de extrema relevância a postura do documento ao convidar toda a Igreja a “prestar atenção” às novas relações em rede e

a aprender com os jovens, que, sobre isso, “certamente têm algo para ensinar” a toda a comunidade eclesial. Retomando o próprio texto, espera-se que a Igreja realmente conserve e ponha em prática esta utopia: “Sonhamos com uma Igreja que saiba deixar espaços ao mundo juvenil e às suas linguagens, apreciando e valorizando a sua criatividade e os seus talentos”.7 Só a partir dessa escuta atenta aos jovens e dessa aprendizagem com os jovens (ambas as ações nas quais os jovens são protagonistas) é que será possível repensar uma ação pastoral juvenil e vocacional à altura dos desafios contemporâneos. NOTAS FRANCISCO, Papa; SÍNODO DOS BISPOS. Os jovens, a fé e o discernimento vocacional. São Paulo: Paulus, 2017. (Documentos da Igreja). 2 COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL. O Sensus Fidei na vida da Igreja. Roma, 2017. n. 74. Disponível em: . Acesso em: abr. 2017. 3 Ibidem, n. 81. 4 SÍNODO DOS BISPOS. Os jovens, a fé e o discernimento vocacional. Disponível em: . Acesso em: abr. 2017. 5 Ibidem. 6 FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica Evangelli Gaudium: sobre o anúncio do Evangelho. Roma, 2013. Disponível em: . Acesso em: abr. 2017. 7 SÍNODO DOS BISPOS, op. cit. 1

Moisés Sbardelotto Jornalista, leigo casado, doutor em Ciências da Comunicação e autor do livro E o Verbo se fez bit: a comunicação e a experiência religiosas na internet (Santuário, 2012)

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a si mesmos a partir da relação com a internet e as redes, como entendê-los senão a partir dessa relação? Ao buscar “interpretar” a situação da “pastoral juvenil vocacional”, uma das questões é esta: “De que modo vocês avaliam a mudança cultural determinada pelo desenvolvimento do mundo digital?” Tal mudança, talvez, não seja necessariamente ‘determinada’ pela digitalização, pois isso significaria cair em um determinismo tecnológico que ignora diversos outros fatores em jogo. Contudo, é uma tentativa de a Igreja compreender o que está acontecendo – principalmente com ela mesma – em um cenário cultural em que se observa que “entre a linguagem da Igreja e a dos jovens se abre um espaço difícil de preencher”, como afirma o documento. O desafio eclesial contemporâneo, portanto, é compreender o ambiente digital sem dicotomias nem apriorismos, mas, precisamente, analisando as “mudanças” ocorridas, para constatar o que permaneceu e o que se transformou nas juventudes deste início de século. Isso aponta para certo reconhecimento eclesiástico dos novos modos de construção da “opinião pública” na Igreja, isto é, das novas condições de dizer e de fazer a fé cristã. Hoje, os dispositivos digitais oferecem meios para que especialmente os jovens se apropriem do universo religioso e constituam uma “ekklesia on-line”, nos mais diversos sites, redes, aplicativos, entre outros, não apenas para ter contato com a “opinião pública” na Igreja, mas também para “publicar uma opinião” sobre a Igreja. Cabe aos padres sinodais, então, perceberem também o ambiente digital como um lócus pastoral e teológico de escuta ao sensus fidelium, “voz viva do povo de Deus”, cujas “reações [...] devem ser consideradas com maior seriedade”, como afirma um recente documento da Comissão Teológica Internacional”.2 Nas expressões da fé em rede, no “sensus fidelium digitalis”, em suas luzes e sombras, em meio a suas banalidades e extremismos, riquezas e pobrezas, o Magistério e a teologia

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