Os políticos gaúchos no exílio: conspirações contra os governos Getúlio Vargas e Flores da Cunha (1932-1934)

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Anais Eletrônicos do III Congresso Internacional de História Regional (2015) – ISSN 2318-6208

OS POLÍTICOS GAÚCHOS NO EXÍLIO: CONSPIRAÇÕES CONTRA OS GOVERNOS GETÚLIO VARGAS E FLORES DA CUNHA (1932-1934) Rafael Saraiva Lapuente1 1 INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, houve uma significativa produção voltada a História Política, na esteira da nouvelle histoire e do retorno do político aos centros de pesquisa. Focando a historiografia sul rio-grandense, na década de 1980 muitos trabalhos problematizaram a Primeira República, em especial o castilhismo-borgismo, com poucos trabalhos voltados ao pós-1930.2 Nos anos 2000, essa lógica inverteu: novas pesquisas se propuseram a analisar o Estado Novo no Rio Grande do Sul sob diferentes recortes.3 Nesse sentido, acredito que é possível afirmar com alguma segurança que a baixa produção sobre o Estado Novo,

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É aluno do Programa de Pós Graduação em História da PUCRS, onde faz mestrado com bolsa CAPES, sob orientação do professor doutor René Ernaini Gertz. 2 Sobre isso, listamos algumas obras, dentre várias sobre o período. Ver: FONSECA, Pedro César Dutra. RS: Economia e conflitos políticos na República Velha. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1981; ANTONACCI, Maria Antonieta. RS: as oposições e a Revolução de 1923. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1981; FRANCO, Sérgio da Costa. Julio de Castilhos e sua época. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1996; RAMOS, Eloísa Capovilla da Luz. O Partido Republicano Rio-grandense e o poder local no Litoral Norte do Rio Grande do Sul. Dissertação (Mestrado em História), Porto Alegre, UFRGS, 1990; RODRÍGUEZ, Ricardo Vélez. Castilhismo: Uma filosofia da República. Caxias do Sul: Editora da UCS, 1980; LOVE, Joseph. O Regionalismo Gaúcho e as origens da Revolução de 1930. São Paulo: Perspectiva, 1975; PINTO, Céli Regina. Positivismo: um projeto alternativo. Porto Alegre: L&PM, 1986; PINTO, Céli Regina. Contribuição ao estudo da formação do Partido Republicano Rio-grandense (1882-1991). Dissertação (Mestrado em Ciência Política), Porto Alegre, UFRGS, 1979; KIELING, José Fernando. Política oposicionista no Rio Grande do Sul (1924-1930). Dissertação (Mestrado em História), São Paulo, USP, 1984; FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, Borgismo e Cooptação política. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1996. 3 Há trabalhos anteriores aos anos 2000 que não pontuaremos, mas é uma produção muito menor do que na década assinalada por nós. Nesse sentido, entre outros, destacamos AMARAL, Sandra Maria do. O Teatro do Poder: as elites políticas no Rio Grande do Sul na vigência do Estado Novo. Ijuí: Edijuí, 2013; ABREU, Luciano Aronne de. Um olhar regional sobre o Estado Novo. Porto Alegre: Edipucrs, 2007; GERTZ, René. O Estado Novo no Rio Grande do Sul. Passo Fundo: Ediupf, 2005; LIA, Cristina Fortes. “Bons cidadãos”: a comunidade judaica do Rio Grande do Sul durante o Estado Novo. Tese (Doutorado em História), Porto Alegre, PUCRS, 2004; BELLINTANI, Adriana Iop. Conspiração contra o Estado Novo. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; SOSA, Derocina Alves Campos. A história política do Brasil (1930-1946) sob a ótica da imprensa gaúcha. Tese (Doutorado em História), Porto Alegre, PUCRS, 2004; AMARAL, Sandra Maria do. Elite política e relações de poder: o caso de Ijuí. Ijuí: Edijuí, 2003; COLUSSI, Eliane Lucia. Estado Novo e municipalismo gaúcho. Passo Fundo: Ediupf, 1996; FILATOW, Fabian. Do sagrado à heresia: o caso dos monges barbudos (1935-1938). Dissertação (Mestrado em História), Porto Alegre, UFRGS, 2002.

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constatado em 1991 por René Gertz (1991), não se confirma totalmente hoje, havendo uma produção razoável analisando o período estadonovista no Rio Grande do Sul.4 Nesse sentido, constatei existir uma lacuna a ser preenchida pela historiografia entre o período que abrange o final da Primeira República e o Estado Novo. Entre esse espaço, há poucos trabalhos sob a ótica da História Política estudando o período em que Flores da Cunha administrou o Rio Grande do Sul.5 Mesmo sendo um recorte bastante viável para pesquisas, a historiografia voltada a política do Rio Grande do Sul relegou esse recorte temporal para um segundo plano. Particularmente, levanto a hipótese de, entre outros motivos, isso ter ocorrido pela escrita da história ter sido seduzida pelos encantos e atrativos que despertam um estudo sobre épocas de ditaduras e regimes autoritários, o que pode explicar do por que das atenções terem se voltado ao castilhismo-borgismo e ao Estado Novo. Abordando parte dessa temporalidade, meu questionamento vai ao seguinte propósito: como atuou a oposição gaúcha no exílio, entre 1932 e 1934? Como o aparato de vigilância montado por Flores da Cunha e Getúlio Vargas agiu para descobrir as articulações e, também, desmontar e sabotar seus planos? Qual foi o impacto do exílio no cenário político do Rio Grande do Sul e nas dissenções partidárias pós-1932? Como os exilados do Rio Grande do Sul se relacionavam com os dos demais estados? Procurarei dar luz a esses questionamentos, analisando como ocorreram as articulações partidas da Frente Única Gaúcha e cuidadas por Getúlio Vargas e Flores da Cunha. Creio também que a análise do período 1932-1934 sob a ótica da oposição é imprescindível para entender o cenário político do Rio Grande do Sul pós-1932 e os conturbados anos de 1935 a 1937 da política estadual. Mas, antes, é necessário esclarecer alguns conceitos. O exílio, aqui, é entendido como a expulsão forçada de uma pessoa ou de um determinado grupo por motivos __________ 4

Ver: GERTZ, René. Estado Novo: um inventário historiográfico. In: SILVA, José Luiz Werneck da. (org.). Feixe: o autoritarismo como questão teórica e historiográfica. Rio de Janeiro: Zahar, 1991. 5 Os trabalhos que apontamos são TRINDADE, Hélgio. Revolução de 30: Partidos e imprensa partidária no RS (1928-1937) Porto Alegre: L&PM,1980; RANGEL, Carlos Roberto da Rosa. Crime e Castigo. UPF: Editora da UPF, 2001; SOSA, Derocina Alves Campos. Federalismo versus centralização: a década de 1930 no Rio Grande do Sul. Rio Grande: FURG, 2001; CARAVANTES, Rejane Marli Born. A crise política de 1932 no Rio Grande do Sul: o papel de Flores da Cunha. Dissertação (Mestrado em História), Porto Alegre, PUCRS, 1989; ELÍBIO JÚNIOR, Antônio Manoel. A construção da liderança política de Flores da Cunha: governo, história, política, Tese (Doutorado em História), Campinas, UNICAMP, 2006; NOLL, Maria Izabel. Partidos e Política no Rio Grande do Sul (1928-1937). Dissertação (Mestrado em Ciência Política), Porto Alegre, UFRGS, 1980.

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políticos do seu país de origem, com o objetivo de excluir a participação política, embora as justificativas para esse ato, algumas vezes, sejam diversas. No caso desse estudo, por exemplo, ela não foi política, mas sim de ordem militar, pois os representantes da FUG que não participaram do levante armado seguiram atuando no Rio Grande do Sul, o mesmo ocorrendo em outros estados. Contribuindo com essa definição, trago as reflexões de Luis Roniger (2010, p. 92) sobre o exílio político, apesar de o autor visar o conceito de forma mais ampla, abrangendo especialmente os exílios das ditaduras da segunda metade do século XX. O exílio político tem sido um dos mecanismos centrais de dominação e de exclusão forjados pelas elites políticas latino-americanas a fim de se manterem no poder. Sob distintas formas, definições e módulos operativos, desde o deslocamento forçado e o desterro à expatriação e à migração voluntária (porém precipitada), o exílio tem desempenhado papel vital na configuração de moldes e de estilos da política latino-americana.

Acho esse trecho fundamental para conhecer a prática do exílio político como algo mais amplo (e complexo), concatenado a uma prática que não era exclusividade do Brasil ou do Rio Grande do Sul e que foi utilizada amplamente em diversos momentos. Claro que esse artigo tem a característica de dar luz específica aos políticos ligados ao Rio Grande do Sul. Mas não se trata de “isolar” suas articulações dos demais exilados. Pelo contrário. Levo em conta que há uma rede de ligações que está longe de abranger somente o estado. Desta forma, com um enfoque regional, acredito que esse estudo “oferece novas óticas de análise do estudo de cunho nacional, podendo apresentar todas as questões fundamentais da História a partir de um ângulo de visão que faz aflorar o especifico, o próprio, o particular” (SILVA apud CAPRINI, 2010) em um contexto que é inegavelmente mais amplo. Deste modo, analiso, em um primeiro momento, as articulações no exílio da FUG e a vigilância do governo provisório. Por fim, o terceiro tópico problematiza o primeiro teste pós anistia entre a FUG e o PRL: as eleições de 1934. Desta forma, fica mais claro demonstrar, no meu entendimento, as articulações entre os dois principais grupos políticos do Rio Grande do Sul e, também, do governo provisório chefiado por Getúlio Vargas.

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2 ENTRE O EXÍLIO, A CONSPIRAÇÃO E A ELEIÇÃO

A guerra civil de 1932 representou, no Rio Grande do Sul, a reação fracassada da elite política regional contra a postura independente e autonomista de Vargas em relação aos líderes políticos do estado. Oposto do que esperava ao aderir à guerra civil, a FUG amargaria o exílio e o ostracismo, procurando articular novas maneiras de atuação política para combater não apenas Getúlio, mas nesse momento também Flores da Cunha, visto como traidor por não acompanhar a orientação do PRR, sendo acusado de ter conspirado, mas, na “Hora H”, optou por manter a ordem e a fidelidade a Getúlio Vargas, enquanto a maioria dos insurretos é exilada em Portugal, Argentina e Uruguai. Exceção feita a Borges de Medeiros que, após muita insistência de Flores da Cunha, consegue convencer Getúlio Vargas a manter o chefe republicano no país. Assim, Borges acaba passando um "exílio interno" no Recife, onde deveria, em tese, se manter incomunicável no que tange a política, o que efetivamente não ocorre. Na documentação analisada no NUPERGS, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, constatamos ampla troca de telegramas entre exilados e políticos que permaneceram no país com o chefe do PRR durante todo seu internamento em Pernambuco. A essa documentação se confirma a vigilância feita por Juraci Magalhães ao “velho Borges”, onde diz que há certa intensidade nas conspirações e que dois emissários do sul se entenderam com Borges de Medeiros, tendo Juraci comunicado que infiltrou na conspiração um oficial de polícia que repassava as informações das articulações. (AGV, 07.03.1934, GV c 1934.03.07). Nesse sentido, vemos que Getúlio Vargas mantinha vigilância ativa sobre Borges de Medeiros. Mesmo que estivesse em território brasileiro, ele, assim como os que estavam conspirando no estrangeiro, era observado com cautela. Não deve ser postergado que, mesmo com a transferência “real” da liderança do PRR para Maurício Cardoso, Borges de Medeiros tinha muita influência dentro do partido, como admitiu anos depois João Neves da Fontoura em suas memórias (1958). Já grande parte dos “dissidentes” da FUG, que discordaram da ação armada e do rompimento com Vargas e Flores, fundariam, com estes, um novo partido, o Partido Republicano Liberal, congregando os apoiadores do governo provisório saídos de PRR e PL. Seria o PRL a nova base política do trio Getúlio Vargas, Flores da Cunha e

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Oswaldo Aranha no estado, que também contou com o apoio de setores importantes da economia regional, de acordo com Sandra Pesavento (1980). Na verdade, o pós guerra civil reacendeu o tradicional bipartidarismo no estado. E, se desde 1927 o Rio Grande do Sul andava “pacificado”, esse contexto muda pela guerra e se manteria assim depois dela até o Estado Novo, exceção feita ao breve período em que vigorou o modus vivendi, em 1936. Abordando a fase castilhista-borgista da política regional, Loiva Otero Félix (1996) afirma que a estrutura de poder foi estruturada através de duas diretrizes: a cooptação e a coerção, sendo a primeira através da integração de coronéis na estrutura partidária municipal, nos postos que implicava contato/obediência, e a segunda através de um bem montado aparato policial repressivo. Nesse sentido, acredito que, a exemplo de Julio de Castilhos e Borges de Medeiros, as cisões da guerra civil moldariam, com o PRL, um modelo de sustentação e legitimação alicerçado em uma estrutura semelhante a do castilhismo-borgismo, amparada por Flores da Cunha se tornar a garantia de ordem e de fidelidade política e militar no Rio Grande do Sul ao governo provisório. Enquanto isso, a FUG, junto com revolucionários de outros estados, planeja como agir em função do novo momento político. Nesse sentido, entre os exilados existe uma divisão entre os que pretendem levar adiante a luta iniciada em nove de julho e os que deram o processo como encerrado, aguardando a possibilidade de volta ao regime constitucional, em um prazo que acreditavam ser curto. O grupo “radical” se concentra, sobretudo, no Uruguai e Argentina, onde programam, para o mês em que ocorreriam as eleições para a Assembleia Constituinte – maio de 1933 -, a eclosão de um novo movimento armado. Com este objetivo, iniciam uma mobilização visando angariar recursos financeiros para a compra de material bélico. Mas os exilados estavam ainda mais fragmentados do que isso. Mesmo dentro do grupo “radical” existiam desarticulações: Euclides Figueiredo e Basílio Taborda, por exemplo, entram em divergências, disputando a liderança militar do novo levante e trazendo antigas rixas de suas agremiações (democráticos e perrepistas). As dificuldades financeiras, as desarticulações na ação dos grupos e o distanciamento dos exilados (Argentina, Uruguai e Portugal), somados com a recusa de alguns em participar e a negativa dada por possíveis aliados dentro do Brasil em aderir ao movimento, em especial os generais procurados por João Neves, (NOLL, 1980; AFC, doc. 003/824) são

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alguns dos principais entraves para levantar uma articulação militar e política unificada, já que, também, o grupo era politicamente demasiado heterogêneo. Além disso, eles eram vigiados de perto pela interventoria do Rio Grande do Sul e pelo governo provisório. Nesse sentido, a desarticulação dos exilados era sabida e acompanhada por Getúlio Vargas. Um informe a ele comunicava que os paulistas presentes no Uruguai estavam tomando mais leite de boas vacas do que efetivamente conspirando, devido à descrença do grupo. Desta forma, também o governo uruguaio de Gabriel Terra mantinha suas atenções voltadas aos brasileiros, cooperando com o governo brasileiro. E os exilados sabiam disso. Em uma carta de Raul Pilla, Fernando Caldas relata sua frustração pela vigilância e colaboração de Gabriel Terra com Getúlio Vargas, onde o consulado recebia cópia de todas as trocas de telegramas, estando, em sua visão, o governo Terra completamente entregue a “ditadura brasileira” (RANGEL, 2007). Enquanto articulavam no exílio, o Rio Grande do Sul se preparava, como o restante do país, para as eleições de maio. Esse pleito, que formaria a Assembleia Nacional Constituinte, é significativo por retomar as disputas político-partidárias no estado e testar pela primeira vez a máquina política do interventor, que, recém-criada, enfrentaria uma oposição pouco coesa e articulada, com suas principais lideranças afastadas do estado, mas ainda assim tradicionais na vida política do estado há mais de 30 anos contra um jovem partido, que, quase de “improviso”, havia sido formado às pressas. É verdade, também, que os problemas pelos quais passariam os oposicionistas se agravavam na medida em que os recursos para o próprio mantimento fora do país eram escassos e a penetração da campanha eleitoral no estado se tornou mais restrita com o fechamento do jornal libertador O Estado do Rio Grande, do fechamento temporário de Diário de Notícias e da transferência d’A Federação, agora órgão oficial do PRL. E os exilados sabiam dessas dificuldades. João Neves da Fontoura criticava a cassação de direitos políticos que, “abrangendo no castigo todas as Frentes Únicas, eliminou praticamente das urnas os dois velhos partidos do Rio Grande do Sul” (FONTOURA, 1933, p. 224), alegava. Ele comenta com Raul Pilla as perseguições que os funcionários do interior do estado sofriam caso não aderissem ao PRL, até mesmo com a demissão do cargo, dizendo não acreditar que as eleições sairiam na data prevista

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e que, por mais que o trabalho de alistamento fosse importante para a manutenção da FUG, não achava que o pleito eleitoral era a saída para os frenteunistas (AFC, 25.01.1933, doc. 003/832).

João Neves, como foi visto, compunha o grupo dos defensores de uma ofensiva armada, pois não acredita que as eleições seriam praticadas livremente. Por outro lado, é possível notar que os defensores da participação da FUG no processo eleitoral apostavam que o voto secreto desequilibraria em favor dos frenteunistas. Corroborando essa assertiva, Fausto, do PL, declara que a esperança do grupo “pacifista” estava no voto secreto e, caso as pressões floristas ocorressem apenas no período da propaganda, dava como certa a vitória da FUG (AFC, 07.02.1933, doc. 003/834). Assim como ele, Raul Pilla também compunha o núcleo “pacifista”. Em missiva a Mário Amaro, afirmava ser um crime pensar em revolução, enquanto se poderia vencer a eleição e deixar “o Rio Grande retomar o seu caminho mediante um simples pleito eleitoral, por um ano que fosse.” Apesar disso, Pilla não era otimista ao enfrentar o situacionismo no estado.

Prosseguindo na mesma missiva, alertava que a FUG iria encarar arrocho policial, compressão do funcionalismo, prisão de correligionários, afastamento compulsório de quem tivesse influência política, censura à imprensa entre outros, afinal, analisava que Flores da Cunha e o PRL “não estavam dispostos a entregar as fichas [...] O poder é tudo para eles. É quase a própria vida” (AFC, 07.02.1933, doc. 003/835). A máquina florista efetivamente entrou em ação para garantir a vitória do PRL: dificultando o cadastramento eleitoral e a campanha da FUG, recusando autorizações de comícios públicos, restringindo e prendendo líderes frenteunistas, além de ameaças e violências ocorridas principalmente no interior do estado. Além disso, Flores da Cunha usa de sua influência com o ministro da justiça, Antunes Maciel, para impugnar algumas candidaturas da FUG, como a de Alberto Pasqualini, Ariosto Pinto, Nicolau Vergueiro e Arnaldo Faria, com a justificativa de participarem do conflito de 1932. Em outra manobra calculada, Flores da Cunha e Antunes Maciel aguardaram que a FUG imprimisse e distribuísse suas cédulas antes da impugnação, pois a lei eleitoral estabelecia que o voto para um candidato inelegível anulava todos os nomes na cédula. Fazendo isso, os membros da FUG tiveram que se desdobrar para imprimir e distribuir novamente cédulas para substituir as já entregues (CORTES, 2007; NOLL, 1980).

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No dia do pleito, em 03 de maio, as reclamações da FUG foram voltadas especialmente para o “episódio da cartolina”: a Frente Única Gaúcha imprimiu suas cédulas em papel comum, enquanto o PRL utilizou papel cartolina. Alegando violação do voto secreto, já que o voto era sigiloso, mas a urna em que era depositada a cédula ficava em lugar visível, a FUG tentou a impugnação dos votos liberais, alegando transgressão do segredo do sufrágio. Assim, ela se amparava no Código Eleitoral, que previa anulação dos votos (CORREIO DO POVO, 05.05.1933). Mesmo com todo o protesto, anos depois, Bruno de Mendonça Lima, do PL, admitiu que os recursos da oposição foram indeferidos porque a Frente Única Gaúcha, quando soube da manobra do PRL, também fez algumas cédulas em cartolina para conseguir o voto dos funcionários públicos, que receavam retaliações com o voto na oposição (ENTREVISTA DE BRUNO DE MENDONÇA LIMA A HELGIO TRINDADE, 1979). Quando a justiça analisou o pedido, viu o voto com a cartolina para os dois blocos, não impugnando nenhuma urna eleitoral. Além disso, uma outra acusação feita pelos frenteunistas era de que os candidatos

do PRL foram inscritos no dia 28 de abril, após as 18 horas, o que, de acordo com a FUG, anularia as candidaturas do partido segundo o regimento do Código Eleitoral, que exigia as inscrições até cinco dias antes da eleição, que ocorreu em 03 de Maio (CORREIO DO POVO, 05.05.1933). Assim, vemos muitas reclamações da FUG no primeiro pleito pós guerra civil, atacando o PRL e denunciando as truculências durante o sufrágio. Mas, no final da apuração o resultado deu ampla vantagem ao PRL, que venceu por 132.056 votos contra 37.400 da Frente Única Gaúcha. Desta forma, elegeu 13 dos 16 deputados para a Assembleia Constituinte (CORTES, 2007). A esmagadora vitória dos republicanos liberais contra os tradicionais republicanos e libertadores, apesar de todos os reveses que estes enfrentaram, não deixam de significar que foi bem-sucedido o primeiro teste pelo qual Flores da Cunha passou: tendo em vista que, em praticamente todos os estados houve fraude, ao menos entre as grandes máquinas políticas (São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais), apenas o segundo registra a vitória do grupo político que apoia Vargas, e ainda com bastante expressividade. Em Minas, por pouca diferença, venceu o PRM do exilado Arthur Bernardes. Em São Paulo, a vitória eleitoral da oposição é esmagadora, através da chapa Por São Paulo Unido (CARONE, 1976). Com a vitória da oposição nesses dois estados, aumentava a importância de Flores da

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Cunha ao rearticular a política regional do PRL com eficiência, se projetando na política nacional e não deixando brechas para o avanço da FUG no estado natal do chefe do relativamente “frágil” governo provisório naquele momento. O reflexo imediato de uma derrota tão marcante no Rio Grande do Sul foi o impulso de movimentos conspiratórios contra Vargas e Flores da Cunha, já que o pleito eleitoral e máquina florista terminaram com as esperanças de setores que defendiam o retorno pela legalidade. Por isso, mesmo com toda a vigilância montada, Getúlio Vargas alerta Flores da Cunha para ter atenção com sua segurança particular, se precavendo de atentados contra sua vida e aconselhando o interventor a ser cuidadoso na escolha de sua guarda pessoal (AFC, 1933, doc. 003/1128). Essa recomendação não era infundada, já que efetivamente havia um plano de morte contra Flores da Cunha. Segundo Oswaldo Aranha, havia sido descoberto, pelo governo provisório, um movimento conspiratório com a intenção de evitar a reunião da constituinte e convocar novas eleições. E a sinalização para o início desse movimento seria o assassinato do interventor por cinco homens ligados a Borges de Medeiros, articulados por Waldemar Rippol (AFC, 11.07.1933, doc. 003/853).

Os exilados ampliariam sua trama com comunistas. Nesse sentido, a cooperação do governo Vargas com o governo argentino ocorria para evitar uma ligação dos políticos brasileiros na Argentina com Luís Carlos Prestes, como mostra um telegrama enviado pelo consulado brasileiro em Buenos Aires para Flores da Cunha, informando que ele estava em Passo de Los Libres com nome falso, acompanhado de um “homem rustico, brasileiro, vestido a gaúcha, que não me foi possível identificar” (AFC, 13.07.1933, NUPERGS. doc. 003/844). Dentro do PL também havia divergências, sobretudo de Raul Pilla com Waldemar Rippol. Além de demonstrar desagrado pelo correligionário, que teria dado quantias de dinheiro para perrepistas, ele descreve as tratativas de Rippol com um comunista argentino, que teria oferecido 30.000 contos para os exilados em troca da garantia de liberdade de propaganda comunista e organização partidária após a derrubada de Vargas, além de pedir a manutenção das relações comerciais com a URSS. Pilla concorda com as exigências, mas diz ser contra manter relações comerciais com os soviéticos. Além disso, era relutante em receber dinheiro vindo do comunismo, com quem, invariavelmente, o movimento ficaria identificado (ARP, 17.05.1933). Não

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sabemos quais são esses “comunistas”, mas, tendo em vista que o Bureau da III Internacional na América Latina ficava no Uruguai, não se pode descartar que a procura partiu deste comitê. Waldemar Rippol era um membro tradicional do PL. Foi um dos editorialistas do extinto Estado do Rio Grande e um dos mais radicais membros do partido no exílio. Em 1934, pouco tempo antes da anistia, ele seria assassinato cruelmente. Sua morte a machadadas, supostamente a mando de Camilo Alves, funcionário do irmão do interventor e membro do PRL, Francisco Flores da Cunha, levantaram desconfianças sobre a participação da família Flores da Cunha no ocorrido, pois Rippol, além de ser dos mais exaltados, cogitava publicar denúncias sobre contrabando envolvendo Francisco Flores da Cunha. Sua morte ganha repercussão, estando o retorno dos frenteunistas ao Brasil seguindo a “esteira” desse caso. Ainda assim, não foi provado que alguém da família do interventor tivesse ligação com o assassinato, nem mesmo após o Estado Novo, quando o processo foi reaberto (RANGEL, 2001). Esse crime seria lembrado pela FUG durante o período eleitoral, e seria destacado outras vezes pelos frenteunistas até depois do golpe do Estado Novo, tanto no parlamento como em manifestações públicas, no congresso do PL de 1936 e cogitada a reabertura da investigação como uma cláusula no modus vivendi, que acabou não ocorrendo.

3 AS ELEIÇÕES DE 1934 NO RIO GRANDE DO SUL: O PRIMEIRO TESTE COM PÓS-ANISTIA

O retorno do exílio foi próximo das eleições para deputados federais e deputados constituintes estaduais. A anistia atendeu o desejo daqueles que esperavam retornar logo, como Raul Pilla, que declarava ser sua única preocupação voltar ao território nacional com a publicação da lei da anistia. Até mesmo Flores da Cunha apoiava, fazendo apelos a Vargas para que fosse encaminhada essa lei como remédio para cessar as sedições e amotinamentos fora do país (ARP, 25.05.1934, doc. 002/1092; AGV, 12.04.1933, GV c 1933.04.12/2). Ela foi publicada em maio de 1934 e, a partir desse decreto, os exilados poderiam retornar ao país e reorganizar as agremiações partidárias livremente. Ou, nas palavras de João Neves, poderiam fundar uma “nova Aliança Liberal” contra Getúlio Vargas (ALC, 07.06.1934, LC c 1934.06.07/4).

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Ainda assim, as eleições de 1934 no Rio Grande do Sul foram marcadas por ataques, fraudes, sabotagens, violências e assassinatos. Pela FUG, desde um incêndio a sede de um jornal libertador, ao boicote ao Correio do Povo na Viação Férrea e a campanha de hostilidade a este jornal levada adiante pela A Federação, passando pela organização de grupos armados como a ARN e os bombachudos pelo PRL (ARP, 16.11.1934, doc. 002/1113; ARP, 20.06.1934, doc. 002/1099; A Federação, 10.1934) mostravam que a estrutura coercitiva montada pelo florismo ia continuar existindo, dificultando a atuação da Frente Única Gaúcha. Esta, sobretudo, viria mais forte agora do que em 1933, com suas tradicionais lideranças e com garantias constitucionais, já que a nova constituição havia sido promulgada. Essa nova circunstância, aliada com o crescimento da oposição registrado em todo o país, poderiam ameaçar a soberania conquistada pelo PRL quando o pleito ocorreu no regime “provisório”. Também por isso que a campanha foi endossada por ataques pessoais partidos de republicanos liberais a Borges de Medeiros, sendo a tônica de um debate nada politizado. Nos dias que antecedem as eleições, acusações de que o líder do PRR possuía um “egoísmo mórbido”, “vaidade ridícula”, “miserável contribuição”, de que era “el supremo” eram praticamente diárias no periódico, que ainda dizia ter Borges uma “pobreza mental” de duvidosa “capacidade intellectiva”. Até mesmo o insulto de “boca torta” foi proferido, atribuído ao uso de charutos (A Federação, 02 a 05.10.1934). Evitando cair em um maniqueísmo, é importante destacar que esse tipo de ação não partiu somente do florismo. Os republicanos liberais acusavam a FUG de participar de assassinatos de correligionários do PRL, apelando providências junto ao Ministro da Justiça, Vicente Rao. Claro que as acusações, de todas as partes, devem ser vistas com ceticismo sobre sua procedência, sobretudo quando foram veiculadas na imprensa, podendo ter mais o objetivo de difamar do que de realizar uma denúncia fundamentada. Entretanto, essas hostilidades demonstram os conflitos existentes entre as correntes políticas do Rio Grande do Sul no período pré e pós-eleitoral, frutos de um cenário conturbado pós-exílio da Frente Única Gaúcha. Nesse contexto, o PRL estagnou sua votação, enquanto a FUG cresceu muito neste pleito em relação a 1933. Na Assembleia Estadual, o PRL ficou com 65,63% das cadeiras (21) e a FUG com 34,37 (11). Na Câmara Federal, as porcentagens se mantiveram praticamente idênticas, com 65% (13) aos floristas e 35% aos frenteunistas

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(7) (TRINDADE; NOLL, 1991), além de sete deputados classistas que comporiam a Assembleia através de delegados indicados pelos sindicatos que compunham um Colégio eleitoral. Mas, mesmo não vencendo, a Frente Única Gaúcha comemorou a votação que fez. Pilla ressaltava a estagnação eleitoral do partido do interventor e a ascensão da FUG, destacando ter conquistado uma votação quase dobrada se comparado com 1933, dando ênfase que, no ano anterior, tiveram que enfrentar perseguições a prefeitos e funcionários públicos. Atribuía o aumento de votos à liberdade de propaganda e atuação, além de destacar a seguridade do voto secreto nesse processo, lembrando a burla das cartolinas no ano anterior. Já o PRL teria suas expectativas eleitorais bastante frustradas, se levarmos em conta que sua expectativa, segundo João Carlos Machado, era angariar 4/5 dos votos. Portanto, a FUG ficou mais próxima das expectativas iniciais, pois Lindolfo Collor e Raul Pilla declaravam querer chegar a 40% do eleitorado. Apesar de fazerem algumas ressalvas, os líderes do PRR e PL reconheciam, desta vez, a legitimidade do pleito (ARP, s.d., doc. 002/1122; ALC, 07.12.1934, LC c 1934.12.07). De um modo geral, as oposições, com suas lideranças retornando do exílio, fortalecidas com seu próprio crescimento eleitoral em todo o país e ressentidas pelas fraudes e perseguições eleitorais, buscarão novas maneiras de aumentar sua representação e peso político, se organizando, nos anos seguintes, através da minoria parlamentar e cogitando formar um partido nacional das oposições, que acabaria nunca saindo do papel até 1937. Já a minoria parlamentar era um grupo que ganharia notoriedade no cenário político nacional, sendo liderada justamente pela FUG até 1936, quando rompe com o bloco e passa a ser uma importante aliada de Getúlio Vargas para isolar politicamente Flores da Cunha, ao lado de uma dissidência do PRL organizada por alguns deputados estaduais do partido. A FUG e a “Dissidência Liberal”, em 1937, teriam força política a ponto de solapar as bases de Flores da Cunha, culminando com sua renúncia semanas antes do golpe de 10 de novembro. Sem condições política e militar para resistir a Vargas, que, de principal aliado vira o maior adversário, a vez de ir para o exílio passa a ser de Flores da Cunha, que passaria de 1937 até 1942 no Uruguai, sendo vigiado de perto pelo

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embaixador do Brasil naquele país, João Batista Lusardo. Ele que era membro da FUG, e tinha sido um dos exilados. Trocando em miúdos, como se diz popularmente, o mesmo que, de 1932 a 1934, tinha sido vigiado pelo então interventor no governo provisório, agora vigiava Flores da Cunha na ditadura do Estado Novo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do que apresentamos até aqui, esperamos ter dado luz ao leitor sobre as articulações dos exilados políticos do Rio Grande do Sul e demonstrado a cautela e vigilância com que os governos provisórios de Getúlio Vargas e Flores da Cunha tinham com eles, especialmente no Uruguai e Argentina, embora sua rede de ligações fosse mais ampla. Contudo, seguindo na linha que justificou nossa pesquisa, por mais que nos últimos anos a historiografia brasileira tenha se voltado mais a estudos como o exílio, é bem verdade que as abordagens têm dado preferência a estudos sobre as ditaduras latino americanas dos anos 1950 a 1970. Trabalhar com esse tema é um desafio, sobretudo por geralmente haver poucas fontes para pesquisa que, de modo geral, são menos conservadas em situações adversas como a de uma saída forçada para outro país. Ainda assim, estudos com essa abordagem podem ser muito ricos e esclarecedores sobre as dificuldades, as alternativas elaboradas pelos exilados no cotidiano e na ação política, além de demonstrar as visões que um determinado político (ou grupo) tem no estrangeiro sobre a conjuntura de seu país natal. Com esses “norteadores” que procuramos problematizar a atuação dos oposicionistas riograndenses fora do país entre 1932-1934.

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