Os riscos da juventude

September 8, 2017 | Autor: A. Barbosa Pereira | Categoria: Youth Culture, Juventude, Riscos
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Rev. Bras. Adolescência e Conflitualidade, 2010 (3): 36-50

Resumo Alexandre Barbosa Pereira1

1Doutor

em Antropologia Social pela USP. Pesquisador associado ao NAU/USP

O artigo reflete sobre a noção de risco a partir de experiências etnográficas junto a coletivos juvenis na periferia. A associação da condição juvenil com a condição de risco social está bastante presente nas análises voltadas para a implementação de políticas públicas para jovens. A proposta do artigo é colocar essa visão de risco social em diálogo com outras concepções de risco, como a de sociedade de risco – cunhada por Ulrich Beck (1992) para discutir os riscos criados pela modernidade. Entretanto, o principal objetivo do artigo é indagar essas duas concepções mais gerais de risco sob a perspectiva dos jovens por eles mesmos. Evidencia-se, assim, como tais jovens dialogam com essas noções de risco, mas também como elaboram novas práticas e concepções sociais da noção de risco. Palavras-chave: juventude, risco, periferia

Abstract

Autor para correspondência: Alexandre Barbosa Pereira E-mail: [email protected]

This paper reflects on the risk notion from the view point of the ethnographic experiences with the urban outskirt youthful collectives. The association between youthful condition and social risk is fair presente at the social politics analyses about youth. The paper proposal is to raise the view of social risk at dialogue with the other risk concepts, as the risk society – from Ulrich Beck (1992), created to discuss the modernity risks. However the main objective this paper is to inquire this two more general concepts of risk under the perspective of young persons by themselves. The research looks to show up the youthful dialogues with the risk notions and their further inventions of the practicals and of the concepts social about risk notions. Key Words: youth, risk, urban outskirt

Pereira

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A noção de risco social “De que quebrada você é?”. Esta era uma das perguntas recorrentes entre os pixadores1 em seu ponto de encontro no centro de São Paulo. Tal questão levava a uma primeira constatação: eles, em sua grande maioria, eram moradores de bairros da periferia da cidade. O termo quebrada é utilizado para referir-se aos bairros da periferia de onde vêm, tanto por pixadores como por outros jovens, principalmente os ligados ao hip hop. Essa denominação tornou-se, aliás, bastante popular e difundida entre os moradores de bairros da periferia de São Paulo de uma maneira geral. Embora a noção de quebrada se apresente como um modo particularizado de se referir a um determinado bairro e às relações específicas entre os moradores de uma localidade, ela remete também a uma disposição de apresentar o bairro onde se vive para quem é de fora, caracterizando-o como um lugar arriscado, hostil e perigoso para quem não pertence a ele e não conhece suas regras. A quebrada é, portanto, associada também à ideia de um bairro periférico pobre com altos índices de violência, onde não se deve desrespeitar as normas de conduta. Parto, portanto, de determinados aspectos levantados em pesquisas de mestrado e doutorado – a primeira sobre a prática da pixação em São Paulo e a segunda sobre experiências juvenis na periferia de São Paulo estabelecidas a partir da escola – para tentar compreender como tanto a forma como a noção de risco tem sido associada aos jovens, como também o modo como estes têm lidado com tal dimensão em sua vida cotidiana. Como já apontei acima, ao se falar de jovens moradores da periferia de São Paulo é comum associá-los ao que se denomina como risco social. Inúmeras são as discussões, empreendidas principalmente pelos acadêmicos e formuladores de políticas públicas, que abordam uma maior suscetibilidade da juventude aos denominados riscos sociais. Segundo essa perspectiva, os jovens estariam mais expostos a riscos como o desemprego, a criminalidade e às drogas. Isto ocorreria porque, dentre outras explicações, a juventude seria um momento da vida em que ao mesmo tempo em que se estaria mais disposto a correr riscos, estar-se-ia, também, mais vulnerável às incertezas da inserção no mundo do trabalho e da transição para a vida adulta. Um exemplo de como se manifesta esta visão sobre a vulnerabilidade e os riscos da juventude pode ser encontrado na criação, pela Fundação Seade2, no estado de São Paulo, do índice de vulnerabilidade juvenil. O IVJ foi elaborado para subsidiar a implantação de projetos culturais da Secretaria de Estado da Cultura em bairros pobres da periferia de São Paulo. Ele tentou estabelecer medidas de vulnerabilidade juvenil dos 1

Utilizo aqui a grafia pixação e não pichação conforme designação nativa (PEREIRA, 2005). 2

Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados.

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diferentes distritos da cidade de São Paulo a partir das seguintes variáveis: taxa anual de crescimento da população, percentual de jovens de 15 a 19 anos, taxa de mortalidade dos jovens desta faixa etária, percentual de mães adolescentes entre 14 e 17 anos, renda e frequência à escola. A justificativa para o uso do termo vulnerabilidade juvenil e não situação de risco, segundo a Fundação Seade, seria a de evitar valer-se de uma mensagem preconceituosa de que apenas os pobres estariam sujeitos a tal vulnerabilidade. Segundo a Fundação Seade, a maior susceptibilidade à vulnerabilidade seria consequência da condição adolescente, potencializada pela situação de pobreza. Embora afirme evitar usar a noção de risco para designar a juventude pobre das periferias paulistanas, a Fundação Seade acaba por multiplicar a importância dessa noção ao se referir à juventude ou à adolescência3. Levanta-se, assim, como causa para a associação entre juventude e perigo tanto fatores biológicos, como sociais relacionados à maior autonomia dos jovens e ao contexto das sociedades urbanas. Ao mesmo tempo, quando a condição etária é associada à dimensão de classe social e/ou condição econômica, a noção de juventude desponta como ainda mais sujeita aos riscos. A compreensão que a Fundação Seade tem da juventude como “período natural de turbulência” em que podem ocorrer “escorregões para a transgressão”, aponta para possibilidades específicas de entendimento da noção de risco a partir das ideias de violência e pobreza. A percepção dos jovens como indivíduos que reagem passivamente e com poucos recursos aos riscos transcendentes coaduna com os estudos sobre posturas desviantes e delinquentes. Helena Abramo (1994), em levantamento sobre a temática da juventude, ressalta o grande interesse da literatura acadêmica pelas formas de evitar e coibir as chamadas posturas desviantes. Abramo demonstra como a noção de desvio permanece central em muitas pesquisas sobre o assunto. Os estudos que tratam da delinquência juvenil, segundo a autora, em sua maioria, apontam tanto para uma falha no processo de socialização, quanto para a necessidade de reintegração aos padrões de normalidade.

A noção de juventude Alguns autores abordarão uma suposta maior relação dos jovens com os riscos a partir de uma perspectiva que não enfoca a conexão com a criminalidade ou delinquência. Um exemplo está no trabalho dos sociólogos argentinos Mario Margulis e Marcelo Urresti (1996). Os autores chamam a atenção para a necessidade de se atentar ao modo como a condição de juventude manifesta-se de forma 3

Não faço aqui a distinção entre as categorias de juventude e adolescência por entender que, em muitos discursos, esta última tem sido cada vez mais englobada pela primeira, apontando para uma concepção menos restrita.

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desigual, conforme outros fatores como classe social e/ou gênero. Não se constitui, portanto, um conceito unívoco. Contudo, os autores ressaltam que assim como não se deve considerar apenas os critérios biológicos de idade para definir juventude, não se pode também levar em conta apenas os critérios sociais. Ser jovem, portanto, não depende somente da idade como característica biológica, como condição do corpo. Tampouco depende do setor social, com a consequente possibilidade de aceitar de maneira diferencial a uma moratória, a uma condição de privilégio. Há que se considerar também o fato geracional: a circunstância cultural que emana de ser socializado com códigos diferentes, de incorporar novos modos de perceber e de apreciar, de ser competente em novos hábitos e destrezas, elementos que distanciam aos recém chegados do mundo das gerações mais antigas (MARGULIS e URRESTI, 1996, trad. minha).

Para se pensar nas peculiaridades da juventude em relação às outras gerações e mesmo às especificidades internas aos diversos modos de se vivenciá-la, Margulis e Urresti (1996) trabalharam com as noções de moratória social e moratória vital. Segundo eles, a partir do século XVIII e XIX a juventude, como uma etapa da vida, passou a ser vista também como uma camada que detém certos privilégios. Constituir-se-ia, então, um período, antes da maturidade biológica e social, marcado por uma maior permissividade. Configura-se, dessa forma, a moratória social desfrutada principalmente por alguns segmentos da juventude devido ao seu pertencimento a setores sociais mais favorecidos. Para os que detêm tal privilégio, o ingresso na vida adulta, com as exigências requeridas para a entrada na maturidade social, é cada vez mais postergado pelo aumento do tempo de estudo. Dessa forma, os jovens das camadas populares, devido, entre outras coisas, ao ingresso prematuro no mercado de trabalho e à assunção de obrigações familiares (casamento, filhos etc.) em idade reduzida, teriam sua moratória social diminuída e, por consequência, desfrutariam de uma vivência juvenil diversa da dos jovens mais abastados. Os jovens das classes populares “carecem de tempo e dinheiro – moratória social – para viver um período mais ou menos prolongado de relativa despreocupação” (MARGULIS e URRESTI, 1996, trad. minha). Por outro lado, Margulis e Urresti (1996) apontam ainda a existência de uma moratória que consideram complementar à social: a moratória vital – um período da vida em que se possui um excedente temporal, um crédito, algo que se tem economizado. O elemento que se tem a mais e se pode dispor e que os “não jovens” teriam mais reduzido configura um “capital temporal” ou “capital energético”. “Daí a sensação de invulnerabilidade que caracteriza os jovens, sua sensação de segurança: a morte está longe, é inverossímil, pertence ao mundo dos outros, às gerações que os precederam” (MARGULIS e

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URRESTI, 1996; trad. minha). Sobre esta moratória também incorrem as diferenças sociais e culturais, de classe e/ou de gênero, nos modos de ser jovem. Haveria, no entanto, a ênfase de alguns autores apenas na moratória social, o que levaria a uma restrição no entendimento da condição juvenil, limitando-a aos setores médios e altos. Isto aconteceria porque se ocultaria ou esqueceria este outro aspecto, que foi definido como moratória vital, comum a todas as classes. Para os dois autores, a moratória social definiria então uma certa noção de juvenil que se expressaria por certos componentes estéticos e voltados ao mercado de bens simbólicos. Ela configuraria um privilégio de determinadas classes sociais mais abastadas. Já a moratória vital definiria uma noção fática de ser jovem comum a todas as classes sociais, marcada pela energia do corpo e pela distância da morte. Em consequência, pode-se reconhecer a existência de jovens não juvenis – como é, por exemplo, o caso de muitos jovens dos setores populares que não gozam da moratória social e não portam os signos que caracterizam hegemonicamente a juventude –, e não jovens juvenis – como é o caso de certos setores médios e altos que vêm diminuindo seu crédito vital excedente, mas são capazes de incorporar tais signos (MARGULIS e URRESTI, 1996; trad. minha).

Com isso, os autores enfatizam a especificidade de classe nas definições do que é ser jovem, pois, avisam, há classes nas gerações, assim como há gerações nas classes. Contudo, eles ressaltam também a especificidade de gênero na definição de juventude: “a juventude depende também do gênero, do corpo processado pela sociedade e pela cultura; a condição de juventude se oferece de maneiras diferentes para o homem e a mulher” (MARGULIS e URRESTI, 1996; trad. minha). O tempo não transcorreria da mesma forma para a maioria das mulheres em relação à maioria dos homens. Entre outros fatores, a questão da maternidade apresenta-se como um elemento relevante para a definição desta temporalidade diferenciada, pois ela não alteraria apenas o corpo, mas também o modo como as mulheres desfrutariam e configurariam a sua juventude. Assim, um homem jovem de classe alta diferiria de uma mulher jovem de sua mesma classe social, em termos do que foi denominado como crédito vital e social, porém este mesmo homem se diferenciaria ainda mais de uma mulher de mesma idade pertencente aos setores populares. Ambas as noções, de moratória social e de moratória vital, apontam para a possibilidade de se pensar a relação entre juventude e risco, principalmente na chave da permissividade. Ao contrário da abordagem das políticas públicas sobre os jovens que tende a vê-los como mais suscetíveis de serem afetados por riscos externos ou de envolverem-se em atividades que confiram perigo a eles próprios ou a outros, Margulis e Urresti (1996) apresentam, em sua discussão sobre as moratórias, a ideia de uma maior disposição dos jovens para a diversão, para o risco e para a aventura. Essa disposição, porém,

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segundo tal enfoque seria construída socialmente. Os autores trabalham, ao mesmo tempo, com uma noção mais universal, e, de certo ponto de vista, natural, de juventude e com outra, mais particular e, também de certo ponto de vista, social. Embora apontem uma tendência das classes sociais mais privilegiadas em desfrutar da moratória social, deve-se questionar se não há por parte dos jovens das camadas populares uma busca intensa por também desfrutar de sua moratória social.

Arriscar-se na sociedade do risco Em diálogo com a discussão mais ampla sobre os riscos e a reflexividade na modernidade (GIDDENS, 1991; BECK, 1992), Angelina Peralva (2000) discute a relação dos jovens cariocas com práticas de risco e com a própria criminalidade. Segundo a autora, em meio aos riscos da violência aos quais a juventude, e, principalmente, a juventude pobre, está exposta, a adesão às condutas de riscos, como a prática do surfe ferroviário4, seria uma espécie de resposta antecipada ao risco, para se apropriar dele, subjugá-lo e não ser subjugado por ele. A resposta reflexiva do risco é considera ainda atributo da “juventude”, sua consciência orgulhosa. O jovem só pensa em se divertir e percebe a morte como perigo longínquo. Há nessa representação cultural da juventude a ideia de que os jovens são por definição mais capazes que os adultos de associar na vida reflexividade e graça. A força da idade lhes permite viver intensa e prazerosamente. Incorporam o medo como um dado de uma experiência geral – a da oposição antropológica entre a vida e a morte. Mas constroem ao mesmo tempo a afirmação da vida como prazer ligado à superação do medo (PERALVA, 2000, p. 169 grifo da autora).

Na relação da noção de juventude com a de risco feita por Peralva (2000), há a articulação de três dimensões desta última: a do risco transcendente da pobreza e das desigualdades sociais, a do risco como imanente à condição juvenil e uma terceira que se refere ao risco como um componente criado pela sociedade moderna a partir, dentre outros fatores, do desenvolvimento científico. Muitos autores têm discutido a importância da dimensão do risco na contemporaneidade. Segundo alguns deles, como Ulrich Beck (1992) e Anthony Giddens (1991), a experiência contemporânea da 4

Prática, não convencional, comum no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, de se andar nos trens urbanos do lado de fora, equilibrando-se em seu teto como em uma prancha de surfe.

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modernidade tem sido marcada pela reflexividade, o que, em outras palavras, significa que a modernidade tem sido tema e objeto de reflexão para si mesma. Este dispositivo reflexivo da modernidade tem como principal componente os riscos criados no interior de si própria. Beck (1992) apresenta os riscos como os perigos criados pela própria sociedade moderna por meio do desenvolvimento técnicocientífico, cunhando o termo sociedade do risco. Segundo o autor, a sociedade do risco destoa, por estes fatores, de todas as épocas anteriores, inclusive da própria sociedade industrial, em que os perigos eram sempre ameaças externas, da natureza ou dos deuses, à sociedade. Dessa maneira, Beck (1992), ao discutir o conceito de risco, corrobora a distinção entre risco e perigo elaborada por outro sociólogo alemão, Niklas Luhmann (1993). Conforme essa perspectiva, os perigos referem-se a causas externas que independem da ação dos sujeitos e os riscos a consequências das decisões dos indivíduos. Beck (1992), porém, afirma que os riscos individuais sempre existiram e que a novidade da sociedade do risco seria o seu caráter global. Paradoxalmente, a ciência e a tecnologia, desenvolvidas para tentar conter ou minimizar os perigos da natureza, criam outros perigos, em grande parte por causa justamente da tentativa de conter ou domar a natureza. Os riscos de desastres ecológicos são exemplos desse processo. Dessa maneira, afirma Beck (1992), a modernização reflexiva implicaria no fim da antítese entre natureza e sociedade: “A natureza não pode ser entendida fora da sociedade, nem a sociedade fora da natureza” (BECK, 1992, p. 80). O conceito de risco, entretanto, não possui uma definição unívoca. Ele apresenta discussões dissonantes tanto em relação à noção de risco social, como à de sociedade do risco de Beck e Giddens. Mary Douglas (1992), por exemplo, – que em sua obra clássica, Pureza e Perigo, associa a ideia de perigo à sujeira e ao tabu, discutindo estes conceitos como elementos que estão fora de lugar e que, portanto, desafiam os princípios classificatórios –, em texto no qual aborda especificamente a idéia do risco, afirma que este termo inicialmente seria neutro, apontando tanto para a possibilidade de perda, como de ganho. Risco, nessa acepção, indicaria aposta ou cálculo. Posteriormente, afirma Douglas (1991), a palavra risco passou a receber uma conotação negativa, remetendo ao perigo ou à possibilidade de perda. Já Franz Brüseke (2001), retomando a afirmação de Luhmann (1993,) sobre a “contingência como valor próprio da sociedade moderna”, defende que, ao invés de sociedade do risco, a modernidade deveria ser definida como uma sociedade da contingência. O risco seria, portanto, uma expressão moderna da consciência da contingência. Segundo Brüseke (2001), a noção de contingência não se refere ao acaso simplesmente, como poderiam deduzir algumas visões mais simplificadoras, mas a um conceito que concerne, simultaneamente, ao necessário e ao possível. A sociedade industrial explora a contingência. Explora na base dos conhecimentos científicos daquilo que é

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possível. A grande metáfora da contingência é “o plástico”, que demonstra a plasticidade daquilo que é. Ser “plástico” significa ser cientificamente transparente e acessível às manipulações técnicas. O “plástico” é a realização de uma possibilidade; é uma possibilidade que emerge de estruturas determinadas por padrões que seguem suficientemente regras causais. A contingência é, então, muito mais do que o acaso, a aleatoriedade ou o risco que o indivíduo corre quando se encontra com um perigo inesperado. A contingência “abraça” esses conceitos e faz deles somente um aspecto de uma realidade “plástica”, determinada e livre, no mesmo momento (BRÜSEKE, 2001, p. 75 grifos do autor).

Denise Martin (2003), ao estudar os riscos vivenciados por mulheres ligadas à prostituição na cidade portuária de Santos, aponta para a necessidade antropológica de se pensar o risco a partir da experiência etnográfica, do que os interlocutores de campo apresentam como sua experiência e definição de risco. A autora trabalha, a despeito das diferentes dimensões de risco em jogo – de violência ou de se contaminar pela AIDS, por exemplo –, com a noção de permissividade nas relações que as mulheres estabelecem com a prática da prostituição. Martin (2003), a partir de etnografia e entrevistas, demonstra como as mulheres adquirem, na rede de relações de risco que a prostituição engendra, uma maior permissividade a arriscar-se tendo em vista a situação marginal e de perigo cotidiano em que elas estão inseridas. “Assim, os riscos são inconscientemente absorvidos pela ação cotidiana” (MARTIN, 2003, p. 230). Dessa maneira, seguindo um pouco a trilha traçada por Martin (2003), pretende-se aqui discutir outras possibilidades para o conceito de risco e para as outras noções que tal conceito suscita ou se associa: perigo, contingência, permissividade etc. A proposta, então, é tentar pensar a partir da experiência etnográfica com os coletivos juvenis da periferia nas escolas públicas e na prática da pixação. O risco talvez seja o principal elemento em jogo na prática da pixação na cidade de São Paulo. Esta atividade está, portanto, marcada, ou riscada, por múltiplas concepções e práticas de risco. A imagem que causa mais espanto no restante da população é a de uma marca deixada no alto de um prédio. Na mídia, fotos e vídeos de pixadores pendurados em edificações da cidade reafirmam o estranhamento diante de tal risco. Porém, não são apenas nas alturas que eles correm perigo. Apesar de “dar muito ibope”5 pixar no alto de prédios, também causa admiração entre seus pares marcar a paisagem longe de onde se mora ou em lugares restritos que proporcionem a vivência de outros perigos e certa visibilidade. Outros riscos estão presentes na pixação, como o de ser parado pela polícia e, consequentemente, apanhar, ter o corpo todo pintado ou ser preso. 5

O ibope era um dos objetivos alcançados pelos pixadores. O termo, nome de um instituto de pesquisa de opinião e de medição da audiência televisiva, refere-se à fama que os pixadores conseguem entre os pares.

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Apesar da repressão, a polícia é um ator importante com quem os pixadores se relacionam na cidade, pois em seus encontros é comum ouvir conversas sobre como foram pegos ou como conseguiram escapar ou ludibriar a polícia. Eles têm sempre uma história para contar de situações de perigo que correram com a polícia, com seguranças particulares, com proprietários de imóveis ou mesmo em conflitos com outros grupos de pixadores rivais. A pixação é uma forma de estabelecimento de redes de sociabilidade, de aventurar-se pela metrópole. Enquadrada como crime pela lei 9605/98, ela configura também uma transgressão juvenil. Pode-se dizer, portanto, que a pixação é uma conjunção de dinâmicas típicas de jogos de vertigem (CAILLOIS, 1958) ou de esportes de aventura (SPINK, 2001) com práticas transgressoras que flertam com a delinquência e/ou com a criminalidade6. Os pixadores criam maneiras arriscadas de vivenciar os riscos das grandes cidades. Na sociedade do risco, esses jovens fazem desse elemento o seu meio de expressão e de estabelecimento de relações na cidade. Torna-se difícil, assim, traçar as diferenciações entre risco e perigo, como fazem os autores que analisam a noção de risco. Tendo em vista que, no caso da pixação, as fronteiras entre as ameaças externas, que Luhmann (1993) e Beck (1992) definem como perigos, e os riscos, definidos como perigos oriundos de decisões e/ou de cálculos individuais ou coletivos, são muito mais complexas do que a conceituação teórica formula, a linha divisória entre perigo e risco torna-se nessa atividade específica bastante tênue. Com suas práticas de risco, os pixadores colocam em questão a própria noção de risco. Martin (2003) e Brüseke (2001) utilizam, respectivamente, as noções de permissividade e de contingência em diálogo com a de risco. No caso dos pixadores, para se pensar etnograficamente, as concepções de risco podem ser problematizadas a partir de dois fatores, a noção de adrenalina e a postura que têm diante dos riscos ou perigos de morrer ou ser preso. Além dos riscos próprios de sua prática, os pixadores também estão relacionados com outras dimensões de riscos, como a de se morar em um bairro pobre da periferia marcado por altos índices de homicídio ou a de uma suposta inclinação juvenil à exposição aos riscos.

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Alguns pixadores adotam práticas delinquentes como o furto, tanto das latas de tinta para pixar quanto de produtos de tamanho reduzido, mas de valor médio (protetores solares, whiskys, energéticos, pilhas etc.) em supermercados. Há inclusive aqueles que exaltam a prática do furto e o seu artigo no código penal, o 155, um exemplo é o da grife LOVE 155, criada no período em que eu fazia a pesquisa de campo. Além disso, não é incomum pixadores envolvidos em ações criminosas mais graves como tráfico de drogas e assaltos.

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Os riscos da quebrada Iniciei este artigo apresentando a importância que alguns coletivos juvenis atribuem à noção de quebrada como alusão à ideia de um bairro periférico. Constatei o modo como alguns segmentos jovens da periferia de São Paulo concebem essa definição na prática da pixação e em seu cotidiano em cinco escolas por mim observadas. Em uma destas, na zona norte da cidade, distrito de Vila Brasilândia, pude ver os jovens referindo-se, batendo no peito com o braço direito e o punho fechado, à “quebrada onde moravam com muito orgulho”. Agenciada por coletivos juvenis, a noção de quebrada adquire o significado de espaço de afirmação de certa superioridade daqueles que nela moram. No circuito das diferentes práticas ligadas ao hip hop, pertencer a uma periferia da Região Metropolitana de São Paulo aponta para uma noção universalizante que congrega os jovens, pois uma grande parte reconhece-se como de alguma quebrada da cidade. E, por isso, sustentam, um ethos de periferia que remete tanto às relações pretensamente comunitárias, ou mais próximas, que a quebrada designa, como às condições de pobreza, à violência e aos riscos existentes nos bairros da periferia. Neste sentido, pertencer à periferia é também uma condição importante para se obter reconhecimento. Dessa forma, a noção de quebrada incorpora também a dimensão do risco, pois aqueles que nela residem correriam mais riscos e enfrentariam maiores adversidades, sendo, portanto, mais fortes. Em muitos contextos juvenis, como o da pixação ou do hip hop, há uma reversão do status, em que ser da periferia conferiria aspecto de centralidade e de alto valor para o grupo. Magnani (2006) relaciona esta tomada do conceito de periferia com o movimento dos atores sociais, descrito por Marsahll Sahlins (1997), em assumir a cultura como elemento de afirmação e resistência concomitantemente à problematização desse conceito realizada pelos antropólogos. O discurso dos rappers sobre a periferia, por exemplo, deixa o foco no estigma um pouco de lado e direciona sua atenção mais ao pertencimento do que à carência, expõe Magnani. Há aí uma certa visão propositiva, segundo a qual “ser da periferia” significa participar de um certo ethos que inclui tanto a capacidade para enfrentar as duras condições de vida, quanto pertencer a redes de sociabilidade, a compartilhar certos gostos e valores (MAGNANI, 2006, p. 39 grifo do autor).

Percebe-se, então, no processo de conformação da ideia de quebrada, a ação de múltiplos significados que apontam para definições contextuais. Assim, quebrada em algumas situações pode indicar um movimento de particularização que aponta para a singularização e a valorização do bairro onde se mora – conforme aponta Magnani (2006) na definição da noção de pedaço. Em outros

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momentos, entretanto, pode ocorrer a uma generalização da quebrada tanto pela evocação das precariedades e dos perigos de se morar em um bairro de periferia, como pela afirmação positiva dos laços de solidariedade, peculiares à periferia, e da força que seria característica de quem convive com os riscos dessas localidades em São Paulo. Ou seja, morar em um bairro de periferia nessa cidade, apesar das especificidades e das distâncias, é apreendido como uma experiência comum a indivíduos que vivem em lugares diferentes no espaço da metrópole7. Trata-se neste contexto da universalização, portanto, de uma ideia de periferia que se destaca tanto por aspectos negativos quanto por seus aspectos positivos, ou mesmo pela positivação dos aspectos supostamente negativos, revertendo-se o estigma. Dessa maneira, a noção de periferia ultrapassa a referência espacial, torna-se um modo de proceder na cidade em que se deve ter algumas referências comuns e dominar certos códigos tidos como próprios dos moradores da periferia. Assim, mesmo que um jovem more no bairro de Capão Redondo, na zona sul, e outro em Cidade Tiradentes, na zona leste, eles estarão, ou se sentirão, próximos, em alguns contextos, por serem ambos moradores de quebradas. Em síntese, se o próprio termo quebrada já aponta para a ideia de quebra ou de ruptura com o restante da cidade, ou, mais especificamente, com o seu centro, ele também pode ser utilizado de outras maneiras, em uma delas com o sentido de uma junção entre todas as periferias da cidade. Nas concepções dos pixadores e de adeptos de outras práticas juvenis articuladas com a periferia, aponta-se tanto para os elementos de conjunção quanto para os de disjunção. Paradoxalmente, mesmo os elementos que poderiam ser considerados negativos, em determinados momentos, apontam para conjunções, pois são muitas vezes representados por estes jovens como aspectos valorizados positivamente, pois morar na periferia representaria possuir uma força maior, tendo em vista que se tem que sobreviver em meio às adversidades e aos riscos que os “boys” – modo como os coletivos juvenis periféricos designam o seu “outro”: os jovens com condições socioeconômicas mais elevadas que as suas – não conhecem, por serem, desse ponto de vista, mais “fracos”.

As agências juvenis do risco Como já foi exposto, a maneira como diferentes coletivos juvenis conformam a noção de quebrada para referir-se ao bairro da periferia alude a um modo particular dos jovens relacionarem-se com a noção de risco social. Nesse contexto, ser um jovem da periferia e estar expostos aos diferentes riscos, dentre esses o da violência, 7

Em uma letra de RAP muito popular do grupo mais famoso do hip hop brasileiro, os Racionais MC’s, afirma-se, justamente, que “Periferia é periferia, em qualquer lugar”.

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confere um significado positivo. Desse modo, observa-se que, concomitante a série de discursos que relaciona os jovens ao risco, estes também têm conformado em suas práticas e discursos noções particulares sobre o risco, seja na valorização da quebrada como espaço de risco, seja na realização de práticas de risco, transgressoras ou não. Citei aqui o exemplo da pixação, uma prática transgressora empreendida majoritariamente por jovens da periferia, mas poderia aludir também a inúmeras outras práticas juvenis ligadas a exposição ao risco, desde os esportes radicais até a realização de rachas e manobras em carros e motocicletas. Uma outra prática que lida com o espaço da cidade a partir de manobras arriscadas realizadas com o próprio corpo em obstáculos da paisagem urbana é o Le Parkour, estudada por Marques (2008). Nela, expor o corpo como instrumento de superação das barreiras do cenário urbano apresenta-se como um dos principais objetivos. As manobras mais arriscadas são filmadas e expostas na internet. Quando falamos da ideia de risco, temos por um lado a noção que remete aos riscos sociais e econômicos, aos quais os mais pobres, mas também os mais jovens e mais pobres, estariam mais expostos. Nessa perspectiva, típica do poder público e de agências voltadas à assistência social, os jovens são apresentados quase sempre de duas formas principais: ora como vítimas passivas de uma sociedade injusta, ora como delinquentes vistos como produtos de suas condições sociais e econômicas: pobreza, família desestruturada etc. Já em outra concepção de risco, a da sociedade de risco, cunhada por Ulrich Beck (1992), aponta-se para uma superação das distinções etárias ou de classes, pois os efeitos dos riscos da modernidade, embora pudessem afetar mais os pobres num primeiro momento, colocariam todos em condição de serem afetados, ricos e pobres, crianças, jovens ou adultos. O tão propalado aquecimento global ou um acidente nuclear ou ainda os efeitos não previstos de um alimento modificado geneticamente têm um potencial de risco não direcionado para um segmento social específico como aconteceria com a noção de risco econômico. Já quando se olha para as práticas juvenis de risco e tenta-se compreender o que os jovens, por eles mesmos, fazem ou dizem com relação à noção de risco, percebe-se não apenas um modelo intermediário às duas perspectivas acima, como mais complexo e com múltiplas possibilidades de apreensão. Por um lado, em um primeiro momento, as relações dos jovens com o risco tendem a afirmar a noção de moratória social apontada por Margulis e Urresti (1996), apresentando assim algumas práticas de risco como propriamente juvenis ou, em outras palavras, marcadas pelo indicador etário. Contudo, por outro lado, ao mesmo tempo em que se caracteriza como um risco juvenil que transcenderia as diferenças sociais, econômicas ou de classe, esse mesmo risco mostra que pode também conter elementos fortemente marcados socialmente. A pixação, descrita aqui, é um exemplo desta última perspectiva em que, por meio de uma prática transgressora de arriscar-se pela cidade em prédios altos e

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lugares de difícil acesso, os jovens também criam um modo particular de referir-se às condições de vida que levam nos bairros pobres da periferia. A ideia de quebrada tão propalada pelos pixadores e outros coletivos juvenis adquire novos contornos em seu cotidiano revertendo-se de sinal negativo a sinal positivo de afirmação e mesmo de superioridade. Quem vive nas quebradas da cidade, conforme essa perspectiva, adquire uma maior força por saber lidar com os riscos sociais de tais lugares, marca-se assim por meio de uma prática juvenil a noção de risco de modo social, econômica e – por que não? – classista. Essa última perspectiva do risco, mais etnográfica, que tenta captar as perspectivas dos jovens por eles mesmos, pode levar alguns analistas a tentar entender os protagonistas dessas ações, principalmente os jovens pobres das periferias, dentro de uma só chave, e no caso em questão, necessariamente como heróis revolucionários ou aventureiros desbravadores da cidade a contestar a ordem ou a explicitar as contradições desta. O principal desta perspectiva que busca olhar para suas práticas, entretanto, é permitir, mais do que vê-los como paladinos da justiça ou de uma nova ordem, o entendimento de como eles concebem e desestabilizam conceitos sociais há tempos estabelecidos. Consegue-se assim não apenas a apreender suas práticas de modo mais profícuo, como também as dinâmicas juvenis na cidade de modo mais profundo. Em outras palavras, as pautas de pesquisas, mas também as das políticas públicas deveriam procurar menos as vítimas, os heróis ou os bandidos por trás de cada prática juvenil (seja ela legal ou não) e mais os jovens por eles mesmos, buscando apreender as múltiplas complexidades e contradições dessa condição etária relacionada com outros fatores como condição econômica, gênero, raça, lugar de moradia, mídias, tecnologias, práticas de lazer etc. Privilegia-se, assim, como afirma Stuart Hall (2003), a lógica do “e” ao invés da do “ou”, o acoplamento ao invés da oposição binária.

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