Os terrenos de marinha nas ilhas costeiras e Emenda Constitucional 46/2005

September 26, 2017 | Autor: Ricardo Perlingeiro | Categoria: Direito Civil E Processual Civil
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Nº CNJ RELATOR APELANTE APELADOS ADVOGADO ORIGEM

: 0010102-77.2007.4.02.5001 : JUIZ FEDERAL CONVOCADO RICARDO PERLINGEIRO : UNIÃO FEDERAL : NEUSA MATTOS BARBOZA E OUTROS : MARCO ANTONIO GAMA BARRETO : 5ª VARA FEDERAL CÍVEL DE VITÓRIA/ES (200750010101022) RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta pela UNIÃO FEDERAL em face de sentença proferida nos autos da Ação Ordinária ajuizada por NEUSA MATTOS BARBOZA E OUTROS, que julgou procedente a pretensão autoral “para, confirmando a decisão antecipatória e reconhecendo a ausência de relação jurídica entre as partes, decretar a nulidade dos lançamentos referentes à taxa de ocupação do bem inscrito na SPU sob o RIP nº 5705.0017098-63, quanto ao exercício de 2007, bem como o relativo ao laudêmio sobre a alienação do mesmo, em razão das alterações promovidas no art. 20, IV, da CRFB/88 pela EC nº 46/2005.” (fls.81/86). Em razões recursais (fls.90/113), pugna a Recorrente pela reforma do julgado, aduzindo, em síntese, que a modificação operada pela EC 46/2005 não teve o elastério vislumbrado pelos Demandantes, mas tão somente ampliou as exceções previstas na parte final do inc. IV do art. 20 da Constituição Federal, sem afastar o domínio da União quanto a eventuais terrenos de marinha e seus acrescidos em ilhas costeiras que contenham sede de municípios. Destarte, resta evidenciada a legalidade das cobranças realizadas pela GRPU/ES em decorrência da utilização de imóvel de propriedade da União ou por ocasião da transferência do bem, após o advento da Emenda Constitucional supracitada. Recebida a apelação apenas no efeito devolutivo (fl.116), não foram apresentadas contrarrazões. Parecer do Ministério Público Federal pela desnecessidade de manifestação no presente feito, diante da ausência de interesse público. É o relatório. Peço dia para julgamento.

RICARDO PERLINGEIRO

Juiz Federal Convocado V O T O EXMº SR. JUIZ FEDERAL CONVOCADO RICARDO PERLINGEIRO: (RELATOR) Cuida-se de apelação interposta pela UNIÃO FEDERAL em face de sentença proferida nos autos da Ação Ordinária ajuizada por NEUSA MATTOS BARBOZA E OUTROS, que julgou procedente a pretensão autoral “para, confirmando a decisão antecipatória e reconhecendo a ausência de relação jurídica entre as partes, decretar a nulidade dos lançamentos referentes à taxa de ocupação do bem inscrito na SPU sob o RIP nº 5705.0017098-63, quanto ao exercício de 2007, bem como o relativo ao laudêmio sobre a alienação do mesmo, em razão das alterações promovidas no art. 20, IV, da CRFB/88 pela EC nº 46/2005.” (fls.81/86). Preliminarmente, cumpre registrar que a Ilustre Magistrada sentenciante, invocando o preceito do art. 475, §2º do CPC, afastou o reexame necessário da r. sentença. Da análise dos autos, observa-se que o referido imóvel, localizado na Praia do Suá e inscrito na matrícula nº 63187 do Cartório de Registro de Imóveis da 2ª Zona de Vitória/ES, está cadastrado como terreno acrescido de marinha sob regime de ocupação, consoante certidão encartada às fls. 20/20v. A questão reside na legalidade da cobrança da taxa de ocupação ou de foro referente a imóvel cadastrado como terreno de marinha e seus acrescidos sob regime de ocupação ou de aforamento, situado em ilha costeira com sede de município, após a promulgação da EC nº 46, publicada em 06/05/2005, que alterou o inc. IV do art. 20 da Constituição Federal, in verbis: Art. 20. São bens da União: [...] IV - as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II; Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados: [...] II - as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que

estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros; Na redação original, o simples fato de um imóvel estar situado em ilha costeira o caracterizava como bem da União, com exceção das áreas mencionadas no art. 26, II da CF, ou seja, que estivessem sob o domínio dos Estados, dos Municípios ou de particulares. Após o advento da EC nº 46/2005, deflui-se da interpretação sistemática dos referidos preceitos constitucionais em cotejo com o Decretolei nº 9.760/46, que, alterado apenas o inciso IV, especificamente na parte relativa às ilhas costeiras, mantiveram-se no patrimônio da União, todos os demais bens arrolados no referido art. 20, inclusive os terrenos de marinha e seus acrescidos (inciso VII). Desta feita, o objetivo do legislador constituinte foi excluir do patrimônio federal os imóveis situados no interior de ilha costeira sede de município, ou seja, aqueles não classificados como terreno de marinha, mas sim como terreno interior de ilha, e, por conseguinte, colocar na mesma situação jurídica os ocupantes de imóveis situados nas ilhas costeiras e na parte continental. Nesse ponto, trago à colação a definição legal de terreno de marinha, prevista no Decreto-lei nº 9.760/46, recepcionado pela Constituição Federal de 1988. Decreto-lei nº 9.760/1946: Art. 2º. São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamarmédio de 1831: a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés; b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés. Parágrafo único. Para os efeitos dêste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano. Art. 3º. São terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha. Destarte, o novo texto constitucional não operou qualquer modificação

quanto aos terrenos de marinha e seus acrescidos, na medida em que ainda constituem propriedade da União, independentemente de estarem situados em ilhas costeiras que contenham sede de município. Logo, situado o imóvel na faixa litorânea, caracteriza-se como terreno de marinha e integra o patrimônio da União por força do comando do art. 20, VII da CF/88, sendo devido o pagamento anual da respectiva taxa de ocupação (art. 127 do Decreto-lei 9.760/46), e do laudêmio, por ocasião da alienação do domínio útil do bem (art.3º do Decreto-lei 2.398/87). No caso de imóvel submetido ao regime de aforamento, pertinente o pagamento anual da taxa de foro (art. 101 do Decreto-lei 9.760/46). A respeito, importante mencionar o entendimento consagrado no julgamento da Ação Civil Pública nº 2006.50.01.000112-6, em 15/03/2010, pela Colenda Sexta Turma Especializada deste Tribunal sob a relatoria do DD. Desembargador Federal GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA, versando precisamente sobre a questão debatida nestes autos: ADMINISTRATIVO. BENS DA UNIÃO. ART. 20, INCISO IV, DA CONSTITUIÇÃO COM REDAÇÃO DA EC 46/2005. NÃO EXCLUSÃO DOS TERRENOS DE MARINHA. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. 1.A questão em discussão no presente recurso cinge-se a perquirir acerca da situação dos terrenos de marinha em ilhas costeiras sedes de municípios após o advento da Emenda Constitucional nº 46/2005. 2. Apenas o inciso IV do art. 20 da Constituição da República r estou alter ado pela E C 46/2005, especificamente na parte relativa às ilhas costeiras sedes de municípios. Manteve-se, portanto, inalterada a situação de todos os demais bens ar r olados anteriormente no artigo. 3. A melhor exegese da modificação operada pela EC 46/2005 é a interpretação sistemática do texto constitucional. 4.Na redação originária as ilhas costeiras integravam sem ressalvas o patrimônio da União, assim como os demais bens arrolados no art. 20. O que o constituinte derivado fez foi excluir desse patrimônio as ilhas costeiras que contenham sede de município. 5.Ao extirpar as ilhas costeiras sedes de município do patrimônio da União o novo texto constitucional não operou qualquer modificação quanto aos demais bens

federais. Também não se pretendeu tornar as ilhas costeiras com sede de município infensas aos demais dispositivos constitucionais relativos aos bens públicos. 6. Apelação e remessa necessária providas. Sentença reformada. Resta induvidoso, portanto, que permanecem sob o domínio da União as áreas das ilhas costeiras que, mesmo contendo sede de municípios, estiverem afetadas ao serviço público federal ou à unidade ambiental federal, bem assim os terrenos de marinha e seus acrescidos. Ante o exposto, dou provimento ao recurso para, reformando a r. sentença, julgar improcedente a pretensão autoral. Custas ex lege. Condeno os Demandantes ao pagamento de honorários advocatícios no patamar de R$ 1.000,00 (mil reais). É como voto. RICARDO PERLINGEIRO Juiz Federal Convocado EMENTA CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. PATRIMÔNIO DA UNIÃO. ILHA COSTEIRA. SEDE DE MUNICÍPIO. TAXA DE OCUPAÇÃO E DE FORO. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 46/2005. DECRETO-LEI Nº 9.760/46. 1. A EC nº 46/2005, que alterou o inc. IV do art. 20 da Constituição Federal especificamente na parte relativa às ilhas costeiras, não operou qualquer modificação quanto aos terrenos de marinha e seus acrescidos, na medida em que ainda constituem patrimônio da União por força do comando do inc. VII do art. 20 supracitado. 2. Interpretação sistemática dos referidos preceitos constitucionais em cotejo com o Decreto-lei 9.760/46. Desta feita, o objetivo do legislador constituinte foi excluir do patrimônio federal os imóveis situados no interior de ilha costeira sede de município, ou seja, aqueles não classificados como terreno de marinha, mas sim como terreno interior de ilha, e, por conseguinte, colocar na mesma situação jurídica os ocupantes de imóveis situados nas ilhas costeiras e na parte continental. 3. O imóvel situado na faixa litorânea caracteriza-se como terreno de marinha e integra o patrimônio da União, sendo devido o pagamento anual da respectiva taxa de ocupação (art. 127 do Decreto-lei 9.760/46), e do laudêmio, por ocasião da alienação do domínio útil do bem (art. 3º do Decreto-lei 2.398/87). No caso de imóvel submetido ao regime de

aforamento, pertinente o pagamento anual da taxa de foro (art. 101 do Decreto-lei 9.760/46). 4. Recurso provido. Sentença reformada. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decidem os Membros da Quinta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso, na forma do Relatório e do Voto, constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Rio de Janeiro, 8 de novembro de 2011 (data do julgamento). RICARDO PERLINGEIRO Juiz Federal Convocado

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