Os Viscondes de Nova Granada e o Hospital de S. José em Castanheira de Pera

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Jornal da Golpilheira

. entrevista . história .

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Setembro de 2015

.história. Os Viscondes de Nova Granada e o Hospital de S. José em Castanheira de Pera Postal ilustrado. Castanheira de Pera. Edição Manuel Lopes Bruno (Figueiró dos Vinhos).

Postal ilustrado. Hospital de S. José em Castanheira de Pera.

Miguel Portela Investigador Até meados do século XIX, Castanheira de Pera tinha na pastorícia, na agricultura e na produção artesanal de artigos de lã as principais fontes de subsistência das suas gentes. Por volta de 1860, viu surgir, com José Antão da Gestosa Fundeira, a primeira fábrica de lanifícios. Anos mais tarde, em 1866, o periódico “O Leiriense”, na sua edição de 8 de dezembro de 1866, 4.º ano, n.º 49, p. 2, informava os leitores sobre os avanços industriais desta povoação. Pela sua importância documental, citamos na íntegra esta notícia: «Está em construcção uma fabrica de lanifícios, na Castanheira de Ribeira de Pera, concelho de Pedrogão Grande, pertencente aos srs. Antonio Alves Bebiano e Domingos Bebiano, aquelle residente na cidade de Queluz de Minas, no imperio do Brazil. O Sr. Domingos Alves Bebiano acha-se ha dias em Pedrogão com a sua ex.ma familia, com o fim de darem começo aos trabalhos da nova fabrica, que tanta vantagem póde trazer áquelles povos e ao paiz em geral. Dizem-nos tambem que os mesmos cavalheiros projectam estabelecer alli uma fiação de casulo de sêda, pelo systema da de Leão, em França». Um dos mais notáveis filhos desta terra foi José Alves Barreto, filho legítimo de Manuel Alves Barreto e de Águeda Henriques dos Santos; neto paterno de Luís Alves e de Mariana da Silva do Fontão; e neto materno de António Henriques do Carregal Fundeiro e de Maria Henriques da Castanheira. Nasceu em 5 de março de 1859, tendo sido batizado em 18 de março desse ano (Doc. 1). Nessa época, Castanheira do Pedrógão, hoje Castanheira de Pera, era uma freguesia pertencente ao concelho de Pedrógão Grande. Extraímos uma notícia do periódico “A Regeneração”, na sua edição de 25 de fevereiro de 1933, 8.º ano, n.º 313, p. 4, relativa a José Alves Barreto, Visconde de Nova Granada (A.N.T.T., Registo Geral de Mercês de D. Carlos I, Liv. 26, fl. 122 - Carta do título de Visconde de Nova Granada), ano do seu decesso, que sintetiza em breves palavras alguns acontecimentos relevantes da vida desta personalidade: «A fim de se dedicar á vida comercial, seguiu para o Brasil, aos 19 anos de idade, fixando residência em S. Paulo. Dotado duma grande inteligência e duma excepcional actividade comercial, não tardou José Alves Barreto a grangear uma avultada fortuna. Casava, entretanto com a sr.ª D. Ana Miquelina, de nacionalidade brasileira, abandonando, pouco depois, a vida comercial, para se dedicar exclusivamente á cultura do café, que era, nessa altura, o ramo agricola mais rendoso de todo o Brasil.

Vendo, a toda a hora, aumentada a sua fortuna, que o colocava entre os mais abastados capitalistas da colónia portuguesa, o nosso compatriota não se esquecia das classes desprotegidas. O seu nome está ligado a varias instituições de beneficencia, entre as quais se destaca a Beneficencia Portuguesa de S. Paulo, de cuja direcção foi presidente e para a qual contribuiu com avultadíssimas quantias. Em 1895, conhecedor das necessidades da sua terra natal, José Alves Barreto tomou a iniciativa da construção dum hospital, em Castanheira de Pera, que dotou com todo o material necessario, escolhido entre o mais moderno. Foi por esta obra de benemerencia que o então rei D. Carlos o agraciou com o titulo de visconde de Nova Granada, nome duma importante propriedade que o extinto possuia. Além daquela grande obra de benemerencia, o sr. visconde de Nova Granada dotou Castanheira de Pera com uma escola, com a qual dispendeu avultadas quantias». Reconhecemos que no ano de 1901, a 5 de maio, foram lavrados e aprovados os Estatutos da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Castanheira de Pera [Arquivo Distrital de Leiria (A.D.L.), Governo Civil de Leiria, Confrarias, Irmandades e Misericórdia de Castanheira de Pera, Dep. III-74-A-7]. Eram compostos por 74 artigos, arrolando-se no artigo 2.º que esta Irmandade se colocava sob a proteção de S. José, cuja imagem se venerava na capela do hospital do mesmo nome. Entre os vários fundadores que assinaram os estatutos figuravam diversas personalidades notáveis desta terra, designadamente o Visconde e Viscondessa de Nova Granada, José Alves Bebiano e Eduardo Pereira da Silva Correia. Este último, de acordo com o jornal “O Figueiroense” datado de 27 de abril de 1901, 4.º ano, n.º 191, p. 2, «Foi agraciado com a commenda de Nossa Senhora da Conceição, o excelentíssimo senhor Doutor Eduardo Pereira da Silva Correia, muito digno reitor da freguezia de Castanheira de Pera. Por tão honrosa, como merecida distincção que a sua excelência acaba de ser conferida, felicitamo-lo muito sinceramente, como admiradores que somos, de tão illustre cavalheiro». Meses depois de ter sido criada a Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Castanheira de Pera, a 26 de julho de 1901, os Viscondes de Nova Granada, como «senhores e

legitimos possuidores de uma caza de construcção apropriada para hospital, e a que deram a denominação de “Hospital de São José”, com a respetiva cerca competentemente morada, com entrada pelo lado sul fechada com um portão de ferro, sita n’este logar», procederam em escritura pública à doação deste Hospital à Santa Casa da Misericórdia de Castanheira de Pera. Este edifício, composto por lojas, primeiro andar e sótão, incluía também uma capela, sala de operações, quarto para mulheres, enfermaria, sala de espera, secretaria, entre muitos outros espaços. Atesta-se ainda que o edifício foi construído em terrenos com diferentes proveniências: uns foram cedidos pela Câmara de Figueiró dos Vinhos em 5 de outubro de 1895; outros foram ofertados a 13 de janeiro de 1901 pelos pais do Visconde; e uma outra parte foi edificada em terras que o Visconde adquiriu ao seu irmão, Sebastião Alves Barreto, em 22 de janeiro do mesmo ano. A leitura atenta desta escritura é um verdadeiro repositório de amor e entrega às causas sociais e humanitárias, permitindo reconhecer esta família como um conjunto de ilustres beneméritos e benfeitores, assim como vultos de importância manifesta no desenvolvimento e no progresso de Castanheira de Pera. A importância social e económica de Castanheira de Pera decorrente do desenvolvimento da indústria de lanifícios, a par dos investimentos de alguns beneméritos, sobretudo por parte dos Viscondes de Nova Granada, motivou os anseios da população, levando à criação do concelho de Castanheira de Pera em 1914. Hoje, Castanheira de Pera é um concelho que aposta de forma determinante na valorização e potencialização dos seus recursos naturais e paisagísticos através da promoção turística do concelho, continuando a ter na indústria dos lanifícios um exemplo vivo de empreendedorismo, inovação e competitividade. Documento 1 1859, março, 18, Castanheira do Pedrógão - Registo de batismo de José Alves Barreto. A.D.L., Livro de Batismos de Castanheira de Pera: 1831-1859, Dep. IV33-A-6, registo n.º 4, fl. 252. [fl.252] No dia dezoito de março de mil e oitocentos e sincoenta e nove em esta Egreja Parochial de S. Domingos

da Castanheira do Pedrogão, Bispado de Coimbra baptizei solenemmente e pus os Santos Oleos a José nascido a sinco do dito mes, filho legitimo de Manoel Alves Barreto, e de Agueda Henriques dos Santos da Castanheira, neto paterno de Luis Alves e de Marianna da Silva do Fontão, materno de Antonio Henriques do Carregal Fundeiro e de Maria Henriques da Castanheira. Padrinhos Jozé Antão da Gestoza Fundeira, e Maria Jozefa casada com Manoel Henriques dos Santos da dita Gestoza. E para constar faço este assento. (a) O Reitor Manuel Joaquim Rodrigues Corrêa. Documento 2 1901, julho, 26, Castanheira de Pera - Escritura de doação do Hospital de S. José, propriedade dos Viscondes de Nova Granada à Santa Casa da Misericórdia de Castanheira de Pera. A.D.L., Livro Notarial de Figueiró dos Vinhos, Dep. V-55-B-18, fls. 8v-11v. [fl.8v] Escriptura de doação que fazem os Excelentissimos Viscondes de Nova Granada, á Santa Casa de Mezericordia da Castanheira de Pera. Em 26 de julho de 1901. [fl. 9] Saibam quantos virem esta escriptura de doação pura e irrevogavel, que no anno do nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil novecentos e um aos vinte e seis de julho n’este logar da Castanheira de Pera, freguezia de São Domingos, concelho de Pedrogam Grande, Comarca de Figueiró dos Vinhos, onde eu Elisio Nunes de Carvalho, notario publico da sede desta comarca chamado vim aqui na secretaria da casa denominada Hospital de São Jozé, perante mim referido notario e as testemunhas edoneas, minhas conhecidas, adiante nomeadas e assignadas, foram prezentes como outhorgantes de um lado como doadores o Excellentissimo Visconde de Nova Granada e sua esposa a Excellentissima Viscondessa do mesmo titulo, residentes n’esta povoação, e d’outro lado como representantes da donataria Santa Casa da Mezericordia, d’esta freguesia, o Doutor Eduardo Pereira da Silva Correia, Reitor d’esta freguesia, Sebastião Alves Barreto, casado, proprietário, Manuel Correia de Carvalho, casado, industrial, Albino Ignacio Roza, casado, pharmaceutico, Manuel Joaquim Pereira, casado, negociante, Manuel Fernandes de Carvalho, casado, negociante, Jozé Alves Bebiano, casado, tintureiro, Jozé Coelho de Carvalho, casado, negociante e Jozé Joaquim Rodrigues Correia, casado, negociante todos residentes n’esta mesma povoação, o primeiro, provedor, o segundo, thezoureiro, o terceiro secretario e os restantes vogaes da meza da referida Santa Caza, todas pessoas que reconhecemos //

[fl. 9v] pelos proprios de que dou fé. E na minha prezença e no das mesmas testemunhas pelos primeiros outorgantes Excellentissimos Visconde da Nova Granada foi dito: Que são senhores e legitimos possuidores de uma caza de construcção apropriada para hospital, e a que deram a denominação de “Hospital de São José”, com a respetiva cerca competentemente morada, com entrada pelo lado sul fechada com um portão de ferro, sita n’este logar da Castanheira de Pera, e confronta pelos lados nascente, poente e norte com estradas publicas e sul com o mercado; Que a casa referida se compoe de lojas terreas, primeiro andar e sotam, achando-se o primeiro andar dividido e repartido pela forma seguinte: entrada e vestibulo, corredor ao centro, tendo ao fundo uma capela cujo padroeiro é São José, tem na ala direita as salas com os seguintes destinos: primeira para operações, segunda e terceira para quartos particulares para mulheres, tendo a segunda o dístico “enfermaria Doutor Florido”; quarta, para quarto de banho, quinta para copa e cozinha, e sexta para enfermaria de mulheres, tendo o seguinte dístico: enfermaria Doutor Eduardo Correia, e na ala esquerda as seguintes: primeira, sala de espera, segunda, secretaria, terceira, quarto particular, quarta entrada para sotam e sacristia, quinta, quarto para infermeiro e sexta enfermaria para homens com o se- // [fl. 10] guinte dístico: “Enfermaria Sebastião Alves Barreto; Que este p digo este edifício o mandaram elles outorgantes construir em terrenos que adquiriram parte por cedencia que para este fim lhe fez a Camara Municipal de Figueiró dos Vinhos, aonde esta freguezia já pertenceu em sua sessão de cinco de outubro de mil oitocentos noventa e sinco, outra parte por compra que delle fez a seu irmão Sebastião Alves Barreto por titulo particular de vinte e dois de janeiro de mil novecentos e um de que de’este succecivo dia pagou a respectiva contribuição por titulo onerozo na recebedoria do concelho de Pedrogam Grande, pelo conhecimento numero trezentos e um, e registado na conservatória desta comarca sob o numero seis mil e doze; e ainda parte por doação que seos paes e sogros Manoel Alves Barreto e mulher Dona Agueda Henriques dos Santos lhe fizeram por escriptura de treze de janeiro do corrente anno lavrada nas minhas notas no livro terceiro a folhas quarenta e duas. Que não tendo descendentes e podendo; Que desejando que n’esta caza seja montado um hospital para tractamento dos doentes pobres e de pencionistas, e para cujo fim já mandaram construir este edificio, do mesmo edifício e respectiva cerca, com exclusão da parte da cerca que fica ao norte e poente e que fica devi-

damente demarcada em dois marcos, um cravado junto da parede norte a vinte e dois metros e vinte e sete metros a contar da esquina da casa que fica no canto da cerca do lado referido, e outro cravado // [fl. 10v] junto do angulo da parede poente a vinte e um metros a sessenta e cinco seu limite a contar da esquina norte desta mesma parede, casa que se encontra n’este triangulo e arvores que tambem n’elle se acham, fazem doação á Santa Caza da Mezericordia d’esta freguezia, com a obrigação de ali montarem o referido hospital, o qual será regido pelos estatutos da mesma Santa Caza, nem podendo em tempo algum e sobre qualquer pretesto dar-lhe outra aplicação; que os dísticos das enfermarias não poderão ser alterados bem como tambem o não pode ser o da denominação que deram a este hospital, que é o de “Hospital de São José”; que é obrigação imposta pelos dadores Manoel Alves Barreto e esposa Dona Maria Agueda Henriques dos Santos na escriptura de doação já referida ficara subsistindo para todos os effeitos: Que o terreno da cerca que excluido da doação não tem serventia pela cerca do hospital, podendo elles doadores quando quizerem tapar o referido terreno com um muro que será feito em recta de marco a marco cujo muro poderão levantar até á altura que desejarem bem como tambem poderão levantar os outros muros que ficam ao norte e poente por isso que egualmente lhe fica pertencente. Para o effeito de pagamento de sello avido pela doação dão-lhe este valor de onze de reis. E pelos segundos outorgantes foi dito: Que em nome da Santa Caza // [fl. 11] que representam e nos termos do mesmo acto do artigo quarenta e quatro dos Estatutos da referida Santa Caza, devidamente approvados, acceita reconhecidas a valioza doação que á mesma Santa Caza acaba de lhes ser feita pelo Excellentissimos outorgantes Viscondes de Nova Granada com todas as condições n’esta escriptura exaradas. Adiante vão ser coladas e por mim inutelizadas sellos destampilhas no valor de tres mil e duzentos reis. Assim o disseram, outorgaram, e acceitaram e vão todos assignar com as testemunhas prezentes Manuel Antunes Ceppas, cazado, industrial e Domingos Fernandes de carvalho, solteiro, maior, commerciante, ambos residentes n’este lugar, depois de lido perante todos em vóz alta por mim Elisio Nunes de Carvalho, notario publico que o escrevi e assigno em publico e razo, resalvando a razura de linhas vinte e quatro a folhas dez que dei “do mesmo edificio”, e a outra linha que dei “aos vinte e seis de julho”. (Estampilhas no valor de 3.200 réis) (a) Viscondessa de Nova Granada (a) Visconde de Nova Granada (a) Eduardo Pereira da Silva Correia (a) Sebastião Alves Barreto (a) Manuel Correia de Carvalho (a) Albino Ignacio Roza (a) Manuel Joaquim Pereira (a) Manuel Fernandes de Carvalho (a) José Alves Bebianno (a) José Coelho de Carvalho (a) José Joaquim Rodrigues Correia // [fl. 11v.] (a) Manoel Antunes Ceppas (a) Domingos Fernandes de Carvalho (Estampilhas no valor de 800 réis) O notário (a) Eliseu Nunes de Carvalho

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