Paisagens de Maynas na Amazônia de Castela através de informes missionários (1638-1661)

August 11, 2017 | Autor: André Pompeu | Categoria: Amazonia, Colonial Latin American History
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Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 – Niterói – Rio de Janeiro ISNB 978-85-66056-01-3

Paisagens de Maynas na Amazônia de Castela através de informes missionários (1638-1661) André José Santos Pompeu* A

Amazônia,

durante

muitas

décadas

foi

considerada

por

pesquisadores adeptos da ecologia cultural como um ambiente hostil ao desenvolvimento sociocultural. Havendo uma clara separação entre um “mundo natural” virgem e uma cultura que não se desenvolvia em detrimento das limitações que o meio ambiente lhe causava, mantendo assim, um nível de organização sociocultural limitado em áreas de floresta densa ou de várzea. Dentro desse pressuposto as possíveis alterações que as culturas ameríndias poderiam produzir dentro do ambiente em que estavam inseridas seriam mínimas. Quando então, a exuberante natureza amazônica seria responsável por manter estes grupos em relativo “atraso” com relação aos grupos situados no altiplano andino. Felizmente, a partir da metade do século XX, vários geógrafos tiveram o papel fundamental de combater essa ideia, entre eles Carl Sauer. Sauer propunha a ideia de que a domesticação de raízes comestíveis impulsionou a agricultura do vale amazônico, modificando drasticamente sua paisagem e alterando o simplismo de que, a natureza amazônica impedia o avanço das culturas indígenas. Influenciado por Sauer, Donald Lathrap, defendia a tese de que os grupos indígenas ao domesticarem a batata-doce, mandioca, inhame, etc. proporcionaram uma drástica alteração da paisagem nas regiões tanto de várzea quanto de terra firme, pois, apesar de solos mais pobres em regiões de terra firma, foi possível alterar sua estrutura e mesmo assim manter a sua utilização para agricultura1. William Denevan – aluno de Carl Sauer em Bekerley – também têm contribuindo com a questão das paisagens culturais. Em sua pesquisa temos encontrado a ideia da construção ou cultivo das paisagens, tanto na região amazônica, quanto nos Andes. Denevan vem demonstrando o quanto as 1

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culturas ameríndias tem alterado e domesticado essas paisagens – tanto no período pré-hispanico, quanto no período colonial2. Denevan ali pesquisa de campo com fontes arqueológicas e relatos de cronistas para tecer suas ideias sobre paisagem cultural, sendo assim, acredito ser perfeitamente possível utilizar os relatos dos missionários da Companhia de Jesus parar decifrar a paisagem cultural dos primeiros contatos catequistas no vale amazônico. Missão de Maynas Segundo Charles Boxer3, a Companhia de Jesus foi à última Ordem Religiosa a aportar no território das índias de Castela, portanto, acabou tendo que deslocar seu efetivo de missionários para as regiões das móveis fronteiras que se configuravam, entre elas a fronteira amazônica. Estando na esteira da colonização da Amazônia hispânica, a Cia de Jesus deu inicio oficialmente a Missão de Maynas em 1638, com o estabelecimento na região homônima, dos missionários: Gaspar de Cugia e Lucas de La Cueva. Bohn Martins nos informa que a Missão de Maynas foi uma das mais importantes dos jesuítas no Novo Mundo, pois compreendia uma região extremamente vasta do ponto de vista geográfico4, quanto pelo elevado número de grupos indígenas que estavam sob a tutela dos inacianos. Uma das provas da grandeza da missão é o elevado número de reducciones que a ela subordinada, que perfaziam mais de 1605. Durante o período colonial a Missão de Maynas reuniu vários cronistas que deixaram interessantes registros sobre o desenvolvimento da missão, entre eles podemos destacar o Pe. Francisco de Figueroa, que foi seu superior e redigiu por ordem da província de Quito, um Informe sobre os primeiros anos da missão – período este em que versa o presente trabalho. O Informe do Pe. Figueroa é uma compilação de informações advindas tanto da experiência do próprio religioso na Missão, quanto da reunião de cartas e relações de outros missionários que também obraram por aquelas bandas, todos vinculados à província jesuítica de Quito. Apesar dos vários filtros passiveis sobre o Informe, acredito que a sua leitura proporciona um ponto de vista com relação tanto a domesticação da paisagem amazônica por 2

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parte dos grupos indígenas, quanto uma colonização da paisagem por parte da Companhia de Jesus – uma instituição que tem na sua escrita uma marca indelével de diferenciação com as outras ordens religiosas6. A paisagem cultural7 em se tratando de crônicas missionárias pode ser alterada devido ao tipo de fonte que estamos utilizando. Apesar da denominação comum de “crônicas” a muitos escritos oriundos de ordens religiosas – como é o caso dos jesuítas – é preciso delimitar que um informe oficial vai diferir bastante de um diário, ou de uma carta “edificante”. Apesar das graduais diferenças, é possível termos uma ideia da paisagem presente no encontro colonial entre missionários e indígenas. Igualmente, pretendo ainda em outro momento poder fazer a comparação entre os diferentes tipos de fontes jesuíticas e determinar com clareza as diferenciações presentes com relação à construção, ou colonização da paisagem – a exemplo do já citado Denevan.

Paisagem em Maynas A obra de Figueroa que tece os primeiros anos da missão – mais precisamente os anos de 1638 até 1661 – contem vários dados importantes sobre Maynas, mas para, além disso, é uma obra que trata de um momento conflituoso da missão – a rebelião dos índios Mayna que deu origem à missão e vários outros momentos de tensão entre a autoridade colonial e os grupos indígenas amazônicos. Acredito, assim como Alírio Cardoso8, que o melhor espaço para negociações acontecem justamente atrelados a espaços de conflitos – o que vamos encontrar por excelência no relato de Figueroa para o estabelecimento da missão. Como espaço de negociação, o Informe do Pe. Figueroa vai trazer uma paisagem complexa, onde os padres antevem várias forças obrando pela colonização da paisagem em que estão inseridos. Um exemplo da complexidade e negociação está presente no trato dos índios Jeberos, que ao se amotinarem contra os representantes coloniais tendem ser vistos em um primeiro

momento

como

“gente

fiera,

grandes

matadores

caribes, 3

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principalmente de hígados, asaduras y coraçones de hombres”9. Destarte, essa visão de feras com praticas antropofágicas tende a mudar dentro da representação dos Jeberos conforme a dilatação do espaço de negociação: Pero no ay que dudar, sino que el enemigo comum hacia sus diligencias para impedir, á los princípios, el bien que se podia seguir á las almas desta Nacion [Jeberos] y á las demas que por su médio se avian de reducir, escapándose de su tyránico domínio. Sintió grandemente este amor que los índios tenian á los Padres, y el berlos tan rendidos, tan sugestos á su voluntad y querer, y reducídos á pueblos para ser dotrinados en la ley christiana.10

No fragmento acima, após os expedientes de uma negociação entre as forças indígenas e coloniais, já conseguimos ver que os índios na verdade estavam prontos para aceitar a fé cristã, mas que o inimigo inominado no texto – o diabo – não permitiu que o intento se concretizasse e houve rebelião. Devemos inserir o fragmento dentro da retórica jesuítica tridentina, onde a presença do missionário combatendo as forças diabólicas é necessária para um caráter edificante, entretanto, é fundamental saber que o caráter do índio não é mais de uma fera – o que automaticamente lhe exclui da paisagem natural e lhe atribui à paisagem cultural. Dentro da retórica de Figueroa, existe a diferenciação entre o mundo cultural e o mundo natural. Ou, entre paisagem natural como a que o inaciano demonstra ao descrever a viagem de mais de três meses que os primeiros missionários fizeram de Quito até Maynas: Todo

es

llanada

estendidíssima,

bosque

continuado

y

escabroso de árboles, çarçales y espinales que la cubren; y desta manera es todo montaña y arcabuco, sin que se halle tierra de pajonal ó sabana. Sí está cruzada de caudalosos rios y quebradas, ençerrando frequentes pantanos, cenagales, achuales

espinosos,

y

lagunas

muchas

y

no

pocas

grandíssimas. (Figueroa, 1988, p. 156.)

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O jesuíta ao descrever o percurso se preocupada com a natureza amazônica, mas não dá vazão aos grupos indígenas, que devem aparecer dissociados da natureza. No entanto, a poucas linhas me referi da inserção do índio como uma fera do mundo natural, porque então a sua dissociação dessa paisagem ao tratar da sua descrição? Seria mais simples inserir índios novamente como feras dentro da retórica, amiúde, o índio já aparece como sujeito passível de uma paisagem natural. Vamos então para mais um trecho da Informe do padre Figueroa: Corre este ramo ó segunda cordillera desde los quijos, mostrando frequentes picachos altos y tajados de peñas, atrabesando y formando pongos ó estrechos espantosos y peligrosos em los rios que la cortan, en el Pastaza ó Corino, doce ó quinze leguas más abaxo del salto em que se despeña todo esse rio de cordillera general, por este Marañon, em el de Guallaga, en el de Ucayalí11, corriendo assí y estendiéndose (...)las Missiones de los Padres de San Francisco y muchas naciones de indios. (Figueroa, 1988, p. 157.)

Nesse trecho do Informe, que segue ao anterior, continua a descrição da paisagem ‘natural’ encontrada pelos missionários. Fiz questão de grifar os nomes dos rios que aparecem no trecho, por serem os maiores e mais populosos rios da região, entretanto, apesar de serem os mais populosos na região – isso conforme vários autores, incluindo o próprio Figueroa que volta a tratar disso em capítulos subsequentes – vemos apenas no final do trecho a presença de grupos indígenas. Mas, o que chama mais atenção com relação à posição dos grupos indígenas na paisagem descrita por Figueroa, é que eles são automaticamente associados a missões evangelizadoras. O índio só surge no texto para se referir a sua proximidade e/ou redução por parte da província de São Francisco – o que provavelmente remete ao convento de Santa Rosa de Ocopa, onde se baseavam os franciscanos nessas paragens amazônicas. Dora Shallard Corrêa, ao tratar da paisagem do Brasil colonial nos séculos XVI e XVII, assume a ideia de que na visão dos cronistas existe um vazio da natureza virgem desabitada da ação humana. O sertão nos relatos 5

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coloniais só vai ter a presença do indígena quando da proximidade de vilas, cidades, fazendas e missões, ou então, quando do perigo do índio bravio que assolava determinado espaço da paisagem12. Apesar de Shellard estar tratando dos primeiros anos do Brasil colonial, acredito que a ideia possa se encaixar bem com relação à paisagem amazônica do século XVII. Na narrativa de Figueroa vemos um mundo natural praticamente inabitado, vazio da ação humana, mas ao retratar a existência da missão franciscana, começa a brotar a mão do homem, inclusive, com o habitante silvícola da Amazônia que em outros escritos aparece habitando longos trechos das áreas de várzea, até aqui só surgiu como coadjuvante de uma missão evangélica. Outra faceta possível de observação dentro do Informe do Pe. Figueroa é justamente sobre a modificação que a entrada de espanhóis – tanto soldados quanto missionários – provoca na paisagem em Maynas. Os grupos indígenas da Amazônia se desenvolveram como sociedades sedentárias e hierarquizadas desde, pelo menos, a domesticação das raízes comestíveis que citei anteriormente – o que aconteceu por volta de seis mil anos atrás – a partir desse ponto a paisagem na calha do rio amazonas e seus principais afluentes deve ser marcada pela atuação cultural dos índios frente aos obstáculos que o meio ambiente lhes impunha e por ventura sua domesticação. A chegada de um “corpo estranho” ao mundo amazônico, que ocorreu quando da inserção da floresta dentro das áreas de conquista do mundo hispânico13, provavelmente, causou tanto impacto as sociedades indígenas quanto a chegada dos ancestrais desses mesmos grupos indígenas a América, que resultou na extinção da megafauna americana14. Figueroa, utilizando da sua retórica jesuítica nos dá conta de como essa paisagem era vista no momento do encontro entre as duas culturas e de que forma era considerado nocivo por parte dos índios o contato com os espanhóis. Puédense contar los que padecen por vna de las más penosas y graves dificultades que tiene el Santo Evangelio en estas partes. Porque se ha experimentado que quando se les entra por sus casas la luz del cielo, la siguen las tinieblas y horrores de pestes y mortandades lastimosas. Estas se ocasionan 6

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principalmente, como he tocado en varias partes, á las primeras vistas de españoles, cuyo baho parece les infunde pestes. (Figueroa, 1988, p. 250.)

Figueroa já parece compreender que a entrada dos espanhóis na região infunde em uma alteração importante na paisagem. O alastramento de doenças entre os grupos indígenas que o padre atesta, é fundamental para enfraquecer as instituições indígenas e a comunicação entre as gerações dos valores culturais. Uma sociedade enfraquecida e com a saúde debilitada estanca a forma como a paisagem se configurava até então, pois, a partir desse momento a paisagem ganha o contorno de doenças novas trazidas pelos europeus e principalmente ganha a figura do castelhano que domina aqueles grupos indígenas que no decorrer de milhares de anos vem domesticando essa paisagem. Seria a colonização da paisagem, que através da dominação dos grupos indígenas toma posse daquele ambiente que já havia sido domesticado. O texto do Informe nos mostra outros exemplos do que foi listado no parágrafo anterior. Como a dominação da paisagem dos rios da região e suas distancias,

baseados nos conhecimentos indígenas que haviam

sido

conquistados pela maquina colonizadora hispânica: Las distancias que ay de vnas naciones á otras, aunque no son, como he dicho las fingian, larguíssimas, no dejan de ser dilatadas. Porque estos indios se temem entre sí procuran retirarse á partes remotas de rios, lagunas y ladroneras15, donde la distancia y malos caminos les sirba de muro y defensa para poder bibir, sin los contínuos asaltos y matanças que les hicieran sus vecinos; con que ay la mesma dificultad para irlos á buscar y hablar en órden al Santo Evangelio, siendo necessario andar tal vez veinte ó treinta dias navegando, bajando por un rio y subiendo por otros, y algunos por tierra, para encontrar con la nacion que se busca. (Figueroa, 1988, p. 247.)

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O trecho em questão trata da dificuldade de ir até as aldeias dos grupos indígenas na mesopotâmia amazônica, distancias que não são fixas e se dilatam por vários motivos, como a cheia dos rios, como as guerras interétnicas entre grupos vizinhos, ou até mesmo pelas entradas de outros grupos europeus que já habitavam partes mais setentrionais da Amazônia, como aponta Serge Gruzinski16. O relato do padre Figueroa compreende os primeiros anos da missão e de atuação apostólica da Companhia de Jesus da região do alto- amazonas, sendo assim, é interessante ver como os missionários já estão habituados com o deslocamento através dos rios – assim como aparece logo nos dois primeiros fragmentos que utilizei – isso se dá fundamentalmente pela utilização do braço indígena em prol da missão; um efetivo controle da paisagem de Maynas se dá com o controle do seu habitante primevo, que com suas informações consegue dar conta ao missionário o deslocamento e a redução dos demais grupos ao posto de vassalos dos Habsburgo. Existe mais um exemplo interessante que gostaria de expor sobre o Informe. Listei a pouco a possibilidade de colonização dos saberes dos grupos indígenas, uma colonização da paisagem aprendida pelos índios no Novo Mundo, no entanto, isso está muito ligado à experiência própria de cada área de conquista, a absorção do mundo indígena por parte dos europeus deve estar muito atrelada à experiência, vivencia de cada grupo na conquista aliado a experiência geral de colonização que esse novo mundo “globalizado” na monarquia ibérica propicia – utilizando a ideia de mundialização de Gruzinski 17. Para, além disso, existe a experiência previa trazida da vida europeia, que também era fundamental na construção da paisagem amazônica – ou até mesmo do mundo colonial. Ronald Raminelli18 já nos alertava que as imagens construídas sobre a colonização das Américas precisava encontrar referencias no mundo europeu. A leitura feita pelos primeiros cronistas tinha muito da identificação da vida ameríndia com os aspectos da vida europeia, logo muito do que era escrito ou descrito, tenta manter essa corelação entre America e Europa.

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É possível encontrar nos relatos dos cronistas coloniais vestígios da colonização dos saberes indígenas, como a navegação fluvial, ou a alimentação baseada em raízes como a mandioca. Não obstante, também é possível encontrar nos relatos os saberes prévios europeus se sobrepujando aos conhecimentos adquiridos com os grupos indígenas: Y como en estas montañas es fuerça estén divisos en pueblos, porque en vno no se pueden sustentar juntos muchos indios, por la falta de las tierras, que son estériles y anegadiças, es fuerça que la dotrina se acomode teniendo un sacerdote, á lo más doscientos indios tributarios; porque ni aun essos han de poder vivir juntos, sino divididos en dos o más pueblos, comforme fuere la capacidad de las tierras. (Figueroa, 1988, p. 242.)

O fragmento recortado faz referência às terras alagadiças da Amazônia como estéreis, o que impediria o ajuntamento de muitos indígenas dependendo da agricultura daquele determinado lugar. É interessante notar que no mundo ibérico as terras alagadiças são consideradas inférteis, principalmente pelos tipos de espécies cultivadas na Europa. Ao contrario, dentro do mundo amazônico, as terras que sofrem anualmente a alagação pelo movimento da cheia dos rios, são as mais férteis e mais propicias a alimentar um grande contingente de habitantes, prova está, que todos os cronistas colocam as maiores concentrações de grupos indígenas nas regiões de várzeas. As terras de várzea amazônicas são as mais propicias para a agricultura, principalmente em contrapartida com a pobreza do solo em terra firme, onde a floresta é totalmente dependente dela mesmo pra se manter em um solo pobre. Ao contrario da várzea que recebe anualmente o húmus das enchentes dos rios que propicia um melhor aproveitamento da terra. Portanto, o missionário habituado com a agricultura de Castela – apesar da convivência com os índios que já utilizavam as terras de várzea na Amazônia para tirar sustento – ainda considera aquelas terras alagadiças impróprias para um ajuntamento de pessoas, o que faria com as reduções de índios precisassem encontrar áreas de terra firme longe das “inférteis” terras de várzea amazônica. 9

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Uns exemplos de como esses missionários viveram em um mundo de fronteiras de imaginário europeu e indígena. A título de conclusão Não tenho a pretensão hoje de dar conclusões finais. Acredito que ainda existe um longo caminho, principalmente ao começarmos a comparar as diferentes crônicas do período colonial referentes à missão de Maynas. O que posso trazer hoje é a possibilidade de se analisar a paisagem amazônica e sua colonização pelos conquistadores europeus através principalmente das crônicas missionárias. Em uma região administrativa distante como a de Maynas onde houve um contato com grupos novos e diferenciados dos índios já colonizados do altiplano, as crônicas das terras baixas do Peru permitem conhecer o processo de conquista da Amazônia por um viés pouco praticado no Brasil, que é o lado castelhano da conquista – apesar de que oficialmente, pelo tratado de Tordesilhas, todo o vale do rio amazonas pertenceria ao governo espanhol. Como geralmente estamos acostumados a ver a colonização a partir do GrãoPará, é interessante ver as diferenças de construção de paisagens com relação à conquista que parte de Quito. A paisagem amazônica ainda tem muito a nos dizer sobre nossas raízes ibéricas, não só lusitanas ou castelhanas, mas principalmente sobre este ponto de inflexão que permeia tanto os imaginários ibéricos, quanto a absorção do imaginário indígena, uma indianização do conquistador, que quanto mais avançava nos rios da região, mais se adaptava e domesticava, o mesmo que os indígenas faziam.

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Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia – Universidade Federal do Pará. Contato: [email protected] 1 SCHAAN, Denise Pahl. Paisagens, imagens e memórias da Amazônia pré-colombiana. In: SILVEIRA, Flávio Leonel Abreu da; CANCELA, Cristina Donza. Paisagem e cultura: dinâmicas do patrimônio e da memória na atualidade. Belém: EDUFPA, 2009, pp. 7-8; SILVEIRA, Flávio Leonel Abreu da. A paisagem como fenômeno complexo, reflexões sobre um tema interdisciplinar. In: SILVEIRA, Flávio Leonel Abreu da; CANCELA, Cristina Donza. Paisagem e cultura: dinâmicas do patrimônio e da memória na atualidade. Belém: EDUFPA, 2009, pp. 7179.

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DENEVAN, William M. Cultivated landscapes of native Amazonia and the Andes. Oxford: Oxford press, 2001. 3 BOXER, Charles R. A igreja militante e a expansão ibérica: 1440-1770. São Paulo: Cia das Letras, pp. 91-96. 4 Um território que hoje corresponde a partes do Peru, Brasil, Bolívia, Colômbia e Equador. 5 BOHN MARTINS, Maria Cristina. Missionários, indígenas e a negociação da autoridade em Maynas no diário do Pe. Samuel Fritz. In: Revista Territórios e Fronteiras, Cuiabá, V. 2, Nº2, 2009. 6 Sobre a escrita jesuítica ver: LONDOÑO, Fernando Torres. Escrevendo cartas: jesuítas, escrita e missão no século XVI. In: Revista brasileira de História. São Paulo, v. 22, nº 43, pp. 11-32, 2002. 7 Acredito que toda paisagem é cultural, fruto de experiências culturas tanto dos grupos que nela habitam, quanto da bagagem daqueles deitam a vista sobre a mesma e deixam registros históricos. O fenômeno da paisagem pode ser caracterizado como a alteração cultural que o meio sofre, portando seria reducionista demais acreditar que existe uma paisagem simplesmente “natural”. Sobre o tema ver também o já citado artigo de Flávio Leonel Abreu da Silveira e também: ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz. Nos destinos de fronteira: história, espaços e identidade regional. Recife: Bagaço, 2008. 8 CARDOSO, Alírio Carvalho. Insubordinados, mas sempre devotos: poder local, acordos e conflitos no antigo Estado do Maranhão (1607-1653). Dissertação de mestrado – Programa de Pós-graduação em História Social, Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2002, pp. 29-104. 9 FIGUEROA, Francisco de. Ynforme de las missiones de el Marañon, Gran Pará ó rio de las Amazonas que haze el P. Francisco de Figueroa visitador y rector de ellas(...)”. In: Informes de jesuitas en el amazonas (1660-1684). Iquitos: Monumenta Amazónica, 1988, p. 174. 10 Idem, Ibidem. p. 180 11 Os grifos nos nomes dos rios são meus. 12 CORRÊA, Dora S. Historiadores e cronistas e a paisagem da colônia Brasil. In: Revista brasileira de história. São Paulo, v. 26, nº 51, pp. 63-87. 2006. 13 É sempre bom salientar que raramente se encontra os termos colônia e colonização das fontes, sendo o termo “conquista” o mais empregado no mundo ibérico. 14 Os primeiros humanos a chegar a América, fizeram sua migração no começo do período Holocénico e tiveram uma grande influência na extinção da megafauna americana, alterando significativamente a paisagem, sobre o tema ver: FERNANDEZ, Fernando Antonio dos Santos; ARAÚJO, Bernardo B. A. As primeiras fronteiras: impactos ecológicos da expansão humana pelo mundo. In: FRANCO, José Luiz de Andrade; DUTRA E SILVA, Sandro; DRUMMOND, José Augusto; TAVARES, Giovana Galvão (Org.). História ambiental: fronteiras, recursos naturais e conservação da natureza. Rio de Janeiro: Garamond, 2012. 15 Está palavra de difícil tradução significa tudo aquilo que o missionário acreditava ser nocivo na paisagem amazônica, de mangues, terras alagadiças, regiões de guerra entre índios, etc. 16 GRUZINSKI, Serge. A Amazônia e as origens da globalização (sécs. XVI-XVIII). Belém: Estudos Amazônicos, 2014. 17 GRUZINSKI, Serge. O pensamento mestiço. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, pp. 23-108. 18 RAMINELLI, Ronald. Imagens da colonização: a representação do índio de Caminha a Vieira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996.

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