Panorama sobre o cineclubismo fluminense e os acervos em película do Estado do Rio de Janeiro

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Panorama sobre o cineclubismo fluminense e os acervos em película do Estado do Rio de Janeiro

Rodrigo Bouillet A comunicação aborda aspectos do recrudescimento do movimento cineclubista no Estado do Rio de Janeiro relacionados às facilidades de acesso e exibição de material audiovisual através da vulgarização das tecnologias digitais. Assim, podemos tratar das iniciativas governamentais que corroboram esta nova feição do cineclubismo. Elas investem em diferentes frentes que visam a proliferação de pontos de difusão digital por todo o país, porém, em contra-partida, parecem colaborar no obscurecimento das questões referentes à preservação e difusão dos acervos em película. Concentro-me, sobretudo, em minhas experiências com o Cineclube Tela Brasilis e com a ASCINE-RJ (Associação de Cineclubes do Rio de Janeiro). *** Após um momento de quase paralisação da produção cinematográfica nacional no começo da década de 1990, o filme brasileiro voltou a freqüentar paulatinamente as telas dos cinemas. Acompanhando o quadro geral da atividade, até 2002, o cineclubismo no Estado do Rio de Janeiro operava próximo à linha da inexistência, quando então ocorreu um boom em sua capital. Em 2003, já se contabilizava mais de dez cineclubes espalhados pela cidade. Podemos atribuir essa iniciativa a jovens cineastas (a maioria curtas-metragistas de nível universitário) formados nesses anos da dita Retomada do cinema nacional. Consolidou-se nos dias de hoje uma cultura cineclubista que celebra a diversidade na programação (preferências por certas nacionalidades, metragens, gêneros,...); a diversidade na abordagem (perspectivas estéticas, históricas, seguidas ou não de debates); a diversidade nos locais de realização das sessões (em parceria com centros culturais, bares, salas convencionais de cinema, escolas, galpões, e até mesmo a céu aberto), a diversidade na origem de seus organizadores (alunos de cinema, agitadores culturais, locadoras de filmes, professores da rede pública, ONG´s, sindicatos, ou, simplesmente, amantes da

Comunicação apresentada no XI Encontro Socine - Rio de Janeiro - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - 17 a 20 de outubro de 2007

sétima arte), e a diversidade no formato de exibição (película, VHS ou digital). Portanto, atualmente, a prática cineclubista assume uma postura de democratização de informação, cultura e lazer muito longe de qualquer forma de restrição. Após o recrudescimento da atividade na virada do século, foi concebida em agosto de 2004, durante a I Mostra Rio das Ostras de Cinema, a Associação de Cineclubes do Rio de Janeiro (ASCINE-RJ) para atender às necessidades dos cineclubes que então se encontravam em pleno funcionamento. Em 2006, a associação teve uma diretoria de caráter provisório, e, no ano seguinte, elegeu sua primeira diretoria para o biênio 2007-2009. Hoje em dia, são trinta e três os cineclubes filiados. *** Mas, o que havia antes do boom de 2002? Antes de tudo, é preciso frisar que, ao contrário dos demais estados brasileiros onde está havendo a reconstrução do cineclubismo, o Rio de Janeiro não tem em atividade um cineclube que venha operando desde meados dos anos 90 (para não voltarmos tanto assim no tempo) nem contou com uma “passagem de bastão” promovida por “cineclubistas históricos” (designação para aqueles que estão envolvidos com a atividade há um período representativo). Os “cineclubistas históricos” não chegam a cinco pessoas num universo de aproximadamente cinqüenta cineclubes em atividade (cada um, normalmente, composto por um grupo de pessoas). No que tange à ASCINE-RJ, seus cineclubes (ainda) não são filiados a ela. Este caráter bastante peculiar, em última instância, adquiri ares de ruptura acidental. Não houve relato de experiências, não há tradições a seguir. Entre 1999 e 2002, na Fundição Progresso, ocorreu a Mostra “O Que Neguinho Tá Fazendo”. Apesar do nome, a mostra tinha um caráter cineclubista, pois consistia em encontros (quase sempre) mensais onde jovens estudantes de cinema e realizadores encontravam-se para promover a exibição de seus filmes. O esquema era de “guerrilha”, os que possuíam projetores levavam seus próprios equipamentos para a garantia de realização da sessão. Os filmes, em 16mm, 8mm ou VHS chegavam, literalmente, debaixo do braço. O coletivo que capitaneava a iniciativa ainda conseguiu publicar durante um certo tempo o fanzine “O Incinerasta”, nome pelo qual, por muitas vezes, ficou conhecida a mostra. No Comunicação apresentada no XI Encontro Socine - Rio de Janeiro - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - 17 a 20 de outubro de 2007

entanto, a fragilidade era patente, em seus três anos de vida foram realizadas vinte e três edições. Em 2000, foi inaugurado em Niterói o Projeto Cineclube Henrique Lage, iniciativa que visava exibir gratuitamente filmes em 16mm para a comunidade e para alunos da rede pública de ensino nos municípios de Niterói, São Gonçalo e adjacências. O projeto previa sessões seguidas de debates a serem realizados por professores da Escola Técnica Estadual Henrique Lage e convidados, e contava com apoio dos acervos do CTAv e da Filmoteca do Canadá – Centro de Estudos Canadenses – da UFF. Vale lembrar que um dos idealizadores do projeto era um estudante de cinema e vídeo à época que também participava da Mostra “O Que Neguinho Tá Fazendo”. Em 2001 nascia, também em Niterói, o CineOlho desdobramento do coletivo Condomínio Cultural, que tinha pessoas egressas do curso de Cinema da UFF como organizadoras. Com a doação de dois projetores Bauer e a proximidade com o curso universitário, a exibição em 16mm era uma realidade possível e acessível. *** Tomei conhecimento destas três experiências por transitar neste meio, em conversas, uma vez que estas histórias (ainda) não estão escritas. Como podemos observar, percebemos certas recorrências: a presença de estudantes de cinema (recordemos da proliferação destes cursos a partir da segunda metade da década de 1990) e da exibição em 16mm. Por muito tempo o 16mm ficou conhecido como a “bitola cineclubista”, uma vez que a praticidade e leveza dos projetores e dos filmes (obviamente, em comparação aos equivalentes em 35mm) facilitavam enormemente a realização das sessões. Na década de 1980, a Embrafilme fechava o departamento que cuidava de fazer cópias 16mm de filmes originalmente em 35mm. Ao mesmo tempo, havia a progressiva diminuição de fabricação de projetores e de películas virgens em 16mm. Sendo assim, a exibição deste tipo de material tornou-se cada vez mais difícil (escassez de peças para reposição de um lado, desgaste das cópias de outro) e a produção de conteúdo a ficar restrita a pequenos círculos, como o universitário. Assim sendo, estudantes de cinema, UFF e CTAv garantiram o cineclubismo da virada do século. Ou seja, eram jovens realizadores universitários que buscavam na UFF Comunicação apresentada no XI Encontro Socine - Rio de Janeiro - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - 17 a 20 de outubro de 2007

materiais seus e de seus pares ou ainda materiais não tão recentes circunscritos à experiência acadêmica da realização do curta-metragem, e no CTAv por filmes mais antigos e de metragem diversa. *** Tudo ocorreu muito rápido. A Mostra do Filme Livre, idealizada por um exIncinerasta, viu a passagem da película para o digital ocorrer nas edições de 2004 e 2005. O Hi-8, o VHS e a Betacam passaram a ser preteridos pelo DVD como mídia a ser enviada para a seleção dos filmes, e o suporte digital tornou-se o majoritário para exibição. Hoje em dia, mais de 90% dos cineclubes do Estado do Rio de Janeiro realizam suas sessões exclusivamente através da projeção digital. A adesão ao meio não é sem razão, está no barateamento das formas de captação, circulação e exibição. E esta adesão espontânea virou política de democratização de acesso ao audiovisual capitaneada pelo governo federal. Em 2006, a Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura lançou um edital para o Programa de Implantação de Pontos de Difusão Digital, ou seja, cessão de 100 kits de infra-estrutura de exibição audiovisual com tecnologia digital a entidades que desenvolvam ações de exibição e formação de público (cineclubes, por exemplo). Paralelamente, para alimentar não só os Pontos de Difusão Digital, mas também Pontos de Cultura ou quaisquer outras iniciativas devidamente equipadas (cineclubes, por exemplo, novamente) veio a Programadora Brasil, um serviço de digitalização e distribuição de programas de filmes brasileiros. Vale lembrar que em 2005, a Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro lançou o Projeto Oscarito, conjunto de 15 “salas digitais” de entrada gratuita entregues à gerência de prefeituras do interior onde não há cinemas comerciais. No ano seguinte, foi a vez do PopCine – Circuito Popular de Cinema, criado pela Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo em parceria com o Centro de Promoção do Cinema (CPCine). O PopCine consiste na implantação de “franquias” de “salas digitais” auto-sustentáveis (via taxa de manutenção) por todo o país. Ou seja, a SAv e as secretarias de cultura dos dois maiores pólos produtores de audiovisual do país entendem o digital como a melhor forma de distribuição e exibição.

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Todos estes são projetos que, apesar de louváveis, não contemplam e, de certa forma, obscurecem aos novos cineclubistas da “Era Digital” as questões de preservação e difusão dos acervos em película. *** A ASCINE-RJ, de forma a garantir a consolidação do movimento cineclubista, não pôde dar às costas ao avanço da tecnologia digital e para atender a demanda de seus filiados por títulos, resolveu criar a Gerência para Festivais, ou seja, um intermediário entre cineclubes e festivais. Há um termo de parceria que determina, dentre outras coisas, que os festivais passem a incluir em suas inscrições uma opção que faculte ao realizador ceder a cópia da obra encaminhada para seleção integrar o acervo da associação assim como liberála previamente para a exibição, por tempo indeterminado e sem ônus, nas sessões culturais e sem fins lucrativos dos cineclubes filiados. Estima-se que a ASCINE-RJ adquira 200 novos títulos a cada parceria. Dentro da associação, alguns poucos cineclubes fazem uso esporádico da exibição em película 16mm. Estes dependem de aluguel ou empréstimo de projetores. Somente três cineclubes têm condições de pautar suas exibições em filmes em película 35mm: Nictheroy Cine Club, no CineArt-UFF; Cachaça Cinema Clube, no Odeon BR; e Cineclube Tela Brasilis, na Cinemateca do MAM-RJ. Ou seja, todos os três em salas de cinema convencionais. Destes três, apenas o Tela Brasilis têm condições de exibir em 16mm recorrentemente pelo fato do MAM ter o projetor. Todos os 3 cineclubes, talvez não por acaso, tenham seus membros egressos de escolas de cinema. O Cachaça Cinema Clube, criado em agosto de 2002, exibe exclusivamente curtametragens. A programação baseia-se, sobretudo, na nova produção universitária e nos filmes recém-premiados em festivais de cinema. Em menor grau, há a garimpagem em acervos de títulos de diretores celebrados no longa-metragem (sobretudo cinemanovistas e marginais). Caçula dos cineclubes que exibem em película (março de 2007), o Nictheroy Cine Club também exibe exclusivamente curtas-metragens e investe, sobretudo, na exibição de filmes premiados em festivais de cinema recentes além de curtas de diretores que se consagraram na dita Retomada através do longa-metragem. Ou seja, um acervo recente, muitas vezes guardado nas empresas produtoras dos filmes.

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O cineclube do qual faço parte, o Tela Brasilis, desde agosto de 2003, tem suas sessões na Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, usufruindo tanto do seu acervo quanto de locais como CTAv, Arquivo Nacional e Cinemateca Brasileira. A proposta consiste em fazer um panorama crítico sobre a história do cinema brasileiro, revisar o que podemos chamar de sua “historiografia clássica”. Em nossas sessões, tentamos percorrer os diversos momentos da história do cinema brasileiro, procurando, entretanto, fugir das grades de classificação e categorização, de estereótipos e clichês. Obras dos primórdios ou contemporâneas, exibidas em 35 mm, 16 mm, em vídeo ou DVD, cópias restauradas ou desbotadas e arranhadas, nossa intenção foi de jamais pautar nossas atividades por preconceitos de espécie alguma: temáticos, ideológicos ou estéticos. Dessa forma, a apresentação dos “clássicos” ou “filmes menores” num mesmo espaço de reflexão, sem menosprezar o papel histórico e o valor cultural das obras, resultou num processo interessante de discussão e debate. Foram exibidos filmes como: “Ganga bruta”, “A Filha do Advogado”, de Jota Soares “O Grande Momento” “Deus e o Diabo na Terra do Sol” “Vozes do Medo” “Desesperato” “Caçula do Barulho”, de Ricardo Freda “Tristezas Não Pagam Dívidas”, de José Carlos Burle “Quem Matou Anabela?”, de D.A.Hamza “Alameda da Saudade, 113”, de Carlos Ortiz “Bete Balanço” “Lua de Cristal” “Cidade Oculta”, de Chico Botelho “A Dança dos Bonecos”, de Helvécio Ratton “A Intrusa”, de Carlos Hugo Christensen “Terra Estrangeira”, de Walter Salles Jr. e Daniela Thomas “Os Trapalhões e o Rei do Futebol”, de Carlos Manga “Viva São João”, de Andrucha Waddington “Nos Tempos da Vaselina”

Na maior parte das vezes, exibimos filmes que não são encontrados em DVD. Não quero aqui me somar aos fetichistas da película como suporte de exibição, mas sim esclarecer como a exibição de obras que não ganharam as prateleiras de DVD são vistas por

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nós organizadores como de suma importância para a oxigenação dos títulos que circulam bem como para alertar para o estado de cópias e matrizes junto ao público leigo. Para tanto, gostaria de lembrar de sessão recente que teve como pauta a preservação do cinema brasileiro quando exibimos uma versão inédita de SAMBA EM BERLIM (fora de circulação há mais de 60 anos) tendo como complemento um trecho do filme considerado perdido ABACAXI AZUL, e da nova frente aberta pelo cineclube, a de promoção de cursos relativos à história de cinema brasileiro, que é pautada pela exibição de cópias em película. *** A aproximação das questões sobre preservação ao público leigo encontra no cineclubismo a situação mais adequada para seu desenvolvimento – seja através da promoção de sessões seguidas de debates, da circulação do 16mm, ou pela disponibilização de títulos em 35mm já fora da carreira comercial. A ASCINE-RJ tem incrementado o diálogo com acervos de filmes em película (RioFilme, CTAv, Cinemateca do MAM, Arquivo Nacional) tanto para a cessão quanto para a implementação de uma política de preservação e difusão que contemple o cineclubismo. Os acervos de posse e guarda destas instituições encontram-se disponíveis aos membros da associação. Resta fazê-los circular. Já há um diálogo avançado com o CTAv para a capacitação de cineclubistas na operação de projetores 16mm. No entanto, a casa possui apenas um único projetor 16mm, que é para uso interno, tornando inviável a exibição sistemática de filmes desta bitola nos cineclubes. Da mesma forma, está em conversação com o Arquivo Nacional a possibilidade de palestras sobre preservação, porém o acesso aos filmes para apreciação e estudo está comprometido, uma vez que não há condições para quaisquer tipos de exibição em película dentro da instituição. O próprio Arquivo possui um cineclube de seus funcionários, no entanto, baseado na exibição de fitas lá alocadas. Os acervos públicos localizados no Rio de Janeiro, portanto, padecem de uma política que os tornem operantes para além de eventuais mostras de cinema, que não dão conta de todo o material neles guardados.

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No entanto, a chegada destes debates às ruas passa por questões político-estruturais de várias instâncias governamentais que, no momento, inviabilizam projeções recorrentes em película 16mm e corroboram no sucateamento dos acervos, por serem baseados em um encantamento imediatista pela tecnologia digital.

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