Paolo Dardani (1726/1789): o «pintor de batalhas» que viu baleias no Tejo

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Paolo Dardani (1726/1789): o «pintor de batalhas» que viu baleias no Tejo Isabel Mayer Godinho Mendonça ESAD – Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva IHA – Universidade Nova de Lisboa Bolseira FCT

Em Fevereiro de 1752 desembarcava em Lisboa o arquitecto bolonhês Giovanni Carlo Sicinio Galli Bibiena, contratado pela corte portuguesa para a construção dos novos teatros régios e dos respectivos aparatos cenográficos. Respondia a um convite de D. José que, desde o início do seu reinado, abertamente contrariava o ambiente de austeridade que se vivera na corte de D. João V desde os primeiros sinais da sua doença, em 1742. Com ele vieram vários jovens artistas, quase todos de Bolonha, a segunda capital dos Estados Papais, especialmente contratados para o coadjuvarem na pintura dos cenários dos teatros régios. Exceptuando Bibiena e Giacomo Azzolini, que permaneceram ao serviço da corte portuguesa até ao fim da vida (1760 e 1791, respectivamente), os restantes artistas são praticamente desconhecidos da historiografia portuguesa 1. Apenas Cirilo Volkmar Machado, o conhecido memorialista dos artistas portugueses e dos estrangeiros que trabalharam em Portugal, refere de uma forma muito lacónica dois desses italianos, Marco Riverditi e Paolo Dardani, na entrada sobre “João Carlos Bibiena” da sua “Colecção de Memórias”: “Com elle vierão o Marcos muito habil nas figuras pintadas a tempera, e o Paulo famoso em batalhas, e paizes. João Berardi que já cá estava, tambem pintou huma gruta no Theatro Regio, e ficou depois pintando as paisagens quando o Paulo se retirou. Em quanto se preparava o grandissimo Theatro que fez João Carlos, arranjou elle hum Theatrinho na casa da India, aonde 2

em 1753 se representou o Heroe Chines” .

1

A investigação sobre estes artistas fez parte do projecto de pós-doutoramento intitulado “Os artistas bolonheses em Portugal e a sua influência na arte portuguesa da segunda metade de Setecentos” (SFRH/BPD/5583/2001), desenvolvido junto do Departamento de Ciências e Técnicas do Património da Faculdade de Letras da Universidade do Porto entre 2002 e 2005. A pesquisa em arquivos bolonheses foi realizada entre Outubro de 2002 e Setembro de 2004. As informações que aqui desenvolvemos foram em parte reveladas num artigo publicado na revista “Brotéria” em 2003. Cf. Isabel Mayer Godinho MENDONÇA, "Os teatros régios portugueses em vésperas do terramoto de 1755", in Brotéria, nº 157, Lisboa, 2003, pp. 21-43.

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Cirilo Volkmar MACHADO, Collecção de Memorias, relativas às vidas dos Pintores, e Escultores, Architectos, e Gravadores portuguezes e dos estrangeiros, que estiverão em Portugal (...), Lisboa, Imprensa de Victorino Rodrigues da Silva, 1823, p. 189. 1

Paolo Dardani: o ambiente familiar e a aprendizagem em Bolonha Paolo Antonio Ignazio Dardani nasceu em Bolonha a 24 de Abril de 1726, na paróquia de S. Michele dei Leprosetti, filho de Giuseppe Dardani e de Teodora Vianelli (ou Merelli 3), no seio de uma família de artistas oriunda da localidade de Medicina, a 20 quilómetros de Bolonha, mas há muito estabelecida nesta cidade. A principal fonte para a obra de Paolo Dardani são os apontamentos manuscritos de Marcello Oretti, o mais importante biógrafo dos artistas e da arte de Bolonha, baseados em informações fornecidas pelo próprio artista 4. Ao contrário da maioria dos pintores bolonheses seus contemporâneos, Paolo Dardani não foi aluno da Academia Clementina, a mais importante instituição de ensino artístico da cidade. Aprendeu os rudimentos da arte da pintura com o pai, Giuseppe Dardani (1693/1753), e com o tio, Antonio Dardani (1677/1735): “Giusto nell’età di Anni nove il Zio suo Antonio li diede li primi precetti della pittura ma con poco suo profitto perchè dimostrava maggiore inclinazione alli Paesi perche vedeva il Padre continuamente dipingerli, incominciò dunque a studiare con maggior assiduità sotto al Zio di 5

figura è di Paesi sotto al Padre” .

Terá no entanto frequentado assiduamente as aulas da Academia do Nu, chegando mesmo a concorrer aos prémios da Academia Clementina, em pé de igualdade com os alunos inscritos, como refere Oretti num dos textos que lhe dedica: “Compariva de’ piu frequenti dell’Accademia del nudo, e si faceva molto onore è specialmente 6

col riportare il premio trá concorrenti all’Instituto” .

Giuseppe Dardani adquirira alguma fama como pintor de paisagem 7, mas foi o irmão, Antonio Dardani, o membro da família que mais se distinguiu, dedicando-se a várias temáticas 3

Embora o pároco que baptizou Paolo Dardani identifique a mãe do neófito como “Teodora Merelli”, o memorialista Marcello Oretti, nos dois manuscritos referidos na nota seguinte, redigidos a partir de informações transmitidas pelo próprio artista, refere que a mesma se chamava “Teodora Vianelli da Sinigaglia”. Archivio Generale Arcivescovile de Bolonha (AGA), Libro dei Battezzati, ad annum, fl. 106. Sobre Paolo Dardani vide os contributos de Luigi SAMOGGIA, “La scuola familiare e l’esperienza portoghese nella pittura di P. Dardani”, in Il Carrobbio, vol. VII, Bolonha, Patron ed., 1981, pp. 380387, e “Paolo Dardani”, in Dizionario Biografico degli Italiani, vol. 32, Roma, Istituto della Enciclopedia Italiana, 1986, pp. 769-771.

4

Os textos manuscritos de Oretti encontram-se na Biblioteca Comunale dell’Archiginnasio, em Bolonha (BCAB): Marcello ORETTI, manuscrito B134, Notizie dei professori di disegno (...), fls. 41-48, e manuscrito B95, Vite di pittori scritte da loro medesime, fls. 30-30v.

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BCAB, Marcello ORETTI, manuscrito B134, fl. 41.

6

Idem, ibidem. Menos provável, contudo, a informação veiculada por Oretti, segundo a qual Paolo Dardani terá recebido um prémio na classe de figura no ano de 1735, em primeiro lugar porque não consta que tenha estado inscrito na Academia Clementina, e depois porque em 1735 teria apenas nove anos de idade: “Fù premiato all Instituto nella Classe di figura l’anno 1735 ne fa menzione di lui il Cavaliere Angelo Arfelli nella sua orazione di lode della pittura stampata da Lelio della Volpe”. Cf. BCAB, Marcello ORETTI, manuscrito B95, fl. 30.

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Giuseppe aprendeu desenho de figura na oficina de Giovanni Viani, mas dedicou-se sobretudo à representação da paisagem, muito influenciado pelo pintor paisagista napolitano Nunzio Ferraioli, activo em Bolonha desde inícios de Setecentos. Veja-se BCAB, Marcello ORETTI, manuscrito B134, 2

pictóricas e sendo por isso referido pelos seus contemporâneos como “pittore universale”. Académico clementino e professor da Academia Clementina desde 1722, foi nomeado “principe” desta instituição (ou seja, seu director) no ano lectivo de 1732/3 8. Mas Paolo Dardani não foi o único membro da sua geração a dedicar-se à pintura. O seu irmão Pietro, nascido em 1721, era “pitore di figura”, embora com “scarso talento”, como refere Oretti 9. Dois dos seus primos, Angelo e Francesco, filhos de Antonio, distinguiram-se igualmente nessa área: Angelo, prematuramente falecido com 17 anos mas já muito elogiado por Oretti, aprendeu desenho com Domenico Maria Fratta 10; Francesco, menos dotado, na apreciação do mesmo Oretti, foi aluno da Academia Clementina, onde recebeu em 1735 o segundo prémio de pintura de figura 11. Mas o mais célebre dos artistas desta geração da família Dardani foi Luigi (1723/1787), sacerdote secular, também filho de Antonio. Embora tenha aprendido pintura com o pai e com Giuseppe Pedretti, cedo se dedicou à escultura, “con applauso delle sue opere”, segundo Oretti. Colaborou activamente como escultor em cera nos modelos anatómicos do Instituto das Ciências e foi nomeado académico de honra da Academia Clementina em 1766 12.

A contratação e a estada em Lisboa Paolo Dardani tinha já adquirido uma certa nomeada na sua arte – pintara várias paisagens a têmpera no palácio Hercolani, em Bolonha – quando, aos 25 anos, foi convidado por Giovanni Carlo Sicinio Galli Bibiena (1717/1760) 13 para integrar a equipa que a 27 de Janeiro de 1752 partiu de Génova para Lisboa, contratada pela casa real portuguesa para a construção dos teatros régios. A ligação com a família Bibiena devia ser muito próxima, já que Pietro Dardani, o irmão mais velho de Paolo, nascera em casa de Francesco Bibiena, pai de Giovanni Carlo, na Via della Cartoleria, em Bolonha, segundo refere Marcello Oretti na biografia que lhe dedica 14.

fls. 39-39v, e a entrada de Luigi SAMOGGIA, “Giuseppe Dardani”, in Dizionario Biografico degli Italiani, cit., pp. 767-768. 8

Antonio Dardani foi aluno de Giovanni Viani, tal como o irmão Giuseppe. Veja-se a sua biografia por Marcello ORETTI (Ibidem) e a entrada de Luigi SAMOGGIA, “Antonio Dardani”, in Dizionario Biografico degli Italiani, cit., pp. 765-766.

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BCAB, Marcello ORETTI, manuscrito B134, fls. 49 e 50. Veja-se também a entrada de Luigi SAMOGGIA, “Pietro Dardani”, in Dizionario Biografico degli Italiani, cit., p. 771.

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BCAB, Marcello ORETTI, manuscrito B134, fl. 57.

11

Idem, ibidem, fl. 55. Era provavelmente a Francesco, e não ao seu primo Paolo, que se referia Angelo Arfelli no elogio da pintura mencionado por Oretti (cf. nota 6).

12

Idem, ibidem, fls. 51-51v. Veja-se igualmente a entrada de Luigi SAMOGGIA, “Luigi Dardani”, in Dizionario Biografico degli Italiani, cit., pp. 768-769.

13

Giovanni Carlo era filho de Francesco e sobrinho de Ferdinando Galli Bibiena, os dois mais famosos cenógrafos e arquitectos teatrais que trabalharam para as principais cortes da Europa de então. Sobre a actividade dos Bibiena veja-se sobretudo a obra de Deanna LENZI e Jadranka BENTINI (org.) I Bibiena. Una famiglia europea, Veneza, Marsilio ed., 2000.

14

BCAB, Marcello ORETTI, manuscrito B134, fl. 49. 3

Paolo Dardani, contudo, preferiu ignorar o facto de ter sido convidado por Bibiena, afirmando, através de Oretti, ter sido contratado directamente pela coroa portuguesa, informação que não é confirmada pela documentação: “Le sue opere giunsero oltre a’monti e tanto piacquero a Lisbona che colà fu chiamato alla 15

corte di quel sovrano in qualità di paesista-battaglista” .

A contratação de Giovanni Carlo Bibiena como arquitecto teatral da corte portuguesa ficou a dever-se à mudança de monarca em Lisboa no Verão de 1750. Um dos primeiros reflexos da mudança foi a decisão de criar uma ópera régia, a exemplo do que há muito se fazia nas principais cortes europeias. Para o efeito, dificilmente se encontraria um arquitecto teatral e cenógrafo com melhores credenciais do que um filho e sobrinho de Francesco e Ferdinando Bibiena, que tinham trabalhado assiduamente para as casas reinantes com as quais a família real portuguesa tinha laços familiares próximos: os Bourbons, os Habsburgos e os Farnese. A actividade inicial de Giovanni Carlo Bibiena como arquitecto teatral e cenógrafo dos teatros de corte em Portugal está documentada numa carta por ele enviada ao conde Cesare Alberto Malvasia, seu mecenas em Bolonha, a 22 de Novembro de 1752 16, comunicando-lhe que a sua chegada fora ansiosamente aguardada em Lisboa. Mal desembarcou, foi-lhe ordenado que fizesse a planta para o grande teatro da cidade (conhecido como Ópera do Tejo, pela sua localização junto ao rio, ligado ao palácio real da Ribeira), que realizou tendo em vista o régio patrono a que se destinava: "Il primo ordine datomi in fretta in fretta e apena sbarcato fu di fare il disegno del Teatro grande e stabile; lo feci con un’Idea che si addattasse per un Principe e non comune e venale".

Menciona a seguir duas outras obras que também lhe foram cometidas mal chegou a Lisboa: a adaptação a teatro, com os respectivos cenários, de um salão do palácio real, que ficou conhecido como o Teatro do Forte, pela sua localização no torreão que rematava o palácio da Ribeira, sobre o rio Tejo, e a criação “ex novo” de um teatro em Salvaterra de Magos, integrado no palácio que a casa real portuguesa fizera construir nesta localidade ribeirinha do Tejo, numa região rica em caça que Bibiena situa, na sua carta, a trinta milhas de Lisboa 17. 15

Idem, Marcello ORETTI, manuscrito B95, fl. 31.

16

Archivio Malvasia (AM), Carteggio, Cx. 1468, nº 33. No arquivo privado da família Malvasia em Passo Segni, na região de Bolonha, fomos encontrar uma vasta correspondência envolvendo Bibiena e o conde Cesare Alberto Malvasia (1713-1767), nomeado senador em 1756 e “gonfaloniere” em 1758, sobre assuntos vários relacionados com o percurso artístico do arquitecto bolonhês. Cf. Isabel Mayer Godinho MENDONÇA, “Giovanni Carlo Sicinio Galli Bibiena na correspondência do Arquivo Malvasia (1745-1757)”, in L’Archiginnasio, Bolonha, Biblioteca Comunale dell’Archiginnasio, 2003, pp. 369-400, onde transcrevemos na íntegra a carta que ora analisamos. Além da correspondência, encontrámos no mesmo arquivo os livros de contabilidade da família, com muitos elementos sobre a construção, iniciada em Janeiro de 1745, da bela escadaria nobre de perfil helicoidal, ainda existente, que Bibiena desenhou para o palácio do conde Malvasia na Strada Maggiore, em Bolonha. Cf. Isabel Mayer Godinho MENDONÇA, "Precisazioni sullo scalone di Palazzo Malvasia in Strada Maggiore a Bologna", in Arti a confronto. Studi in onore di Anna Maria Matteucci (coord. de Deanna LENZI), Bolonha, Editrice Compositori, 2004, pp. 289-294.

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Giovanni Carlo devia conhecer bem a distância, pois na carta a Malvasia confessa-se extenuado pelas constantes idas e vindas entre a capital portuguesa e o palácio de campo, dirigindo 4

O arquitecto refere ainda os problemas que encontrou com a pintura dos cenários para o teatro de Salvaterra, que estavam a ser feitos em Lisboa, e a imperícia dos artistas portugueses que necessitara de contratar, já que os doze pintores locais que tinha ao seu serviço, todos juntos, não produziam mais do que um italiano experiente conseguia realizar num só dia de trabalho: “Il Scenario si dipinge in Cità e mi e stato necessario metere al lavoro una dozzena di Pittori del Paese li quali a suo tempo spero che faranno, ma per hora conviene contentarsi se arivano a fare in un giorno il lavoro che farebbe uno solo de’ nostri”.

E, no entanto, Bibiena podia contar com alguns “de’ suoi”. Vindos com ele ou chegados a Lisboa pouco depois, reuniu-se na capital portuguesa um grupo de jovens artistas italianos, na maioria bolonheses, igualmente contratados pela corte portuguesa como pintores de cenários nos novos teatros régios: além de Paolo Dardani, Gian Giacomo Azzolini (1723/1791) e Filippo Maccari (c. 1725/1800), ambos de Bolonha e antigos alunos de Giovanni Carlo na Academia Clementina 18, e ainda dois outros artistas que não eram daquela cidade: Marco Riverditi (c. 1713/1763), natural de Alessandria, no Piemonte, mas estabelecido há algum tempo em Bolonha, onde trabalhava como pintor decorador 19, e Francesco Cignani ou Zinani (fal. em 1756), natural de Reggio Emilia, uma cidade próxima de Bolonha, aluno e colaborador de Giovanni Carlo Bibiena 20.

simultaneamente as obras dos dois teatros e os respectivos cenários: io vo attendendo un pezzo in Lisbona alle scene, e un pezzo fuori alla fabrica. 18

Em 1751/52 estavam ambos inscritos na Academia Clementina como “studenti di ornato”, a par de artistas creditados, como Davide Zanotti e Mauro Tesi. Azzolini, que acabou por se estabelecer definitivamente em Portugal como arquitecto e cenógrafo ao serviço da corte, recebeu três prémios Marsili para desenhos de arquitectura, um de 2ª classe em Janeiro de 1746, e os outros dois de 1ª classe em 1747 e 1751. Maccari recebeu um 2º prémio de arquitectura em 1749. Após o seu regresso a Bolonha, a seguir ao terramoto de 1755, distinguiu-se como quadraturista e pintor de cenários, que realizou para vários teatros de Itália. Cf. Marcello ORETTI, BCAB, manuscrito B134, fls 215-217, e Michelangelo GIUMANINI, Accademia Clementina — I premi Marsili Aldrovandi (17271803), Bolonha, CLUEB, 2000.

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Cf. Marcello ORETTI, BCAB, manuscrito B134, fl. 125. Segundo o relato do bolonhês Domenico Maria GALLEATI, BCAB, Diario di Bologna (...), manuscrito B89, a fl. 6, Marco Riverditi fugiu de Lisboa, assustado com o terramoto, regressando a Bolonha a pé e levando consigo a avultada quantia de mais de 2000 escudos em moedas de ouro: “due milla scudi in tante Lisbonine che salvò con suo gran rischio dal fuoco”.

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De acordo com as anotações do pároco do Loreto – que refere a presença destes artistas na igreja dos italianos em Lisboa, ao Chiado, onde se confessavam e comungavam durante a Quaresma –, “Francesco Cignani” ou “Zenani” seria natural de Modena. Cf. Arquivo do Loreto (AL), Livro das Pessoas Italianas que se desobrigão nas Quaresmas nesta Igreja de Nª Sª do Loretto conforme os Privilegios Apostolicos concedidos à ditta Igreja e Nação e principia em 1752, fls. 7 e 46v. Na realidade, porém, era natural de Reggio Emilia, tendo sido aluno e colaborador de Bibiena antes de partir para Lisboa. Cf. Girolamo TIRABOSCHI, Notizie de’ pittori (...) di Modena, 1786, p. 356 (edição anastática da Biblioteca Modenese, vol. VI/2, Bolonha, Forni ed., 1970, p. 571). A seguir ao terramoto, Zinani fugiu apavorado e retirou-se para Mântua, de tal modo traumatizado que já não conseguiu voltar a trabalhar e acabou por morrer no ano seguinte: “Scolaro del Bibbiena, col quale lavorò in molti teatri d’Italia, trovavasi per sua sventura in Lisbona, impiegato a dipingere quel Teatro, quando il terribile terremoto, avenuto colà nel 1755, lo spaventò per modo che più non seppe intraprendere alcun lavoro, e tornato in Italia, morì poco dopo in Mantova” – Enrico MANZINI, I Teatri Reggiani e i loro artisti (...), Reggio Emilia, Tip. Fratelli Degani & Gasparini, 1877, p. 11. 5

Instalaram-se todos perto da igreja da comunidade italiana em Lisboa, paredes-meias com outros compatriotas que também viviam do teatro e da música. Nos livros da desobriga pascal da igreja do Loreto podemos seguir o percurso – quase sempre movimentado – destes artistas durante o período da sua permanência em Lisboa. Um caso paradigmático é o do próprio Giovanni Carlo Bibiena, que em três anos morou em quatro casas diferentes: em 1752 vivia com a mulher, Isabel Beccari, na rua da Ametade, na freguesia da Encarnação (entre as ruas das Flores e da Emenda, perto do actual largo de Camões 21), em 1753 já morava na rua da Figueira, freguesia dos Mártires, a actual rua Anchieta, de onde se mudou no ano seguinte para a Rua Larga de S. Roque (hoje da Misericórdia), na freguesia da Encarnação; finalmente, em 5 de Fevereiro de 1755, depois de voltar a casar com a portuguesa Rosa Maria de Jesus, foi residir para a Rua Direita do Loreto, que corria por onde é hoje a rua do Loreto e o lado norte do largo de Camões. Quanto aos pintores da equipa, encontramos em 1752 Marco Reverditi vizinho de Bibiena na rua da Ametade da freguesia da Encarnação; na outra rua da Ametade, da freguesia dos Mártires, a actual rua Serpa Pinto, viviam Dardani, Maccari e Cignani. Mas já no ano seguinte Riverditi, Dardani, Maccari e Giacomo Azzolini moravam na rua das Portas de Santa Catarina, freguesia do Sacramento (actual Rua Garrett). Em 1754 Azzolini continuava a viver às Portas de Santa Catarina, mas Dardani, Riverditi e Maccari tinham-se mudado de novo, desta vez para a rua da Figueira, onde vivera Bibiena no ano anterior. Em 1755 Azzolini residia na Rua das Gáveas, na freguesia da Encarnação, enquanto Dardani e Riverditi continuavam na rua da Figueira. Nesse ano fatídico, Maccari já não figurava nos registos do Loreto. Como se vê, os jovens italianos que trabalhavam com Bibiena nos teatros régios viveram sempre nas imediações da igreja do Loreto 22, embora curiosamente quase nunca se fixassem na mesma casa por mais de um ano, pelo menos até ao megassismo que em 1 de Novembro de 1755 destruiu Lisboa – e, com ela, o magnífico e efémero teatro da Ópera do Tejo que todos tinham contribuído para inaugurar sete meses antes. A carta de Bibiena ao conde Malvasia revela bem o renascido entusiasmo da corte portuguesa pelas representações operáticas, que levou à encomenda de um teatrinho improvisado numa das salas do torreão do palácio da Ribeira, para servir enquanto não se terminasse o grande edifício da Ópera do Tejo, e ajuda a compreender o ambiente em que se desenrolava este surto de construção teatral, revelando as deficiências dos pintores portugueses, certamente pela falta de formação na área específica da pintura de cenários – o que aparentemente não acontecia nos domínios da construção nem da decoração dos teatros, que estiveram sempre a cargo de portugueses, sem reparos do responsável da obra. Na mesma carta, Bibiena mostra saber que o conde Malvasia fora já informado em Bolonha, por outra via que infelizmente não especifica, do andamento dos seus projectos em 21

22

As actuais vias públicas não coincidem muitas vezes com as anteriores ao terramoto; indicamo-las apenas para facilitar a localização aproximada dos arruamentos desaparecidos ou rebaptizados. Cf. AL, Livro das Pessoas Italianas que se desobrigão nas Quaresmas nesta Igreja de Nª Sª do Loretto (...), passim. 6

Portugal. Ora, o informador do conde Malvasia era muito provavelmente o conde bolonhês Alessandro Ratta, frade filipino e auditor na nunciatura de Lisboa, de onde enviava quase diariamente para Roma cartas com informações sobre os acontecimentos mais importantes da capital do reino. Nelas encontrámos, no ano de 1752, duas interessantes referências a Giovanni Carlo e ao grupo por ele contratado em Bolonha 23: “E arrivata qui ultimamente una coòrte di Pittori et Architteti di Teatro (...) la maggior parte sono Bolognesi per Providenza di Dio che dovrà per questa via far capitare qualche Lisbonina a Bologna. Credesi che la prima opera consisterà in un piccolo Teatro particolare, e che questo si farà in un gran salone che fu fatto dal Rè defonto con idea di piantarvi la Capella Sistina nel che si vedrebbe l’uniformità di parere fra Padre e figlio poi che ambedue hanno preso di mira quel 24

luogo per uso di comedia" .

Algum tempo depois, monsenhor Ratta actualizou a informação sobre o teatro construído no torreão do paço da Ribeira: “Il picolo Teatro và avanti a vista d’occhio e potrà essere finito al principio di Settembre. La corte tutta e questi artefici sono rimasti sorpresi della prontezza e buon gusto dell’architetto Bibiena che con altri quattro giovani solamente ha messo assieme il Teatro in si breve tempo 25

senza che niun altro abbi dato una penellata“ .

Além da actividade de cenógrafo, coadjuvando Bibiena na pintura dos cenários dos vários teatros entretanto construídos, Paolo Dardani trabalhou ainda em Portugal como “pittore paesista e battaglista” para a Casa Real, para “Gioanni Pietro Federici” (ou seja, João Pedro Ludovice, o filho do arquitecto régio João Frederico Ludovice, que Oretti, repetindo as informações deturpadas de Dardani, refere como “primo Ministro del Rè è Direttore Generale delle Fabbriche”), e ainda para um enigmático “Cardeale S. Migel”. Na lista das suas obras em Lisboa, Oretti elenca vários quadros a têmpera e a óleo, com figuras e batalhas, paisagens e portos de mar: “A Lisbona (...) alquanti quadri di paesi con figure e battaglie, é Porti di Mare, parte ad oglio parte à tempera. Al Cardinale S. Migel quattro Paesi. Al Signor Gioanni Pietro Federici primo Ministro del Ré Architetto, é direttore delle Fabbriche, sei paesi, é battagline sotto quadri assai 26

lodati da’ quei Portughesi” .

Uma experiência inesquecível marcou a permanência de Paolo Dardani em terras lusitanas: a caça a uma baleia ou a um cachalote (o próprio Oretti hesita ao classificar os dois cetáceos), a que assistiu numa das suas viagens até ao palácio de Salvaterra, rio Tejo acima:

23

Archivio Secreto del Vaticano, Segreteria di Stato, Portogallo (busta 110A).

24

Idem, ibidem, fls. 321v-322. Registe-se a irreverente mordacidade do auditor da nunciatura, que poucos anos depois chegaria a capelão do papa e auditor da Sacra Rota.

25

Idem, ibidem, fls. 336v.

26

BCAB, Marcello ORETTI, manuscrito B134, Notizie dei professori di disegno (...), fl. 43. 7

“Andò à Benevento distante dà Lisbona quattro miglia, poi à Salvaterra con la Corte è vidde la 27

Caccia di un Balennoto” .

E noutro local: 28

“Fù a Salvaterra dove vide la caccia di una Balena “ .

Durante a sua estadia em Portugal, Paolo Dardani registou em desenho as paisagens e os edifícios de Lisboa e de outros locais por onde andou, repetindo aliás uma prática que devia ser corrente na época, e que o pai, Giuseppe, já utilizara durante o período em que trabalhou na Córsega 29. Oretti ainda viu os vários livros de desenhos de viagem que Dardani levou consigo para Bolonha, como refere nos dois textos biográficos sobre Paolo Dardani: “E dà per tutto copiava in disegno quelle vedute, è Fabbriche, ed ancora ne’ suoi Viaggi faceva tale esercitio, è di tutti quelli disegni ne formò varij Libri quali recano gran piacere nel rimirarli perchè ci dimostrano tante vedute della Città di Lisbona. (...) Andò ancora à Benevento distante 4 miglia fuori di Lisbona, è dapertutto copiò le fabriche principali e Vedute di quel Paesi, ed ancora di quelli per dove passava nei suoi viaggi e ne hà formato varij Libri quali recano meraviglia nell’osservarli perche vi demostrano lo stato della città di Lisbona prima che fusse 30

distrutta da quel grande esterminio “ .

Lamentavelmente, perdeu-se o rasto desses preciosos retratos de uma cidade que desapareceu.

O regresso a Bolonha. A experiência portuguesa e os seus reflexos na obra de Paolo Dardani Dardani regressou a Bolonha em meados de 1755 (o pároco do Loreto registou ainda a sua presença na Quaresma desse ano 31), provavelmente por altura da inauguração da Ópera do Tejo, escapando assim por pouco ao grande terramoto. Segundo Cirilo Volkmar Machado, porque “alem do ordenado lhe não deram gratificações por algumas obras que fez” 32. As memórias da sua estadia em Portugal e os registos daquilo que viu nos três anos que cá passou constituíram um manancial de referências pessoais e profissionais que o acompanhou até à data da sua morte, servindo-lhe de inspiração em várias obras que realizou em Bolonha e arredores, infelizmente desaparecidas, tal como os cadernos de desenhos que levou consigo no regresso à pátria.

27

Idem, ibidem, fls. 41v e 42.

28

Idem, Marcello ORETTI, manuscrito B95, Vite di pittori scritte da loro medesime, fl. 30.

29

Idem, Marcello ORETTI, manuscrito B134, fl. 39.

30

Idem, ibidem, fl. 42, e manuscrito B95, fl. 30.

31

AL, Livro das Pessoas Italianas que se desobrigão nas Quaresmas nesta Igreja de Nª Sª do Loretto (...), fl. 50.

32

Fundação Calouste Gulbenkian, Fundo Reis Santos, 173/1 (apontamentos manuscritos de Cirilo Volkmar Machado, datados de 1803). 8

É também Oretti, sempre através dos relatos que lhe confiou o próprio Dardani, que refere, nas numerosas obras realizadas após o regresso a Itália, a constante presença dessas memórias de viagem. Para o padre Filippo Urbano Savorgnani, membro da congregação do Oratório de S. Filipe Nery em Bolonha e grande coleccionador de arte, pintou logo após o seu regresso a Itália uma cena de caça à baleia, reproduzindo certamente o espectáculo a que assistira na viagem a Salvaterra, e outra de uma caçada ao elefante, provavelmente ilustrando alguma história que terá ouvido contar a viajantes e mercadores durante a sua estada em Lisboa: “Padre Urbano Savorgnani. Due quadri che fece subito entrato da Lisbona nel uno la cena della Balena, nell’altro quello dell’Elefante che sono pregiate”.

33

Em 1765, dez anos após o seu regresso, deixou em Cento, uma localidade nos arredores de Bolonha, mais recordações de Portugal, com vistas da cidade de Lisboa, paisagens e portos de mar, pintados a têmpera nas paredes do quarto do palácio do arcebispo Vincenzo Malvezzi: “À Cento Terra nel Territorio di Bologna, Nel Palazzo del’Arcevescovo dipinse quattro gran Paesi grandi à tempera, è le sopraporte à chiaro oscuro, è altre sopraporte parimenti à tempera, come li altri già detti. Dipinse tutta la Camera dove dorme l’Eminentissimo Arcevescovo e vi 34

fece nelli Muri li paesi con Vedute della Città di Lisbona, è Porti di Mare” .

Nos recibos ainda conservados no arquivo do arcebispado de Bolonha, há uma referência mais precisa aos trabalhos que realizou neste palácio em colaboração com o pintor Carlo Pini: “Abbiamo ricevuto lire duecento trentacinque e soldi quindici quattrini per importo per avere dipinto a chiaro scuro una sala nel palazzo arcivescovile di Cento, rappresentante quadri nel muro entro ovi, battaglie, paesi con figure e quadrature e queste anche negli angoli e soffitto di essa sala, compresavi anche le sottoporte ed un quadro grande e centinato dipinto in tela e 35

rappresentante una veduta di un porto di Lisbonna, con diverse figure a diversi colori...” .

É igualmente provável que tenham sido influenciadas pela sua experiência em terras lusas a “boscareccia di Piante Affricane” que pintou no Jardim Botânico, junto à Porta Santo Stefano, na muralha que então rodeava a cidade de Bolonha 36. As memórias sempre presentes da sua viagem e estadia em Portugal entre 1752 e 1755 e a actividade de Paolo Dardani ao serviço da corte portuguesa são ainda referidas no ano da sua morte, em 1789, na necrologia escrita pelo secretário da Academia Clementina de Bolonha, Domenico Piò, que recordou como um dos acontecimentos marcantes da sua vida a actividade

33

ACAB, Marcello ORETTI, manuscrito B95, fl. 30v.

34

Idem, Marcello ORETTI, manuscrito B134, fl. 45.

35

AGA, “Mensa”, Filza 170, anni 1758-1765, nº 1379. Documento transcrito por Luigi SAMOGGIA em “La scuola familiare e l'esperienza portoghese nella pittura di Paolo Dardani”, cit., p. 382.

36

“Il Pittore il quale ha dipinto la Boscareccia di Piante Affricane verso le Mura della Città è stato il valente Sigr. Paolo Dardani Cittadino Bolognese”. BCAB, Gozz186, Bologna Vecchia e Nuova, tomo VI, fls. 202-202v. 9

de pintor de “Deliziose e Boscareccie” nos cenários dos teatros régios portugueses. Como traço marcante do seu carácter, Domenico Piò recordou as histórias fantasiosas e obviamente exageradas que inocentemente repetia, “in maniera da far credere ai meno esperti che le Pulci fossero Cavalli” 37. Durante os 35 anos que ainda viveu em Bolonha após o regresso à sua terra natal, Dardani realizou obras de decoração e pinturas de género em vários palácios e conventos. Colaborou ainda nas pinturas dos “sepulcros” da Semana Santa – as construções efémeras erguidas nas várias igrejas de Bolonha, durante a Quaresma – e dos Presépios que se recriavam na altura do Natal. Durante as últimas duas décadas da sua vida dedicou-se sobretudo à cenografia. Entre outros trabalhos, assinou cenários para o Teatro Comunale de Bolonha em 1768, para o teatro de Reggio Emilia em 1776 e para o Teatro Formigliari de Bolonha, em 1776, 77 e 86. Embora sem ter frequentado a Academia Clementina, foi escolhido para “direttore” (ou seja, professor) de figura na categoria de “battaglista”. Sinal de reconhecimento da sua obra, em 1 de Agosto de 1766 os seus pares elegeram-no “académico de número”, distinção que manteve até morrer 38.

O que resta da sua obra em Itália

De toda a sua abundante produção pictórica, referida quer por Oretti, quer em guias e crónicas da cidade de Bolonha 39, restam apenas em Itália três telas, quatro desenhos, e, provavelmente, duas pequenas gravuras. Uma das telas figura “O rio Tibre aparecendo em sonhos a Eneias, anunciando-lhe a grandeza de Roma” e foi premiada na Academia de Parma em 1775, encontrando-se hoje na Galeria Nacional de Parma. As outras duas versam temas religiosos: um “Santo Antão eremita”, assinado e datado de 1777, hoje na igreja de S. Francisco, em Molinella (não muito distante de Medicina, a localidade de onde provinha a família Dardani), e um “Santo Egídio”, o protector nos terramotos, com uma inscrição na parte posterior da tela: “Paolo Dardani, 17..”, que pertence hoje a uma colecção privada, outrora na capela Barattini-Levera, na igreja de S. Giacomo Maggiore de Bolonha 40. Os quatro desenhos a tinta da china, aguarelados, fazem hoje parte do espólio do Museu de Arte Industrial Davia Bargellini, em Bolonha. Foram comprados por Giuseppe Davia37

Accademia di Belle Arti (Bolonha), Atti dell’ Accademia Clementina di Bologna, IV, pp. 21, 22. Informação igualmente referida por Luigi SAMOGGIA, nas obras citadas.

38

Idem, ibidem.

39

Nomeadamente na obra Pitture, Scoltura ed Architettura delle Chiese, Luoghi Pubblici, Palazzi, e Case della Città di Bologna e suoi subborghi: coll’Indice di tutti i Professori indisttintamente ed in seguito de’ luoghi più osservabili, e delle opere più insigni coll indicazione delle pagine ove sono nominati li Autori delle medesime, in Bologna, nella Stamperia del Longhi, 1792. Existe um exemplar na BCAB, A.V I IX.13.

40

Informações recolhidas por Luigi SAMOGGIA, “La scuola familiare e l’esperienza portoghese nella pittura di P. Dardani”, cit.. 10

Bargellini em 1858 como desenhos do pintor de batalhas Simonini, de acordo com uma inscrição numa das molduras. Os quatro desenhos estão siglados – "P.D." – e contêm legendas com o nome de Paolo Dardani (ver imagens nesta página). Luigi Samoggia confirma esta atribuição, com base na sigla e nas afinidades lexicais com as obras pictóricas conhecidas de Paolo Dardani, no traçado das árvores, nas armas dispostas no primeiro plano e, sobretudo, na utilização de linhas diagonais para sugerir os planos afastados. Também a forma cenográfica como a paisagem é representada, ponteada por construções, é uma característica diferenciadora, na apreciação de Samoggia. A par do tratamento cenográfico e paisagístico próprio da sua formação e da época em que viveu, os quatro desenhos de batalhas revelam o conhecimento da pintura de batalhas de Francesco Simonini (Parma, 1689/Veneza, 1753), presente em Bolonha durante os anos de formação de Dardani 41.

Quatro desenhos a tinta da china, aguarelados, representando batalhas (todos com 42,5 x 31,5cm), atribuídos a Paolo Dardani. Museu Davia Bargellini, Bolonha. Nos de inventário 361 a 364.

41

A pintura de batalhas floresceu durante o século XVII, sobretudo em Roma e Nápoles, com particular expressão na oficina de Aniello Falcone (Nápoles, 1600/1657). A partir daí foi amplamente difundida em Itália e no estrangeiro por artistas como Michelangelo Cerquozzi (1602/1660), Salvatore Rosa (1615/1673) e Jacques Courtois, il Borgognone (1615/1675). 11

Finalmente, duas gravuras que podem ser atribuídas a Paolo Dardani fazem parte de um álbum de pequenas dimensões oferecido por Luigi Guidotti, livreiro e gravador de Bolonha, ao nobre bolonhês D. Valerio Boschi, em 1760. Trata-se de uma selecção de “paesi” inventados por Pier Jacopo Palmieri e por outros artistas bolonheses (P. Dardani, Bernardo Minozzi, Giuseppe Bertuzzi, G. Rapini), para uso de pintores e diletantes, gravados por Jacopo Palmieri, Bernardo Minozzi e G. Rapini 42. Representam pequenas paisagens convencionais com árvores, casas, pontes, figuras e animais. A sigla “P.D.” e a assinatura “P. Dardani” aparecem, respectivamente, nas gravuras com os números 15 e 16. Luigi Samoggia atribuiu estas gravuras a Pietro Dardani, irmão de Paolo, embora sem justificar a atribuição 43. A presença da mesma sigla que encontrámos também nos quatro desenhos e alguns traços estilísticos, como a forma de traçar as árvores, inclinam-nos mais a atribuir a Paolo estas pequenas paisagens, certamente idênticas a muitas outras que pintou e que infelizmente se perderam.

Fig. 5. Gravura representando uma paisagem, inventada por “P.D.”, sem indicação do gravador. Pitture, Scoltura ed Architettura delle Chiese, Luoghi Pubblici, Palazzi, e Case della Città di Bologna e suoi subborghi: coll’Indice di tutti i Professori indisttintamente ed in seguito de’ luoghi più osservabili, e delle opere più insigni coll indicazione delle pagine ove sono nominati li Autori delle medesime, in Bologna, nella Stamperia del Longhi, 1792. BCAB, Gabinetto Disegni e Stampe, 25/H/2, grav. nº 15.

42

“Scelta di Paesi inventati, ed intagliati da Pier Iacopo Palmieri, e da altri bolognesi per uso de Pittori e dilettantti. Dedicati al merito sublime dell’ornatissimo Cavaliere Signor Valerio Boschi Nobile bolognese Da Luigi Guidotti Librajo e Stampatore sotto alle scuole in Bologna / L’Anno MDCCLX” (BCAB, Gabinetto Disegni e Stampe, 25/H/2).

43

Luigi SAMOGGIA, “Pietro Dardani”, Dizionario Biografico degli Italiani, cit., p. 771. 12

Fig. 6. Gravura representando uma paisagem, inventada por “P. Dardani” e gravada por “P.P.” (as iniciais de Pier Palmieri). Pitture, Scoltura ed Architettura delle Chiese, Luoghi Pubblici, Palazzi, e Case della Città di Bologna e suoi subborghi: coll’Indice di tutti i Professori indisttintamente ed in seguito de’ luoghi più osservabili, e delle opere più insigni coll indicazione delle pagine ove sono nominati li Autori delle medesime, in Bologna, nella Stamperia del Longhi, 1792. BCAB, Gabinetto Disegni e Stampe, 25/H/2, grav. nº 16.

Batalhas e paisagens de Paolo Dardani em Portugal As quatro batalhas do museu de Bolonha, sigladas “P.D.” e atribuídas a Paolo Dardani, têm muitos pontos em comum com uma tela de dimensões apreciáveis (92x154cm, com moldura), que faz parte do acervo da Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa, onde pode ser vista na sala de referências da Iconografia. Na ficha bibliográfica, não assinada, a tela é referida como “Batalha entre cristãos e turcos” e atribuída ao pintor flamengo Jan Pieter van Bredael, o Jovem, “por confronto com obras do pintor” 44 pertencentes ao Victoria & Albert Museum: duas tábuas de pequenas dimensões, pintadas a têmpera, legadas ao museu de Londres pelo coleccionador inglês John Meeson Parsons (1798/1870) 45.

44

45

Com o nº de inventário 1751591. Desconhece-se a proveniência da tela, cuja reprodução e ficha bibliográfica estão disponíveis na internet em: http://catalogo.bn.pt/ipac20/ipac.jsp?session=1341I38G92W29.360329&profile=bn&uri=link=31000 18~!1428373~!3100024~!3100022&aspect=basic_search&menu=search&ri=1&source=~!bnp&term =Bredael%2C+Jan+Pieter+van&index=AUTHOR (consultado em 3.3.2013). Disponível na internet em: http://vads.ac.uk/large.php?uid=189020&sos=0. Ver igualmente: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/26/Bredael_Schlacht_bei_Peterwardein.jpg (consultado em 3.3.2013). 13

Apesar de algumas semelhanças, no tema e no pormenor do soldado que foge do campo de batalha, a tela da Biblioteca Nacional está muito longe das tábuas do Victoria & Albert, quer na composição, quer no tratamento das figuras e da paisagem, quer ainda na técnica da pintura e mesmo no colorido. E também se afasta sensivelmente de outras obras conhecidas do pintor flamengo – que, se realmente pintou vários quadros com a mesma temática, adopta sistematicamente um colorido mais frio e uma perspectiva diversa da acção retratada, que surge mais distante e sempre no mesmo plano. Na tela da Biblioteca Nacional encontramos, pelo contrário, um tratamento cenográfico da composição e da paisagem muito próximo dos desenhos do museu de Bolonha atribuídos a Paolo Dardani. A cena principal – a refrega entre cristãos e turcos – enche o primeiro plano da composição, enquadrada pelo fumo de um incêndio e ladeada por árvores. Dos lados dessa cena central partem dois eixos diagonais que conduzem o olhar para duas cenas de batalha representadas num plano intermédio. Finalmente, a paisagem, ponteada por torres e outras construções, compõe o fundo da tela. Nos desenhos siglados, em que também se confrontam cristãos e turcos, as cenas principais enchem o plano próximo do observador, existindo igualmente linhas de perspectiva diagonal organizando a composição. Mas são sobretudo as semelhanças no desenho rápido e agitado dos cavalos e cavaleiros, a mesma forma de desenhar as árvores e as construções (geralmente com torres em fundo), que apontam para um mesmo artista, muito provavelmente Paolo Dardani, cujas pinturas Domenico Piò elogiou, na necrologia que dele escreveu em 1789, como “molte e belle battaglie, condotte con grandissimo spirito, vivacità di contrapposti e di tinte” 46.

“Batalha entre cristãos e turcos”, tela pintada a óleo, 92x154cm. Biblioteca Nacional de Portugal, nº de inventário 1751591. 46

ABA, Atti dell’ Accademia Clementina di Bologna, IV, pp. 21-22. 14

“Batalha”, tela pintada a óleo, 22x35cm. Museu Nacional de Arte Antiga, nº de inventário 1440.

“Batalha”, tela pintada a óleo, 22x36cm. Museu Nacional de Arte Antiga, nº de inventário 1441.

15

“Paisagem com figuras e animais”, tela pintada a óleo, 16x48cm. Museu Nacional de Arte Antiga, nº de inventário 1406.

Finalmente, no Museu Nacional de Arte Antiga identificámos três telas que provavelmente saíram da mesma mão que pintou o quadro da Biblioteca Nacional. Trata-se de uma cena de paisagem (com 16x48cm) e de duas pequenas telas com cenas de batalhas (22x35cm e 22x36cm), oriundas do Paço de S. Vicente de Fora, em Lisboa 47. As duas telas, figurando batalhas, mostram evidentes sinais de terem sido recortadas, possivelmente a partir de uma mesma obra de maiores dimensões. As cenas de batalhas, no primeiro plano da composição, enquadradas por nuvens de fumo, são igualmente dinâmicas e representadas com a mesma pincelada rápida. Também as torres redondas do plano de fundo e as árvores se repetem, seguindo o mesmo modelo nas pequenas telas do Museu de Arte Antiga e na tela da Biblioteca Nacional. A forma de representar as árvores é igualmente idêntica, tanto na cena de paisagem do Museu Nacional de Arte Antiga como na batalha da Biblioteca Nacional, seguindo um modelo que também se repete num dos desenhos siglados e nas duas gravuras de “paese” do impressor de Bolonha, Luigi Guidotti, que cremos terem sido “inventadas” por Paolo Dardani.

A ser verdade o que Dardani nos contou pela pena de Oretti, terá executado várias obras dos géneros da sua predilecção (batalhas e paisagens) para diversos encomendadores durante os três anos em que permaneceu em Portugal, entre 1752 e 1755. É perfeitamente natural, portanto, que algumas tenham resistido ao tempo e se encontrem ainda entre nós, porventura por identificar – tanto mais que o pintor, embora no discurso tendesse a transformar "pulgas" em "cavalos", era parco nas assinaturas dos seus trabalhos, muitas vezes apenas siglados… ou nem isso. 47

Com os números de inventário 1406, 1440 e 1441. (Pelas facilidades concedidas para a elaboração deste artigo, expresso os meus agradecimentos ao Dr. Joaquim Caetano, conservador do Museu Nacional de Arte Antiga, e à Drª Teresa Moura, restauradora do Instituto José de Figueiredo). 16

Sem atingir o patamar da genialidade, mas assegurando uma execução honorável e um estilo pessoal vívido, sobretudo nas cenas de movimento, com um colorido próprio e a aplicação de uma regra perspéctica bastante característica, Paolo Dardani justifica o investimento na identificação de outras obras que dele eventualmente subsistam em Portugal. Quem sabe se não anda por aí ignorada uma "caça à baleia" no Tejo?

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