Para Além da Reserva do Possível: A Expansão do Possível pela compreensão constitucionalmente Adequada do Possível da Reserva

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Para Além da Reserva do Possível: A Expansão do Possível pela compreensão constitucionalmente Adequada do Possível da Reserva Miguel Calmon Dantas1 Sumário: 1 Temporalidade da Constituição: o dirigismo sobre a reserva orçamentária. 2 Revisitando a atividade tributária do Estado: leitura constitucionalmente adequada. 2.1 Noção de sistema e o sistema constitucional tributário. 2.2 Constitucionalismo, dirigismo constitucional e poder de tributar. 2.3 Noção constitucional de tributo e Direito Tributário. 3 O princípio da Solidariedade no Constitucionalismo Dirigente. 3.1 Natureza normativa do Princípio da Solidariedade: Solidariedade dirigente e dirigida. 3.2 Os Custos dos Direitos Fundamentais e o Neoliberalismo. 4 Conclusão. Referências

Resumo: O presente estudo visa a comprovar a necessidade de ampliação da capacidade de atuação do Estado quanto às políticas públicas voltadas à efetividade dos direitos fundamentais mediante a expansão do possível propiciada pela redução das limitações que derivam da reserva do possível. Tal expansão decorre da solidariedade social, impositiva do exercício integral da competência tributária, da vinculação dos recursos arrecadados por tributos finalísticos para as finalidades que justificaram a exação, da inconstitucionalidade da DRU, e da execução orçamentária quanto às políticas sociais em se realizando a estimativa de receita. Palavras-chave: Constitucionalismo. Dirigismo. Direitos Fundamentais. Reserva do possível. Orçamento. Abstract: The purpose of this paper is to demonstrate the necessity of the expansion the performance of the State concerning public policies geared to the effectiveness of fundamental rights by expanding the possible favored by reducing the constraints arising from the cost of rights. This expansion stems from the social solidarity, which requires a) the full exercise of the power of taxation; b) the duty of funds raised by taxes for the purposes that justified it; c) the unconstitutionality of “DRU”, and d) the obligation to execute the budget by expending the funds raised on programs and social policies. Key-words: Constitutionalism. Fundamental Rights. Taxes. Effectiveness.

1 A TEMPORALIDADE

1

DA

CONSTITUIÇÃO:

O DIRIGISMO SOBRE

A RESERVA

Doutor em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia. Doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra. Membro da Academia de Letras Jurídicas da Bahia. Professor Adjunto da 3

ORÇAMENTÁRIA

Em 5 de outubro de 1988 vinha a lume a Constituição da República Federativa do Brasil, marcada pela ansiedade de um novo presente e pela angústia do esquecimento de uma memória aterrorizante. O futuro, tão próximo ou tão distante, também estava abrigado no seu texto, mas ainda não demandava tanta preocupação. A consolidação da democracia, a transição do papel para a realidade dos princípios republicano e federativo, o respeito às liberdades e à efetividade dos direitos sociais foram ansiosamente aguardados e desejados. A ditadura já ia tarde e o Estado Democrático de Direito chegava mais tarde ainda. Tarde para o presente de exclusão, de miséria e de pauperismo, mas sempre apto a projetar os objetivos compartilhados solidariamente pela comunidade para um porvir que não poderia mais ficar ao livre talante dos canhões e baionetas (LASSALLE, 1998, p. 36) e nem ao livre devir do mercado e do poder econômico. A Constituição brasileira transcende a sua dimensão de norma fundamental em sentido jurídico-formal e reveste-se da condição de depositária das esperanças e utopias, sendo fundamental também em sentido político, ético e comunitário. Daí se verifica que em 1988 se promulgou um texto, mas que não se basta à existência de uma Constituição. A Constituição se perfaz somente com o sentido que é construído vivencial e culturalmente pelo povo e pelas instituições, como ressalta Peter Häberle (2000, p. 35) ao considerar que a Constituição não se reduz ao seu texto, possuindo uma vida propiciada pelo seu assento cultural na comunidade a que se refere, de modo que “[...] los propios textos de la Constitución deban ser literalmente ‘cultivados’ para que devengan auténtica Constitución”. Em verdade, tem-se um processo de cultivo e de busca pela realização da Constituição republicana, federativa, libertária e emancipatória; a Constituição empresta a sua força normativa e sua pretensão de eficácia sobre os seus programas e para a direção das políticas públicas, norteada pelas esperanças de transformação da realidade social e política existente. Ao invés do governo dos homens e do governo das leis, tenta se afirmar o governo das leis pelas pessoas humanas e para a sua dignidade, um governo dos direitos fundamentais. Essa consolidação da materialidade ético-axiológica da política e da ordem econômica, haja vista a extensão da eficácia dos programas e dos direitos fundamentais, precisa de uma contínua ampliação da sua concretização fática, Universidade Federal da Bahia e Coordenador do Curso de Direito e Professor Titular da Unifacs. Procurador do Estado da Bahia e Advogado. 4

para que a Constituição não se distancie progressivamente do homem comum e do seu dia-a-dia, resguardando-a contra o risco de erosão da consciência constitucional. Para que a Constituição seja vivenciada, sentida e construída pela comunidade, que é a sua intérprete (HÄBERLE, 1997), o tempo apresenta-se como uma sua dimensão constitutiva ineliminável, embora seja o sentido social do tempo também constituído pelo texto constitucional. Karl Loewenstein (1965, p. 158-159) pondera que a existência de uma constituição requer tempo para que ela se integre na consciência da nação, o que poderia ser expressado num sentido orientado pela reflexão hermenêutica mediante o reconhecimento da necessidade de distanciamento histórico como condição para que o novo texto seja realmente percebido como o novo, acarretando a angústia e o estranhamento que propiciam a produção do sentido pela comunidade. Para Gadamer (1999, p. 445), o tempo é o fundamento do acontecer, em que as raízes da atualidade são fincadas, sendo a distância temporal “[...] uma possibilidade positiva e produtiva do compreender. Não é um abismo devorador, mas está preenchido pela continuidade da herança histórica e da tradição, a cuja luz nos é mostrado todo o transmitido”. E a dimensão temporal e o distanciamento histórico havido nesses vinte anos possibilitam uma compreensão mais adequada, mais produtiva e mais comunitariamente concertada das possibilidades dirigentes da Constituição Federal diante do contexto social que matiza o entendimento dos programas e dos direitos fundamentais. A experiência de sentido da Constituição abre os horizontes para as possibilidades de construção de uma Constituição que permitam a sua efetiva operatividade sobre a realidade social. Disso não resulta, evidentemente, qualquer perspectiva metafísica que funde a normatividade constitucional num decisionismo político-heróico que caiba ao Estado, evitando qualquer perspectiva teórica que envolva metanarrativas emancipatórias fundadas numa filosofia do sujeito, afastando a respectiva crítica de Canotilho (2006, p. 106-107). A Constituição Federal não pode tudo; em verdade, ela, por si só, pode muito pouco em não se ressaltando a sua constitutividade pela comunidade de que proveio e que deve se compreender como auto-representada no texto constitucional. A partir dessa perspectiva se explica a passagem de Löewenstein (1979, p. 229) em que considera a possível indiferença do cidadão, do homem comum, para com a constituição, pois ela é incapaz – por mais extensos que sejam os catálogos de direitos – de reduzir o abismo

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entre ricos e pobres, de “[...] traer ni comida, ni casa, ni ropo, ni educación, ni descanso, es decir, las necesidades esenciales de la vida.” Não obstante isso, essa percepção da falta de operatividade e de normatividade própria à constituição é apenas decorrência da compreensão da sua dependência daqueles que a erigiram e que devem lutar pela sua máxima realização. Como aponta Pablo Lucas Verdú (2007, p. 131), “O processo criador do Direito implica a luta”. Essa luta só pode se efetivar se houver a compreensão do novo em que se constitui a Constituição de 1988 e se houver a percepção das possibilidades produtivas do novo no âmbito do contexto social e político. Essa luta também é condicionada, como exposto, pelo sentido de pertencimento social da comunidade à Constituição, que deve se perceber como auto-representada, como bem pontua Peter Häberle (2000, p. 34) em excerto abaixo transcrito, in verbis: La Constitución no se limita solo a ser un conjunto de textos jurídicos o un mero compendio de reglas normativas, sino la expresión de un cierto grado de desarrollo cultural, un médio de auto-representación propia de todo un pueblo, espejo de su legado cultural y fundamento de sus esperanzas y deseos.

O próprio Verdú reconhece e exalta a dimensão cultural do Estado de Direito (2007, p. 6), posto a serviço da realização das aspirações e valores comunitários. Assim, tanto a Constituição Federal de 1988 deve importar para todos, como todos devem importar para o seu texto e para a sua concretização culturalmente vivenciada e construída, sendo essa relação recíproca imprescindível para afirmação da solidariedade social e para a dignidade da pessoa humana. A Constituição de 1988, como qualquer outro texto constitucional, não é mágica e não deve propiciar ilusões, do que se depreende o relevo da atenção da Gadamer (1999, p. 527-528) à experiência da existência como denotadora da finitude humana, conforme excerto abaixo, in verbis: Experiência é, pois, experiência da finitude humana. É experimentado, no autêntico sentido da palavra, aquele que é consciente desta limitação, aquele que sabe que não é senhor do tempo nem do futuro. O homem experimentado, propriamente, conhece os limites de toda previsão e a insegurança de todo plano. Nele consuma-se o valor da verdade da experiência. ................................................................................................................. A verdadeira experiência é aquele na qual o homem se torna consciente de sua finitude. Nela, o poder fazer e a autoconsciência de uma razão planificadora encontra seu limite. [...] toda expectativa e toda planificação dos seres finitos é, por sua vez, finita e limitada. A verdadeira experiência é assim experiência da própria historicidade. 6

A Constituição Federal de 1988 é portadora de valores comunitários que fundam o sentido de pertencimento dos membros da comunidade, consagrando os objetivos da associação política constitutiva do Estado Democrático de Direito e, consequentemente, as utopias jurídicas. Aliás, se o tempo apresenta uma dimensão constitutiva da compreensão da Constituição, enquanto processo de experiência social comunitária e culturalmente vivido, e o próprio tempo, em seu sentido social, sofre a inflexão jurídico-normativa da Constituição, há de se destacar que o passado, o presente e o futuro estão constitucionalmente abrigados. Com efeito, notadamente no que respeita ao contexto social brasileiro, a Constituição Federal de 1988 provém da necessidade de redemocratização do Estado brasileiro, de garantia das liberdades e de melhoria das condições existenciais e materiais da imensa maioria da população. Encontra-se com o desafio presente de realização republicana, democrática, solidária e emancipatória dos objetivos constitucionais e dos direitos fundamentais e, como tal, volta-se para o futuro, espelhando a atitude que Dworkin (1999, p. 492) considera inerente ao direito: a atitude construtiva, decorrente da postura que deve provir de todos de colocar “o princípio acima da prática para mostrar o melhor caminho para um futuro melhor, mantendo a boa-fé com relação ao passado”, sendo, em última análise, uma atitude fraterna, que se poderia melhor entender como solidária, fundada na união de todos numa comunidade, apesar da existência de interesses, projetos e convicções particulares. Dessarte, se a Constituição Federal de 1988 não pode trazer comida, casa, alimento e outros bens essenciais, por si só, deve ter a sua normatividade processual e comunitariamente desenvolvida e construída para dirigir o Estado e a comunidade para a concretização possível, diante do que seja real e do necessário2, dos programas e das utopias constitucionais, inerentes aos direitos fundamentais. Toda a existência da comunidade abriga uma projeção de futuro e, como tal, tal projeção tem de ser também constitucionalmente abrigada, como se dá, dentre outras disposições, pelo art. 3° da Constituição Federal de 1988.

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Acolhendo e adotando o possibilismo filosófico de Peter Häberle (2002, p. 63), cuja potencialidade produtiva é ressaltada pelo constitucionalista alemão. 7

Assiste razão a François Ost (2005, p. 21) quando observa que memória, perdão, promessa e questionamento são perspectivas distintas de uma mesma temporalidade jurídica, cabendo identificá-las no texto constitucional. No âmbito do presente estudo, tais considerações são imprescindíveis diante da necessidade de acentuar que nesses mais de vinte anos de constitucionalismo democrático e social, muitas vezes claudicante, outras, marcado pela tibieza, subsiste a produtividade normativa dos direitos fundamentais e das utopias constitucionais, exigindo uma postura de luta e uma atitude construtiva matizada ela reflexão hermenêutica e pelo pensamento possibilista que ensejem a progressiva conversão do papel para a realidade. A crítica que provém das utopias constitucionalmente abrigadas e a projeção de futuro que encerram são próprias da dimensão temporal da vida comunitária, haja vista que ninguém se associa politicamente para o livre devir ou para o devir conduzido por uma lex mercatoria. Para tanto, há de se acentuar a alteração da concepção existente com relação às condições de realização dos direitos fundamentais e dos programas constitucionais, usualmente dependentes da reserva legal e da reserva orçamentária (CANOTILHO, 2008, p. 266). Observe-se que não apenas os direitos sociais, mas também as liberdades e os direitos fundamentais como um todo, além dos programas constitucionais, por portarem, todos eles, dimensões de positividade da ação pública e da própria comunidade3, como também do mercado, encontram-se limitados pela chamada reserva do possível. Por essa via, conclui-se que a propalada crise de financiamento do Estado Social (CANOTILHO, 2008, p. 252-259), percebida com acuidade por James O’Connor (1982), que pressupõe uma crise paradigmática e ideológica (STRECK, 2002, p. 67-72), não atinge apenas os direitos sociais e a potencialidade dirigente da Constituição Federal de 1988, referindo-se a todos os direitos fundamentais. James O’Connor (1982, p. 10-11), utilizando-se de categorias marxistas, situa a crise fiscal do Estado na feição antagônica e contraditória que lhe confere o capitalismo, pois ao mesmo tempo em que tem o Poder Público de promover o aumento da

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Conforme desenvolvimento doutrinário desenvolvido por Vergottini (2004, p. 231), Pablo Lucas Verdú (2000, p. 148-149), Cass Sunstein e Stephen Holmes (2000), todos os direitos fundamentais encerram, com alguma intensidade, uma dimensão positiva, a par da dimensão negativa, afastando a distinção entre direitos de defesa e direitos a prestações, posto que todos exigem determinadas abstenções e determinadas atuações do Poder Público. Também Canotilho (2008, p. 265) admite que, de certa forma, todos os direitos são positivos. Na doutrina pátria, Gilmar Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco (2008, p. 265) reconhecem a ambivalência dos direitos fundamentais, admitindo, com matizações, a distinção entre direitos de defesa e direitos a prestações. Ainda sobre o tema, a análise procedida em estudo distinto (CALMON DANTAS, 2007, p. 405-407). 8

acumulação, propiciando o aumento da mais-valia, incumbe-se de assegurar a legitimação do sistema político-econômico propiciando condições de harmonia social. AQUI Nesse contexto, há de se reconhecer que os recursos públicos são finitos e limitados, condicionando a ação pública relacionada à promoção e à realização dos objetivos constitucionais e de efetividade dos direitos fundamentais, existindo, efetivamente, uma reserva do possível4. Não se pode, entretanto, admitir a simplista e superficial aceitação da reserva do possível como obstáculo intransponível para a efetividade dos programas constitucionais e dos direitos fundamentais, pois importaria reduzir o relevo ético-jurídico da sua fundamentação a um aspecto meramente econômico. Embora os direitos fundamentais demandem custos (SUSTEIN; HOLMES, 2000), não podem ser reduzidos a cifras ou a meras opções de investimento pecuniário; ao contrário, a maximização da eficácia dos direitos fundamentais, exigida pela normatividade dirigente da Constituição Federal, impõe que o possível da reserva seja ampliado, com a consequente mitigação da reserva do possível. E nesses vinte anos de constitucionalismo dirigente brasileiro, o olvido e a falta da percepção acerca da repercussão da eficácia dos direitos fundamentais e dos programas constitucionais sobre a reserva do possível foi muito sentida, notadamente por implicar num obstáculo à promoção das políticas públicas e sociais que sejam normativamente dirigentes aos direitos sociais para além do mínimo vital, almejando o máximo existencial. A pretensão de eficácia (HESSE, 1991, p. 19) da Constituição Federal impõe que não se reduzam as condições de realização dos direitos sociais à reserva orçamentária, não podendo ser compreendida a sua efetividade apenas como uma questão econômica; contudo, não se pode buscar a efetividade sem a reflexão acurada sobre o que permeia e compõe a reserva orçamentária a fim de que o seu possível seja cada vez mais expandido. 4

Afigura-se pertinente uma distinção entre reserva do possível e reserva orçamentária. Aquela seria referida às condições do contexto social e econômico presentemente existentes; essa teria relação com as limitações dos recursos públicos e as exigências de alocação orçamentária. A reserva do possível teria relação com a comunidade e a reserva orçamentária com o próprio Estado. Assim, uma majoração representativa do salário mínimo que o fizesse alcançar o valor necessário ao atendimento das suas destinações constitucionais não poderia ser suportado, de uma única vez, pela sociedade; já a reserva orçamentária condiciona a atuação do Poder Público que demande a alocação de recursos conforme o orçamento. A majoração do salário mínimo para atender às necessidades a que se refere o art. 7°, inciso IV, da Constituição Federal seria mediada pelo contexto social e econômico como um todo e a promoção da saúde e da educação consoante as demandas sociais limitma-se mais pela capacidade de ação estatal modulada pela escassez orçamentária. 9

A reflexão do presente estudo foca-se, portanto, na necessidade de investigar mais a fundo a compreensão constitucionalmente adequada e conformada da reserva do possível, especialmente no âmbito da reserva orçamentária, com o desiderato de potencializar e maximizar do possível. Se há escassez de recursos públicos, limitando a ação pública e as políticas públicas, deve-se problematizar a questão a partir da interação entre o dirigismo constitucional e a sua teoria, adequada às plagas brasileiras, e à economia. A prioritária efetividade dos direitos sociais, potencializada pelo dirigismo, traz consigo o imperativo de que a escassez seja mitigada e de que os recursos, mesmo escassos, sejam devidamente alocados tendo em vista essa prioridade, mais afinada com os objetivos constitucionais e a feição republicana, emancipatória e solidária que deflui do texto constitucional. O possível da reserva, dessarte, pode e deve ser expandido, conforme uma reflexão hermeneuticamente fundada e matiza por um pensamento possibilista voltado não apenas ao dirigismo constitucional sobre as políticas públicas, mas, no que importa ao presente estudo, ao dirigismo constitucional sobre a atividade tributária do Estado e sobre o orçamento público. A dimensão res publicana da Constituição Federal de 1988, com mais intenso sentido material, propiciada pela distância temporal dos ares autoritários dos anos que a antecederam, e a solidariedade social, abrigada como princípio e objetivo fundamental, acarretam a impostergável consequência de não ser possível invocar puramente a ausência de recursos orçamentários para eximir o Poder Público dos seus deveres constitucionais provenientes dos direitos sociais e dos programas constitucionais; antes, há de se potencializar a atividade tributária do Estado tanto no que respeita à arrecadação, quanto no que tange à alocação e dispêndio da riqueza socialmente produzida a fim de que seja objeto de redistribuição, que é uma das funções legitimadoras do Estado Social. Ora, a atividade tributária efetivada no âmbito do Estado Social brasileiro, cuja Constituição possui um caráter dirigente, deve ser a expressão mais nítida da solidariedade social. A solidariedade social é, assim, fundamento da atividade tributária do Estado e, por sua vez, é dirigida aos programas constitucionais e aos direitos fundamentais, dentre os quais gozam de prioridade, de acordo com a realidade social e econômica brasileira, os direitos sociais. A solidariedade não abriga somente um caráter dirigido, sendo também dirigente. Se ao fundamentar e legitimar o tributo pela feição redistributiva da riqueza social 10

própria ao Estado Social – dimensão constitutiva do Estado Democrático de Direito, conforme o dirigismo constitucional pátrio – a solidariedade é dirigida, impõe-se que seja dirigente no que respeita à alocação e ao dispêndio dos recursos arrecadados. Afigura-se que apenas através dessa perspectiva em que se potencializa a eficácia dos programas constitucionais e dos direitos sociais mediante a compreensão da solidariedade como dirigida e dirigente é que se pode tornar o possível ainda mais possível e a reserva ainda mais reservada; em outras palavras, se a comunidade participa da construção de sentido a Constituição e se ela deve se perceber e se sentir autorepresentada no seu texto, projetando-se em suas utopias, deve arcar com tais programas, direitos e projetos; em contrapartida, impõe-se que a atividade tributária do Estado volte-se à realização precípua desses programas, direitos e projetos, justificandose sobremodo que a solidariedade repercuta efetivamente sobre a política orçamentária, vinculando dirigentemente a alocação de recursos. Pablo Lucas Verdú (2007, p. 104) expressa que o núcleo da política social do Estado de Direito Social é a repartição dos benefícios sociais, exaltando a importância do objetivo de redistribuição da riqueza produzida por remeter à justiça social. Para tanto, ressalta acertadamente a função social do tributo, o que propicia a fundamentação das possibilidades de contenção da dita reserva orçamentária, consistente no condicionamento financeiro da capacidade de atuação do Estado. O tributo, entendido como expressão da solidariedade social, permite a limitação da reserva orçamentária ao justificar a imposição de determinados deveres fundamentais ao Estado, concernentes ao exercício da competência tributária e à alocação dos recursos arrecadados. Talvez não seja essa compreensão da existência de deveres fundamentais impostos ao Estado, quanto à cobrança da exação e à alocação dos recursos – derivados da solidariedade dirigente –, como condição para a ampliação do possível da reserva orçamentária e, consequentemente, para uma mais extensa ação estatal voltada aos programas e aos direitos sociais, suficiente a solucionar a propalada crise de financiamento do Estado Social; não se pode, entretanto, aceder às doutrinas que fundamentam o neoliberalismo e, por essa via, desaparelhar o aparato de atuação social e das políticas sociais do Poder Público diante do seu altíssimo e inestimável custo social. Sem a dimensão do Estado Social, componente do Estado Democrático de Direito, em especial pela compostura constitucional do Estado brasileiro, haveria um substancial aumento da exclusão social e os objetivos fundamentais não poderiam ser sequer 11

minimante atingidos, não sendo possível o retrocesso social que habilite “[...] a face sombria do Estado de direito. Ele deixa ‘ao Deus dará’ a condição daqueles que não têm os meios de assegurar a existência pela propriedade” (CASTEL, 2005, p. 31). Embora o neoliberalismo aponte, como observa David Havey (2007, p. 64-65), que a redução da pobreza só seria possível através do livre mercado e do livre comércio, sobreviria a grave consequência de propiciar, dentre outros efeitos, a dissolução dos vínculos sociais (HAVEY, 2007, p. 68). Ademais, Joseph Stiglitz (2003, p. 12) já assentou que os fundamentos intelectuais do Estado mínimo, numa economia de laissezfaire já foram empiricamente infirmados pela própria trajetória da economia americana e das políticas econômicas implementadas. Não cabe ao livre mercado a realização da justiça social. Desse modo, a crise de financiamento do Estado Social e um certo sarcasmo proveniente do distanciamento entre a realidade e o texto constitucional – caracterizado pelo riso da mulher trácia por Canotilho (2006, p. 104-105) – não podem ser solucionados com as medidas sugeridas pelo neoliberalismo, não assistindo razão, nesse particular e referido ao contexto social brasileiro, a Zygmunt Bauman (2005, p. 44-45), que torna o direito e a lei como meios de exclusão e de refugo humano, criando o homo saucer e desperdiçando vidas. Como registra Peter Häberle (2004, p. 183), “[...] l’État de droit social est une actualisation géniale du viex concept de l’État du droit pour le vingtième siècle”5, sendo um elemento estrutural essencial ao Estado Constitucional que denota a evolução dos seus estratos textuais, justificando-se a afirmação da dimensão social na construção do Estado Democrático de Direito, principalmente em países como o Brasil, em que grassa a exclusão social associada com uma intensa concentração de riqueza. O que ora se sustenta não se prestaria apenas para os direitos sociais, ainda que sejam eles os mais sentidos e exigidos pela comunidade brasileira, haja vista a similitude entre as liberdades e os direitos sociais quanto à dependência da ação estatal, quer para proteger e promover, quer para garantir e satisfazer a pretensão dos indivíduos quanto aos bens jurídicos a que se referem. Por conseguinte, o objetivo deste estudo consiste em demonstrar que, dentre os obstáculos para a realização dos direitos fundamentais mediante a formulação, desenvolvimento e execução de políticas públicas, a reserva orçamentária pode ser progressivamente contida, dando azo, paralelamente, à ampliação da ação estatal. 5

Em tradução livre, “[...] o Estado de Direito Social é uma atualização genial do velho conceito de Estado de Direito para o século XX”. 12

Com efeito, a partir de uma compreensão constitucionalmente adequada e dirigente do princípio da solidariedade, identifica-se a existência de uma imposição constitucional de redução ao mínimo da reserva orçamentária, ampliando e expandindo o possível da reserva. Tal expansão se viabiliza pela materialização tanto do dever fundamental de pagar o tributo, como pelos deveres fundamentais, consubstanciados em imposições constitucionais concretas, do Poder Público de a) instituir e de cobrar o tributo, conforme a capacidade contributiva, b) de alocar as receitas provenientes de tributos finalísticos e com destinação constitucionalmente vinculada, e c) de implementar a alocação de recursos destinados, ainda que não vinculados, à promoção de ações estatais voltadas para a realização dos direitos fundamentais. Pretende-se, com efeito, sustentar a possibilidade de ampliação e expansão do que seja possível a partir da reserva orçamentária pela sua progressiva limitação como condição para a efetividade dos direitos fundamentais e dos programas sociais a partir do desenvolvimento de deveres fundamentais impositivos ao Estado, resultantes do princípio da solidariedade; se a crise fiscal é um dos problemas que causam o aparente débâcle do Estado Social, entende-se que a sua superação não pode ser propiciada com o afastamento integral do modelo, amparado por políticas de cunho neoliberal, mas pela reforma e readaptação do modelo, de acordo com as condições complexas da atualidade e no marco do texto e do contexto constitucional pátrio. Para tanto, torna-se necessário sustentar a possibilidade de controle de constitucionalidade das leis orçamentárias, o que se justifica por deverem exprimir as prioridades constitucionais voltadas para a justiça social, na forma do art. 170 da Constituição Federal, tornando patente que há relevância da destinação do produto da arrecadação também para o Direito Tributário. Da sustentação dos aludidos deveres fundamentais, de instituir e cobrar tributos, de alocação de recursos provenientes dos tributos finalísticos e de receita vinculada em conformidade com as causas que colimaram a sua criação, e de implementação da alocação orçamentária relativa aos direitos fundamentais, ainda que sem vinculação constitucional, extrai-se a necessidade de que o Poder Público a) esgote a sua competência tributária, como também se evidencia a b) inconstitucionalidade da Desvinculação de Receitas da União (DRU) e a c) possibilidade de controle jurisdicional que importe na imposição de execução orçamentária de verbas destinadas à implementação de ação estatal voltada para os direitos fundamentais e para os programas constitucionais que tenham sido objeto de contingenciamento.

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A partir dessas três medidas, decorrentes do conteúdo material ora sustentado do princípio da solidariedade social, promove-se a expansão do possível da reserva orçamentária, limitando a reserva por uma redução constitucionalmente adequada6. Sobreleva, também, a análise das mais recentes decisões do Supremo Tribunal Federal quanto à matéria, como também a atuação do Tribunal de Contas da União, denotando uma ação mais efetiva dos órgãos de controle quanto à limitação da liberdade de conformação do legislador relativamente à destinação de recursos e à formulação do orçamento. Para se chegar ao desiderato, afigura-se imprescindível proceder a uma releitura do sistema constitucional tributário exigida na oportunidade dos vinte anos da Constituição Federal de 1988, ainda que sob a perspectiva e enfoque concernentes ao presente estudo, seguida do aprofundamento do princípio da solidariedade, desnudando o seu conteúdo material no âmbito de um constitucionalismo dirigente. Com tais considerações, tornar-se-á possível adentrar na apreciação da reserva da orçamentária,

justificando

as

medidas

que

viabilizam

a

sua

redução

e,

conseqüentemente, permitam ao Estado uma maior capacidade de financiamento para a formulação, implementação e execução das políticas públicas voltadas à proteção, garantia, promoção e satisfação dos direitos fundamentais em geral, principalmente dos direitos

sociais,

correspondendo

à

direção

fundamental

que

resulta

do

constitucionalismo brasileiro, consistente na consecução do máximo existencial. Dessarte, se o poder de tributar já foi concebido como o poder de destruir, precisa ser desenvolvido como a capacidade de construir uma sociedade livre, justa e solidária, exigindo a redução da escassez orçamentária atinente aos programas relacionados aos direitos fundamentais. Nisso, precisamente, assenta-se o relevo do presente estudo no momento paradigmático dos vinte aos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, especialmente em razão da sistemática insensibilidade legislativa às prioridades constitucionais, que não podem se adaptar às prioridades e metas de governo, posto que os direitos fundamentais não estão subordinados ao livre jogo das vias do processo democrático.

6

Não integra ao presente estudo a abordagem da reforma fiscal que possibilite uma maior simplificação, coerência e aperfeiçoamento do sistema tributário, o que também contribuiria para a expansão do possível da reserva orçamentária. 14

2

REVISITANDO

A

ATIVIDADE

TRIBUTÁRIA

DO

ESTADO:

LEITURA

CONSTITUCIONALMENTE ADEQUADA

A relação entre a atividade tributária do Estado e os direitos fundamentais é marcante para o constitucionalismo, haja vista que se pode considerar ter sido o exercício arbitrário do poder de tributar, associado ao arbítrio na imposição do jus puniendi, um dos fatores que influenciaram o surgimento do constitucionalismo, destinado, antes de tudo, à contenção do poder e à preservação e garantia de direitos necessários para a existência digna, ainda que tais direitos sejam pautados pela historicidade. Em razão do vínculo originário manifestado quando do surgimento do constitucionalismo, reputa-se que a atividade tributária do Estado apresenta um caráter invasivo e interventor, incidindo sobre a propriedade e sobre a liberdade, dois dos direitos fundamentais basilares do sistema econômico capitalista, instaurado pelo constitucionalismo moderno. O Direito Tributário, então, influenciado pelas garantias constitucionais restritivas da atividade tributária, passaria a abrigar uma dimensão libertária, fundandose na preservação da autonomia pessoal e na propriedade. Nesse

sentido,

classicamente,

são

ressaltadas

as

limitações

constitucionais ao poder de tributar, como os princípios da estrita legalidade, da anterioridade, da capacidade contributiva, do não-confisco, dentre outros, no que respeita mais diretamente ao contexto constitucional brasileiro. O tributo teria, então, a função de possibilitar a apropriação de parcela da riqueza circundante na sociedade a fim de prover a arrecadação do Estado para mantêlo, sem qualquer concepção finalística ou emancipatória. Evidencia-se, pois, que a relação existente entre constitucionalismo, direitos fundamentais e tributação é precipuamente de defesa, ou seja, o constitucionalismo é erigido, e com ele as garantias que limitam o poder de tributar, invasor da atividade econômica, também em face do tributo, o que repercute para a concepção que se têm do Direito Tributário e do sistema tributário, notadamente o brasileiro, com minudente disciplina constitucional. Tais

concepções,

se

não

de

todo

equivocada,

revelam-se

substancialmente errôneas por serem incompletas, posto que, no âmbito de um constitucionalismo dirigente que impõe a ação estatal voltada para o atendimento dos 15

objetivos fundamentais previstos pelo art. 3°, embasando-se nos princípios republicanos fundamentais do art. 1°, a atividade tributária e o tributo não podem ser compreendidos apenas como formas de intervenção estatal na liberdades e na propriedade, posto que, em análise mais profunda, mesmo tais direitos fundamentais, de liberdade e de propriedade, dependem dos tributos para serem adequadamente garantidos e protegidos pelas instâncias institucionais do Estado. O que não se apercebia, e cuja compreensão se impõe mediante uma filtragem constitucional pautada pelo caráter dirigente da Constituição Federal, maximizada pelo neoconstitucionalismo7 é que o tributo não mais representa uma invasão ou uma intervenção nos direitos fundamentais, justificando-se justamente porque é através do tributo que se pode obter uma implementação progressiva dos direitos fundamentais, exigida no constitucionalismo dirigente. E tal relação entre a tributação e os direitos fundamentais se dá justamente porque é mediante a atividade tributária que o Estado viabiliza a existência dos recursos necessários para o financiamento da ação estatal, de acordo com o planejamento, a formulação e o desenvolvimento de políticas públicas que sejam acordes com a realização máxima das condições de existência digna, abrangendo as liberdades reais e não meramente formais. A tributação, conseqüentemente, é a forma pela qual a comunidade participa do financiamento da despesa e dos gastos públicos, que têm de se direcionar para a consecução dos fins que legitimam política e juridicamente o Estado, fins esses que são os abrigados pelo art. 3° da Constituição Federal e que consistem, basicamente, na imposição de realização ótima e progressiva dos direitos fundamentais. O tributo, então, no contexto do constitucionalismo dirigente e de um Estado de Direito que mais se apresenta como um Estado de Direitos, encerra uma relevante função social, sendo a expressão da solidariedade conducente à construção de uma sociedade mediante a progressiva redução da pobreza e da marginalização social e das desigualdades sociais e regionais, promovendo o bem-estar, sem discriminação, a fim de torná-la livre e justa. Nesse sentido, o tributo é funcionalizado à implementação de recursos que venham a ser alocados, quando da formulação do orçamento público, e em conformidade com o planejamento e a formulação das políticas públicas, na realização

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Entende-se por neoconstitucionalismo, ou por constitucionalismo pós-positivista, a etapa contemporânea da ciência do direito constitucional, marcada pela defesa da normatividade dos princípios, concebidos como instância ética ou reserva material de justiça, que se assegura por um sistema de garantias em que 16

progressiva dos direitos fundamentais, notadamente daqueles que condicionam uma existência digna e que mais diretamente se referem à consecução dos objetivos fundamentais. Em razão de tais aspectos, constata-se que o Estado Democrático de Direito em que se funda a República Federativa do Brasil é, como dito, um Estado de Direitos Fundamentais, mas, também, um Estado Fiscal, cuja justa fiscalidade deve ser pautada e desenvolvida a partir das direções constitucionalmente impostas, todas apontando para a proteção e implementação dos direitos fundamentais. A compreensão que se vem de sustentar é de sobremaneira importância, notadamente em se tratando do Brasil, posto que um dos problemas mais graves para a realização dos direitos fundamentais, que incide, inclusive, sobre a justiciabilidade das políticas públicas respeitantes aos direitos fundamentais, consiste na escassez de recursos públicos, problema que se aprofunda na medida em que as necessidades são cada vez mais complexas e progressivas. Nesse ínterim, coloca-se a questão atinente à reserva do possível, ou à reserva orçamentária do Estado, consistente nas limitações fático-econômico-financeiras do Estado para a adoção de ações de conteúdo positivo que se destinem a proteger, garantir, promover e satisfazer os direitos fundamentais.

Questão que não se limita

aos tradicionalmente concebidos direitos positivos, que seriam os direitos sociais, pois, em verdade, todos os direitos fundamentais demandam custos e, conseqüentemente, devem ser financiados pela sociedade, justamente através do tributo. Já que nenhum direito fundamental é uma dádiva, há de se ressaltar a necessidade de que a sociedade suporte o seu financiamento, suporte esse que, evidentemente, não pode ser excessivo a ponto de destruir a fonte de custeio das necessidades públicas; ou seja, ainda que o poder de tributar, arbitrariamente exercido, seja também o poder de destruir8, a tributação, no contexto de um Estado de Justiça Fiscal, é a condição necessária e imprescindível para a redução da reserva do possível que limita faticamente a realização dos direitos fundamentais. Nesse contexto, o constitucionalismo dirigente importa que se conceba o tributo, a atividade tributária e o Direito Tributário como funcionalmente ligados à implementação e realização dos direitos fundamentais e dos objetivos fundamentais

têm função primordial de guarda da força normativa constitucional as vias de instauração do controle de constitucionalidade. 8 Como sustentado pelo Chief John Marshall, lembrado por José Casalta Nabais (2007, p. 180). 17

pelo Estado na medida em que propiciam que a sociedade compartilhe o financiamento da ação estatal. A temporalidade da Constituição Federal relativa ao tempo futuro revela consigo a existência de direção juridicamente conformada também no que respeita à tributação, apontado para uma ampliação do possível da reserva para que haja uma progressiva e processual atualização do futuro e, reciprocamente, futurização do presente. A atualização do futuro leva a uma aproximação das condições de concretização das utopias jurídicas abrigadas pelo texto constitucional, exigentes da ampliação do possível da reserva pela contenção da reserva orçamentária. De outra parte, a futurização do presente é relevante para que seja projetada a ação pública destinada à consecução das utopias concretas, repercutindo, igualmente, sobre a atividade tributária. Logo, infere-se que a compreensão constitucionalmente adequada do tributo, repercutindo para os demais âmbitos, denota a sua caracterização como expressão mais lídima de solidariedade social na medida em que deve ser funcionalizado para viabilizar a redistribuição da riqueza pelo financiamento da ação estatal, materializada pelas leis orçamentárias, que devem exprimir a justiça social. A Constituição Federal brasileira promove uma detida disciplina da atividade tributária do Estado, consagrando desde os fundamentos axiológicos consubstanciados nos princípios constitucionais afetos à tributação, usualmente incorporados ao rol das limitações constitucionais ao poder de tributar, até regras mais pormenorizadas, dando compostura ao sistema constitucional tributário. Enquanto sistema, a ordem constitucional relativamente à atividade tributária deve ser aberta aos outros subsistemas constitucionais, numa interação e alimentação recíproca, especialmente com os que resultam da constituição econômica e da constituição orçamentária, mantendo uma relação de unidade também exterior, convergente em direção aos princípios e objetivos fundamentais. A compostura necessária do sistema constitucional tributário, a partir do caráter dirigente da Constituição Federal, não pode cingir-se à imposição de limites à atividade tributária, vinculando-a também positivamente, seja pela eficácia positiva dos princípios constitucionais em geral, seja em razão da eficácia objetiva, e também positiva, dos direitos fundamentais. A alteração da noção constitucional do tributo, que se impõe, repercute, então e necessariamente, na conformação do sistema constitucional tributário, agregando-se o caráter dirigente à peculiaridade de sua rigidez. 18

Não obstante isso, para que seja possível promover a devida compreensão do sistema constitucional tributário a partir do novo horizonte de sentido aberto pela Constituição Federal de 1988, colocando em suspensão os preconceitos e trazendo à fala a potencialidade emancipatória do texto constitucional9, também no que respeita à atividade tributária do Estado, rechaçando qualquer vetusta concepção de poder de tributar, faz-se mister adentrar na noção de sistema. Esclarecida tal noção, afastando-se qualquer vezo positivista ou formalista, procede-se à negação da concepção originária do denominado ‘poder de tributar’, fundado em suposto império estatal, de onde provêm as denominadas receitas derivadas, de que é expressão o tributo, principal fonte de financiamento da ação estatal. A partir de então, sustenta-se uma leitura dirigente do sistema constitucional tributário, renovando a noção constitucional de tributo, informada e enformada pelo dirigismo constitucional e pela principiologia, a fim de reestruturar o sistema constitucional tributário com a percepção de sua necessária relação não apenas com a defesa da liberdade e da propriedade em face da tributação arbitrária, mas pela concatenação finalística e funcional com as ações destinadas a implementação dos direitos fundamentais por propiciar o financiamento das políticas públicas. Essa compreensão não se impõe senão pela irradiação da eficácia do princípio da solidariedade, agregado ao sistema constitucional, com as imposições que disso decorram e que, por sua vez, relaciona-se intimamente com os princípios republicano e da dignidade da pessoa humana.

2.1 Noção de sistema e o sistema constitucional tributário A qualidade de sistema é das mais caras noções em Direito, notadamente porque pertence ao jurista a função de buscar uma ordenação sistemática nos elementos que são objeto da ciência jurídica, posto que a produção legislativa de há muito já foi percebida como sendo destituída de um natural caráter coeso, unitário, completo e coerente, notadamente com a rejeição do vetusto mito do legislador racional, expressão mais pura do dogmatismo, do legalismo e do formalismo que tanto prejudicaram o desenvolvimento do direito como instrumento de transformação social, papel que lhe é conferido nos Estados que possuem constituições dirigentes.

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Nesse sentido, Gadamer (1999, p. 672) aponta que “[...] a linguagem não constitui o verdadeiro acontecer hermenêutico enquanto linguagem, enquanto gramática nem enquanto léxico, mas no vir à fala do que foi dito na tradição, que é ao mesmo tempo apropriação e interpretação.”

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Segundo Canaris (1996, p. 9-13), após tecer considerações sobre a concepção de sistema em sede filosófica, aponta a existência de uma concordância, expressada também no campo jurídico, de que todo e qualquer sistema se apresenta integrado pelas características de ordem e unidade, que mantém constante intercâmbio. Entretanto, salienta Canaris (1996, p. 9-16) que não se pode conceber que o Direito, em si mesmo, encerre tais características, que se impõem à atividade científica no sentido de exigir que as construções da ciência jurídica tenham ordem e unidade, não como axiomas ou postulados metodológicos, mas como imperativos éticos, ressaltando que “[...] a ideia do sistema jurídico justifica-se a partir de um dos mais elevados valores do Direito, nomeadamente do princípio da justiça e das suas concretizações no princípio da igualdade e na tendência para a generalização”. Assim, a concepção do Direito como sistema teria a função de propiciar uma adequação valorativa e a unidade interior da ordem jurídica (CANARIS, 1996, p. 23), sistema esse que não é de lógico, não é conceitual, mas teleológico ou axiológico. Ademais, os sistemas jurídicos – que se integram a um único sistema – são abertos, tanto à realidade quanto internamente, com relação aos demais sistemas jurídicos, o que se destaca no que respeita ao sistema constitucional pela abertura linguística dos enunciados normativos de princípios e de regras, exigente de uma concretização que denota a unidade fundamental da compreensão, interpretação e aplicação

(GADAMER, 1999, p. 459-460).

Adentrando, com tais postulados, na análise da compostura

que respeita ao

sistema constitucional tributário, evidencia-se a necessidade de revisitá-lo a fim de compatibilizar a sua estruturação e funcionalização ao caráter dirigente da Constituição Federal de 1988. Nesse sentido, Geraldo Ataliba (1968, p. 8), tratando da questão antes do advento da Constituição Federal de 1988, considera o sistema constitucional tributário como “conjunto de princípios constitucionais que informa o quadro orgânico de normas fundamentais e gerais do direito tributário, vigentes em determinado país”, asserindo que as normas constitucionais se ordenam em função de um princípio comum, que consiste, justamente, na matéria tributária. O sistema constitucional tributário encontra-se, consequentemente, fincando na Constituição Federal, não se podendo admitir, entretanto, como o faz Geraldo Ataliba, que se constitua como um sistema parcial, adstrito à topografia constitucionalmente expressa, afigurando-se muito mais pertinente a concepção de Humberto Ávila (2004, p. 22-24) que, em crítica assaz pertinente, obtempera ser reducionista situar o sistema 20

constitucional tributário apenas pela sua topografia constitucional através dos dispositivos que expressamente regulam a matéria constitucional, o que acarreta – embora se reconheça, como o próprio Ataliba faz, uma relação entre os sistemas parciais e desses com o sistema total – uma perda das relações de implicação mútua e recíproca entre os princípios e regras constitucionais. Com efeito, considera Ávila que “O agrupamento externo das normas tributárias na Constituição Brasileira conduz à presunção de que o sistema tributário ou está somente regulado no capítulo do ‘Sistema Tributário Nacional’ ou não possui uma profunda relação horizontal com a Constituição toda”. Assim, mais adequada do que a concepção de que existem sistemas parciais e totais, configurados abstratamente, arranjados em ordem e unidade, infere-se que há uma superposição de sistemas constitucionais, de modo que o sistema constitucional tributário é informado e enformado pela constituição como um todo, inclusive pelo caráter dirigente que deflui do art. 3°. Não se pode deixar, entretanto, de referir à concepção de sistema normativa de Sacha Calmon, que abriga não apenas as normas, mas também por descrições conceituais, atributivas e principiológicas, malgrado conferia à ciência jurídica caráter meramente descritivo (COELHO, 2000, p. 72 e 94). Ressalte-se, ainda, que a ordenação, na esteira do que sustentado por Canaris (1996, p. 18-19), deve significar uma exigência de uma adequação axiológica dos princípios e regras do sistema na resolução de um problema concreto, enquanto a unidade, a par de ensejar a constatação de elemento agregador e ao qual se convergem os demais – podendo consistir nos princípios e nos objetivos republicanos fundamentais – caracteriza-se como expressão da isonomia na composição do sistema, sistema este aberto à pluralidade de valores e interesses, que se submetem às relações de coordenação e de restrição recíprocas. Assim, há de se constatar que o sistema constitucional tributário brasileiro possui duas características que o distinguem e exigem uma maior atenção do intérprete, sendo uma que resulta da extensão disciplina constitucional sobre a atividade tributária, conferindo-lhe rigidez (ATALIBA, 1968, p. 18); a outra características, mais funcional do que estrutural, concerne ao caráter dirigente da Constituição Federal, consubstanciada na existência de imposição de tarefas vinculantes ao Estado e conformadoras da sociedade que importem na transformação da realidade para concretização máxima de objetivos e fins axiologicamente relevantes e que se consubstanciam como cláusulas de utopia (CANOTILHO, 1994). 21

Por conseguinte, se o caráter interventivo da tributação sobre a propriedade e sobre as liberdades, sobre direitos fundamentais, justifica a analítica disciplina constitucional, retirando a estruturação do sistema tributário da competência legislativa ordinária, conferindo rigidez na preservação de tais valores, em proteção ao contribuinte, não se pode ignorar que o dirigismo constitucional impõe, forte na dimensão eficacial e positiva do princípio da solidariedade social, a existência de imposições constitucionais ao legislador e à Administração Pública, como também aos contribuintes em geral. Nesse sentido, o dirigismo constitucional, estendendo-se na compreensão e compostura do sistema constitucional tributária, impõe o desenvolvimento de uma política tributária e, correlativamente, de uma política financeira que se integre ao planejamento da ação estatal vinculado à formulação, implementação e execução de políticas públicas que se dirijam à realização dos direitos fundamentais, em suas múltiplas dimensões eficaciais. Para tanto, o sistema constitucional tributário não pode ser entendido de forma isolada e sem concatenação material com os demais sistemas abrigados pela Constituição Federal, concebendo-o apenas como limitação negativa da atividade tributária do Estado. Revela-se imprescindível a compreensão de que o caráter dirigente importa na instauração de um Estado Fiscal em que se reconheça a existência de deveres fundamentais, expressos pelas imposições constitucionais concernentes aos objetivos fundamentais e à realização dos direitos fundamentais, e que viabilizem a arrecadação de recursos de forma solidária da sociedade, participando cooperativamente do financiamento da ação estatal na consecução dos ditos objetivos. Opera-se, pois, quanto ao sistema constitucional tributário o que Eros Roberto Grau (2004, p. 80) identifica no âmbito da ordem econômica, ou da constituição econômica, como se observa do excerto abaixo transcrito, in verbis: Ademais, sendo o direito elemento constitutivo do modo de produção, a contemplação, nas novas Constituições, de um conjunto de normas compreensivo de uma ‘ordem econômica’ não é expressiva, como observei, senão de uma transformação que afeta todo o direito. Mas essa transformação se reproduz, no nível constitucional, primária e fundamentalmente em razão de as Constituições deixarem de ser estatutárias, transformando-se em diretivas. O sistema constitucional tributário, então, deixa de ser apenas garantista e protetivo, no sentido de limitar o arbítrio do poder de tributar em defesa dos direitos 22

fundamentais, e passa a ser funcionalmente vinculado à realização dos direitos fundamentais, posto que os custos da concretização de tais direitos devem ser viabilizados pela tributação. Com efeito, o tributo, que já foi expressão de arbítrio, passando a ser expressão de império e, depois, da legalidade, já no Estado de Direito, vem a se tornar a expressão do compromisso social e comunitário, de matiz republicana, de realizar os direitos fundamentais; logo, o sistema constitucional tributário, além de limitações negativas, passa a conter diretrizes e imposições ao Estado e à sociedade que se destinam a maximizar e otimizar a arrecadação, com a preservação da capacidade contributiva e, consequentemente, reduzir os condicionamentos fáticos para a realização dos direitos fundamentais, com a redução ao mínimo possível da chamada reserva do possível ou escassez orçamentária. E em tal sistema, o elemento de adequação interna, conferindo unidade ao sistema, apresenta-se como sendo, inequivocamente, o princípio da solidariedade social, residente no art. 3° da Constituição Federal, mas concretizado substantivamente na relação existente entre o Estado, a atividade tributária e a sociedade, como será adiante apurado. Tais considerações permitem constatar que a compreensão do sistema constitucional tributário exige uma readequação em face da novidade do dirigismo constitucional instaurado a partir de 1988, novidade esta que, por ainda não ter sido concebida como o novo, não despertou o estranhamento que propiciasse a atualização teórica sobre a compostura do aludido sistema, com suas decorrências. Identificada a nova fundação do sistema constitucional tributário, insta explicitar que a instauração da ordem constitucional de 1988 afasta a possibilidade de existência de um poder de tributar, da mesma forma que altera a noção do tributo, que, a par de ser dogmaticamente a estabelecida pelo Código Tributário Nacional, encerra um conteúdo constitucional de matiz axiológico que não pode ficar obnubilado. O sistema constitucional tributário, tanto garantista como dirigente, não abriga qualquer possibilidade de poder de tributar e também não admite uma noção de tributo que não esteja revele a sua dimensão de vínculo de solidariedade social pelo pertencimento à comunidade e comprometimento com a realização dos direitos fundamentais, a exigir um aprofundamento no que respeita ao poder de tributar e ao tributo.

2.2 Constitucionalismo, dirigismo constitucional e poder de tributar 23

Como já salientado, o constitucionalismo moderno surge como um processo político, ideológico e jurídico, de buscar a racionalização do exercício de poder, contendo-o, domesticando-o e limitando-o em defesa da pessoa humana, notadamente diante das duas manifestações de maior arbítrio estatal duramente, quais sejam, o jus puniendi e o poder de tributar. Nesse sentido, pode-se apontar a primeira consagração de uma limitação ao poder de tributar, associada ao constitucionalismo, na Magna Carta de 1215 do Rei João Sem Terra, que consagrou o princípio da estrita legalidade, na forma do seu art. 12, abaixo transcrito, in verbis: 12. No se impondrá en nuestro reino ningún auxilio ni impuesto por servicio de armas, sin el Consejo Común de nuestro reino, salvo para redimir nuestro cuerpo, hacer caballero al primogénito de nuestros hijos y cazar una vez la primogénita de nuestras hijas; y para estas cosas no se hará sino una contribuición razonable10. Lo mismo hará en materia de auxilios la ciudad de Londres. (VÉLEZ, YUSTAS, 1996, p. 586) Seguiram o legado da experiência constitucional inglesa, ampliando-a, os Estados Unidos, instaurador do constitucionalismo moderno, que teve como um dos marcos de insatisfação popular, responsável por insuflar o movimento pela independência, a resistência das ex-colônias a se submeterem às exorbitantes exações da Inglaterra sem que houvesse aquiescência das assembleias respectivas. Assim, o poder de tributar era decorrência das mais gravosas da soberania, ressaltando Thomas Cooley (2004, p. 479) que não há nenhum atributo da soberania que seja mais invasivo e que afete tão constantemente as relações da vida que não o poder de tributar, destinando-se a arrecadar recursos para os fundos públicos. Assenta, ainda, que nenhum governo pode existir sem a tributação e que os governos arbitrários que exijam as exações de forma indevida e irregular relevam-se como despóticos. O constitucionalismo, exprimindo, conforme concepção de Canotilho (s/d., 5152), uma teoria ou ideologia normativa da política, voltava-se, dentre outras funções, a conter o arbítrio de arrecadação do Estado, erigindo-se em face do poder de tributar, tão prejudicial à atividade econômica; de outra parte, com a instauração do liberalismo, com a primazia do mercado e a instituição do Estado liberal, de intervenção sobre a ordem econômica excepcional e pontual, em caráter tópico e subsidiário, a carga tributária necessariamente seria reduzida, dando ensejo às condições propícias para a exploração

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Certamente a previsão de razoabilidade da instituição de tributo se caracteriza como um dos antecedentes do princípio da proporcionalidade no âmbito tributário. 24

das atividades econômicas pelos que detinham outro poder – talvez mais grave, por mais injusto e desigual, do que o poder de tributar –, o poder econômico. Portanto, com a instituição do Estado de Direito, no constitucionalismo liberal, o poder de tributar era entendido como decorrência da soberania e que precisava ser contido para que não exaurisse a livre iniciativa e a propriedade, como bem registra Sampaio Dória (1986, p. 2-5), em reedição do que ocorrido durante todo o período do Estado Absolutista.11 Não obstante isso, a evolução do constitucionalismo, concomitantemente com o desenvolvimento do contexto sócio-político e cultural, impôs uma alteração profunda na compreensão do que consistiria no poder de tributar, de modo a negar-se, atualmente, a sua existência, haja vista devidamente subjugado pelo direito constitucional, transmutando-se de poder político em poder de direito, ou seja, em poder regrado pelo direito e cuja justificação não reside senão no próprio direito, cumprindo que se supere a concepção doutrinária que funda a tributação no império estatal. Com efeito, não se pode considerar que exista poder de tributar, ao menos segundo a feição do constitucionalismo brasileiro atual, porque a atividade impositiva não deriva do império ou da soberania estatal, mas das competências constitucional e democraticamente previstas. A própria noção de competência já importa numa parcela de poder, delimitado e regrado para se dirigir a determinadas finalidades e submeter-se a limites, pelo que a noção de poder tributário se substitui pela de competência tributária, de caráter republicano, democrático e libertário. A atividade tributária se caracteriza como uma expressão de exercício do poder, poder esse que, ao ser juridicamente regrado, passa a se constituir como uma competência, que, conceitualmente, corresponde a uma delimitação de poder pelo direito. Contudo, tal compreensão ainda não releva plenamente a significação da superação do poder de tributar pela atividade tributária12, desempenhada de maneira não apenas limitada pelo sistema constitucional, mas dirigida pelo próprio sistema constitucional; ou seja, o constitucionalismo não apenas coloca obstáculos e vedações à tributação, mas confere-lhe funções positivas que devem ser observadas pelo Estado por

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Também no Brasil são por demais conhecidos os movimentos se insurreição em que um dos elementos de insatisfação era a tributação, como a Inconfidência Mineira. 12 Em consonância com a concepção de Marco Aurélio Greco (2007, p. 60), assentado numa perspectiva procedimental do tributo, caracterizando a potestade tributária como atividade integralmente normatizada e normativa. 25

se relevarem como imposições constitucionais concretas, denotativas de deveres fundamentais. E tal se dá pela compostura dirigente da Constituição brasileira de 1988, diante da qual todo o sistema constitucional, com os seus subsistemas, dentre os quais o tributário, estão vinculados à realização ótimas dos objetivos fundamentais e da realização máxima dos direitos fundamentais que, como já explicitado, são custosos. Ora, com tais considerações não se está a olvidar que a tributação passou a justificar-se pela necessidade de a comunidade contribuir para o sustento do Estado na prestação de serviços públicos, fazendo face às necessidades sociais e viabilizando a prestação de serviços públicos. Essa concepção, contudo, não permite aferir a “viragem” efetuada pela instauração do constitucionalismo dirigente com o advento da Constituição de 1988, como se pode bem identificar a partir de um trecho de Alexis de Tocqueville (2001, p. 254), em que expõe o seu critério para verificar uma tributação justa, indicando ser aquela em que, após ser paga a exação, “[...] o pobre conserva os seus recursos e o rico, o supérfluo; ambos parecem satisfeitos com a sua sorte e procuram cada dia melhorá-la ainda mais, de tal modo que os capitais nunca faltam à indústria, e a indústria, por sua vez, nunca falta aos capitais.” Com a devida ponderação de que os pobres a que se referia Tocqueville não são os pobres assim considerados atualmente, um tal sistema tributário, que permita a concentração de riqueza e não a redistribua, destinando-se apenas a financiar a preservação do sistema econômico e a prestação de serviços públicos mais básicos, não poderia ser, à luz do dirigismo constitucional pátrio, ser reputado como um sistema tributário justo. Nesse sentido, embora já se reconhecesse que a atividade tributária se justifica pela necessidade de viabilizar os fundos públicos que permitam a manutenção do Estado, o constitucionalismo contemporâneo, exaltando os direitos fundamentais, impõe que se associe a tributação aos aludidos direitos, entendendo-a como meio da sociedade compartilhar o provimento dos recursos necessários e imprescindíveis para a realização libertária e emancipatória dos direitos fundamentais e, no caso brasileiro, ainda includente e materialmente isonômica. O que se ressalta, então, é a necessária concatenação que, com o neoconstitucionalismo e, no caso brasileiro, por força do constitucionalismo dirigente, a atividade tributária deve possuir para com os direitos fundamentais, na medida em que viabiliza a participação responsável dos membros da comunidade no custeio da ação estatal voltada à implementação deles e dos objetivos fundamentais. 26

Essa interação funcional e finalística entre tributação e direitos e objetivos fundamentais, propiciada pelo que – unindo o constitucionalismo dirigente com o neoconstitucionalismo – se pode vir a chamar de dirigismo neoconstitucional, malgrado da maior importância, tem sido pouco explorada e analisada por ser a dimensão de responsabilidade, de deveres e de custos a face oculta dos direitos fundamentais, como bem assinalado por José Casalta Nabais (2007, p. 166). Em corroboração ao que se vem de afirmar, Marco Aurélio Greco (2005, p. 177), analisando a tributação no novo contexto constitucional, afirma que a tributação consistia apenas num poder juridicizado pela constituição, segundo a concepção clássica de Estado de Direito; contudo, com o advento da Constituição Federal de 1988, a juridicização do poder passou a ser funcionalizada, legitimando-se apenas enquanto funcionalmente justificado, voltando-se à “[...] busca da construção da sociedade livre, justa e solidária”, transformando-se o sistema constitucional tributário de uma disciplina do “não-fazer” para uma que impõe o “dever-fazer”, concluindo como se verifica do excerto abaixo, in verbis: Com isto, a tributação deixa de ser mero instrumento de geração de recursos para o Estado, para se transformar em instrumento que – embora tenha este objetivo mediato – deve estar em sintonia com os demais objetivos constitucioanis que, por serem fundamentais, definem o padrão a ser atendido. ....................................................................................................... Assim, na ponderação de valores constitucionais, o peso do valor ‘arrecadação’ (por estar circunscrito ao âmbito tributário) é menor do que o peso do valor ‘solidariedade social’ (por ser um objetivo fundamental)”. Logo, o constitucionalismo dirigente brasileiro impõe uma remodelação do sistema constitucional tributário, como explicitado, e uma transmutação do poder de tributar, deixando de residir no império estatal ou na necessidade de prover a mantença do Estado para se justificar como expressão do dever de solidariedade social. A tributação deixa de ser mecanismo de opressão para tornar-se compromisso comunitário compartilhado para a promoção, pelo financiamento da ação estatal, dos direitos fundamentais e dos objetivos primordiais da Constituição. Esse compromisso, em verdade, caracteriza-se como um dever fundamental resultante do princípio da solidariedade, compondo a noção que Nabais (2007, p. 189191) chama de cidadania fiscal e que, por sua vez, advém da devida compreensão do princípio republicano. 27

Ora, é através da atividade tributária que o povo sustenta o que é seu, assegura a res publica que, enquanto coisa pública, exige a participação solidária e cooperativa de todos que a ela se referem, de que são titulares e a que pertencem, reciprocamente. O sentido republicano reforça a eficácia jurídica do princípio da solidariedade, conferindo-se uma força dirigente mais intensa no sentido de não apenas justificar e fundar o dever de pagar impostos, mas também deveres outros, oponíveis ao Estado, e que são de alocar recursos conforme as destinações constitucionais, e de executar as alocações de recursos orçamentárias direcionadas às finalidades constitucionalmente impositivas, operando uma forçosa redução da reserva do possível. Por assim dizer, o outrora arbitrário e nefasto poder de tributar converte-se, nos quadrantes do dirigismo neoconstitucional, num feixe de competências que se justificam na solidariedade e no princípio republicano13, transformando-se de dever de prover a mantença do Estado em dever de propiciar o financiamento da ação estatal e das políticas públicas vinculadas à realização dos objetivos e dos direitos fundamentais. Por conseguinte, se o constitucionalismo domesticou o poder de tributar, o constitucionalismo dirigente o extinguiu, trazendo em seu lugar a noção de atividade tributária como observância das imposições constitucionais oriundas imediatamente da solidariedade social, vinculando-se ao financiamento dos custos de promoção, proteção, garantia e satisfação dos direitos fundamentais, atinentes aos objetivos republicanos. Posto isto, infere-se que, se o constitucionalismo dirigente, potencializado pelo neoconstitucionalismo, promoveu uma “viragem” funcional e axiológica na compreensão do sistema constitucional tributário, repercutindo para a transformação do poder de tributar em atividade tributária justificada pelo compartilhamento comunitário do custeio da ação estatal e das políticas públicas de realização dos direitos fundamentais, notadamente daqueles com feição social e redistributiva, tal “viragem” também se estende ao tributo, cujo conceito dogmático, formulado a partir do art. 3° do Código Tributário Nacional, não denotar a sua representatividade no plano constitucional.

2.3 Noção constitucional de tributo e Direito Tributário As considerações acima delineadas indicam que o conceito dogmático de tributo, previsto no art. 3° do Código Tributário Nacional, apresenta-se como insuficiente para a caracterização do seu caráter funcional, não denotando o relevo de que se reveste para a

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reabilitação de um Estado Social que se destine a viabilizar a realização de políticas públicas destinadas à implementação dos objetivos assentados no art. 3° da Constituição Federal. Não obstante isso, a doutrina costuma assentar a sua conceituação nos elementos normativos previstos no Código Tributário Nacional, como se vislumbra do entendimento abalizado de Paulo de Barros Carvalho (1999, p. 15-16), ao sustentar que ‘tributo’ é uma expressão plurívoca, com ao menos seis sentidos que podem ser extraídos dos textos legais, quais sejam, a) como quantia em dinheiro, b) como prestação objeto de dever jurídico, c) como direito subjetivo, d) ou remetendo à relação tributária, e) ou ainda como norma jurídica, f) e como norma, fato e relação jurídica. Registra que o primeiro sentido, embora o mais comum, é também utilizado pela legislação tributária, exemplificando com o art. 166 do Código Tributário Nacional. O tributo representa a mais nítida decorrência da solidariedade social, posto que, viabilizando a apropriação estatal de parcela da riqueza produzida resultantes de signos presuntivos de riqueza, propicia a receita derivada que, nos quadrantes contemporâneos, é a responsável pelo financiamento da ação estatal. Após a análise de tais sentidos, Paulo de Barros Carvalho (1999, p. 19-20) se concentra na concepção do tributo como norma, afirmando que corresponde a toda a fenomenologia da incidência tributária, tecendo uma pormenorizada dissecação do conceito legal de tributo e, em consonância com as suas premissas teóricas. Também Geraldo Ataliba (1998, p. 31-33) esquadrinha a definição legal do art. 3° do Código Tributário Nacional, advertindo, porém, que o conceito de tributo é constitucional e, como tal, não pode a lei alargá-lo, reduzi-lo ou modificá-lo. Já Marco Aurélio Greco (2007, p. 56-57), após expor a evolução conceitual do tributo, deixando de exprimir uma coerção patrimonial pela qual o Estado se apropriava da riqueza para atender às necessidades públicas, tornou-se uma relação jurídica, evoluindo a ponto de ser considerado como obrigação e, finalmente, como norma, concepção essa que, segundo o autor, ensejou a inserção de uma visão procedimental e dinâmica do Direito Tributário, pela qual “[...] não se estuda mais o tributo em si, estaticamente desligado de seus antecedentes e consequentes, mas procura-se compreendê-lo como um momento de aplicação da norma tributária”, permitindo a explicação de vários problemas que não eram adequadamente resolvidos pela vetusta concepção de tributo. 13

Nesse passo, cumpre colacionar excerto de Carmem Lúcia Antunes Rocha (1996, p. 91), para quem “A vocação da República é a comunidade. A cidade é pública. A sua Constituição, República. O seu governo, 29

Ora, afigura-se que, efetivamente, a conceituação do art. 3° do Código Tributário Nacional não mais condiz com a noção constitucional de tributo14, permeada pelas modificações progressivas tanto à noção de sistema constitucional tributária quanto de atividade tributária, acima indicadas, com repercussão inexorável em sua conceituação. O tributo afigura-se um dever fundamental fundado na solidariedade e, como tal, impositivo da participação comum de todos para o financiamento não do Estado ou dos serviços públicos, mas das políticas e da ação estatal voltada aos objetivos e aos direitos fundamentais. Tal noção sobreleva o aspecto finalístico e, como tal, funcional do tributo, posto a sua justificação, que se legitima apenas humanisticamente, viabilizando as condições financeiras para a implementação máxima dos direitos sociais. Como o sistema econômico capitalista já revelou a sua incapacidade para viabilizar o crescimento ético da economia, tendo em vista que os agentes atuam baseados no seu auto-interesse que, ao contrário do que pressupunha Adam Smith, não conduz necessariamente ao bem-estar de todos, a ação estatal só pode se destinar para a redistribuição de parcela da riqueza nacional pelo custeio promovido mediante a arrecadação da promoção, garantia, proteção e satisfação dos direitos fundamentais. Tal aspecto já fora percebido por René Savatier (2006, p. 349), que em obra notável, buscando associar os valores contábeis do Estado aos valores humanos, aos quais aqueles devem servir, assinala que o crescimento econômico não é o meio de satisfazer ao máximo as necessidades humanas, cabendo ao Estado a coordenação da satisfação geral das necessidades com o auxílio dos valores contábeis que o crescimento econômico propicia. Assim sendo, não se pode pensar e refletir sobre a efetivação dos direitos fundamentais, a força normativa do dirigismo constitucional, a realização máxima das cláusulas de utopia constitucional sem que se preste a atenção no tributo, elemento substancial num Estado Democrático de Direito que, por extrair dele a sua mais importante fonte de financiamento, configura-se, igualmente, como Estado Fiscal. A concepção dogmática do tributo como sendo toda prestação pecuniária compulsória, instituída em lei e que não seja sanção de ato ilícito, cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada, obscurece a dimensão funcional e a justificação teleológica do tributo. res publica. 14 Para Ataliba (1998, p. 36-37) o conceito de tributo é lógico-jurídico, variável ao sabor do ordenamento jurídico, não havendo características inerentes ao tributo. 30

Esse aspecto é sentido não apenas no Brasil, mas também na Itália, como informa Cláudio Sacchetto (2005, p. 22-23) ao asseverar que o advento da Constituição republicana na Itália imprimiu uma alteração na relação do Estado, enquanto autoridade, e cidadão, enquanto sujeito passivo da obrigação tributária, repercutindo na mudança da noção de tributo. Prossegue o autor italiano refutando as teses que conferem ao tributo um caráter bilateral e contraprestacional, reputando que “O tributo caracteriza-se, ao invés, pela sua aptidão a determinar o concurso às despesas públicas”. A noção constitucional do tributo, acima indicada, como vínculo de solidariedade impositivo do compartilhamento do financiamento e custeio das ações e políticas destinadas aos direitos fundamentais, alberga em si mesma o aspecto da destinação dos recursos, do gasto público, matéria usualmente conferida à seara do Direito Financeiro. A despeito de tal circunstância, como já suscitado, o constitucionalismo dirigente tem o condão de viabilizar a renovação de fetiches e conhecimentos reproduzidos acriticamente; ademais, há uma interação e interdependência inequívoca entre o Direito Financeiro e o Direito Tributário, sem impedir que exista, inclusive, uma zona de interseção entre ambos, cuja diferenciação se dá pela abordagem e objetivos diferenciados. A noção constitucional de tributo, fundada na solidariedade e abrangente da destinação da arrecadação, repercute, consequentemente, sobre o Direito Tributário enquanto ramo da Ciência Jurídica, integrando ao seu marco de investigação a questão atinente ao gasto público, contrariamente ao entendimento firmado por Paulo de Barros Carvalho (2000, p. 15-17) e em consonância com as observações de Marco Aurélio Greco (2007, p. 58-59), notadamente ao sustentar que as contribuições são espécies tributárias que infirmam o art. 4° do Código Tributário Nacional porque se legitimam a partir do critério de validação finalístico. Por conseguinte, a noção constitucional do tributo remete a uma recomposição dos marcos do Direito Tributário, tornando-se, a par de ainda se adequar, parcialmente e com ressalvas, ao art. 3°, a ser entendido como dever fundamental, resultante do vínculo de solidariedade pelo pertencimento a determinada comunidade, acrescido do relevo da destinação para o financiamento das medidas de realização dos direitos fundamentais; a partir daí, os laços entre Direito Tributário e Direito Financeiro se fortalecem, estabelecendo-se até mesmo uma zona de interação e interseção entre ambos, consubstanciada no gasto público.

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Dessarte, revisitado o sistema constitucional tributário, com os desenvolvimentos oriundos do dirigismo neoconstitucional, faz-se mister adentrar na temática do princípio da solidariedade, com a apreciação de sua natureza, potencialidade normativa e eficácia jurídica. . 3 O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE NO CONSTITUCIONALISMO DIRIGENTE Malgrado a importância que se atribui no presente estudo ao princípio da solidariedade, não se vislumbra que a doutrina tenha uma constante preocupação em situá-lo e explorá-lo quanto procede a uma análise dos princípios constitucionais que incidem sobre a atividade tributária do Estado. A guisa de ilustração, Victor Uckmar (1999), ao se dedicar sobre o que reputa como princípios comuns de Direito Constitucional Tributário, debruça-se sobre os princípios da legalidade, da igualdade e da competência. Hugo de Brito Machado (2001) dedica-se à legalidade, à isonomia, à capacidade contributiva, ao princípio da anterioridade e da vedação de confisco, bem como ao da liberdade de tráfego, tratando, ao final, de princípios como o da não surpresa, e os da seletividade e não cumulatividade, além da progressividade. José Manuel Galego Peragón (2003), igualmente, trata dos princípios da capacidade econômica, da igualdade, da progressividade, do não confisco e da generalidade, embora quanto a esse último aborde aspectos que se assemelham parcialmente ao conteúdo material do princípio da solidariedade ao sustentar o dever de contribuir para os gastos públicos por toda a coletividade apenas pela circunstância do indivíduo pertencer e ela. Também Carraza (2003) não se dedica especificamente ao princípio da solidariedade, malgrado aborde o princípio republicano, que se relaciona intimamente com a noção constitucional de solidariedade no contexto constitucional brasileiro. Não obstante isso, pode-se identificar, mais recentemente, uma preocupação doutrinária com a temática da solidariedade, tanto aqui (GRECO, 2005), como alhures (NABAIS, 2007), como também investigações que exorbitam o âmbito da tributação, mas que promovem a necessária correlação aqui sustentada (MARTÍN, 2006). O mais interessante, como ressalta José Casalta Nabais (2007, p. 142-143), é que a solidariedade vem partilhando das constituições contemporâneas justamente porque ela não tem um domínio de incidência específico, difundindo-se por todos os âmbitos da vida comunitária e da existência e funcionalidade estatal, de modo que “[...] está, pois, na ordem do dia um pouco por toda a parte”. 32

Com efeito, o surgimento da noção de solidariedade como princípio jurídico e a sua constitucionalização não são coetâneos ao advento do constitucionalismo moderno, sendo

um

“[...]

principio

constitucional

definitorio

y

fundante

de

este

constitucionalismo del Estado social” (NABAIS, 2007, p. 45). Corresponderia, então, ao momento de efetivação constitucional do terceiro termo do lema revolucionário francês – liberté, égalité e fraternité –, diferenciando-se da noção que José Casalta Nabais identifica como sendo solidariedade dos antigos, em que expressa a virtude indispensável das relações de grupo, tornando-se um princípio de organização jurídica e política cuja relação com os direitos fundamentais é ressaltada com felicidade por Gregório Peces-Barba Martinez (1999, p. 180), em excerto abaixo transcrito, in verbis: A diferencia de los demás valores que fundamentan directamente derechos, la solidariedad fundamenta indirectamente derechos, es decir, lo hace por el intermedio de deberes. De una reflexión desde comportamientos solidarios se deduce la existencia de deberes positivos que corresponden directamente a los poderes publicos o que éste atribuye a terceiros, personas físicas o jurídicas. Estos deberes positivos tienen como correlativos a derechos que podemos, así, fundar en el principio de solidariedad [...] Adiante, prossegue Peces-Barba (1999, p. 282), salientando que a compreensão adequada do princípio da solidariedade impõe uma séria de deveres positivos ao Estado de remover obstáculos e promover condições de acesso e realização dos direitos fundamentais. Assim, o princípio da solidariedade não se reduz à inspiração apenas e tãosomente dos direitos fundamentais de terceira dimensão, os coletivos e os difusos, tendo um conteúdo jurídico que embasa a noção de comprometimento comunitário, apenas pelo fato natural de pertencimento à determinada comunidade, impositivo do vínculo jurídico de partilhar e participar de fins e interesses de todos sem o desejo de contraprestação ou benefício específico em caráter de retribuição ou contraprestação. Evidencia-se, pois, que a solidariedade apresenta a sua feição mais nítida justamente pela correlação que dela se estabelece entre alguns deveres fundamentais e os direitos fundamentais, a partir da dimensão de que todos os direitos fundamentais demandam custos e de que os objetivos fundamentais do Estado são realizados à medida que se concretizam e efetivam os direitos fundamentais, a cuja responsabilidade deve ser chamada toda a sociedade e que, o que interessa ao presente estudo, notadamente a

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partir do dever fundamental de contribuir ao financiamento dos gastos públicos provendo a receita derivada. Tal dever fundamental, todavia, não se justifica por si só ou desvinculado e desapegado à sua justificação axiológica, posto que não há solidariedade para nada sem qualquer ação teleologicamente orientada. Não se é solidário sem destinação. A solidariedade está sempre fundada na promoção de algo, de um estado de coisas ou de uma situação que é comunitariamente valiosa e imperiosa. A solidariedade é relacional e conduz a um vínculo de pertencimento (SACCHETTO, 2005, p. 14-15), remetendo a um comprometimento não egoístico para com o outro que, por sua vez, reflete-se no comprometimento para consigo próprio. Assim, a solidariedade é compromisso comunitário e promoção conjunta de um objetivo. Nesse sentido, consegue-se vislumbrar a relação inextrincável e incindível entre a solidariedade, a tributação e os direitos fundamentais, haja vista que a tributação exprime a via de participação no financiamento comunitário para a consecução dos objetivos fundamentais, que se condensam e concretizam particularmente nos direitos fundamentais. E tais objetivos consubstanciam, no constitucionalismo dirigente, cláusulas de utopias vinculantes e obrigatórias para o Poder Público, pelo que os deveres fundamentais que se dirigem da solidariedade para a comunidade repercutem na imposição de deveres também fundamentais ao Estado, ainda que não derivem direta e imediatamente dos direitos fundamentais ou de um direito fundamental específico. É pela tributação que a comunidade partilhará o projeto de construção de si própria de forma justa, livre e solidária, cabendo ao Estado, entretanto, envidar os esforços e ações que sejam finalisticamente leais, compatíveis e pertinentes ao esforço de arrecadação propiciado pelo gravame, pelo que a solidariedade se reveste como justificação difusa de toda a atividade tributária porque voltada ao financiamento comum da promoção, proteção, garantia e satisfação dos direitos fundamentais, através do que se empreende a realização dos objetivos fundamentais. Percebendo tal aspecto, pode-se desenvolver com Sacchetto (2005, p. 26) a perspectiva de que, contemporaneamente, um dos postulados do da exigência tributária é justamente não se apresentar apenas como um caráter meramente fiscal de prover fundos ao Estado que sejam ordenados e alocados livremente segundo a liberdade de conformação do legislador democraticamente eleito, pois se afigura como um instrumento de promoção de fins extrafiscais da ordem econômica e social. Assim, “Se 34

o Estado exige os tributos em razão de um dever de solidariedade, isto significa igualmente que a função de exigência tributária não é meramente fiscal”.15 Em Estados como o brasileiro, de capitalismo periférico com alto grau de exclusão social e concentração de riqueza, a justa medida da tributação é questão prévia a ser aferida em todo e qualquer planejamento para formulação de políticas públicas, pois não se pode estruturar a ação pública sem os meios e recursos financeiros que lhe deem respaldo. Nesse contexto, a dimensão participativa e finalística da solidariedade social, impositiva de deveres fundamentais instrumentais para a realização compartilhada e comunitariamente custeada dos direitos fundamentais é potencializada pelo dirigismo neoconstitucional, além de imperativo ético decorrente das péssimas condições sociais existentes do Brasil, afigurando-se como uma resistência às políticas de retração social defendias pelo liberalismo em virtude da afirmada crise de financiamento do Estado Social. Diante disso, pode-se identificar, como conteúdo jurídico fundamental do princípio da solidariedade, no que interessa ao presente estudo, de um dever fundamental imposto ao Estado de redução da reserva do possível, ou seja, de mitigação da escassez de recursos orçamentários que sejam atrelados à satisfação dos direitos fundamentais. Tal dever, como será explicitado, resulta de pelo menos quatro outros deveres fundamentais, quais sejam, o dever fundamental de pagar tributos, o dever fundamental de exercício integral da competência tributária, o dever fundamental de alocação de receita conforme a destinação constitucional, bem como o dever fundamental de execução de receita orçamentária destinada às áreas concernentes aos direitos fundamentais, caracterizando-se tais deveres como imposições constitucionais concretas por força do dirigismo constitucional, de caráter vinculante e limitador da chamada liberdade de conformação. Cumpre, então, procede-se a uma análise do conteúdo jurídico do princípio da solidariedade, o que se procederá para, depois, destacar a sua função de resistência e trincheira às políticas de retração social de cunho neoliberal.

3.1 Natureza normativa do Princípio da Solidariedade: Solidariedade dirigente e dirigida 15

E nisso independentemente do tributo ser um mecanismo de intervenção indireta do Estado sobre a atividade econômica por indução, estimulando ou desestimulando condutas desejadas ou indesejadas. 35

O neoconstitucionalismo se caracteriza por afirmar a natureza normativa dos princípios constitucionais, recuperando a dimensão ética do Direito, relegada a último plano pelo positivismo jurídico, e conferindo-lhes a primazia hierárquica própria das normas constitucionais, assegurada e garantida pela jurisdição constitucional. A força normativa dos princípios decorre da supremacia da ordem constitucional, emprestando-lhes um conteúdo jurídico impositivo não apenas de deveres de abstenção, mas, sobretudo, de deveres positivos, cuja potencialidade transformadora da realidade social é patente no âmbito de uma constituição dirigente. A solidariedade figura na Constituição Federal como objetivo fundamental, consagrado pelo art. 3°, inciso I; tal objetivo reveste-se, também e igualmente, da condição de princípio constitucional impositivo, de fora parte a condição dos objetivos fundamentais terem a estrutura jurídica principiológica, afigurando-se como mandados de otimização, como bem delineado por Robert Alexy (2001, p. 86) em lição abaixo colacionada, in verbis: El punto decisivo para la distinción entre reglas y principios es que los principios son normas que ordenan algo que sea realizado en la mayor medida posible, dentro de las posibilidades jurídicas y reales existentes. Por lo tanto, los principios son mandatos de optimización, que están caracterizados por el hecho de que pueden ser cumplidos en diferente grado y que la medida debida de su cumplimiento no solo depende de las posibilidades reales sino también de las jurídicas. A caracterização dos princípios como mandados de otimização também é ressaltada por Canotilho (2002, p. 1.239), abaixo transcrito, in verbis: Princípios são normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de ‘tudo ou nada’; impõem a optimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em conta a ‘reserva do possível’, fáctica ou jurídica. O princípio da solidariedade, então, apresentando-se também como objetivo fundamental, vincula os Poderes Públicos à sua realização ótima, impondo o dever de promover os bens a que se refere na maior medida do que seja jurídica e faticamente possível. Como já assinalado, a solidariedade, no âmbito do constitucionalismo brasileiro, está atrelada à realização comunitária dos objetivos fundamentais pela garantia, proteção, promoção e satisfação dos direitos fundamentais, cujos custos das respectivas 36

ações estatais e políticas públicas são repartido segundo a capacidade contributiva pela via da tributação. E justamente na dimensão das limitações fáticas à realização dos princípios constitucionais, no caso, da solidariedade, é que incide a reserva do possível ou, mais especificamente, a escassez orçamentária, significando a escassez de recursos financeiros do Estado para prover a satisfação de determinada medida ou de um estado ou situação exigidas para a realização dos objetivos fundamentais. Não obstante isso, o reconhecimento da existência de limitações à atuação estatal pertinente ao atendimento de imposições constitucionais que resultem de princípios, objetivos ou dos direitos fundamentais não afasta o caráter normativo e vinculante, exigindo, também, por força da solidariedade, que o Poder Público implemente medidas que sejam suficientes à ampliação das possibilidades de atuação estatal pela redução ao mínimo da escassez orçamentária diante da finitude dos recursos em cotejo com a progressividade das necessidades sociais. Assim, impõe-se que seja promovida, de forma vinculante e por força da solidariedade dirigida aos direitos fundamentais e dirigente do exercício das competências tributárias e da alocação dos recursos públicos, a progressiva ampliação do possível da reserva, potencialização a ação pública voltada às políticas públicas. Ora, se o caráter dirigente da Constituição Federal aponta para sua configuração como “[...] plano, em que a realidade se assume como tarefa tendente à transformação do mundo ambiente que limita os cidadãos” (CANOTILHO, 1994, p. 169), disso se dessume que a eficácia jurídica do princípio da solidariedade remete à existência de deveres fundamentais que, por sua vez, incidam como imposições constitucionais positivas, limitando a liberdade de conformação legislativa quanto à alocação de recursos financeiros, e tanto pela necessidade de maximização do êxito solidário consubstanciado na realização dos direitos fundamentais. Pode-se até mesmo afirmar que todos os direitos fundamentais comportam dimensão dirigente, posto que, como apontado não há nenhum direito para cuja realização, em suas múltiplas dimensões eficaciais, não se demande recursos públicos, não se restringindo tal perspectiva aos direitos sociais, econômicos e culturais, como outrora admitido (CANOTILHO, 1994, p. 365). Canotilho16 assinala amplamente a vinculação do legislador aos direitos 16

Não se desconhece a querela sobre a suposta deserdação de Canotilho à teoria da constituição dirigente, com o que não se concorda, como pode ser vislumbrado nos esclarecimentos prestados pelo próprio Canotilho sobre o estágio de seu pensamento acerca da questão em comento em Jacinto Nelson de Miranda Coutinho ( 2003). Ademais, pode-se consultar as referências mencionadas ao final do presente 37

fundamentais, embora restrinja a questão da reserva do possível apenas aos direitos de segunda dimensão, reputando as liberdades como sendo direitos negativos (CANOTILHO, 1994, p. 364-366). De qualquer forma, a solidariedade, no âmbito de um dirigismo neoconstitucional, com a potencialização da força normativa dos princípios e objetivos constitucionais, assinalando o compromisso comunitário de financiamento à ação estatal concernente à realização responsável e compartida dos direitos fundamentais e dos objetivos constitucionais, torna possível o reconhecimento de um dever fundamental instrumental para a consecução de tais tarefas, consistente na redução ao mínimo da reserva orçamentária do Estado, conduzindo à instituição de um Estado de Justiça Fiscal, de que decorrem outros deveres fundamentais. Tais deveres, no que importa ao presente estudo, resultantes do dever fundamental de redução da reserva do possível e, consequentemente, da ampliação do possível no âmbito da ação estatal mediante por políticas públicas voltadas à realização dos direitos fundamentais, vão integrar o conteúdo material do princípio da solidariedade, introduzindo a aporia constitucional identificada por Canotilho entre a máxima “[...] desejabilidade constitucional de direitos econômicos, sociais e culturais” e a dependência de seu desenvolvimento pelo legislador, subordinando-se a “[...] efectividade constitucional à proclamada reserva do possível.” Essa aporia não significa que se deve abandonar ao legislador democrático a alocação livre dos recursos, posto que, como salientando, a tributação não é mais uma atividade destinada apenas a prover recursos ao Estado, mas a prover recursos que, por força da solidariedade dirigente, tenham uma destinação constitucional conforme os objetivos republicanos. Essa redução ao mínimo da reserva orçamentária revela-se ainda mais premente após esses vinte anos da nova ordem constitucional brasileira, trazendo consigo o tempo de expansão do possível. Desse modo, não se pode refletir sobre a efetividade dos direitos fundamentais e sobre a promoção de políticas públicas a eles relacionadas sem que seja acentuada uma necessária modificação atinente à atividade tributária e à atividade financeira do Estado, balizada e dirigida pela solidariedade, enquanto expressão da própria vivência comunitária de um texto constitucional ansiosamente esperado. O tempo da expansão do possível para que seja o máximo possível potencializada a ação estatal; para tanto, não são nem a atividade tributária e muito menos a financeira sujeitas apenas ao juízo de estudo. 38

liberdade de conformação do legislador. Nesse sentido, destaca-se a “[...] deverosidade da actividade legiferante e o carácter funcional do exercício do poder legislativo” no que respeita à atividade tributária e à atividade financeira, denotando a interação do sistema constitucional tributário com a constituição orçamentária17 e com a constituição econômica. O princípio da solidariedade, então, apresenta um conteúdo material de que se extrai vários deveres fundamentais, limitando-se o presente estudo aos já assinalados deveres fundamentais de pagar tributo, mas, principalmente, a) de integral exercício da competência tributária, b) de alocação conforme a destinação constitucional da receita e c) de vinculação da execução consoante a alocação orçamentária voltada aos direitos fundamentais. Todos esses deveres fundamentais, por sua vez, derivam do dever fundamental de redução da reserva orçamentária do Estado, constituindo-se numa imposição constitucional que vincula objetivamente o Estado por força do caráter dirigente, na medida em que a transformação da realidade só pode se operar se amparada em recursos. Eros Grau (2004, p. 200), a partir do caráter dirigente da Constituição de 1988, acentua que merece interpretação dinâmica, propiciando a transformação da sociedade, cuja consecução se condiciona ao reconhecimento de que reside no art. 3° a fundamentação constitucional para a exigência de direito à realização de políticas públicas, que “[...] hão de importar o fornecimento de prestações positivas à sociedade”. Logo, a solidariedade comporta, no plano do constitucionalismo dirigente, uma feição também dirigente, mas igualmente dirigida. Dirigente porque dela se extraem os aludidos deveres fundamentais; dirigida pela inextrincável concatenação existencial, axiológica e teleológica com a realização dos fins e objetivos republicanos e concretização dos direitos sociais. Observe-se que o aludido dever de redução e gestão da reserva orçamentária é fluido, posto que os fundos públicos apresentam um caráter finito, o que não se dá com as necessidades humanas, virtualmente ilimitadas, cujo atendimento integra as tarefas do Estado moderno, observando Savatier (2006, p. 433) que cada uma das destinações ou finalidades em que for aplicada parcela da massa de recursos públicos, seja na defesa nacional, seja na saúde, seja na educação, diminuirá a massa de valores disponíveis para os outros serviços e tarefas também assumidos pelo Estado. Embora Savatier ressalte, àquela época, nos idos de 1969, que a decisão orçamentária caberia ao soberano, 17

Sobre a noção de constituição orçamentária, embora sem adesão à concepção meramente processual esboçada, as considerações de Ricardo Lobo Torres (2000, p. 1-6). 39

ponderando a importância relativa das funções estatais, registra com extrema pertinência a análise funcional do orçamento, que “[...] deve permitir ao Estado o respeito da ordem de importância dos diversos valores humanos a que tem por missão servir”. Em verdade, a divergência reside apenas no relevo dado à decisão do governo quanto à ponderação dos recursos em função das várias atuações que são demandadas do Estado, posto que as prioridades residem no pré-compromisso materializado nos objetivos e nos direitos fundamentais, vinculantes positivamente, o que não ocorria e nem poderia ocorrer no contexto constitucional francês. Ficando o que se vem de sustentar, o conteúdo material do princípio da solidariedade remete, compreendido a partir do dirigismo neoconstitucional, remete à existência de um dever de redução da reserva orçamentária, do que resultam deveres para a comunidade e para o Estado. Para a comunidade, materializa-se o dever fundamental de pagar os tributos, ou de contribuir ao sustento dos gastos públicos18, expressão do pertencimento republicano e do comprometimento com o custeio da ação estatal voltada para os objetivos fundamentais e para a concretização dos direitos fundamentais. Ressalte-se que tal dever não importa, de qualquer forma, permissividade quanto ao excesso da atividade tributária tendo em vista que se insere no âmbito de um Estado de Justiça Fiscal, devedor da estrita observância da capacidade contributiva, do não confisco, da legalidade, dentre outros. Impõe, também, ao Estado que promova uma reformulação da política tributária de modo a otimizar a arrecadação sem que importe no aumento global da pressão fiscal e, da mesma forma, sem reprimir a produção e sem gravar substancialmente as classes de menor poder aquisitivo. Tais aspectos, contudo, fogem ao marco dessa investigação, não podendo, todavia, deixar de ser mencionados para aprofundamento devido em outra oportunidade. Outro dever fundamental consiste na imposição concreta de que o Estado exerça a competência tributária, fazendo com que o âmbito de possível incidência do tributo constitucionalmente demarcado seja abrigado pela regra-matriz de incidência tributária, na medida da proporcionalidade e da razoabilidade. Num Estado com estrutura federal tal imposição torna-se ainda mais relevante, pois os entes federais de menor expressão territorial não podem se manter apenas às custas de recursos provenientes de repasse ou transferências de outros entes, devendo

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prover a sua própria arrecadação. José Casalta Nabais (2007, p. 192) considera que esse dever deflui da cidadania fiscal que, embora comporte uma dimensão passiva do contribuinte com relação ao Estado, transmuda-se reflexamente numa posição ativa de exigir que todos sejam destinatários dever fundamental de pagar tributos, participando do financiamento da ação estatal na medida da capacidade contributiva. Assim, cada contribuinte teria um dever e um direito, sendo aquele o dever de contribuir para o financiamento do estado, e esse o direito de exigir que os demais membros também o façam, sustentando a legitimidade do contribuinte para impugnar atos de dispensa ou de renúncia de receita. Não obstante isso, infere-se que tal direito de exigir a extensão da tributação aos membros da comunidade conforme a capacidade contributiva se reconduz ao princípio da solidariedade, em que se funda a cidadania fiscal; afigura-se, nesse passo, que não há um direito fundamental de se exigir o exercício da atividade tributária do Estado no sentido de impor que aumente as vias de arrecadação, parecendo mais conforme ao sistema constitucional assinalar a sua caracterização impositiva como resultado de um dever fundamental, cujo regime jurídico não discrepa daquele inerente aos direitos fundamentais (NABAIS, 2007, p. 173-175). Nesse

sentido,

a

ausência

de

exercício

da

competência

tributária,

constitucionalmente prevista, pode consubstanciar uma inconstitucionalidade por omissão, insusceptível de ser questionada pela via difusa, haja vista não se relacionar, segundo a concepção exposta, a direito fundamental; não se identifica, diversamente, qualquer óbice quanto ao controle a ser promovido por ação direta de inconstitucionalidade por omissão ou por arguição de descumprimento de preceito fundamental, ainda que se possa discutir a questão da eficácia prática do provimento jurisdicional decisório. Haveria, entretanto, uma análise acerca dos reflexos que poderiam advir da criação da exação ou da ampliação de sua incidência. O conteúdo material da solidariedade também é informado pelos deveres de alocação de recursos conforme a destinação constitucional e de execução orçamentária das verbas destinadas aos direitos fundamentais. Quanto ao primeiro, é cediço que alguns tributos tem a sua espécie tributária indicada pela estruturação teleológica a uma dada finalidade constitucionalmente assentada; assim são as contribuições especiais, compostas pelas contribuições sociais, corporativas e interventivas, e os empréstimos compulsórios. 18

Para qualquer aprofundamento, José Casalta Nabais (2004) e Cristina Pauner Chulvi (2001). 41

Marco Aurélio Greco (2000, p. 118-120) bem explica a adoção dessa forma diferenciada de previsão da competência tributária, que não se caracteriza pela delimitação do suporte material que poderá ser colhido no antecedente da regra-matriz de incidência tributária. Considera que alguns tributos seguem o modelo constitucional de validação causal, com a previsão constitucional da delimitação do aspecto material do antecedente da regra-matriz de incidência tributária, enquanto outros são constitucionalmente associados ao desempenho de uma dada finalidade ou à alocação para uma destinação constitucionalmente assinalada Ou seja, segundo Greco a validação condicional funda-se no ‘por quê’ e não no ‘para que’, que fundamenta a validação finalista. Se na validação condicional se pode afirmar sobrelevar a proteção da realidade, na validação finalista destaca-se a transformação da realidade pela promoção de uma nova realidade a partir da assinalação de objetivos e finalidades. No caso da validação finalista, não há uma descrição de fatos passados, mas uma referência ao futuro, a um estado de fato que se pretende construir e para o qual se justifica determinada atividade normativa. Em corroboração ao que se vem de afirmar, cumpre colacionar a doutrina de Greco, in verbis: Há, a meu ver, na própria Constituição Federal, a consagração de dois modelos básicos de validação de normas instituidoras de exações pecuniárias compulsórias: a) o modelo condicional, de caráter eminentemente ‘causalista’ no sentido de que a exigência só será validamente exigida se (daí a condição) atrelada a um determinado evento que, não se verificando, invalida a exação e, se esta correu antecipadamente, os valores recebidos devem ser devolvidos por não terem fundamento de validade; e b) o modelo finalístico, de caráter eminentemente ‘modificador’, no sentido de que justifica-se pela vinculação à busca de uma finalidade ou objetivo. Neste segundo caso, cria-se a exigência para obter certo resultado. Por conseguinte, já que a destinação constitucional qualifica e identifica determinadas espécies tributárias, tal circunstância é reforçada pela vinculação positiva da solidariedade, determinante da aplicação dos recursos instituídos para finalidade específica, restringindo-se qualquer liberdades de conformação do legislador orçamentário quanto a eventual tredestinação.

42

Além disso, nada impede que a própria Constituição Federal preveja a vinculação do produto da arrecadação de tributos não finalístico e não vinculados, caso em que, da mesma forma, incide o dever fundamental de alocação dos recursos conforme a destinação constitucional concretizadora dos direitos fundamentais. Finalmente, há ainda o dever fundamental de execução orçamentária dos recursos alocados no orçamento – ainda que não qualificados pela destinação constitucional – a políticas e programas concernentes à promoção, à proteção, à garantia e à satisfação dos direitos fundamentais, na medida em que, como já esposado, são eles próprios que justificam a solidez da expressão participativa e comunitária do financiamento da ação estatal, com prioridade sobre os demais gastos, não podendo ser objeto de contingenciamento. Ora, uma vez previstas as despesas relacionadas às políticas e aos programas relacionados com as várias dimensões de exigências que defluem dos direitos fundamentais, notadamente dos direitos sociais, a realização da receita estimada torna obrigatória a execução orçamentária respectiva, salvo se sobrevier algum fato relevante e imprevisto que exija um contingenciamento dos recursos orçamentários, como algum cataclisma natural, o que raramente ocorre, principalmente em plagas brasileiras. O atendimento pelo Estado desses três deveres fundamentais que lhe são impostos pela feição dirigente e dirigida do princípio da solidariedade, como ora sustentado, representaria uma ação estatal vinculada ao dever de redução da reserva do possível, ensejando a adoção de políticas e ações mais intensas e que busquem maior efetividade na concretização dos direitos fundamentais. Esse dever de redução da reserva do possível denota que os próximos anos da Constituição Federal importarão numa progressiva ampliação do possível da reserva, limitando o caráter limitativo da ação estatal que provém da escassez orçamentária no âmbito da formulação e execução de políticas públicas. Não obstante isso, verifica-se no Brasil a existência de obstáculos institucionais pelos quais o Estado vem se furtando à estrita observância desses deveres fundamentais, contribuindo deliberadamente para a majoração da escassez de recursos afetados aos objetivos e direitos fundamentais. Assim, muitos dos entes da Federação, inclusive a União, não esgotaram a competência tributária; há anos vem sendo mantida, por sucessivas prorrogações mediante emendas constitucionais, a Desvinculação de Receitas da União (DRU), liberando cerca de 20% das verbas com destinação constitucional vinculada para livre alocação pelo legislador orçamentário; ademais, não se concebe que o orçamento, ainda 43

no que se referia à alocação de receita para determinada ação ou política pública relacionada a direitos fundamentais, seja impositivo, adotando o Poder Público a prática de, realizada a receita prevista e alocada para determinado programa ou política, contingência-la, dando aos recursos outra destinação. Tais expedientes afiguram-se incompatíveis com o dever constitucional de redução da reserva do possível e consequente ampliação do possível da reserva, que se constitui como limitação fática à realização dos direitos fundamentais e dos objetivos republicanos, sujeitando-se às vias de controle institucional e, principalmente, à acerba crítica doutrinária, que vem sendo empreendida com precedência por Fernando Facury Scaff.19 Quanto ao dever de esgotar a competência tributária, destaca-se o art. 11 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que veda a transferência voluntária de recursos se não for exaurida a competência tributária; entretanto, quando a competência integra-se ao âmbito da União, evidentemente não há qualquer outra sanção senão a inconstitucionalidade por omissão, que poderia ser considerada quanto à inércia do Poder Legislativo em instituir o imposto sobre grandes fortunas (IGF). Já quanto à Desvinculação de Receitas da União, vislumbra-se, igualmente, a sua inconstitucionalidade, sendo tal expediente objeto de censura pelo Tribunal de Contas da União desde o Relatório e Pareceres de Prestação de Contas referentes aos exercícios de 2002, sem qualquer repercussão prática até o momento, consignando que o déficit da seguridade social estaria coberto se não houvesse a tredestinação dos recursos arrecadados com a finalidade específica de financiá-la20. O

dever

fundamental

em

questão

impõe

o

reconhecimento

da

inconstitucionalidade da Desvinculação de Receitas da União (DRU), prevista pelo art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e recentemente estendida por mais quatro anos. Dos vinte anos da Constituição Federal, boa parte deles foi acompanhada pela Desvinculação de Receitas da União, o que não mais se admite, pois encerra um juízo de prioridade de governo que não pode subjugar as prioridades constitucionais que necessitam de tais recursos. A inconstitucionalidade da Desvinculação de Receitas da União revela-se patente a partir da contrariedade ao art. 60, §4°, inciso IV, da Constituição Federal, pois a sua instituição tem-se mostrado – e as suas prorrogações têm agravado – muito associada 19

Em todos esses textos, com progressivas contribuições. Fernando Facury Scaff e Antônio Maués (2004), Fernando Facury Scaff (2006, 115-131) e Fernando Facury Scaff (2007, p. 1-35). 20 Registre-se que tramita no Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional n° 50, que se destina a alterar o art. 76 do ADCT para prorrogara DRU até o ano de 2011. 44

com a redução da capacidade de ação do Estado pela redução da possibilidade de financiamento das políticas sociais. Nesse passo, evidencia-se que a sua instituição e as prorrogações importam em aprovação de emendas que tendem a obstar a plena efetividade dos direitos fundamentais por um juízo político que subverte a ordem constitucional e encerra uma tendência de restrição aos direitos fundamentais que, no plano da realidade constitucional, equivale a medidas de progressiva e tendencial abolição. Finalmente, há de se destacar a necessidade de que o orçamento seja impositivo no que se refere aos valores arrecadados e alocados para os programas e projetos sociais, não podendo ser objeto de contingenciamento e nem de destinação para outras finalidades, sob pena de ofensa ao dever de redução da reserva do possível. Diante disso, cumpre salientar que o dever de redução da reserva do possível serve a todos os direitos, eis que todos demandam custos, ainda que se deva considerar a prioridade na formulação de políticas públicas para a redistribuição da riqueza e de renda em razão do grave estágio de exclusão social existente no Brasil. Apenas a partir dessa compreensão é que se tornará possível – embora a reserva orçamentária não prejudique a garantia do mínimo vital e não seja obstáculo intransponível para a progressiva efetivação dos direitos fundamentais – a ampliação da capacidade de financiamento da ação estatal voltada às políticas públicas de efetivação dos direitos fundamentais, exigidas pelas dimensões de promoção, proteção, garantia e satisfação, que defluem do conteúdo normativo dos direitos fundamentais em geral. E essa ampliação da capacidade de financiamento é ainda mais exigida na oportunidade dos vinte anos da Constituição Federal diante da necessidade de que as utopias mais sejam mais aproximadas da realidade pela vivência comunitária das possibilidades de concretização e realização no âmbito do possível, do real e do necessário (HÄBERLE, 2002, p. 64). Por conseguinte, o tempo de expansão do possível implica a existência de uma dimensão temporal na Constituição brasileira que repercute sobre a reversa do possível a partir das dimensões dirigida e dirigente da solidariedade social, enquanto princípio e objetivo republicano constitutivo do pacto comunitário. Para tanto, faz-se mister asseverar a caracterização dos direitos fundamentais como custosos, rejeitando a aplicação do ideário neoliberal que propugna austeridade fiscal e retração da proteção social, posto que prejudicaria, também, as liberdades.

45

O tempo possível da expansão torna ultrapassado, e mesmo temporalmente desfocado, o neoliberalismo e suas propostas que tolhem ainda mais a capacidade de ação estatal, não sendo questão que possa ficar ao sabor da lex mercatoria.

3.2 Os Custos dos Direitos Fundamentais e o Neoliberalismo Como já indicado, a ciência jurídica abriga alguns fetiches, notadamente pelo caráter reprodutivo

e

não

produtivo

do seu

conhecimento,

que encontra,

lamentavelmente, um eco ressonante pela forma como se dá o ensino jurídico atual. Dentre esses fetiches, há uma “verdade” repetida de forma acrítica e que corresponde a uma visão liberal dos direitos fundamentais que, de tão óbvia, gozava do respaldo da inação doutrinária ao do “sistema dos fundamentos óbvios”, como classicamente acentuado por Alfredo Augusto Becker (1998, p. 11-13). Uma das grandes contribuições, e mais recentes21, para a ruptura desse mito veio do constitucionalismo americano no já referido estudo realizado por Cass Sunstein e Stephen Holmes (2000) que, procedendo a uma análise das liberdades e dos direitos econômicos e sociais, inclusive com um quadro que relaciona os direitos e os seus custos, apontam que todos os direitos são positivos (HOLMES, SUNSTEIN, 2000, p. 233-234) e, como tal, demandam custos para a sua realização e garantia. Com efeito, constatam que a diferenciação entre liberdades como direitos negativos e direitos sociais, econômicos e culturais como direitos positivos, apesar de familiar e corrente, não é auto-evidente, não estando explícita na Constituição americana e não sendo perceptivelmente decorrente da vontade dos fundadores do constitucionalismo norte-americano; assim, tal distinção seria uma grosseira simplificação, que não se justifica, sustentando, consequentemente, que todos demandam custos porque, mesmo as liberdades e a propriedade exigem um sistema de monitoramento e proteção. Como já apontado em outra oportunidade (CALMON DANTAS, 2007, p. 405407), Alexy e Canotilho também consideram que os direitos fundamentais comportam, todos eles, prestações positivas, sejam materiais, sejam normativas. Sustenta Alexy que os direitos à prestação se dividiriam em direitos de proteção e direitos de organização e procedimento, abrangendo, também prestações em dinheiro e bens, que se poderia considerar como direitos à satisfação de necessidades.

21

Haja vista a indicada precedência no trato da questão de Vergottini (2004, p. 231) e de Pablo Lucas Verdú (2000, p. 148-149). 46

Os direitos à prestação consistiriam de forma impositiva numa atuação do Poder Público que poderia ser não apenas material e concreta, mas também normativa. Não obstante isso, afigura-se mais pertinente o entendimento de que todos os direitos fundamentais têm uma dupla dimensão eficacial, defluindo uma eficácia negativa e outra positiva; a eficácia negativa abrangeria os deveres de respeito e preservação da autonomia privada, que demandam condutas omissivas; já a eficácia positiva seria composta pelos deveres de proteção, garantia, promoção e satisfação. Ainda que não se possa afirmar que tais deveres integram todos os direitos fundamentais, ao que parece não há direito fundamental que não albergue pelo menos uma dessas dimensões eficaciais positivas, pelo que se evidencia que demandam recursos tanto os direitos sociais quanto às liberdades. Tal compreensão conduz à constatação de que a maior ou menor implementação de políticas e programas sociais, em cotejo com a promoção das liberdades, da propriedade e outros direitos de primeira dimensão, resulta mais de opções políticoideológicas do que da estrutura normativa de determinado direito, evidenciando-se que todos os direitos são custosos, como salienta com percuciência José Casalta Nabais (2007, p. 176), em excerto abaixo transcrito, in verbis: [...] os direitos, todos os direitos, porque não são dádiva divina nem frutos da natureza, porque não são auto-realizáveis nem podem ser realisticamente protegidos num estado falido ou incapacitado, implicam a cooperação social e a responsabilidade individual. Daí decorre que a melhor abordagem para os direitos seja vê-los como liberdades privadas com custos públicos. Considera, assim, que todos os direitos têm custos públicos e não apenas os direitos sociais, ressaltando que os custos das liberdades e dos direitos clássicos tendem a não ser destacados, usualmente ficando na sombra, concluindo inexistirem direitos gratuitos. No mesmo sentido, Fernando Facury Scaff (2007, p. 11-12), referindo-se à obra de Holmes e Cass Sunstein, salienta que não existem direitos que independam de custos, estendendo-se até aos direitos e liberdades de 1ª dimensão, eis que “[...] a manutenção do aparelho judiciário e do sistema de segurança pública, dentre outros considerados pela doutrina norte-americana como necessários para a implementação dos civil rights, possuem um alto preço e precisam ser financiados através de um sistema tributário forte e ágil”, pelo que não seriam apenas os direitos de 2ª e 3ª dimensão condicionados à disponibilização de verbas para sua realização.

47

Em posição similar à manifestada por Nabais relativamente ao estado tributário puro, considera impertinente a defesa de alguns ao sustentarem que os custos dos direitos deveriam ser remunerados pelos que se utilizam dos serviços públicos, invocando a resposta dada por Barquero Estevan que, forte no princípio da solidariedade, afasta tal possibilidade. A percepção do caráter positivo de todos os direitos fundamentais é de grande relevância para a preservação do constitucionalismo dirigente e do Estado Social, ainda que se admita a necessidade de algumas reformulações em sua estruturação orgânicofuncional. Ora, a crítica neoliberal ao Estado Social, dentre vários aspectos, aproveita-se da sua crise fiscal, imputando-a como consequência das prestações sociais destinadas à redistribuição de renda e à promoção das condições mínimas de existência digna, intervindo na atividade econômica para promover o crescimento ético da economia, ou seja, o desenvolvimento. Avelãs Nunes (2003, p. 17-24) expressa o ideário neoliberal de reforma do Estado Social e retorno à auto-regulação do mercado, diante da afirma – pelo neoliberalismo – decadência do Estado Social, à moda de Milton Friedman e Fredrick Hayek, consagrado pelo Consenso de Washington e empregada efusivamente pelos governos Reagan e Tatcher. Assim, o neoliberalismo investe contra os sindicatos, as prestações de proteção ao trabalho e da seguridade social, como também a alta carga tributária, reconhecendo que o neoliberalismo rejeita a legitimidade de políticas de redistribuição, excluindo da responsabilidade estatal a promoção da justiça social. Eros Grau (2004, p. 40-41), acertadamente, considera que “[...] a apologia ideológica do mercado é produzida em função exclusivamente do interesse do investidor, que é o de baixar os custos que oneram a empresa (os salários, os tributos e as cargas sociais)”. Nesse sentido, ainda segundo Grau, para o neoliberalismo a crise das economias de mercado ocorrida a partir dos anos setenta adveio do progressivo gravame sobre as margens de lucro empresarial e, concomitantemente, do processo inflacionário de vertiginosa manifestação, só podendo ser corrigida com a preservação de um Estado contra os sindicatos e pela austeridade fiscal, mas frágil no âmbito das prestações sociais e intervenções econômicas, com rígida disciplina orçamentária, limitação dos investimentos e das prestações sociais, e retorno à taxa natural de desemprego para restabelecimento do exército de reserva e mitigação do poder dos sindicatos. Ademais, 48

alterações na estrutura da tributação que diminuíssem a carga incidente sobre a atividade produtiva viria a estimulá-la, visando a superar o estágio de estagflação. Nesse passo, cumpre atentar para a exposição de Dworkin (2006, p. 90-92) acerca da política norte-americana de corte de tributos e de direcionamento dos recursos orçamentários para o exército, financiando a sua manutenção o Iraque, diante das demandas da população americana, notadamente em virtude do furacão Katrina. Observa, ainda, que no primeiro governo o Presidente Bush impôs uma drástica redução na tributação, que se tornou ainda mais grave porque ocorrida durante uma dispendiosa ação militar. Nos últimos dez anos, considerando-se dados apurados em 2005, o Congresso reduziu U$1,8 trilhões, o que favoreceu aos americanos mais ricos. Registra que nesse ano Bush propôs uma redução ainda mais intensa, além de propor uma redução periódica e constante. Em contrapartida, Dworkin ressalta que o furacão Katrina, que devastou Nova Orleans, chocou os americanos diante da demora e da ineficiência do governo, sugerindo uma falta de respeito quanto aos pobres que residiam nas áreas afetadas, normalmente negros, cujas vidas tinham sido arruinadas. Dworkin conclui, com base em dados estatísticos, que os cortes de Bush apenas aumentaram a distância entre ricos e pobres, pouco contribuindo para o crescimento dos postos de emprego, ficando claro que não cabe ao mercado, percebendo que batalha política acerca da tributação não é precipuamente apenas uma questão da previsão econômica, do que parece discordar na medida em que “Taxes are de principal mecanism through which government plays this redistributive role.” Da mesma forma, Perry Anderson (2003, p. 9-22) registra que o êxito do neoliberalismo é muito mais ideológico do que social ou econômico, indicando que se fundava numa premissa de que não havia alternativas à crise do Estado Social senão o retorno ao Estado mínimo com as questões sociais ficando relegadas ao mercado. Ora, como já delineado, não se pode admitir a compatibilidade de políticas neoliberais com o dirigismo neoconstitucional, de modo a se rechaçar a austeridade fiscal, a contenção de investimentos sociais, o contingenciamento de recursos orçamentários e a prioridade para o alcance de superávit primário e para o pagamento dos serviços da dívida, posto que tais “prioridades” de governo não se adequam às prioridades constitucionais, não podendo razões de governo derrogar ou eximir os agentes públicos do mais estrito e obsequioso respeito e cumprimento da Constituição Federal. Nesse passo, a compreensão constitucionalmente adequada e temporalmente situada da Constituição da República Federativa do Brasil importa no reconhecimento 49

dos deveres fundamentais indicados, que conduzem, com base no princípio da solidariedade, à expansão do possível da reserva mediante uma impositiva redução do âmbito da reserva do possível.

4. CONCLUSÃO

A proximidade de 5 de outubro de 1988 e a perspectiva do avançar para além desse marco temporal leva a se reconhecer que já é passada a hora de ter-se presente a perspectiva de que o passado constitucional traz uma experiência inestimável para a construção vivencial e comunitária do sentido e das potencialidades das normas constitucionais, no que se inserem os direitos fundamentais e a consequente necessidade de que as utopias e os programas constitucionais em derredor dos mesmos, notadamente os que levam à transformação da realidade social, seja tomados a sério e realizados otimamente. Os direitos fundamentais integram o coração do constitucionalismo, que se erigiu em contenção ao arbítrio e em proteção à pessoa humana. No curso de sua evolução, tornou-se contínuo o movimento de adaptação do constitucionalismo às necessidades e percalços sociais, e em razão de suas próprias insuficiências, evoluindo paralelamente com a expansão dos direitos fundamentais até que se chegou ao Estado Social. Com o desenvolvimento do constitucionalismo, também se operou a contenção do poder de tributar que, com as constituições atuais, notadamente a brasileira, passou a se constituir como uma atividade regrada pelo direito constitucional e fundada na solidariedade, ou seja, no compromisso comunitário de prover e participar do financiamento da ação estatal, que só se justifica pelo retorno que propicia na promoção, garantia, proteção e satisfação dos direitos sociais e na consecução dos objetivos republicanos. Assim, há a necessidade de instaurar uma nova compreensão não apenas do tributo, mas também da atividade tributária do Estado brasileiro, com as demandas e exigências que lhe são formuladas pela realidade social e pelas necessidades comunitárias, em razão da inflexão normativa propiciada pelo caráter dirigente da Constituição

Federal,

associado

à

potencialização

que

decorre

do

neoconstitucionalismo. Diante disso, há de se reconhecer que a Constituição Federal comporta uma temporalidade que induz à necessidade da expansão do possível, entendida como uma ampliação da capacidade de ação estatal quanto às políticas públicas voltadas aos 50

direitos fundamentais. Nesse sentido, a temporalidade constitucional revela que da solidariedade, como objetivo ou como princípio, resulta o dever fundamental do Estado de reduzir o âmbito da reserva do possível, limitação fática para a implementação progressiva pelo Estado dos direitos fundamentais, e que se refere a todos os direitos fundamentais, posto não serem dádivas nem divinas e nem naturais. Ora, os direitos fundamentais, dentre outras razões, sofrem crises de efetividade motivadas, ao menos, por quatro principais razões, quais sejam a) falta de vontade política; b) prioridades de governo desconformes com as prioridades constitucionais; c) ineficiência da atuação administrativa; c) impossibilidade resultante da escassez de recursos e da impossibilidade de estender a arrecadação. A possibilidade de ampliação e expansão do que seja possível a partir da reserva orçamentária pela sua progressiva limitação como condição para a efetividade dos direitos fundamentais e dos programas sociais a partir do desenvolvimento de deveres fundamentais assinalados ao Estado, resultantes do princípio da solidariedade, dirige-se a superar o problema da escassez de recursos, ficando demonstrado que o Poder Público tem, inclusive, nesses vinte anos, mais contribuído para a escassez orçamentária e a limitada efetividade dos direitos fundamentais do que ampliado a capacidade de ação e de implementação de políticas públicas orientadas a sua efetividade. O objeto do presente estudo foi justamente estabelecer as condições para, a partir do princípio constitucional da solidariedade social, por uma compreensão orientada no contexto de uma Constituição dirigente, afirmar a existência do aludido dever fundamental de redução da reserva do possível e, portanto, de expansão das condições de implementação dos direitos – o tempo da expansão do possível da reserva, ansiosamente demandado e exigido pela vivência constitucional comunitária, traz consigo essa imposição. Desse dever fundamental, fundado numa solidariedade dirigente e dirigida, decorrem três deveres fundamentais, de integral exercício da competência tributária, de alocação de recursos conforme as destinações constitucionais que ensejam a sua instituição e de execução orçamentária das receitas alocadas em favor de políticas e programas relacionados aos direitos sociais, que podem, se observados, propiciar a redução da escassez de recursos para a efetivação dos direitos sociais, sendo apontados expedientes adotados pelo Poder Público quanto aos três deveres aludidos que denotam o descumprimento sistemático. Com efeito, a prioridade do governo conferida à austeridade fiscal, à retração do investimento e ao pagamento dos serviços da dívida, que justificam uma maior 51

flexibilidade orçamentária resultante da Desvinculação de Receitas da União, como também do contingenciamento da execução orçamentária de programas e políticas relativas aos direitos fundamentais, não se revela compatível com a ordem constitucional, como também a inconstitucionalidade por omissão em virtude da ausência de esgotamento da competência tributária, como se dá, no plano federal, pela não instituição do imposto sobre grandes fortunas. Em regra, tais expedientes vêm ao encontro do ideário neoliberal, de todo incompatível

com

o

sistema

constitucional

pátrio,

fundado

no

dirigismo

neoconstitucional e na solidariedade, indicando que os objetivos do governo não podem preponderar sobre os objetivos republicanos e sobre os direitos fundamentais. Por conseguinte, impõe-se a refutação de que a reserva do possível seja o limite de concretização dos direitos fundamentais, posto que, ela própria, pode ser reduzida se adotadas condutas e ações conformes os aludidos direitos fundamentais, em estrita lealdade para com o compromisso comunitário de financiamento de uma sociedade mais igualitária, democrática e inclusiva. Se a Constituição Federal não pode tudo, por si só, a construção de sentido do seu texto, comunitariamente vivido e experimentado nesses vinte anos, impõe que se reconheça a necessidade de que o possível da reserva seja ampliado, e que tal ampliação deve se dar através dos deveres fundamentais assinalados a partir da dimensão dirigente da solidariedade social.

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