Para além dos lugares-comuns no ambiente e no Direito do Ambiente: revelações das paisagens vivenciadas e sentidas para uma visão integrada da justiça socioambiental

July 5, 2017 | Autor: Luciano J. Alvarenga | Categoria: Direito Ambiental, Patrimonio Cultural, Geografía Humana, Paisagem Cultural
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1

Resumo experiencial do direito à fruição das paisagens, no quadro conceitual do direito

ilhas, de peixes, de moradas, de instrumentos, de astros, de cavalos e de pessoas. Pouco antes de morrer, descobre que esse paciente labirinto de linhas traça a

na contemporaneidade.

ar, perda da biodiversidade, etc.), como um processo universal, que afeta a todos de modo

272 272

sempre reduzido à sua dimensão material (ambientes como meros depósitos de “recursos”).

exteriores aos sujeitos.2 Todavia, essa abordagem, a que Bullard (1996) chama de “proteção ambiental gerencial”,

paradoxal de comunidades tradicionais, representantes vivas de modos ecologicamente

fruição do ambiente e da paisagem) intolerantes à presença de tais comunidades (Silveira,

imposição de padrões exógenos de desenvolvimento (ou mesmo de “proteção” ambiental, cf. supra), de modos e ritmos de pensar e viver estranhos à ecologia, história, cultura e aos ritmos dos lugares, tem vindo a destruir formas tradicionais de representação, de vivência Nessa mundivisão, de matriz epistemológica Norte

que tem vindo a acarretar), ecológico (devido à progressiva dilapidação de sistemas naturais) possibilidade de sua fruição social).

2

A frase “La naturaleza está fuera de nosotros

face do sujeito que as observa.

273 273

experiência humana deverão compor os conteúdos dos direitos ao ambiente e à paisagem?

teórica e concreta do direito à paisagem.

ecologicamente equilibrado, bem de uso comum e essencial à sadia qualidade de vida.3 A um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, assim como o dever de o defender. Tradicionalmente, as noções de “qualidade de vida” e “saúde” têm sido associadas

desde os mais altos escalões do poder até o mais simples cidadão, são permanentemente

As indicações deontológicas supra

3

Cf. art. 225, caput. Cf. art. 66º, item 1.

a capacidade de se desenvolverem novamente por si, retomando os

a natureza precisa do homem. A intervenção humana volta a ser requerida,

consequência da acção nefasta, já não podem fazer por si.

Ethics of Landscape que devemos gerir, o que implica, nomeadamente, o dever de respeitar os ecossistemas

que devem ser tomados como critérios de justeza e adequabilidade das ações humanas

relações sociais, nem todos acedem às mesmas condições de fruição desse direito, pois são sensivelmente desiguais os modos e intensidades pelos quais diferentes grupos sociais,

problemas ambientais, da escala local à global, afetam diferentes grupos humanos e áreas

, em que

a camadas sociais de baixa renda, grupos raciais discriminados, comunidades tradicionais, bairros operários, entre outras populações e áreas marginalizadas e vulneráveis (Acselrad et 275 275

al.

de cariz epistemológico, isto é, entre diferentes visões de mundo, manifestas por atores e uma comunidade tradicional ou sua deslocação forçada para a construção de um complexo de produção de energia hidroelétrica? A preservação in situ

ecossistemas, ou ao agrobusiness, para atender as crescentes demandas do mercado? a priori de uma mundivisão, originariamente

(Santos, 2002), têm imposto aos diversos grupos sociais e a seus lugares

modelo de crescimento fundado na distribuição desigual dos ganhos

a determinados grupos o papel de receptáculo dos rejeitos produzidos desenvolvimento (Acselrad et al.

das relações entre sujeitos e ambientes/paisagens.

e indiferenciado, onde lugares são neutros, subordinados a um pensamento monocultural

276 276

no

mundo. Assim, em contraponto à mundivisão referida supra, que reduz ambientes e pessoas aos seus

ius fruendi)

imersão vivencial humana, onde atores e grupos sociais desenvolvem uma pluralidade de formas de organização da vida material, do trabalho e das relações sociais em estreita ligação com “o que está à volta”,

et al

experiência derivante da interação de espaços ou bens, , que atores e

existência das pessoas, pelo que não se reduz a uma realidade exterior, ao Ser

277 277

no verstehen híbrido Por isso, o Direito, ao se colocar como protetor da paisagem, deve tomar a palavra “existência”

se para além

“uma parte do nosso ser é arrancada quando deixamos

francês

lugares, e assente na indissociabilidade entre natureza e cultura, a concreção do direito

naturais e culturais relevantes para a qualidade de vida ecológica e existencial e

, referida supra.

aproximar o dano ecológico do dano existencial, pois “a destruição dos bens ambientais e desrealização

compõem possuem uma existência que se projeta para além de sua trivial materialidade.

da tradição, formas de beleza e outras tantas possibilidades do humano, que conferem

prima facie Outrossim, o direito socioambiental à fruição da paisagem deve ser assegurado aos diferentes grupos sociais, sem discriminações.5 direito de todos à vivência da paisagem marcam a transição epistemológica de um direito das paisagens, outrora limitado à concepção de “paisagens notáveis” (reduzidas a meras direito à paisagem, compreendida como

é um espaço, mais exactamente, ela é o espaço dessas implicações ou

maneira de estar no mundo, na vida, é estruturar o tempo e o espaço de uma certa maneira,

próprias “formas de expressão”.6 Diferentemente do modus operandi de matriz epistemológica Norte

uma dignidade socioambiental, portanto), não impondo lógicas, modelos e ritmos de

5 6

Cf. Cf.

Brasileira Brasileira

279 279

(2003)7 e a Declaração de Québec

e a Convenção de

natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de

9

Embora assente em bases materiais e funcionais (“ecologias” e “culturas” dos ambientes),

lugares.

nos diversos pontos do mundo. Pois, como lembra o poeta10, é nas (suas) paisagens, nas diversas paisagens da extensão terrestre, que os homens, desde os seus diferentes lugares e Sul ao Norte

Arquitextos . Abap (2012), “Carta Brasileira da Paisagem”. Página consultada a 10.06.2013, em . . 7 9 10

Cf. art. 2º, itens 1 a 3. Cf. art. 66, item 2, b. supra.

in . O que é

e-cadernos CES .

A conservação do bioma Cerrado: o Direito ante a fragmentação de ciências e ecossistemas Finisterra in . Direito Público do Ambiente: diagnose e prognose da tutela processual da paisagem.

in

Paisagem, patrimônio cultural e memória urbana Desigualdade &

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(coord.), .

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brasileiro”, Proposta Santos, Boaventura de Sousa (2002), “Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências”, Minha vida e minhas ideias Philosophica

produção e de conservação”, Ambiente & Sociedade .

ambiental.

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