Paradigmas da interação nas mídias computacionais
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Paradigmas da interação nas mídias computacionais Working paper da pesquisa em estética da interação do laboratório de pesquisa em ambientes interativos do Centro Universitário Senac (SENACSP)
Prof. Dr. Guilherme Ranoya Professor adjunto do departamento de Comunicação, Artes e Design, do Centro Universitário Senac, e coordenador das pesquisas de Wearable Computing e Estética da Interação do Laboratório de Pesquisa em Ambientes Interativos (LPAI/SENACSP). Resumo Este artigo procura delinear as principais matrizes projetuais das mídias digitais/interativas ao longo de seus percursos históricos, discutindo suas respectivas abordagens sobre a questão da interação e de como projetála. Através deste mapeamento, confrontamse as diferenças conceituais entre os paradigmas de Humancomputer interactions, Interface design , Information Architecture , Usercentered design, Interaction sesign, User experience, e as novas formas de interação computacional que surgem para além das telas dos computadores e smartphones, em um esforço que visa colaborar com norteadores e diretrizes mais claras sobre as diferentes formas como a interação é compreendida e modelada, tanto quanto ao aprofundamento da discussão sobre ela. Palavraschave interação interface projeto modelos mídia digital mídia interativa mídia computacional Abstract This article seeks to outline the main projectual models and paradigms of the interactive/digital media along their historical paths, discussing their respective approaches on the issue of interaction and how to design it. Through this mapping, the concpetual differences between Humancomputer interactions, Interface design, Information Architecture, Usercenter design, Interaction design, User experience, and new forms of computational interaction beyond the screen of computers and smartphones are confronted and discussed, in an effort that aims to collaborate with guiding and clearer guidelines on the different ways in which the interaction is understood and modeled, and also to deepens the discussion on the subject. Keywords interaction interface project models digital media interactive media computational media
O entendimento do que significa o termo "interação" é aberto. Tão aberto e polissêmico quanto todos os demais termos em qualquer língua verbal. É muito difícil tratar de distorções ou malusos deste, ou de outro termo, quando não há uma maneira certa ou errada de serem apreendidos e consequentemente utilizados em nossas formas de nos comunicar. O termo não pode ser encarado, portanto, como uma propriedade daqueles que discutem as mídias computacionais para que determinem seu real significado. Isto pode soar como algo absolutamente óbvio, mas a disputa sobre o que é a real interação, ou o que é realmente interagir com alguma coisa, é um campo de batalha para estudiosos destas mídias em seu esforço para encontrar definições mais apuradas desta prática, e/ou novos conceitos para inovála. A primeira questão que precisa ser esclarecida, antes mesmo de discutirse a interação circunscrita às mídias computacionais, é que o interagir não é uma exclusividade deste tipo de mídia. A premissa de que as mídias ontologicamente interativas são as de orgiem computacional, é equivocada: toda mídia é interativa. A televisão e o rádio podem parecer, à primeira vista, como meios de comunicação de mão única, onde não há qualquer forma de feedback fechando a relação comunicacional, mas isso não é totalmente verdade; tanto as pesquisas de audiência (como o Ibope, no Brasil) fornecem este feedback, quanto a manifestação espontânea desta audiência ao entrar em contato com veículos para manifestarem sua visão, através de cartas, telefonemas, visitas, dentre muitas outras maneiras. Atualmente, programas televisivos e programas de rádio permitem que a audiência participe de alguma forma de suas atividades, desde uma plateia presente durante o processo de gravação (quando não falamos de uma transmissão ao vivo), até a participação por telefone ou links externos. De uma forma ou de outra, mesmo os meios de comunicação massivos encontram formas para que a interação exista entre emissor e receptor.
Além desta forma mais literal de interação, podemos considerar que um jornal, uma revista, ou mesmo um livro, também são meios interativos. Poderíamos dizer que os leitores de jornais ou revistas enviam cartas às redações manifestando suas reações às matérias publicadas – algo equivalente ao que descrevemos sobre o rádio e a televisão – mas esta não é a única forma de interação presente; a própria leitura estimula a reflexão, a imaginação ou o devaneio onírico, que são formas de interação com um mundo simbólico – consigo próprio – de forma intersubjetiva. A arte, mesmo quando falamos de um quadro
renascentista, promove este tipo de interação: não ficamos passivos frente a uma peça que nos emociona, nos provoca, ou simplesmente nos põe à pensar.
Em suma, não é possível falar de interação como se ela fosse um adjetivo exclusivo dos meios computacionais, considerar óbvia a relação entre os dois, ou esperar que esteja subentendido trataremse das mídias computacionais ao invocamos o conceito de interação. É também por esta questão que preferimos grafar como mídias computacionais aquilo que muitos chamam de mídias digitais ou de mídias interativas: nenhum destes termos realmente explicita a natureza desta mídia quando compreendemos que a interação não lhe é exclusiva e o digital já faz parte de processos de construção de quaisquer objetos de nosso diaadia.
As diferentes abordagens da interação nas mídias computacionais
Quando, enfim, esclarecemos que a discussão que propomos se limita às formas de interação presentes nas mídias computacionais, isto é, as diversas maneiras como sujeitosusuários se relacionam com mídias que realizam processamento computacional capazes de se relacionar igualmente com estes sujeitos, finalmente podemos desenvolver questões que simploriamente tem sido tratadas como interação, sem o risco de confundir conceitos e práticas que certamente não se aplicariam à toda e qualquer forma de interação, irrestritamente. É exatamente o caso das 6 ou 7 matrizes da interação que discutiremos aqui, um problema exclusivo das mídias computacionais.
Um segundo recorte necessário para está discussão se refere ao tipo de abordagem que faremos sobre o assunto. Assim como explicam Hunkicke, LeBlanc e Zubek (2004), em seu artigo " MDA – a formal approach to game design and game research ", o processo de consumo e uso destas mídias ocorre na contramão do processo de produção. Segundo os autores, a relação dos usuários com elas se dá inicialmente através dos seus aspectos plásticos e sensoriais (materialidade); conforme a imersão e/ou relação se aprofunda, o usuário começa a lidar com as dinâmicas e os agenciamentos presentes, e, na medida em que apreende estas relações, passa a vislumbrar os mecanismos e regras ali presentes que provocam todos os agenciamentos e resultam em toda a materialidade da mídia. Por um caminho oposto, os projetistas que lidam com estas construções definem e criam primeiramente as regras e mecanismos necessários para estabelecer agenciamentos que, por fim, produzem sua textualidade ou materialidade (visual, audiovisual ou multimidiática).
Neste contexto, percebese que as discussões voltadas para os usos cotidianos e os efeitos destes usos na cultura e na sociedade se diferem diametralmente das discussões voltadas para as questões projetuais (que nos interessa aqui apresentar). Autores como Pierre Lévy, Derrick de Kerckhove, Manuel Castells, Paul Virilio, Steven Johnson, dentre diversos intelectuais célebres, abordam as mídias computacionais e a interação de um ponto de vista sociológico, antropológico e/ou cultural, discutindo as transformações na sociedade ou no homem decorrentes das redes e das tecnologias contemporâneas. Esta abordagem, e as subdivisões próprias de seu campo de conhecimento, dialogam com a questão do consumo midiático. Já os paradigmas de interação que esboçamos aqui dialogam com processos e abordagens destinadas à produção midiática computacional, alinhados com a forma como o design, a computação e a engenharia os trata.
Diagrama 1: matrizes do pensamento da interação computacional
Humancomputer interactions (HCI) A primeira "escola" ou paradigma da interação surge junto com o interesse por computadores como objetos de pesquisa em universidades norteamericanas. É a abordagem mais antiga e a primeira visão sobre o papel dos artefatos computacionais na vida das pessoas pelo ponto de vista de quem os projeta. Logicamente, por ter sua origem nos laboratórios de engenharia elétrica e computação, este tipo de pensamento sobre como produzir uma interação melhor entre pessoas e estes objetos lhes enquadra como máquinas capazes de oferecer respostas mediante à dados e instruções que lhe são fornecidas. Este é o princípio basal dos algoritmos (conjunto de procedimentos lógicos, operações e regras que alimentam os processadores e realizam, assim, uma computação): input – throughput – output . Ser a primeira matriz projetual, ou a mais antiga, não lhe coloca em uma posição anacrônica: a grande maioria dos aplicativos que usamos em nossos aparelhos celulares são projetados seguindo este paradigma, ainda que tragam cuidados visuais na interface com o usuário e na experiência de uso que não são comuns às preocupações dos engenheiros de software e programadores.
Encarados como ferramentas e não como uma mídia, a interação neste contexto é uma prática, em termos objetivos, unilateral. A interação não se dá na forma de uma troca genuína, mas de instruções dadas à máquina que, eventualmente, pede por informações adicionais, confirmações ou mais instruções, para ser capaz de resolver as solicitações que lhe foram feitas. Em síntese, a máquina/ferramenta/instrumento fornece respostas às solicitações do usuário, e a relação que se estabelece entre eles é a de controle/domínio do usuário sobre o aparato computacional. Em " Tools for thought" (1985), Howard Rheingold discute precisamente a visão da computação construída pelos grandes nomes de HCI como Doug Engelbart e Alan Key: o computador é uma ferramenta para o auxiliar o homem em seu pensar, e nesse sentido a interação que ele nos permite é com o mundo (humano) através da ampliação intelectual, e não uma interação com a máquina computacional em si.
Como corroboram Casey Reas & Chandler McWilliams,
"Software é uma ferramenta para a mente. Enquanto a revolução industrial produziu ferramentas para ampliar as
capacidades do corpo, a revolução da informação está produzindo ferramentas para ampliar o intelecto."1 (REAS & McWILLIAMS, 2010, Pg. 17)
Ao restringir a relação entre usuário e computador a uma forma instrumental, este paradigma eleva o entendimento da interação para questões filosóficas dos usos possíveis da tecnologia na melhoria da vida humana à como a tecnologia transforma o que é ser humano. Podese dizer que, ainda que intitulados como "interação homemmáquina", este grupo efetivamente tratava a relação objetiva entre homem e máquina como uma operação (o homem operando a máquina), e a separava da interação, tratada como uma coisa mais ampla e social.
Para o paradigma de HCI, projetar a interação resumese à construção dos mecanismos através dos quais usuários poderão instruir o equipamento computacional ao que fazer para fornecer as respostas ou os serviços que lhe são necessários; interagir é, desta forma, entrar instruções e dados, e receber suas respostas ou resultados; Interações são, em um sentido mais amplo, os efeitos e transformações que estes instrumentos produzem sobre a nossa sociedade.
Information architecture (IA) & Interface design (ID) Artefatos computacionais não são simples instrumentos, e por sua própria complexidade, os enquadramos como uma mídia. É precisamente ao se reconhecer esta condição que dois novos paradigmas projetuais emergem.
Na medida que os computadores deixam os laboratórios de pesquisa e começam a fazer parte da vida cotidiana das pessoas, mais precisamente do meio para o final da década de 1970, outros profissionais além dos engenheiros e cientistas da computação intrigaramse com suas possibilidades e as formas de projetálos (ou mais especificamente, projetar a interação com eles).
De uma maneira geral, isto ocorreu conforme os computadores ficaram mais visuais e tornouse óbvia a necessidade de um trabalho gráfico sobre as interfaces entre os
" Software is a tool for the mind. While the industrial revolution produced tools to augment the body, such as the steam engine and the automobile, the information revolution is producing tools to extend the intellect. " 1
usuários e seus equipamentos. Bill Moggridge, sócio fundador do escritório de design IDEO, comenta este súbito interesse:
"O primeiro laptop . O desafio que se constituía era projetar a interação entre pessoas e computadores. O estímulo para mim veio de desenhar o primeiro laptop em 1981 e adotálo para meu uso. Eu já havia projetado os gabinetes para alguns computadores na década de setenta, mas nunca os havia utilizado, e portanto as frustrações e prazeres do uso dos softwares eram apenas o que eu via, não do que eu experienciava. [...] A epifania me ocorreu quando passei a usar os softwares. [...] Ajudei com design gráfico e informações para as instruções presentes no teclado e o design das fontes tipográficas para a tela, logo, eu sabia já o que esperar. Mas fui surpreendido ao perceber que fui absorvido pelas interações com o software quase imediatamente. Ignorei todas as questões físicas do design e fui sugado pelo mundo virtual do outro lado da tela. Todo o trabalho que fiz para tornar o computador elegante para se ver e usar foi obscurecido, e me encontrei imerso por horas nas interações que foram determinadas pelo design do software e da eletrônica. [...] Neste ponto percebi que precisava aprender um novo tipo de projetar, onde eu pudesse aplicar o máximo de minhas habilidades e conhecimentos para projetar experiências prazerosas e satisfatórias nos campos do software e dos comportamentos eletrônicos como antes fiz para os objetos físicos"2 (MOGGRIDGE, 2007, Pg. 9)
Aqueles que assumiram esta nova abordagem de como projetar softwares e a mídia computacional foram profundamente influenciados pelas teorias e princípios da arquitetura e do design modernistas, com ênfase no movimento conhecido por international style , muitas vezes confundido com o próprio modernismo. Arquitetos e designers, ao projetar, orientamse por um axioma conhecido como "relação Forma x Função"; neste princípio, o
"The first laptop. The next challenge was to design the interactions between people and computers. The stimulus for me came from designing the first laptop computer and starting to use it myself in 1981. I had designed the physical enclosures for some computers in the seventies but had never used them myself, so the frustrations and pleasures of using the software were something that I had watched, rather then experienced. [...] The epiphany for me occurred when I started trying to use the software. [...] I had helped with information and graphic design for the summary of commands above the keyboard and the design of the typefaces for the screen, so I knew something about what to expect. I was surprised to find that I became absorbed in the interactions with the software almost immediately. I soon forgot all about the physical part of the design and found myself sucked down into the virtual world on the other side of the screen. All the work that I had done to make the object elegant to look at and to feel was forgotten, and I found myself immersed for hours at a time in the interactions that were dictated by the design of the software and electronic hardware. [...] At that point I realized that I had to learn a new sort of design, where I could apply as much skill and knowledge to designing satisfying and enjoyable experiences in the realm of software and electronic behaviors as I had with physical objects." 2
aspecto material/visual dos componentes da mídia em questão (seja ela a forma arquitetônica, uma peça impressa, um móvel, etc.) está em uma relação direta com a utilidade/função que cada um destes componentes desempenha para o propósito de existência da peça/objeto. Muitas vezes, a ênfase é dada mais sobre a forma (o aspecto visual, a beleza, etc.) do que a função (utilidade, praticidade, etc.); em outros casos, a ênfase recai mais na função do que na forma. O que precisa ser observado aqui é que, independente da preponderância no axioma, forma e função nunca estão dissociados uma da outra.
De maneira mais aplicada, arquitetos de informação e designers de interface concentram seus esforços em organizar a mídia para tornála mais legível e compreensível para os usuários; em sua concepção, softwares desenvolvidos de maneira espontânea tornamse confusos e incompreensíveis por seguirem a lógica do processamento computacional e não a lógica do sentido que as pessoas atribuem ao que estão utilizando. Ao projetála à partir de seu funcionamento interno, desrespeitamos as necessidades das pessoas em prol da necessidade das máquinas. É contra este tipo de construção que esta matriz de pensamento dirige seus esforços: ela busca tornar a mídia computacional mais humana, fazendo com que se molde ao que as pessoas desejam utilizar.
A distinção entre as duas abordagens, IA e ID, se dá na maneira de realizar isto: enquanto designers de interface concentram seus esforços em pensar a interação à partir da interface com usuário e como ela pode habilitálo a realizar ações, arquitetos de informação procuram resolver estas questões à partir das estruturas subjacentes que produzem a materialidade da mídia. Enquanto os primeiros se preocupam com onde irão colocar elementos das interfaces em uma tela, os segundos estão interessados em categorizar as informações e suas relações para propor relações visuais mais significativas. Estas distinções ficam mais claras no modelo abaixo, proposto por Jesse James Garrett:
Diagrama 2: adaptação do modelo de planos de escopos proposto por Jesse James Garrett GARRET, Jesse James. The elements of user experience. Berkeley: New Riders Press, 2011. Pg. 29
Com esta breve síntese das matrizes podemos implicar que designers de interface pendem a dar mais importância para a forma do que à função enquanto arquitetos de interação se preocupam com a função sobre a forma, mas isso não é totalmente verdadeiro; ambos trabalham de uma forma bastante ambivalente com forma e função, e a visualidade material, que deveria ser apenas uma decorrência de escolhas projetuais alinhadas com os princípios de legibilidade, organização de campo, hierarquia das informações, similaridade, proximidade, pregnância, etc., acabam também respeitando princípios plásticos de composição, continuidade, simetria, equilíbrio, etc. Em suma, tanto os aspectos visuais quanto os aspecto funcionais possuem bastante peso nas decisões e escolhas projetuais.
Projetar a interação, para estas abordagens, constituise no trabalho de tornar acessível e compreensível a informação e os conteúdos que o aparato computacional é capaz de armazenar, e tornar útil o poder destes dispositivos para as pessoas que lhes usam. Interagir, neste sentido, equivale a navegar e lidar com o aparato computacional não
somente para obter uma resposta ou resolver um problema (como se faz com uma calculadora ou uma ferramenta), mas também para aprofundar conhecimentos sobre alguma coisa (realizar consultas), produzir e criar coisas, ou tornar a máquina útil como um instrumento de trabalho.
User centered design (UCD) Por conta, principalmente, do trabalho " The design of everyday things " (1986),
Donald Norman é considerado o pai da linha de User centered design. Nesta obra originalmente publicada em 1986, o simpático psicólogo e engenheiro elétrico esboça as bases do que conhecemos hoje como usabilidade, isto é, fundamentos heurísticos para projetarse objetos considerando como podem ser melhor utilizados pelos usuários. Curiosamente, ao ser questionado por esta paternidade, Norman acha o termo impróprio e engraçado, já que todo design tem – ou deveria ter – o usuário como centro do processo projetual.
A usabilidade é muitas vezes considerada parte da arquitetura da informação, ou em outros momentos, parte do design de interfaces; a verdade é que ela é tão importante para o trabalho projetual das mídias computacionais que tornouse inevitável para qualquer projeto neste campo. Seu mérito tem sido recolocar o usuário no centro do problema de design mesmo quando são necessários muitos esforços dirigidos às questões complexas nas estruturas de dados de um sistema ou à resolver problemas difíceis na sua engenharia. A linha de UCD é herdeira da matriz de arquitetura de informação, e acrescenta a ela esta ênfase no usuário como locus dos questionamentos que orientam um projeto: se para um "autêntico" arquiteto de informação, a legibilidade ( legibility) e navegação ( findability) são questões prioritárias a serem resolvidas em um projeto e se referem aos aspectos estruturais, abstratos e inerentes da própria construção sendo desenvolvida, o design centrado no usuário questiona o que é legível (ou ilegível) para um usuário específico e como deve ser a organização das informações para que faça sentido para ele a navegação através dela. Aquilo que antes permanecia atrelado à lógica da máquina finalmente se deslocou para o universo humano.
É preciso explicar que projetistas treinados como arquitetos e designers sempre adereçaram as necessidades das pessoas em um projeto, e sempre buscaram criar soluções para responder adequadamente à estas necessidades. Para que isto fosse ou seja
feito, também é necessário resolveremse questões de engenharia e problemas técnicos dos próprios objetos/mídias projetados, algo feito, dentro da longa tradição da arquitetura e do design, articulando ambos aspectos em uma solução que os resolva simultaneamente. O nascimento desta arte é marcada pela construção da cúpula do Duomo de Florença, em 1436, projetada pelo arquiteto Fillipo Brunelleschi que, para vencer os longos vãos necessários para a cúpula, criou um sistema estrutural de arcos que resolvia ao mesmo tempo os problemas técnicosconstrutivos e as necessidades estéticosimbólicas de uma cúpula magnânima para a igreja de Santa Maria del Fiori.
Engenheiros ocupamse dos problemas relativos ao objeto: como construílo e como fazer para mantêlo; eles não destinam seus esforços para resolver os complexos problemas humanos (as atividades, uma forma que acomode melhor estas atividades e as necessidades das pessoas para usar este objeto). Esta sempre foi a parte destinada à arquitetos e designers, que aliavam os fatores humanos aos problemas construtivos. Por efeito desta tradição, o esforço projetual de arquitetos de informação permanecia atado aos aspectos da engenharia da mídia (por exemplo, o relacionamento entre dados e a ontologia da informação), algo progressivamente trocado pelos aspectos psicológicos e antropológicos envolvidos em um projeto onde o usuário é o elemento central. Em síntese, o paradigma de UCD abandonou a ciência da informação como fundamento para lidar com relacionamento interno do conteúdo nesta mídia pela etnografia e os estudos aplicados com usuários, e saiu de uma prática determinada pelo entendimento do projetista sobre o relacionamento das informações para uma prática experimental colocando a análise sobre o próprio usuário, seu comportamento, suas reações, e seu relacionamento com a mídia, como instrumento para o projetar.
Projetar a interação, nesta abordagem, significa construir objetos ou uma mídia que responda de maneira objetiva e prática às necessidades dos usuários, nos termos, hábitos e costumes que este usuário esteja acostumado e seja capaz de compreendêla. A interação é, portanto, uma forma de comunicação; algo que é capaz de estabelecer um diálogo com seu usuário, em seus próprios termos.
Interaction Design (IxD) Igualmente a UCD, a linha de IxD herdou boa parte da perspectiva do design de interface como matriz para uma nova abordagem sobre a interação. As distinções entre a
matriz de ID e IxD, contudo, são mais significativas do que as distinções entre IA e UCD. Parte disso se deve ao avanço tecnológico dos aparatos computacionais e sua capacidade de trabalhar com interfaces mais sofisticadas, mas, a maior parte das questões se deve realmente à entrada de especialistas em comunicação lidando com interfaces.
O trabalho de ID operava sobremaneira através de imagens estáticas (ainda que interativas) em uma tela ou monitor. Vem daí a aderência dos profissionais treinados em design gráfico nesta linha de pensamento. Conforme esta mídia se tornou mais dinâmica e as interfaces se tornaram menos estáticas (menos uma imagem, e mais uma construção audiovisual), o expediente e repertório dos profissionais treinados para trabalhar imagens fixas foi se tornando limitado. Atualmente a abordagem de IxD é dominada por profissionais de design treinados em motion graphics , uma especialização do design gráfico que se desenvolveu muito recentemente para lidar com vinhetas, apresentações e intervenções pontuais de produtos audiovisuais.
O design de interação pressupõe que a interação não é um processo de domínio sobre o aparato computacional, mas um relacionamento que se estabelece entre ele e o usuário. Para que este relacionamento se firme é necessário estabelecerse uma comunicação entre eles, que ocorre, notoriamente, através de um formato audiovisual. Parece necessário recordar que esta abordagem se desenvolveu à partir dos anos 90, onde pessoas já utilizavam computadores extensivamente em seu cotidiano, e, desta forma, consideravase também que este interfaceamento precisaria ser agradável (um critério bastante subjetivo para o pragmatismo projetual) já que o usuário estaria sujeito a ele por longas horas de seu dia, e longos períodos de sua vida.
Esta matriz estabelece (de uma maneira pouco ortodoxa) que, para que nos relacionemos bem com estas máquinas, seu interagir precisa conformarse a características mais humanas; ser mais natural (para conosco). É neste ponto que artifícios como movimentos, dinamismo, expressividade, comportamento, feeling, entram no vocabulário dos projetistas, que passam a preocuparse cerca de como os usuários se sentem ao utilizar estes equipamentos tanto quanto em habilitálos a operálos.
Outra questão incorporada ao léxico projetual é o problema narrativo: com a chegada de profissionais de comunicação e da produção audiovisual sobre esta mídia, tanto as interfaces quanto a interação em si passam a ser entendidas como uma forma de
narrativa, isto é, a construção de um universo ficcional – uma diegese – com suas próprias regras, histórias, aspectos e características, sobre a qual (ou mais precisamente, com a qual) interagimos. Ícones, janelas, menus, barras de ferramentas, drivers , dispositivos, modems, conexões, páginas web, etc.: todos estes personagens contam histórias de um universo do qual participamos (e sobre o qual nos é permitido agir sobre), mas do qual nunca teríamos um domínio total (tanto em termos de compreensão, quanto de controle). A maneira de se lidar com estes personagens e seus elementos narrativos precisaria nos ser explicada, ou no mínimo, tornarse compreensível. Por conta disso, exageros foram também produzidos, como o personagem Clipper da Microsoft: um assistente que ajudava o usuário a utilizar os softwares de seu pacote Office (Microsoft Word, Excel, Powerpoint e Access) . No que tange um entendimento mais aprofundado das mudanças presentes neste paradigma, o tempo é o novo problema com o qual passam a lidar os projetistas da mídia computacional. Até este ponto, o tempo, a duração, a exposição prolongada, a transformação (ou metamorfose) dos elementos na tela ao longo de um período, eram questões que não estavam presentes originalmente nela. Lidavamse com interfaces pensadas como folhas de papel estampadas na tela, sobre as quais nos seria possível clicar , mas, deste ponto em diante, passamos a lidar com representações que não poderiam mais ser materializadas através deste tipo de raciocínio estático e exclusivamente visual. Ainda que as discussões sobre as multimídias (e neste tempo sobre as hipermídias) já estivessem consideravelmente avançadas, sua adoção (e consequentemente considerálas como elementos de um projeto) nos dispositivos de uso cotidiano não era um aspecto comum e difundido, permanecendo restritas à aplicativos distribuídos no formato de CDROM voltados à educação e ao entretenimento (enciclopédias, jogos, apresentações, etc.), sempre isoladas dos softwares voltados para o trabalho, a produção, e o diaadia. Obviamente que com a chegada da internet comercial esta relação começa a mudar, e rapidamente observamos uma expectativa de que todo tipo de dispositivo computacional se comportasse mais como aquilo que usávamos em nossos browsers (o Microsoft Windows 98, por exemplo, teve de enfrentar um dilema de consistência ao tentar introduzir o uso de singleclick nos seus ícones, sublinhados no desktop como se fossem links de uma página web ).
A interação dentro deste paradigma é uma forma de comunicação que se estabelece
através de comportamentos (tanto do usuário quanto da máquina). A mídia responde e reage aos usos e usuários, e projetar esta interação é criar mecanismos para que o
dispositivo computacional cuide e responda adequada e preemptivamente às necessidades do seu usuário, mediante aos comportamentos que é capaz de identificar.
User Experience (UX) O paradigma de experiência do usuário é, dentre as abordagens maduras, a mais recente, complexa e impraticável. Há inúmeras origens para este campo, mas novamente, um dos primeiros a utilizar o termo foi Don Norman que, em entrevista para Peter Merholz do Adaptive Path (empresa voltada para experiência de uso de Jesse James Garrett) declarou:
"Inventei o termo por que interface com o usuário e usabilidade eram coisas muito restritas. Eu queria incorporar todos os aspectos da experiência de uma pessoa com o sistema, incluindo o design gráfico, a interface, a interação com o objeto físico e o manual. Desde então o termo se espalhou tanto que começou a perder o sentido que lhe atribuí."3 (MERHOLZ, 2007, online)
Norman entendia como experiência de uso uma ampliação dos domínios da usabilidade, mas o termo acabou incorporando muito mais do que isso: do planejamento estratégico aos problemas de pósvenda e atendimento de público, todos os aspectos e todo tipo de relação que poderia se estabelecer entre uma pessoa (usuário, consumidor, gerente, ou qualquer que seja seu papel nesta relação) e um objeto de mídia computacional, passaram a ser compreendidos como problemas de user experience. Desta maneira, esta matriz absorveu não somente uma herança direta das questões de UCD e IxD, como de todas as demais matrizes da interação anteriores, além das questões relacionadas ao marketing, psicologia, neurociência, engenharia, antropologia, e todo e qualquer campo do saber que pudesse, mesmo que minimamente, ser implicado na questão. Não é necessário esforço para compreender que com tantos vetores envolvidos, o escopo projetual deste paradigma tornouse completamente vago, perdendo completamente sua capacidade como norteador do processo projetual.
" I invented the term because I thought human interface and usability were too narrow. I wanted to cover all aspects of the person’s experience with the system including industrial design graphics, the interface, the physical interaction and the manual. Since then the term has spread widely, so much so that it is starting to lose it’s meaning. " 3
Como resultado, encontramos leituras e entendimentos diferentes do que UX significa em termos de projeto. Para Adam Greenfield, por exemplo, uma boa experiência é produzida pela construção de uma boa interface em conjuntura com uma boa contextualização do uso e uma interação fluída:
"Boas experiências de uso consistentemente levam em consideração o design material da interface com o usuário, a fluidez da interação entre ele e o dispositivo, e um contexto mais amplo onde a interação está embarcada."4 (GREENFIELD, 2006, Kindle Position 450)
Esta definição não agrega nada de novo ao design destas mídias que as abordagens de arquitetura de informação ou design de interface já não o tenham feito. Ao mesmo tempo vemos discussões contemporâneas tentando estabelecer UX como uma forma de humanizar a tecnologia, ou, como uma sofisticação das interfaces criando laços sociais entre os usuários.
A indústria de software também não tem colaborado para um entendimento mais aprofundado destas questões. Um exemplo é o recém lançado Adobe Experience Design (2016), software criado pela Adobe (empresa líder de mercado em softwares de produção gráfica e audiovisual) para a prototipação de interfaces. O que se entende nele como sendo "experiência" circunscreve exclusivamente as questões de IxD: tratase de um software para a criação de interfaces de aplicativos mobile capaz de simular as transições de telas e interfaces presentes no aplicativo sendo projetado, assim como nas transições de seus próprios elementos internos; tratase de uma ferramenta importante na produção deste tipo de projeto, mas não algo que opere sobre o problema da experiência, ou mesmo que incorpore a experiência como uma forma de interação.
Pela complexidade do que se quer apreender, assim como pela própria juventude desta matriz que não chega a ter quinze anos no tempo que que escrevemos este texto, o que se percebe como prática projetual no campo de UX é uma relação superficial com o problema de interação nestes termos, que parece se restringir a um trabalho descritivo sobre elementos envolvidos, de algum modo, em algo bem mais amplo que chamamos de "experiência". Descrever estes elementos, ou mesmo manipulálos em um projeto, "Consistently eliciting good user experiences means accounting for the physical design of the human interface, the flow of interaction between user and device, and the larger context in which that interaction is embedded." 4
certamente não será suficiente para produzir uma boa experiência, já que ela não depende apenas dos objetos que projetamos, mas dos sujeitos que os usam. "Se todos nós lemos um poema, o poema é, sem dúvida, o mesmo, porém a leitura em cada caso é diferente, singular para cada um. Por isso poderíamos dizer que todos lemos e não lemos o mesmo poema." (LAROSSA, 2011, Pg. 16). Há uma exterioridade presente na questão. Segundo Jorge Larrosa:
"A experiência supõe, em primeiro lugar, um acontecimento ou, dito de outro modo, o passar de algo que não sou eu. E 'algo que não sou eu' significa também algo que não depende de mim, que não é uma projeção de mim mesmo, que não é resultado de minhas palavras, nem de minhas ideias, nem de minhas representações, nem de meus sentimentos, nem de meus projetos, nem de minhas intenções, que não depende nem do meu saber, nem de meu poder, nem de minha vontade." (LARROSA, 2011, Pg. 5)
Larrosa demonstra que a "experiência" é um acontecimento, e desta forma, possui uma relação ambígua com os sujeitos; é impossível conter uma experiência (por que ela não depende apenas do objeto projetado, mas também dos sujeitos que com eles se relacionam) da mesma forma que é impossível conter um acontecimento, algo que nos leva a entender que, incontidos ou incontingentes, nunca poderão ser projetados plenamente, já que o projetar demanda a possibilidade de que aquilo que é projetado se comporte de maneira razoavelmente previsível (aquilo que o filósofo Michel Serres chama de "Formato").
Serres desenvolve uma longa discussão cerca do que é um acontecimento. Em "Ramos" (2004), ele o contrapõe a uma ação formatadora do mundo, esta, um esforço contingente sobre os as forças, agentes e espontaneidades presentes na vida em prol do controle e da previsibilidade dos eventos aos quais estamos sujeitos:
“O formato diz respeito a homens e coisas, à natureza e à cultura… assim como ao acontecimento, que é seu oposto. Se alguém adivinhar rapidamente o poder que o acontecimento propicia, poderá também perceber seus inconvenientes. Preservar a uniformidade do mensurável certamente permite a eficácia, uma vez que elimina qualquer acidente, mas exclui o acontecimento e impede a novidade.” (SERRES, 2004, Pg. 19).
Talvez um caminho possível para que comecemos a lidar com estas questões seja compreender as interações como um jogo que se estabelece entre os sujeitos e os objetos; esta pode ser uma adição interessante ao vocabulário projetual que justifique o termo "experiência". O jogo, sabemos, não é algo do qual temos total controle, mas também não é algo do qual não tenhamos nenhum controle; ele é um estado de agir sobre o mundo em que nos colocamos frente a relações já previamente postas e nos dispomos a tentar transformálas, não para que sejam definitivamente mudadas, mas para que, mesmo que temporariamente, nos convenham. Recorremos à George Steiner, filósofo e crítico literário, para explicar o que está em questão: "Quem já leu a Metamorfose de Kafka e pode olharse impávido no espelho, é capaz tecnicamente de ler a letra impressa, porém é um analfabeto no único sentido que conta." (STEINER, 1988, Pg. 29).
A maneira como temos lidado com este paradigma, superficial e descritiva, deixa escapar o que lhe é mais imprescindível: enquanto discutimos sobre a legibilidade do uso, esquecemos do sentido que se estabelece pelo uso e pela relação com o objeto. Esta questão subjetiva e intangível é (ou deveria ser) o centro do problema da interação em UX. Conforme Larrosa ou Steiner discutem o problema da experiência, em âmbitos muito diferentes das mídias computacionais, é impossível não traçar paralelos ou ao menos questionar estas questões:
"Quando eu leio Kafka (ou qualquer outro), o importante, desde o ponto de vista da experiência, não é nem o que Kafka pensa, nem o que eu possa pensar sobre Kafka, mas o modo como, em relação com os pensamentos de Kafka, posso formar ou transformar meus próprios pensamentos. O importante, desde o ponto de vista da experiência, é como a leitura de Kafka (ou de qualquer outro) pode ajudarme a pensar o que ainda não sei pensar, ou o que ainda não posso pensar, ou o que ainda não quero pensar. [...] Quando eu leio Kafka (ou qualquer outro), o importante, desde o ponto de vista da experiência, não é nem o que Kafka sente, nem o que eu possa sentir lendo a Kafka, mas o modo no qual, em relação com os sentimentos de Kafka, posso formar ou transformar meus próprios sentimentos. O importante, desde o ponto de vista da experiência, é como a leitura de Kafka (ou de qualquer outro) pode ajudarme a sentir o que ainda não sei sentir, ou o que ainda não posso sentir, ou o que ainda não quero sentir. O importante, desde o ponto de vista da experiência, é que a leitura de Kafka (ou de qualquer outro) pode ajudarme a formar ou transformar minha própria sensibilidade, a sentir por mim mesmo, na primeira pessoa, com minha própria
sensibilidade, com meus (LARROSA, 2011, Pg. 11)
próprios
sentimentos."
Talvez essa seja uma afirmação ousada, mas parece que os objetos de mídia computacional que enquadramos como tendo uma boa experiência de uso são todos objetos profundamente transformadores em nossas práticas; tomando como exemplo um objeto como os iPods da Apple (referência na discussão de UX), falamos de um objeto que transformou a maneira como as pessoas consumiam e usufruíam música; já existiam no mercado outros tocadores de MP3 quando o iPod surgiu (alguns até superiores a ele em termos de tecnologia), mas nenhum adquiriu a mesma significância na vida das pessoas como ele. Esta relevância foi conquistada pela transformação disruptiva que este produto provocou tanto no mercado musical quanto na vida de seus consumidores, em termos que extrapolam a questão funcional do objeto e operam sobre o mundo simbólico e a construção de identidade dos seus usuáriosconsumidores. Todas estas questões: relevância, transformação, disrupção, identidade e universo simbólico, parecem estar conectadas em quaisquer que sejam os exemplos que possamos lembrar como excelência em UX. Parece, portanto, se não algo assertivo sobre questões presentes na interação segundo a matriz de UX, que ao menos localizamos elementos que transcendem o problema da interface, da performance, e das questões descritivas pelas quais o campo tem sido tratado. Enfim, reiterando as afirmações de Larrosa, é necessário "dar certa densidade à experiência e mostrar indiretamente que a questão da experiência tem muitas possibilidades [...] sempre que sejamos capazes de lhe dar um uso afiado e preciso." (LARROSA, 2011, Pg. 4).
Permanece nebuloso o que se considera a interação e como projetála nestes termos. Podemos apenas oferecer uma proposta de que por interação subentendemse os vínculos que formamos com a mídia computacional, e para projetála precisamos produzir algo realmente relevante na vida das pessoas, algo que só se realizará na medida que formos capazes de construir um envolvimento com elas como um jogo é capaz de construir com seus jogadores. Fazse necessário, assim como no jogo, trabalhar os aspectos simbólicos, não apenas os formais, presentes na interação.
Interações para além do sandbox
Novos objetos interativos começam a surgir do final da primeira década do século XXI até a presente data, para os quais ainda não temos termos adequados para
enquadrarlhes. Alguns autores tem tratado estes objetos pelo nome de computação física, mas entendemos que a computação física é apenas uma das diversas formas de interação nascentes, assim como a computação vestível, as interfaces hápticas e tangíveis, o reconhecimento de imagem, a realidade aumentada, etc. Todas elas compartilham de um aspecto comum: se libertam das telas dos computadores e se alojam em nosso mundo mais concreto, em objetos que nos cercam, e desta forma, escapam de um espaço controlado e restrito – um sandbox – como crianças já suficientemente crescidas para saírem da caixa de areia nos playgrounds e brincarem em outros espaços e equipamentos. Segundo Greenfield:
"Isso é sobre as enormes consequências que este desaparecimento tem para o tipo de tarefa que computadores são aplicados, para o uso que lhes damos, e da forma como os entendemos. Ainda que essas questões tenham sido chamadas de uma variedade de nomes – computação ubíqüa, computção pervasiva, computação física, mídia tangível, e assim por diante – eu as entendo como facetas de um paradigma mais coerente da interação que chamo de everyware ."5 (GREENFIELD, 2006, Kindle position 38)
Estas novas fronteiras oferecem também muitos riscos: da computação embarcada em automóveis capazes de trapacear testes de emissão de poluentes à intervenções cirúrgicas para implantar microprocessadores no corpo, a mídia computacional encontra novos formatos, contextos e expressões possíveis. Ao explorar novos rumos e novas possibilidades, também encontramos o risco destas novas interações deixarem para trás algo que, até então, parecia imprescindível: o próprio usuário humano; de fato, muitas das interações que vislumbramos dentro deste paradigma não se destinam a nós, mas a outras máquinas, softwares , serviços e computações; é o diálogo entre os próprios dispositivos computacionais, em algo que poderíamos até chamar de interação máquinamáquina. Os dispositivos inteligentes, ou smart algumacoisa, interagem muito mais entre si mesmos, do que conosco.
O florescer de trabalhos sobre o póshumanismo e o transhumanismo demonstram, igualmente, que nós mesmos não queremos permanecer humanos (ou ao menos, uma "It's about the enormous consequences this disappearance has for the kinds of tasks computers are applied to, for the way we use them, and for what we understand them to be. Although aspects of this vision have been called a variety of names – ubiquitous computing, pervasive computing, physical computing, tangible media, and so on – I think of them as facets of one coherent paradigm of interaction that I call everyware." 5
parcela de pessoas não o quer). Reconhecemos um desejo circulante de hibridização homemmáquina que Tomaz Tadeu qualificou como "geral promiscuidade entre o humano e a máquina" (TADEU, 2000, Pg. 11). Durante três anos no programa de pesquisa sobre wearable
computing
no
Laboratório de
Pesquisa em Ambientes Interativos
(LPAI/SENACSP), todos os trabalhos produzidos pelos pesquisadores vinculados a ele esbarraram ou culminaram nestas questões.
No caso de Neil Harbisson6, um homem que nasceu sem a capacidade de enxergar cores e que recebeu um implante para auxiliálo nesta tarefa, as interferências artificiais produziram modificações em todo o seu sistema cognitivo ao ponto de reestruturarem seu pensamento. Harbisson continua incapaz de ver cores com seus olhos, mas tornouse capaz de sonhar colorido. Ele é considerado um dos primeiros ciborgues reais.
É certamente incipiente tentar definir o que é a interação ou como projetála neste paradigma; Não o conhecemos suficientemente bem para isso. Os vestígios apontam para um sentido de conexão: interagir é constituir laços e interdependências com esta mídia, de maneiras tão intensas ou invasivas que, por muitas vezes, nos parecem com vícios ou com à deturpação dos costumes. De pessoas hipnotizadas pelas timelines de aplicativos de redes sociais até uso de dispositivos de realidade aumentada para realização de tarefas mundanas, a interação parece rumar – inevitavelmente? – para esta hibridização promíscua, de interfaces mínimas e eficiências máximas, cujo ápice seria (ou será?) a continuidade do humano na máquina, indistinguível, mesclando pensamento com processamento em um circuito direto. O que temos em termos de prática projetual, no momento, é o trabalho de experimentação e prototipagem, metodologia que aos olhos ortodoxos pode se aproximar perigosamente da tentativa e erro. É um processo que envolve queimaduras de solda na pele, cortes provenientes de instrumentos afiados, um estoque de circuitos fritados por descuido, pilhagem de equipamentos eletroeletrônicos descartados, longas noites explorando estratégias para interpretar adequadamente sinais elétricos e padrões de dados, costuras, marcenarias, serralherias, e iterações atrás de iterações em um ciclo, que muitas vezes parece eterno, de polimento sobre o objetomídia sendo projetado. Projetála, neste abordagem, é trabalhar sobre processos especulativos.
6
A palestra de Neil Harbisson intitulada "Eu escuto as cores", onde este caso é apresentado, está disponível online em
Considerações finais
O trabalho que tentamos expor aqui tem como intuito contribuir com norteadores para a prática projetual das mídias computacionais. A interpretação que se dá para o que significa o interagir, algo que variou bastante ao longo do tempo e das "escolas" (se é possível chamálas de escolas) projetuais, parece um partido fundamental no processo de se construir as mídias computacionais; sem este conceito, correse o risco da criação de objetos inconsistentes, incoerentes, e muitas vezes inúteis. Estes paradigmas, contudo, não devem ser tomados como uma taxonomia para estas mídias ou para a interação. Dificilmente um profissional conseguiria manterse firme em uma linha de pensamento estreita, sem contaminarse ou influenciarse com experiências e exemplos mais comuns em outras abordagens. De fato, não há divisões reais entre elas, e os trajetos utilizados nos projetos são também bem mais confusos e tortuosos do que esperamos. Neste sentido, este mapeamento não parece em nada útil para um esforço classificatório das interações existentes.
As formulações aqui presentes são apenas modelos (paradigmas) e inquietações adotadas por projetistas, em diversos e diferentes momentos, que se difundiram ao ponto de se tornarem úteis para outros projetistas como diretrizes ou para orientar seus processos intelectuais e criativos sobre o trabalho projetual da interação. É neste sentido que o esforço aqui empregado pode ser de alguma valia.
Bibliografia GARRETT, Jesse James. The elements of user experience . Berkeley: New Riders Press, 2011. GREENFIELD, Adam. Everyware: the dawning age of ubiquitous computing . Berkeley: New Riders Press, 2006. HUNICKE, R.; LeBLANC, M. & ZUBEK, R. MDA: a formal approach to game design and game research . Proceedings of the Challenges in Games AI Workshop, Nineteenth National Conference of Artificial Intelligence, 2004. LARROSA, Jorge. Experiência e alteridade em educação . Santa Cruz do Sul: Revista reflexão e ação, 2011. MERHOLZ, Peter. Peter in Conversation with Don Norman About UX & Innovation . Adaptive Path, 2007. Disponível em , acesso em 10/05/2016.
MOGGRIDGE, Bill. Designing interactions . Cambridge: MIT Press, 2007. NORMAN, Donald. The design of everyday things . New York: Basic Books, 2013. REAS, Casey & McWILLIAMS, Chandler. FORM+CODE in design, art and architecture . Cambridge: MIT Press, 2010. RHEINGOLD, Howard. Tools for thought . Cambridge: MIT Press, 1985. SERRES, Michel. Ramos . Rio de Janeiro: Bertant Brasil, 2004. STEINER, George. Linguagem e silêncio . São Paulo: Companhia das letras, 1988. TADEU, T.; HARAWAY, D. & KUNZRU, H. Antropologia do ciborgue – as vertigens do póshumano . Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
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