Paris – uma panela de pressão

September 15, 2017 | Autor: Patricia El-moor | Categoria: Social Conflict, Islam in France, Arab Immigrants
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Paris – uma panela de pressão Por Patrícia El-moor* (Artigo publicado no site do Instituto de Estudos Geopolíticos do Oriente Médio – Oriente Press http://www.orientepress.net/?p=11475)

Coloque bastante feijão numa panela de pressão, encha de água e tempero. Ligue o fogo e deixe aquilo cozinhar. Todo mundo sabe que se a válvula de escape entope, o risco daquilo explodir é enorme. Mas deixe a panela apitando, com válvula entupida e não faça nada para aliviar aquela pressão. Mais cedo ou mais tarde ela explode e faz um estrago imenso. É horrível, lamentável e isso jamais deveria acontecer. Mas, sinceramente, a culpa é do feijão? Ou faltou bom senso e atenção para evitar que aquilo chegasse aquele ponto? Jamais em momento algum da minha vida eu irei acreditar que alguém merece ser morto pelo que acredita, fala, propaga ou defende. Somos diferentes e nosso desafio em sociedade é sabemos respeitar cada qual como ele é. Mas, a situação na França está insustentável há anos e é muito superficial tratarem o triste episódio como simplesmente uma questão de tolerância e liberdade de expressão. Os conflitos sociais estão latentes há décadas, e o país vive uma relação esquizofrênica com uma parte considerável de seus habitantes, pois as feridas da colonização ainda estão longe de cicatrizar. Se usássemos a (não muito criativa) analogia do feijão na panela de pressão para entendermos o episódio covarde e criminoso ocorrido em Paris em 7 de janeiro de 2015, o que mais chamaria a atenção é a constatação de que, para a maioria das pessoas que se comoveram (e com razão, que fique aqui registrado) com o assunto, a explosão desta “panela” teria sido motivada pelas charges criadas pelos cartunistas assassinados. Entretanto, não é preciso muito, apenas um pouco de cuidado e atenção, para compreender que a violência que tomou conta das instalações de Charlie Hebdo naquele dia sinaliza para um problema muito maior que a sociedade francesa enfrenta e que precisa encarar com seriedade e responsabilidade, ao invés de apontar de forma oportunista para o tema da intolerância religiosa. O triste episódio mencionado acima causou em todos nós profunda comoção e tristeza. E que jamais deixe de ser veemente repudiado. Porém, nosso luto deveria ser, não apenas pelas vidas que foram ceifadas, mas também pelo que ainda está por vir em consequência deste ato condenável em todos os sentidos e que irá provocar muita retaliação sobre pessoas que não merecem tal constrangimento. Que a ética vença o oportunismo, que a informação vença o preconceito, que a tolerância vença as provocações e que o amor vença o ódio, sempre.

* Patrícia El-moor é Doutora em sociologia pela Universidade de Brasília e idealizadora do projeto Presença Árabe no Brasil

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