ParticipAÇÃO: uma análise comparativa entre as oficinas cidadãs da Revisão Participativa do Plano Diretor Estratégico de São Paulo e do Plano Recife 500 Anos

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PARTICIP(AÇÃO): UMA ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE AS OFICINAS CIDADÃS DA REVISÃO PARTICIPATIVA DO PLANO DIRETOR ESTRATÉGICO DE SÃO PAULO E DO PLANO RECIFE 500 ANOS Arthur Braga de Araújo1, Cristiana Leal de Lacerda Pires², Celso Hartkopf Lopes Filho³

RESUMO O presente artigo traz uma análise comparativa entre oficinas de participação cidadã que compuseram os planos de desenvolvimento estratégico das cidades de Recife e São Paulo, visando focar no participativismo cidadão, debates e processos decisórios sobre o futuro das cidades. A análise objetiva verificar abordagens utilizadas no universo das oficinas, contextualizando bases teóricas da Participação Cidadã e do Design Participativo. Para tanto, foram realizadas pesquisas bibliográficas e documentais, bem como técnicas de observação participante, buscando identificar premissas que auxiliem na construção de uma participação cidadã atuante na efetiva democratização do Planejamento Urbano. Na análise, foram observadas similitudes e discrepâncias entre a abertura à cidadania participativa e a manutenção de ritos institucionais de Tokenismo, em ambos os processos. Embora São Paulo tenha chegado ao nível considerado Participação Cidadã de fato, concluiu-se que há degraus de participação necessários em oficinas congêneres para que tais ritos sejam considerados como processos de Controle Cidadão. 1 INTRODUÇÃO 1.1 A Revisão Participativa do Plano Diretor Estratégico de São Paulo O Plano Diretor Estratégico - PDE é uma lei municipal que objetiva orientar o crescimento e desenvolvimento urbano da cidade de São Paulo, sendo o principal instrumento para o planejamento da Cidade e para garantir a melhoria de qualidade de vida da população (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2015). Sobre a natureza do que consiste um Plano Diretor Estratégico, Robles et al. afirmam: O Plano Diretor Estratégico (PDE) é um instrumento de planejamento do desenvolvimento urbano, estabelece regras para usarmos e ocuparmos os espaços da cidade, garantindo maior qualidade de vida para os moradores. Com base em seus objetivos priorizam-se investimentos. Não há um conteúdo padronizado, ou seja, deve ser determinado conforme as características socioeconômicas, políticas e geográficas do município. (ROBLES et al., 2015, p. 14)

Entre abril e setembro de 2013 a Prefeitura de São Paulo conduziu um processo participativo de revisão do último Plano Diretor Estratégico, que havia sido aprovado em 2002 (Lei 13.430/02). O processo resultou na minuta da Lei, que foi enviada para a 1 Mestrando em Design, Tecnologia e Cultura – PPGDesign UFPE – Bolsista FACEPE. 2 Mestranda em Design, Tecnologia e Cultura – PPGDesign UFPE – Bolsista CAPES. 3 Mestrando em Design, Tecnologia e Cultura – PPGDesign UFPE – Bolsista CAPES.

Câmara Municipal, revisada em uma nova rodada de participação para a construção de um texto substitutivo, e aprovada em votação no Legislativo em junho de 2014 (Lei 16.050/14) (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2015). Os processos participativos de revisão do PDE foram compostos por atividades presenciais (seminários, oficinas, audiências públicas e Diálogos com Segmentos) e por Plataformas Participativas Digitais (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2015). O processo completo foi dividido em quatro etapas: i. Primeira etapa - Oficina Temática: teve como objetivo avaliar o PDE de 2002, procurando identificar as contribuições dele para a melhoria da qualidade ambiental da cidade, as políticas habitacionais e qualidade de vida das pessoas. Partindo-se do princípio de que a cidade de São Paulo já não é a mesma desde 2002, essa etapa teve como foco entender quais desafios se apresentam hoje e como superá-los. Foram abordados os seguintes temas: uso e ocupação de solo, instrumentos de política urbana, habitação, meio ambiente, mobilidade urbana, investimentos prioritários, planos regionais e planos de bairro. ii. Segunda etapa - Levantamento de propostas: teve como objetivo discutir, junto com a sociedade, como a cidade se apresenta hoje e o que a população espera da cidade no futuro. Tinha como objetivo específico a elaboração, por parte dos participantes, de propostas e contribuições para integrar o novo PDE. iii. Terceira etapa - Sistematização das propostas recebidas: consistiu na sistematização e consolidação das propostas enviadas pelos participantes, presencial e digitalmente. O documento foi estruturado em três grandes estratégias: a estruturação metropolitana, o desenvolvimento de eixos estruturadores e a redução da vulnerabilidade social e urbana. iv. Quarta etapa - Devolutiva e discussões públicas da minuta do projeto de lei: consistiu na devolutiva das propostas e contribuições e em discussões da minuta em audiências públicas. Seu resultado foi o documento final da minuta de Lei, entregue ao Legislativo em setembro de 2013, onde foi revisado e aprovado, em junho 2014. 1.2 O Plano Recife 500 Anos O Plano Recife 500 Anos é um projeto que visa “a construção de um Plano Estratégico de Desenvolvimento de Médio e Longo Prazos para a cidade do Recife, tendo como referência o ano do aniversário de 500 anos da cidade, 2037” (ARIES, 2015), quando Recife, capital do Estado de Pernambuco, se tornará a primeira capital brasileira a completar 500 anos de fundação. A iniciativa é promovida pela Agência Recife para Inovação e Estratégia - ARIES, incubada no núcleo de gestão do parque tecnológico Porto Digital por meio de um Contrato de Gestão estabelecido com a Prefeitura do Recife. A ARIES irá elaborar um trabalho dividido em três etapas: desenvolvimento do Plano Recife 500 Anos e o seu desdobramento em uma Carteira de Projeto Estratégicos; a estruturação de um modelo de governança multi-institucional, para atuar como executor e gestor do plano; e a promoção de espaços de antecipação de futuro, que permitam que o recifense vislumbre atualmente parte dos planos propostos para o futuro da cidade. Dessa forma, o Plano Recife 500 Anos é dividido em 11 etapas de desenvolvimento (ARIES, 2015):

i. Conselho Recife 500 Anos: constituição de um Conselho Consultivo, com a tarefa de acompanhar, fiscalizar e propor melhorias para o Plano. Foi iniciado em novembro de 2015 e contou com 60 representantes da sociedade civil. ii. Benchmarking e Inventário de Propostas para o Recife: processo de identificação e comparação sistemática de boas práticas e casos com reconhecido êxito, desenvolvidos e aplicados nacional e internacionalmente. O resultado da pesquisa foi apresentado em setembro de 2015 para a sociedade. iii. Pesquisa: etapa de participação social. Conta com pesquisa de opinião, entrevista com agentes locais, grupos focais e pesquisa via internet. A pesquisa via internet e redes sociais está aberta desde setembro de 2015 e as Oficinas de Futuro foram realizadas em outubro de 2015, nas 6 RPA do Recife. iv. Análise retrospectiva da cidade do Recife (1990-2015): visa entender em quais áreas houveram avanços e em quais ainda carecem suporte para seu desenvolvimento. Resultado apresentado em janeiro de 2016. v. Cenários de médio e longo prazo: será projetada a evolução da cidade no horizonte de 2037. A prática possibilita antecipações de incertezas e oportunidades. Resultado apresentado em janeiro de 2016. vi. Visão de Futuro compartilhada pelos recifenses para os 500 anos do Recife: consiste na elaboração de uma imagem objetivo para o Recife em 2037, onde serão consideradas as expectativas mapeadas nas pesquisas realizadas. Resultado apresentado em janeiro de 2016. vii. Estratégia de Desenvolvimento: baseado nas atividades anteriores e na Visão de Futuro a estratégia será aprofundada em cada eixo propondo premissas, objetivos, metas, iniciativas e indicação de projetos relacionados aos temas de cada eixo. viii.Carteira de Projetos e Ações Estratégicas e Plano Indicativo de Investimentos e Financiamento: desdobramento do Plano em projetos e ações afim de implementar as estratégias desenhadas. ix. Espacialização da Estratégia e diretrizes para o aprimoramento e atualização do Plano Diretor e da Legislação de Uso e Ocupação do Solo: análise dos processos e instrumentos de planejamento e gestão do Recife, incluindo a atual legislação. Tem como objetivo garantir o alinhamento entre a estratégia de desenvolvimento do Recife no médio e longo prazos com os processos de planejamento e gestão da cidade. x. Plano Estratégico de Desenvolvimento de Médio e Longo Prazos para a Cidade do Recife 2037: documento final contendo o Planos Estratégico de Desenvolvimento Recife 500 Anos. xi. Modelo de Governança Multi-institucional de execução e gestão do Plano: desenvolvimento de um modelo de gerenciamento e monitoramento dos Projetos e Ações Estratégicas do Plano Recife 500 Anos. As contribuições por meio de entrevistas, questionários, grupos focais e oficinas de futuro foram trabalhadas em cinco grandes eixos estratégicos para a cidade: Social, Desenvolvimento Econômico, Sustentabilidade e Meio Ambiente, Espaço Urbano e Mobilidade, e Institucional (ARIES, 2016). Já a participação cidadã, onde a população coloca suas opiniões, visões, projeções e vivências sobre esses pontos, foi estruturada em

seis canais: entrevistas técnicas, pesquisas de opiniões, audiências públicas, grupos focais, pesquisas via internet e um canal aberto permanente via redes sociais. O Plano Recife 500 Anos está programado para apresentar o resultado final à população no início do segundo semestre de 2016. 1.3 A Escada da Participação Cidadã A Escada da Participação Cidadã, desenvolvida por Sherry Arnstein, tem sido cada vez mais utilizada conforme o debate público sobre participação cidadã, controle cidadão e congêneres torna-se acalorado diante da popularização de práticas, retóricas e eufemismos especiosos sobre o envolvimento da sociedade em políticas públicas. Tida como provocativa, tal escada é composta por oito degraus, “onde cada degrau corresponde à amplitude do poder da população em decidir sobre as ações e/ou programas” (ARNSTEIN, 2002, p. 4). Diante disso, apesar do crescimento de discursos que exploram a máxima participação possível da sociedade, surge ainda o questionamento: “o que é participação cidadã e qual a sua relação com os imperativos sociais de nosso tempo?” (ARNSTEIN, 2002, p. 4). No entanto, Arnstein é categórica: “participação cidadã é poder cidadão”. Participação cidadã, portanto, seria a redistribuição de poder que proporciona que o cidadão-comum, excluído dos processos de decisão política, seja ativamente incluído no futuro, tornando-se uma estratégia essencial para que a sociedade se integre ao poder de decisão sobre informações, recursos, benefícios, contratações e execuções de políticas públicas. Ou seja, “a participação constitui o meio pelo qual os sem-nada podem promover reformas sociais significativas que lhes permitam compartilhar dos benefícios da sociedade envolvente” (ARNSTEIN, 2002, p. 5). Entretanto, é preciso ressaltar que há diferenças essenciais entre promover ritos vazios de participação, que mantém o status quo, e proporcionar, de fato, um poder cidadão capaz de influenciar e gerar mudanças nos resultados dos processos (ARNSTEIN, 2002, p. 5). Para auxiliar a análise “dos nível de poder do cidadão em decidir sobre os resultados”, Arnstein definiu uma tipologia de oito níveis de participação cidadã: dos níveis de Não-Participação, passando a Níveis de concessão mínima de poder (Tokenismo), e chegando aos níveis de Poder cidadão. Esta tipologia da Escada da Participação Cidadã pode ser observada abaixo (Figura 1):

Fig. 1 A Escada da Participação Cidadã Esta escada em oito degraus constitui apenas uma simplificação de diversas interfaces possíveis entre o cidadão-comum e o poder público, no entanto, ressaltando que há diferentes níveis de realidade quando falamos em “participação cidadã”. De acordo com Arnstein (2002, p. 7) “é no contexto do poder e da falta de poder que as características dos

oitos degraus são ilustradas”. De modo sintético, podemos destacar algumas das características básicas de cada degrau de participação (ARNSTEIN, 2002, p. 7-16): i. Manipulação: primeiro grau de Não-participação no qual “em nome da participação cidadã, pessoas são convidadas a participarem de comitês ou conselhos consultivos sem real poder de decisão com o propósito explícito de "educá-las" ou obter o seu apoio”. ii. Terapia: último grau de Não-participação no qual “em certos aspectos, a terapia grupal disfarçada de participação popular deveria estar no degrau mais baixo da escada, pois ela é tanto desonesta como arrogante. [...] Com base neste pressuposto, sob o manto ilusório de envolver os cidadãos no planejamento, os especialistas, na verdade, submetem as pessoas à terapia grupal.” iii. Informação: primeiro grau de Tokenismo, em que “informar cidadãos de seus direitos, responsabilidades e opções pode ser o mais importante primeiro passo rumo á legítima participação do cidadão. Porém, muito frequentemente a ênfase está na mão única da informação – dos técnicos para o cidadão, sem que haja um canal de comunicação que permita o retorno, e menos ainda que haja poder de negociação.” iv. Consulta: grau intermediário de Tokenismo, “solicitar a opinião dos cidadãos, assim como informá-los, pode ser um passo legítimo rumo à participação. Mas se a consulta não estiver integrada com outras formas de participação, este degrau da escada continua sendo uma vergonha na medida em que não oferece nenhuma garantia de que as preocupações e ideias dos cidadãos serão levadas em consideração. Os instrumentos mais utilizados para consultar a população são pesquisas de opinião, assembleias de bairro e audiências públicas. Quando os tomadores de decisão restringem as contribuições dos cidadãos apenas a este nível, participação permanece apenas um ritual de fachada. As pessoas são vistas basicamente como abstrações estatísticas e a participação é medida pelo número de pessoas presentes nas reuniões, quantos folhetos foram distribuídos ou quantas pessoas foram entrevistadas.” v. Pacificação: último grau de Tokenismo, “é a partir deste nível que os cidadãos passam a ter certa influência, mesmo que o acesso ao poder seja ainda limitado”. Como estratégia de Pacificação, algumas pessoas de determinado perfil da sociedade são colocadas em conselhos, grupos ou colegiados semelhantes. No entanto, “Se essas pessoas escolhidas a dedo não tiverem sido legitimadas pela comunidade, e se a tradicional elite de poder mantiver a maioria dos assentos, os sem-nada podem facilmente perder as votações e serem sobrepujados.” vi. Parceria: aqui, começam os graus de Poder Cidadão, onde “neste degrau da escada, há efetivamente uma redistribuição de poder através da negociação entre cidadãos e tomadores de decisão. Ambos os lados concordam em compartilhar o planejamento e as responsabilidades de tomada de decisão através de estruturas [...] e os cidadãos têm uma capacidade real de influenciar os resultados do plano.” vii. Delegação de Poder: neste segundo grau do Poder Cidadão, “as negociações entre cidadãos e técnicos do setor público também podem resultar em cidadãos assumindo poder deliberativo em um determinado plano ou programa. [...] Neste nível da escada, estamos em um ponto no qual os cidadãos têm em mãos as principais cartas do jogo para garantir que o programa atenda aos interesses da

comunidade. Divergências com os grupos poderosos podem ser resolvidas de forma negociada, sem a necessidade de se organizar pressão.” viii. Controle Cidadão: grau máximo de Poder Cidadão na escada da participação, aqui “a população está simplesmente querendo um certo grau de poder (ou controle) que garanta que os moradores possam gerir um programa público ou uma organização, assumindo a responsabilidade pela definição das ações e os aspectos gerenciais, sendo capaz de negociar as condições sob as quais "externos" poderão introduzir mudanças.” 1.4 O Design Participativo Nos últimos anos, a comunidade do design vem apresentando estudos que evidenciam as potencialidades da ação do designer na resolução de problemas cotidianos que afligem as sociedades contemporâneas. Essas contribuições foram possíveis devido à aplicação de métodos, ferramentas e processos que buscam incluir a participação de usuários na elaboração do planejamento projetual. Entre tais ferramentas, encontra-se o Design Participativo. O Design Participativo é caracterizado pela transição das sociedades de massa rumo às sociedades civis, onde o consumidor assume o seu papel cidadão, participando da criação de bens culturais e exercitando sua crítica política. Dessa forma, a proposta do Design Participativo se apresenta como mecanismo de participação dos usuários durante o processo de desenvolvimento projetual de produtos e serviços. Mediados por oficinas e ferramentas colaborativas, os usuários atuam ativamente definindo características e critérios norteadores para o projeto. Existem diferentes abordagens que contemplam o Design Participativo, sendo válido ressaltar que o pioneirismo de tal abordagem provém da Noruega, quando, em meados dos anos 60, projetos que objetivavam a democratização da tecnologia fabril foram desenvolvidos com a participação ativa de operários, sindicatos e pesquisadores, em esforço conjunto para a reestruturação de seus ambientes de trabalho e ferramentas. O Design Participativo, portanto, explora as possibilidades de envolvimento dos indivíduos no delineamento de futuros a partir das experiências vividas no passado e no presente, contribuindo com propriedade em aspectos como: dilemas políticos, relações de poder, fluxo de trabalho, entre outros. Neste sentido, Tenório afirma que participar é uma prática social na qual os interlocutores detêm conhecimentos que, apesar de diferentes, devem ser integrados. Que o conhecimento não pertence somente a quem passou pelo processo de educação formal, ele é inerente a todo ser humano [...]se uma pessoa é capaz de pensar sua experiência, ela também é capaz de produzir conhecimento. [...] participar é repensar o seu saber em confronto com outros saberes. (TENÓRIO apud SOARES et al., 2014, p. 141)

Spinuzzi (2005), Sanoff (2007) e Arce (2004) apud Del Gaudio (2014), apontam que o uso do conhecimento das pessoas para definir soluções e a capacidade de fazê-lo em seu próprio ambiente de implementação, e não no laboratório, permitem resultados positivos. No entanto, devido a interesses e vivências distintas entre os indivíduos, faz-se necessária a convergência ao debate, instrumento pelo qual os participantes têm a oportunidade da descoberta de novos pontos de vista e de seus efeitos em suas realidades, conscientizando-

se, dessa forma, de seu papel político na construção do meio comum. Portanto, se a participação está relacionada à ação coletiva, o consenso serve como meio para a realização dos desejos individuais dos integrantes do processo participativo, ou seja, os desejos são expostos de forma individual de modo a serem combinados na criação dos objetivos comuns da ação. Uma vez que estes são definidos, podem ser reavaliados a cada etapa, a depender da progressão do projeto. Neste sentido, Yasouka e Sakurai apontam que “o processo de design participativo atua no equilíbrio de três forças: a equidade, a discussão aberta e o compromisso em participar” (YASOUKA et al. apud DEL GAUDIO, 2012, p. 55). Dessa forma, enfim, a ferramenta de Design Participativo estimula o pensamento crítico, conservando liberdades individuais mas, sobretudo, enxergando na crítica o caminho para uma construção que não subverta os objetivos consensualizados pelo coletivo. 2 OBJETIVOS Esta análise objetiva realizar uma revisão bibliográfica e documental de contribuições científicas acerca do objeto de estudo – a Revisão Participativa do Plano Diretor Estratégico de São Paulo e o Plano Recife 500 Anos – bem como de abordagens teóricas necessárias para o entendimento do objeto, como a Escada da Participação Cidadã e o Design Participativo. A análise tem como objetivo, ainda, comparar ferramentas de design participativo utilizadas nos processos de preparação, execução e finalização das oficinas cidadãs de revisão e elaboração de planos em contextos distintos, e encontrar similitudes e discrepâncias quanto às aplicações de tais ferramentas. Desse modo, buscou-se verificar graus de participação cidadã nestes processos em torno das oficinas, bem como apontar premissas que auxiliem na construção e melhoramento de espaços de cidadania participativa realmente ativos e empoderadores, visto que estas são condições necessárias para a efetiva democratização dos processos de elaboração e revisão no planejamento urbano. 3 JUSTIFICATIVA Os direitos políticos dos cidadãos foram consolidados no Brasil no ano de 1988, com a promulgação da Constituição Federal. O principal direito político e o mais exercido por todos é o direito de votar e ser votado, constituindo parte integrante da democracia representativa. Porém, a participação da população não se limita à escolha de representantes no Executivo e Legislativo: a democracia participativa se coloca uma importante alternativa na tentativa de dar voz ao cidadão quanto a determinações das agendas políticas, favorecendo o aumento da equidade na formulação de novas políticas públicas. Quanto a isso, Moroni afirma que a Constituição Federal de 1988 inova em aspectos essenciais, especialmente no que se refere à gestão das políticas públicas, por meio do princípio da descentralização político-administrativa, alterando normas e regras centralizadoras e distribuindo melhor as competências entre o poder central (União), poderes regionais (Estados e Distrito Federal) e locais (municípios). Com a descentralização, também aumenta o estímulo à maior participação das coletividades locais – sociedade civil organizada –, criando mecanismos de controle social. (MORONI, 2005, p. 7)

A participação social se apresenta como a base que consolida a democracia, visto que o termo em seu sentido mais amplo significa o poder do povo. Sem a atuação organizada da

sociedade quanto às questões estatais, há sempre o risco do surgimento de regimes autoritários que podem vir a conduzir retrocessos nos direitos garantidos até então. Nesse contexto, a Constituição de 1988, ao incorporar a democracia plena e os direitos humanos no Brasil, impôs ao legislativo a regulamentação de tais direitos e o incentivo de uma participação cada vez maior dos cidadãos e cidadãs. Sobre essa cidadania participativa quando no âmbito do planejamento urbano, Borja defende que processos de planejamento urbano de cunho participativo tornam-se uma importante alternativa aos modelos tradicionais através da presença local. Essas práticas têm se constituído em um elemento contrabalanceador das tendências corporativas e de cunho clientelista existente nos modelos tradicionais de representação política. Os modelos de gestão participativos são hoje instrumentos de aperfeiçoamento democrático, complementando, de certa forma, o sistema de representação política. A transparência administrativa, ao lado da possibilidade de intervenção concreta das camadas populares nos processos decisórios, seriam os principais aspectos dessa prática de democracia participativa. (BORJA apud LEAL, 2012, p. 25)

As cidades contemporâneas, portanto, exigem novas estratégias que permitam a contribuição de cidadãos em discussões e processos decisórios que, por motivos de tempo e espaço, muitas vezes não conseguem exercer a sua cidadania ativamente. Para isso, novos mecanismos que fortalecem a participação cidadã estão sendo criados, de modo a aproximar os cidadãos do processo de discussão de políticas públicas e de tomadas de decisão. Neste sentido, o Design Participativo se apresenta como uma poderosa ferramenta que surge da necessidade de democratização dos processos de projetar e planejar, criando uma interface entre metodologias inovadoras de design e o planejamento urbano. Indo a este encontro, Del Gaudio pontua que essa interface atua criando conexões com as transformações urbanas e buscando modelos que permitam a participação dos cidadãos, respeitando também os direitos dos mais pobres na transformação do espaço público. Tinha na sua base o movimento em defesa dos direitos civis e o fortalecimento de consciência comunitária. (DEL GAUDIO, 2014, p. 54)

Assim, fica evidenciado que o Plano Recife 500 Anos e a Revisão Participativa do Plano Diretor Estratégico de São Paulo optaram pelo uso de ferramentas do Design Participativo na mediação do processo de projeto da cidade junto à população. Porém, faz-se necessária a compreensão de como a participação está sendo colocada em cada processo e de que forma o design poderá contribuir de forma efetiva para a construção de uma sociedade centrada no cidadão, nas diversas fases do planejamento urbano.

A necessidade de promover uma forma mais consolidada à análise e avaliação de tais modelos de participação estudados abre, ainda, possibilidades para uma reflexão sobre a sua consistência com relação à proposta de uma sociedade mais democrática, no campo da valorização da cidadania participativa e dos direitos urbanos. 4 MÉTODOS EMPREGADOS Para o percurso analítico, foi realizado um levantamento bibliográfico de contribuições científicas que abordam os diversos conceitos necessários para a compreensão do objeto estudado, como ferramentas de Design Participativo e mecanismos de Participação Cidadã. No caso do Plano Recife 500 Anos, também foi realizada uma pesquisa de campo com utilização de técnicas de observação participante e assistemática em três dos momentos

estudados: a Oficina Síntese – Onde queremos chegar?, a Oficina de Futuro do Recife (RPA 3 – Casa Amarela), e a Oficina Síntese – Como vamos chegar lá?. Adiante, seguiu-se uma coleta de dados documentais de fontes primárias, através do caderno Visão de Futuro: Recife 500 anos - Versão Técnica para Avaliação e dos documentos de Revisão Participativa dos Instrumentos de Gestão da Cidade de São Paulo, objetivando a análise comparativa propriamente dita e visando, dessa forma, às articulações necessárias para a confrontação entre teoria estudada e material coletado. 5 RESULTADOS OBTIDOS 5.1 A Revisão Participativa do Plano Diretor Estratégico de São Paulo Na cidade de São Paulo, para a Revisão do Plano Diretor Estratégico, o processo foi dividido em quatro etapas que contemplavam distintas formas de participação dos cidadãos (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2015): i. Avaliação Temática: realizadas para discussão dos resultados positivos e negativos do PDE que regia desde 2002, essa avaliação contou com a participação de 12.242 cidadãos, divididos em 12 atividades, sendo 07 temáticas, 04 por segmento e a 6ª Conferência da Cidade de São Paulo. Degrau de participação: Consulta. ii. Oficinas de Levantamento: levantamento de propostas realizado pelo Executivo por meio de 31 oficinas nas subprefeituras da cidade, contando com a participação de 5.927 cidadãos que elaboraram 4.424 propostas que foram sistematizadas para o uso na próxima etapa. Degrau de participação: Consulta. iii. Sistematização e Divulgação: consistiu na sistematização e divulgação das propostas enviadas pelos participantes, presencial e virtualmente. Segundo a prefeitura, todas as sugestões foram integradas e tais dados brutos imediatamente disponibilizados online, por onde passaram para a etapa seguinte, a de participação virtual com avaliações cidadãs das propostas levantadas. Degrau de participação: Informação. iv. Atividades Devolutivas: nessa etapa, a participação popular com milhares de propostas e contribuições foram fundamentais para gerar a minuta de projeto de lei do PDE, sendo possível dois modos de participação: comentários online diretamente nos trechos do documento e contribuições presenciais às atividades devolutivas e audiências públicas. Degrau de participação: Parceria. v. Plataforma Digital: ocorrendo em todo o processo, com a divulgação imediata de dados conforme a produção (como abertura e divulgação dos dados brutos das propostas recebidas nas Oficinas de Levantamento), serviu como suporte tanto para o envio adicional de propostas dos cidadãos que não puderam comparecer presencialmente às oficinas, como até mesmo para a extensão da contribuição de participantes das atividades anteriores. Cerca de 4.463 propostas foram enviadas, na construção de um mapa aberto e colaborativo que indicava espaços da cidade que necessitavam de uma maior atenção e, finalmente, na redação final colaborativa da minuta do projeto de lei, com o recebimento de propostas que foram sistematizadas no texto final. Degrau de participação: Parceria. 5.2 O Plano Recife 500 Anos Dentre diversas etapas constituintes do processo de elaboração do Plano Recife 500 anos, identificamos cinco etapas referentes ao universo de análise das oficinas cidadãs para

construção da Visão de Futuro, sejam de preparação, execução ou finalização do conteúdo trabalhado em tais oficinas (ARIES, 2016): i. Workshop de Narrativas: chamado Oficina Síntese – Onde queremos chegar?, o workshop foi direcionado a 30 vagas para consultores, especialistas e representantes da sociedade civil em uma lista pré-estabelecida pela equipe ARIES. Através da ferramenta Foresight adaptada do Institute for the Future - IFTF, organização americana sem fins lucrativos especializada em elaboração de cenários, o objetivo do workshop consistiu em capturar diferentes visões, ideias, narrativas, disputa de imaginários e construção coletivo-indutiva do futuro. Degrau de participação: Pacificação. ii. Oficinas Cidadãs: foram realizadas 8 chamadas Oficinas de Futuro, sendo seis em Regiões Político-Administrativas – RPAs do Recife, uma no Fórum do PREZEIS Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social, e uma com membros dos Conselhos Setoriais do município, totalizando 808 participantes. O objetivo das oficinas foi o de escuta da sociedade, cuja dinâmica foi focalizada em questões relativas ao futuro da cidade, com exposição de cartões e debate sobre desejos da população para o longo prazo. Degrau de participação: Consulta. iii. Reuniões Técnicas: Foram realizadas 6 reuniões técnicas para debate e sistematização dos dados de conteúdo gerado pela sociedade, entre encontros e reuniões internas da equipe ARIES e empresa de consultoria contratada, e equipes de projetos contratados pela prefeitura com universidades como o Parque Capibaribe (UFPE) e Centro Cidadão (UNICAP), e do Instituto da Cidade Engenheiro Pelópidas Silveira – ICPS, órgão da gestão municipal vinculado à Secretaria de Planejamento Urbano. Degrau de participação: Não houve participação cidadã. iv. Conselho Recife 500 anos: foi elaborado um esboço dos dados brutos recolhidos junto à sociedade, até então, e sistematizados nas reuniões técnicas. Este esboço da Visão de Futuro para o Plano Recife 500 anos foi apresentado ao Conselho Recife 500 Anos, conselho consultivo formado por representantes da sociedade civil convidados pela equipe ARIES e composto, em sua maioria, pelos segmentos do poder público e empresariado. A partir da avaliação do conselho, foi materializado um documento a ser posteriormente entregue à sociedade. Degrau de participação: Pacificação. v. Workshop de Estratégias: o documento elaborado por meio das reuniões técnicas e do conselho consultivo consistiu no caderno Visão de Futuro: Recife 500 Anos Versão Técnica para Avaliação, e sua entrega à sociedade foi materializada na chamada Oficina Síntese – Como vamos chegar lá?, composta por consultores, especialistas e representantes da sociedade civil convidados pela equipe ARIES. O objetivo desta oficina foi apresentar os principais pontos das contribuições da sociedade, sistematizados no documento em sua versão técnica para avaliação. A partir deste momento, o Plano Recife 500 Anos entra numa nova fase: a de definição de estratégias para alcançar os desejos expressos anteriormente pela sociedade. No entanto, até então, os dados brutos das contribuições cidadãs não haviam sido disponibilizados, como um todo, à sociedade civil. Degrau de participação: Pacificação.

5.3 Análise comparativa Por meio da comparação de abordagens e ferramentas de Design Participativo utilizadas na preparação, execução e finalização de cada etapa referente ao universo de análise das oficinas cidadãs, foi possível categorizar diferenciações entre graus de participação atingidos em relação ao empoderamento cidadão em diferentes níveis: nas oficinas realizadas em São Paulo, houve uma abertura maior à cidadania participativa através, como exemplo, da transparência ativa de diversos dados brutos conforme a produção e ampla abertura à participação cidadã em todas as suas etapas, inclusive de modo virtual, e com poder de decisão nas mãos dos próprios cidadãos. No plano de São Paulo, chegou-se até o primeiro nível de Poder Cidadão: a Parceria. No entanto, foi percebida em Recife a manutenção de ritos institucionais de Tokenismo, pois apesar de terem sido realizadas oficinas cidadãs em diversas RPAs da cidade do Recife, importantes etapas ocorreram com limitações de participação da sociedade em listas pré-estabelecidas, sem transparência no critério de seleção de participantes, bem como com a retenção de dados brutos e tratamento com poder de decisão em reuniões técnicas internas sobre a seleção e divulgação de quais dados, independentemente dos que representavam o desejo expresso pela maioria dos presentes nas Oficinas de Futuro. No plano de Recife, manteve-se no último nível de Tokenismo: a Pacificação.

Fig. 2 Níveis de Participação Cidadã das oficinas do Plano Diretor Estratégico de São Paulo e do Plano Recife 500 Anos Dessa forma, no universo de análise das oficinas cidadãs, a Revisão Participativa do Plano Diretor Estratégico de São Paulo atingiu um degrau acima do Plano Recife 500 Anos na Escada da Participação Cidadã, chegando ao nível considerado Poder Cidadão (Figura 2). 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar da realização de pesquisa de campo com técnicas de observação participante e assistemática, no caso de workshops e oficinas do Plano Recife 500 anos, a análise de resultados limitou-se primordialmente a uma síntese analítica de dados documentais de ambos os planos. Destarte, as classificações apresentadas neste artigo são passíveis de um certo grau de desvio ou distorção. Diante do exposto, conclui-se que apesar de ambos os processos constituírem mudanças significativas ao modo como planos e projetos são geralmente elaborados pela administração pública, de acordo com a Escada da Participação Cidadã construída por Arnstein ainda há degraus de participação necessários em oficinas congêneres para que tais ritos sejam considerados como espaços e processos de ideais de

Controle Cidadão. No entanto, ao passo que caminhamos para cidades cada vez mais inteligentes e inovadoras na contemporaneidade, no Planejamento Urbano - cujo quadro de mutação aparenta evoluir com relativa lentidão - urge a necessidade de acompanhamento das rápidas transformações da sociedade e suas tecnologias, bem como das novas configurações de luta pela ampla cidadania participativa no direito à cidade. O Design Participativo, proveniente de metodologias inovadoras de design centrado no usuário já bastante exploradas no campo do Planejamento Estratégico, pode representar um importante sistema de apoio não apenas ao planejamento (como em processos de elaboração e revisão de planos urbanísticos), como também à gestão urbana que promova poder cidadão de fato, pois em sistemas de inovação, para além da qualidade de o quê é produzido, a importância também encontra-se no como é produzido: o processo torna-se tão relevante quanto o produto. 7 REFERÊNCIAS ARIES. Agência Recife para Inovação e Estratégia. Conheça o Projeto. 2015. Disponível em: . Acesso em: 25 abr. 2016. ARIES. Agência Recife para Inovação e Estratégia. Visão de Futuro: Recife 500 Anos Versão Técnica para Avaliação. Recife: ARIES, 2016. Arnstein, Sherry R. Uma escada da participação cidadã. PARTICIPE: Revista da Associação Brasileira para o Fortalecimento da Participação, Porto Alegre/Santa Cruz do Sul, v. 2, n. 2, p. 4-13, jan 2002. Del Gaudio, Chiara. Design Participativo e Inovação Social: a influência dos fatores contextuais. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2014. Leal, Suely. Fetiche da Participação Popular: novas práticas de planejamento, gestão e governança democrática no Recife-Brasil. Recife: CEPE, 2003. Moroni, José Antônio. Participamos, e daí?. Observatório da Cidadania. Texto para debate. Ibase, Rio de Janeiro, nov. 2005. Prefeitura de São Paulo. Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano. Caderno da Revisão Participativa do Plano Diretor Estratégico. 2015. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2016. Prefeitura de São Paulo. Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano. Revisão Participativa dos Instrumentos de Gestão da Cidade de São Paulo. 2015. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2016. Robles, Fabiana R. A.; de Brelàz, Gabriela. Participação Social e o uso de TIC’s na Revisão do Plano Diretor Estratégico da Cidade de São Paulo. In: VIII Congresso CONSAD de Gestão Pública, 2015, Brasília. Anais.... Brasília: Conselho Nacional de Secretários de Estado da Administração, 2015. Soares, Liriane A. C.; Fazani, Alex J. Explorando o Design Participativo como prática de desenvolvimento de Sistemas de Informação. InCID: Revista de Ciência da Informação e Documentação, Ribeirão Preto, v. 5, n. 1, p. 138-150, mar/ago 2014.

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