Pegadas digitais na paisagem urbana: Buscando redes de segregação através de Big Data
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Pegadas digitais na paisagem urbana: 1
Buscando redes de segregação através de Big Data Vinicius M. Netto Maíra Pinheiro João Vitor Meirelles Henrique Leite2 Resumo: A segregação tem sido uma das características mais persistentes nas cidades e um dos principais temas de investigação em estudos urbanos e sociológicos. Partindo de uma tradição que remete à Escola de Chicago no início do século XX, a segregação social tem sido vista como a consequência natural da divisão social do espaço, reduzindo o fenômeno da segregação à segregação territorial e assumindo o espaço como razão e explicação suficientes para a distância social. Propomos uma mudança do foco na visão da segregação estática dos lugares para um entendimento da segregação social ocorrendo nas ações e trajetórias dos atores urbanos. Analisamos as rotinas de grupos de atores sociais diferenciados por níveis de renda no Rio de Janeiro, fazendo uso de metadados de usuários do Twitter em suas movimentações na cidade. Em seguida, cruzamos essas trajetórias com dados socioeconômicos, a fim de identificar as redes de apropriação dos usuários de acordo com sua renda, de modo a examinar seu comportamento espacial em uma geografia do potencial de segregação / integração dos encontros na cidade. Esta abordagem busca a espacialidade da segregação ativa nas circunstâncias do contato social na cidade, para além dos territórios estáticos e padrões de localização residencial. Palavras-‐chave: segregação, mobilidades, redes sociais, de Big Data.
1. Introdução: uma nova abordagem para a segregação urbana Examinaremos neste trabalho a relação entre formas de segregação social na cidade e as mobilidades de atores socialmente diferenciados. Vamos sugerir que formas usuais, puramente espaciais de segregação não podem explicar o fenômeno da segregação social. Mesmo que a resposta para a questão dos modos como vivemos a segregação social ainda implique um papel de espaço, esperamos mostrar que esse papel não pode ser reduzido à segregação territorial. Vamos argumentar que, uma vez que as nossas sociedades são sistemas de interação de alta mobilidade, precisamos ver o espaço além de sua condição estática. Através de uma crítica às abordagens usuais ao espaço como uma razão e uma explicação para a distância social, vamos enfatizar as espacialidades de nossas ações diárias, sobretudo os encontros urbanos como principais componentes da experiência e do fenômeno da segregação. Em outras palavras, em contraste com uma literatura tradicionalmente centrada na dimensão territorial, nossa abordagem reformula a espacialidade da segregação, mostrando formas como a segregação é moldada pelo potencial tanto segregador quanto integrador do encontro. Essa passagem representa uma mudança de foco, de uma visão à formas de segregação estática inerentes a lugares -‐ onde a distância social é assumida, em vez de compreendida em toda sua manifestação material – para a visão da segregação social reproduzida através de nossas ações e trajetórias enquanto atores urbanos. Essa reformulação da espacialidade da segregação deve colocar o corpo, tanto o elemento que carrega quanto o sinalizador de identidades e diferenças, como sendo a primeira instância onde a segregação é socialmente revelada e vivida pelo ator. Ao fazê-‐lo, temos a intenção de mostrar que o espaço 1
Este título remete a Frederico de Holanda e seu trabalho “Class footprints in the landscape” (Holanda, 2000). Os autores atuam na Universidade Federal Fluminense (UFF), Escola Nacional de Ciência Estatística (ENCE), Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) respectivamente. 2
mantém um papel-‐chave – na verdade, um papel muito mais sutil, penetrante e conclusivo do que a leitura usual da segregação espacial permitiria ver – essencial para a explicar a experiência duradoura de segregação. Na verdade, este objetivo implica adentrar em um emaranhado praticamente infinito de movimentos e interações nas cidades. Para tanto, o presente trabalho faz uso bastante eclético de ideias, iniciando pela visão de Linton Freeman (1978) da segregação como “restrições à interação” até ecos da geografia temporal de Torsten Hägerstrand (1970). Este artigo desenvolve um método voltado para capturar possibilidades de encontro, ilustrados em um estudo empírico de larga escala de mapeamento de trajetórias urbanas na cidade do Rio de Janeiro. A abordagem destina-‐se a ajudar a compreender as formas elusivas de como o Outro é invisibilizado em nossas vidas diárias, e como a distância social penetra silenciosamente a vida cotidiana, transformando as diferenças sociais em distância estrutural, e o Outro uma forma de alteridade desconhecida – como se vivêssemos em mundos sociais distintos; um processo sutil que opera, em última analise, através do corpo. Essa reconsideração da segregação parece também útil se levarmos em conta os padrões complexos de mobilidades diárias nas cidades contemporâneas. Desde os trabalhos da Escola de Chicago de Park e Burgess até as recentes abordagens sobre as características contextuais da segregação, a mobilidade tem sido quase sempre representada pela migração, tendo a temporalidade lenta da produção e localização residencial como uma expressão (como em Maloutas, 2004; 2007). Nessa visão, a temporalidade e a espacialidade inerentes à mobilidade cotidiana, como capacidade para acessar e participar de situações sociais, têm sido negligenciadas. De modo muito diferente desta visão, queremos explorar uma ideia de mobilidade mais próxima à de Georg Simmel (1997): a mobilidade como propriedade de um “mundo em fluxo, cujo conteúdo é substantiva-‐se dissolvido em movimento” (Frisby em Maloutas, 2004: 195). De fato, há formas altamente interdependentes de mobilidade, incluindo deslocamentos de pessoas para o trabalho, situações de lazer, vida familiar, migração e de escape, as quais são centrais para construir e manter conexões complexas em uma sociedade em rede (Urry, 2002: 1). Esperamos explorar esta perspectiva e incorporar conexões que constituam ao mesmo tempo as condições elusivas do contato entre os atores, e aquilo que Giddens (1984) entende como um elemento-‐chave da integração social: os encontros. Primeiramente, vamos desenvolver essas ideias de modo a alcançar uma compreensão mais clara da relação entre mobilidade e as circunstâncias do encontro. Em seguida, vamos relacionar as mobilidades produtoras do encontro às diferenças sociais. Argumentaremos que as diferenças sociais podem ser fatores ativos na mobilidade, especialmente em sociedades fortemente desiguais. Desejamos construir essas relações de modo a nos libertar da redução espacial da segregação à divisão social do espaço. 2. Segregação como restrições à interação Uma das definições mais poderosas de segregação é de Freeman (1978: 413): "Todas as restrições à interação, envolvendo o espaço físico ou não, são formas de segregação – em um espaço social". Nossa abordagem se relaciona fortemente à visão de Freeman da restrição à interação, de modo a entender a segregação como restrição à presença do outro em nossas ações na cidade, imersos no tecido delicado dos encontros e interações que mantém sistemas sociais locais integrados. Infelizmente, abordagens usuais parecem mal equipadas para reconhecer essas dimensões sutis da
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segregação ativa nos ritmos urbanos do encontro. Assim, se quisermos entender o potencial integrador / segregador do encontro, devemos nos voltar para o tecido de nossas ações diárias e movimento além das áreas segregadas. Teoricamente, isso significa a possibilidade de acharmos espacialidades mais complexas da segregação e potenciais socialmente integradores talvez latentes em locais que podemos chamar de “convergência social”. Uma visão mais atenta às práticas urbanas de diferentes grupos sociais requer um conceito capaz de identificar como os atores desempenham suas ações espacialmente, de modo a acessar e participar de situações sociais. É importante ressaltar que diferentes mobilidades poderiam estar associada a diferentes grupos sociais e a diferentes formas de experiência urbana. A renda dos atores pode ter efeitos sobre o número de atividades em que são capazes de se envolver. A localização das atividades também é importante, e aqui abordagens à segregação espacial ainda tem muito a dizer, dado que a moradia em lugares acessíveis implica em estamos mais perto de mais atividades, podendo realizá-‐las em números maiores de forma materialmente mais eficiente. Encontros podem ser dispersos nas ruas ou polarizados em locais de trabalho, lazer e consumo; em pontos de ônibus, estações de metrô, edifícios institucionais e assim por diante. Se entendermos a cidade como uma rede, poderemos ver lugares de atividade como "atratores" (Kruger, 1979; Krafta, 1994):3 uma parte substancial da vida social se desenrola dentro de edifícios, por exemplo, como nossa comunicação e a possibilidade de relacionar nossos atos com os atos de outras pessoas. Podemos participar de uma atividade em particular se ela nos interessa, se nós temos um papel a desempenhar na mesma, se temos condições financeiras para fazê-‐lo, e se tivermos condições de chegar nesse lugar -‐ e se sabemos que ele de fato existe na cidade, em primeiro lugar. Todas essas coisas significam que pelo menos algumas atividades são frequentemente sem interessante ou não acessíveis (socialmente e espacialmente) a todos. No entanto, esses fatores ainda têm impactos sobre nossas ações, como faíscas para uma densa rede de movimentos diários provenientes de locais residenciais. Se o movimento deixasse marcas visíveis no espaço, tais redes de apropriação poderiam revelar o potencial de encontros e desencontros e segregação desenrolando-‐se na cidade. Exatamente o mapeamento destas redes de ações e movimentações na cidade é um objetivo do presente trabalho. Na verdade, a ideia de mapear trajetórias está longe de ser nova. O trabalho de Hägerstrand (1970) foi a primeira tentativa sistemática de capturar trajetórias e as restrições espaço-‐temporais que pesam sobre nossas ações. Ainda que a abordagem de Hägerstrand tenha sido uma moda passageira no início dos anos 1980 na geografia humana (veja Pred, 1981), novas abordagens empíricas têm retomado o espírito daquele trabalho, fazendo uso de tecnologias capazes de registrar o movimento de atores e identificar padrões de mobilidade.4 Propomo-‐nos a adicionar novas camadas a essa ideia, e avaliar como a apropriação cotidiana dos atores molda encontros. Para tanto, exploraremos padrões de mobilidade potencialmente relacionados a diferentes grupos sociais. Redes de apropriação urbana estão presentes como traços evanescentes da nossa presença efetiva no espaço. Se pudéssemos capturar pelo menos uma parte deles, poderíamos ter uma ideia melhor de como grupos socialmente diferenciados espacializam suas 3
Derivamos uma forma de analisar a cidade dos estudos configuracionais urbanos, mais precisamente Kruger (1979), Hillier e Hanson (1984) e Krafta (1994). 4 Um método desenvolvido por Gonzáles et al (2008) é exemplar em seu uso de dados de localização registrados a partir de telefones celulares para mapear movimentos, limitados a setores, mostrando que atores têm uma marcante tendência à recursividade.
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ações. Estes "caminhos de ação" podem moldar as possibilidades do encontro e de formação de relações entre as pessoas, bem como podem conter os espaços potenciais de copresença e de ausência sistemáticas. Em outras palavras, esta cartografia das ações pode permitir compreender a espacialidade da presença e da ausência ativa na segregação social. Gostaríamos de adicionar uma definição de "rede social" particular, que vai ser útil para a compreensão de como a espacialidade do encontro molda a experiência da segregação social enquanto dinâmica de formação de grupos sociais. Por exemplo, não pretendemos usar o conceito como um arranjo matematicamente identificável de vínculos pessoais, como na abordagem da Social Network Analysis, área da sociologia quantitativa ativa desde os anos 1950.5 Usaremos uma definição de rede social como um conjunto aberto de relações mutáveis no tempo -‐ especialmente considerando as posições sociais dos atores e as circunstâncias de tempo-‐espaço onde seus grupos são formados. Esta definição intencionalmente flexível de redes destina-‐se a incluir a probabilidade de encontro, um fator sociológico que será chave para entendermos como aumentam ou diminuem as conexões e configurações que envolvem os atores em suas relações sociais. Graficamente, preferimos não representar os atores por pontos como na análise clássica de redes sociais, mas inverteremos essa representação, vendo os atores como “linhas de vida” (como em Hägerstrand) convergindo para posições no espaço-‐tempo, em relações homológicas com caminhos espaciais reais. Essa inversão busca tornar a espacialidade do encontro e o papel do espaço na construção de redes sociais mais intuitivos (figura 1).
Figura 1 -‐ Princípios de homologia entre as redes sociais e espaciais operando no tempo.
3. Distintas mobilidades Qual é a chance de se conhecer pessoas de um grupo social diferente? Vamos desdobrar uma série de premissas trazidas à luz de achados anteriores, para então testarmos essas suposições em nosso estudo empírico. 5
Veja abordagens baseadas em teoria dos grafos em Gravonetter (1973), Freeman (1978, 2006), Scott (1991), Wasserman e Faust (1994) e Marques (2012).
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Primeiramente, a formação de redes sociais em cidades parece dependem, substancialmente, de circunstâncias de copresença. Em segundo lugar, cidades são historicamente produzidas e estruturadas espacialmente de forma a tornar situações sociais relativamente -‐ em princípio – acessíveis para possíveis participantes, na forma de padrões de localização e acessibilidades, revelados especialmente por trabalhos em economia espacial (de Hansen, 1959 à Glaeser, 2010) e estudos urbanos (de Lynch, 1960 à Hillier, 2012).6 Em terceiro lugar, locais de atividade tendem a aumentar o potencial de convergência de atores que compartilham interesses e mobilidades semelhantes.7 Em quarto lugar, caminhos de ação capazes de incluir mais lugares de atividade também aumentariam, em tese, o potencial de contato social. Teoricamente, quanto mais amplo e complexo o padrão de apropriação do espaço em relação ao número de casas e ruas que constituem cidades, mais amplo seria o potencial para aumentarmos nossas redes sociais pessoais. Em quinto lugar, a renda desempenha um papel neste processo. Pessoas com orçamentos menores enfrentam mais restrições na mobilidade e menos diversidade em suas atividades -‐ que por sua vez leva a uma menor diversidade de formas de apropriação do espaço. Como veremos a seguir, limitações na mobilidade intensificam o localismo -‐ o nível de dependência da proximidade para se estabelecer redes sociais pessoais. Nesses casos, a densidade de encontros tende a aumentar especialmente em torno da residência, enquanto atores sociais tendem a contar com lugares no entorno para criar e manter relacionamentos. Além disso, há uma gama de atividades não dependentes de proximidade à residência, como aquelas em torno do trabalho, o que pode aumentar a extensão e complexidade das trajetórias urbanas desses atores. O transporte público e o aumenta progressivo da propriedade de veículos privados nos países em desenvolvimento também permitem movimentos mais amplos e complexos na cidade. Na verdade, uma série de trabalhos empíricos têm consistentemente demonstrado que níveis mais altos de renda permitem menor dependência de proximidade espacial.8
Nossa hipótese é que limitações de mobilidade contidas em padrões de apropriação tenderiam a aumentar a densidade de encontros entre atores sociais semelhantes. Por sua vez, esta tendência espacial em direção tanto a níveis mais altos de homofilia e a diferentes graus de conectividade em redes pessoais, ambos gerados por diferenças de renda, estilos de vida e mobilidades, pode ter fortes implicações para as atuações sociais dos atores. Uma série de estudos oferece suporte para a ideia de uma variação substancial nos níveis de dependência de proximidade na formação de redes sociais pessoais de acordo com classe e renda -‐ no Brasil, país de nosso estudo de caso, e em outros países no mundo. Por exemplo, o estudo recente de Marques (2012) em São Paulo analisa os perfis de sociabilidade dos atores em situação de pobreza e seu papel na formação de redes sociais, e revela diferenças entre as estruturas de 6
Há uma longa tradição desde Alfred Weber (1909) e Hansen (1959) na economia espacial que tem sido capaz de identificar padrões de localização de atividades nas cidades. 7 Os efeitos de trajetos lineares sobre a densidade do encontro foi recentemente teorizada em Bettencourt (2013). 8 Veja Holanda (2000) e Marques (2012). Dados empíricos sobre gastos em transporte no Brasil mostram que grupos de alta renda não apenas gastam mais que os de baixa renda: eles gastam mais que proporcionalmente (POF, 2009; veja Netto, 2014).
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redes pessoais de atores de diferentes classes sociais. Redes na classe média tendem a ser pouco dependentes da proximidade, como se fossem “comunidades desterritorializadas” pessoais (Wellman em Marques, 2012) -‐ um padrão muito diferente de atores em situação de pobreza. Uma relação similar de renda e formação de rede é encontrada em outros países. Análises na Califórnia, EUA, e Israel (Fischer e Shavit, 1995), França (Grosseti, 2007), Finlândia e Rússia (Lonkila, 2010) e China (Lee et al., 2005), entre outros, sugerem que as redes pessoais variam mais de acordo com a classe do que em relação a contextos culturais e regionais. A relação inversa entre a dependência de proximidade e a renda também encontra suporte em Briggs (2003; 2005). Estas abordagens à segregação, no entanto, ainda tendem a ver o espacialidade das redes superficialmente, principalmente limitada à localização de áreas residenciais. Temos que esclarecer como a formação de redes sociais é efetivamente realizada tanto espacial quanto temporalmente, envolvendo circunstâncias de copresença e ausência. Poderia a mobilidade -‐ e não a proximidade espacial -‐ ser o fator chave nessa formação? Por sua vez, abordagens à mobilidade que fazem uso de informação geográfica derivada de dados digitais (digamos, o dados de uso de telefones celulares) ainda estão restritos a captura de padrões de comportamento espacial (por exemplo, Gonzales et al, 2008) -‐ sem qualquer ligação com as condições sociais dos comportamentos espaciais, como a influência da renda e classe. Propomos que uma análise detalhada da estrutura das rotinas e das trajetórias de atores urbanos poderia esclarecer fatores causais na formação de redes separadas e naquilo que podemos chamar, lembrando Young (1990), de "a invisibilidade do Outro". 4. Redes de segregação na cidade Agora vamos analisar a formação temporal de redes sociais pessoais em contexto urbano. Parece bastante razoável dizer que as redes pessoais poderiam ser expandidas ao aumentarmos o acesso a diferentes situações sociais. Também parece razoável dizer que esse aumento depende de maior mobilidade. Sabemos que as redes pessoais mais amplas e diversificadas permitem mais oportunidades de atividade social e econômica (Marques, 2012). Chegamos aqui outro ponto-‐chave de nossa argumentação. Para que redes sociais ofereçam de fato mais oportunidades de atividade, as redes devem antes de tudo ser formadas. Entretanto, lembremos que a formação de redes sociais presenciais é uma capacidade espacial. Em outras palavras, a mobilidade e as trajetórias urbanas criam os encontros que produzem e expansão de redes, e geram novos contatos e oportunidades de atividade. Se estas implicações (lógicas e materiais) fazem sentido, a mobilidade deve ser considerada um fator potencial chave na superação do localismo e na diversificação da sociabilidade. A renda certamente mantém seu papel central, uma vez que suporta a mobilidade, mas temos que considerar que uma crescente mobilidade está diretamente relacionada ao aumento da capacidade de formarmos e ampliarmos nossas redes pessoais. Por outro lado, uma mobilidade baixa tende a limitar interações, como podemos ver no caso de atores mais pobres. Mobilidade e renda estão associados em um círculo que leva a aumentos ou reduções no potencial para criarmos, mantermos e expandirmos redes pessoais.
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Mas como isso acontece? Se a rede depende de situações de encontro, precisamos entender como a mobilidade importa na estrutura de encontros, enquanto a instância onde a segregação social opera no cotidiano. Vimos que a mobilidade pode ter uma influência direta sobre os potenciais de interação. Sabemos, também, que os atores de baixa renda, apesar de ter mobilidades mais limitadas, não são estáticos dentro de áreas socialmente homogêneas. As diferenças nos seus níveis de localismo e sociabilidade em suas redes pessoais sugerem variações no alcance espacial e, por extensão, nas condições da sua presença em certos lugares na cidade. Mas como (e onde) o potencial do encontro entre os diferentes se materializa? Para responder essa questão, precisamos examinar os efeitos de diferentes mobilidades na formação de redes pessoais dentro e entre os grupos sociais, a fim de compreender as oportunidades de encontro. Sugerimos que, se as redes sociais são formadas pela realização de conexões possíveis entre atores, as redes de classe (ou seja, as redes sociais que operam dentro dos grupos em grande escala com recursos comuns econômicos que influenciam fortemente suas ações e estilos de vida) 9 e outras formas de formação de grupos sociais são moldadas por probabilidades de encontro e de novas conexões de redes pessoais. Veremos em nosso estudo empírico abaixo que o espaço importa aqui. Mesmo que não costumemos pensar nisso, nossas trajetórias diárias definem o cenário de nossas interações e moldam a estrutura elusiva de nossa vida social na cidade. A distância entre lugares dentro de uma cidade associada a diferences mobilidades impõem limitações nessas probabilidades. Diferenças em mobilidade, renda e estilos de vida trazem desigualdades na capacidade de participar de suas situações sociais. Essas incompatibilidades são formas de disjunção do encontro – de se desconstituir a possibilidade de encontros que poderiam acontecer de outra forma. A disjunção do encontro significa um deslocamento das presenças a lugares distintos. Ela parece ocorrer especialmente entre pessoas socialmente diferentes – ativa nas condições sociais e materiais que evitam que pessoas diferentes venham a estar co-‐presentes, reconhecendo assim a existência alheia. Dito de outro modo, há uma chance muito maior de redes sociais incorporarem atores que compartilham mobilidades semelhantes e padrões de apropriação. Estas descrições começam a retratar o complexo tecido da socialidade na cidade. No entanto, como podemos compreender em detalhe essa espacialidade volátil do encontro? Como podemos ver o tecido das trajetórias pessoais que entrelaçam-‐se, apenas para a separar-‐se adiante, em situações no espaço-‐tempo de nossas vidas urbanas? 5. Pegadas digitais na paisagem urbana: o uso metodológico de Big Data Naturalmente, ver a espacialidade dos fluxos tremendamente complexos de convergências e divergências de nossas ações e trajetos na cidade parece praticamente impossível. Nossos próprios estudos anteriores permaneceram em um nível de pequena escala, que faziam uso de dados sociais e espaciais derivados de entrevistas de um número de atores (Netto et al, 2010; Netto, 2014). Eles ofereceram imagens delicadas da segregação em redes de classe social atuando na cidade. A pergunta-‐chave nesse momento é: como podemos expandir esta abordagem dinâmica, de modo a ver o panorama da segregação para uma cidade inteira? 9
Derivamos essa definição da definição de Giddens (1993) para classes sociais.
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A resposta é que podemos rastrear e registrar o movimento de uma grande quantidade de atores (socialmente diferentes) na cidade explorando o potencial enorme do chamado ‘Big Data’ como forma de lidar com um ambiente urbano. Nesse espírito, realizamos um estudo empírico no Rio de Janeiro. O Twitter oferece condições particularmente interessantes, ao tornar seu banco de metadados público e em princípio anômimo. O conjunto de variáveis fornecidas pelo Twitter API inclui os IDs númericos dos usuários (não sua identificação completa) bem como as coordenadas geográficas e o timestamp de cada tweet emitido por esses IDs. Gostaríamos de mostrar os resultados iniciais de um experimento em andamento no Rio. Coletamos os metadados de tweets postados na cidade do Rio de Janeiro entre os dias 12 (00:07:13 am) e 14 de novembro (2:36:45) de 2014. Registramos postagens durante o intervalo de tempo de 56 horas, gerando um banco de dados com 14.960 usuários, incluindo a localização espacial e o momento em que os tweets foram feitos (figura 2).
Figura 1 – Total de tweets no Rio de Janeiro, 12/11 (12:07:13) – 14/11/2014 (2:36:45).
Primeiramente, padrões temporais se tornam visíveis e mostram como o Twitter pode ser usado como uma forma de reconhecermos o pulso social da cidade. Há um aumento constante durante o dia, um pequeno pico por volta de meio-‐dia, um rápido crescimento e uma queda brusca em torno da meia-‐noite até 05:00, quando o ciclo começa novamente (figura 3).
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Figura 3 -‐ O pulso das comunicações na cidade: frequência de tweets no Rio de Janeiro.
Esses metadados permitiram que classificássemos os usuários de acordo com seu comportamento de postagem. Filtros foram usados para excluir usuários que não fornecem dados suficientes para inferir a localização residencial, excluindo 40% dos usuários com apenas dois ou menos tweets no período avaliado. Usuários-‐robô, que postam de modo automatizado para fins comerciais (bots), identificáveis pelo elevado número de tweets postados de uma mesma posição no espaço, também foram excluídos. Ainda, a análise da distância Euclidiana média entre as posições dos tweets revelou usuários cujos deslocamentos não eram relevantes para nosso estudo. Uma classificação estatística via quantil dos resultados obtidos mostrou que o limiar entre altas frequências de pequenas distâncias e a distribuição exponencial de longas distâncias foi de 106 metros por tweet. Valores menores do que este foram filtrados, reduzindo o conjunto de dados para 78.825 tweets postados por 4.325 usuários. Após essa sequência de procedimentos de filtragem no banco inicial, selecionamos um leque de 2.543 usuários cujo movimento na cidade era relevante para o presente estudo. Em seguida, identificamos padrões espaciais e temporais de postagens, visando a dedução do local de residência dos usuários. Os tweets dos usuários válidos foram espacializados na rede urbana via modelo de deslocamentos que conecta as posições geográficas dos tweets através da lógica de menores caminhos, fazendo uso de software de geoprocessamento (GIS). O resultado foi uma trama de milhares de trajetórias dentro da rede de ruas [FIGURA]. Deve ficar claro que a ligação entre posições das postagens via menores caminhos não pode ser tida como o percurso certamente percorrido por usuários ao se moverem entre seus tweets, mas há número grande o bastante de estudos teóricos e evidências empíricas (sobretudo nos campos da sintaxe espacial, redes urbanas e estudos de wayfinding) para oferecer confiabilidade a este procedimento enquanto proxy dos movimentos reais. Estes estudos têm mostrado que humanos tendem fortemente a escolher o menor caminho entre dois pontos, no sentido métrico, topológico e na minimização angular entre os trechos que compõem um trajeto (veja Hillier, 2012). O próximo passo foi diferenciar os atores entre si usando o critério da renda. Esse passo demanda o cruzamento das localizações residenciais e os trajetos inferidos dos usuários com dados econômicos. Fizemos uso do Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que disponibiliza dados de renda para setores censitários na cidade. Associamos em seguida as posições iniciais dos tweets com os setores, o que permitiu atribuir níveis de rendimento médio
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para os usuários. Analisamos a renda a partir do desvio padrão da renda média per capita no Rio de Janeiro, que sugeriu faixas entre R$ 750; R$ 1.600; $ 2.500; R$ 3.400 e R$ 6.200, e acima.10 Estes valores foram identificados como grupos sociais de baixa, média-‐baixa, média, médio-‐alta e alta renda, diferenciadas através de cores (figura 4).
Figura 4 – Padrão residencial e posições dos tweets de acordo com a renda (azul-‐baixa a vermelho-‐alta)
Sumarizando, nossos passos metodológicos foram: 1. Colheta de metadados Identificação da posição no tempo e no espaço dos tweets postados na cidade Período: 12 nov (00:07:13) -‐ 14 (02:36:45) 2014 Usuários ativos do Twitter no período: 14.960 usuários 2. Filtragem de usuários Número mínimo de tweets por usuário (3) Exclusão de usuários automáticos Usuários selecionados: 2.543 usuários 3. Espacialização dos tweets e identificação da localização residencial dos usuários Identificação da localização do primeiro tweet de manhã (primeiro na sequência de tweets) Confirmação via repetição da localização do primeiro tweet do dia. 4. Geração dos caminhos mais curtos entre posições dos tweets dos usuários Um procedimento analítico realizado por meio de um software de GIS nos permitiu encontrar os caminhos mais curtos dentro da malha urbana, como uma proxy para os caminhos reais dos usuários. 5. Cruzamento dos dados do censo (renda) com a localização dos usuários
Há diferenças marcantes entre o que o mapa gerado a partir do censo mostra (figura 4, à esquerda) e uma análise de escala mais fina, quando nos aproximamos dos atores (figura 4, à direita). As localizações dos usuários do Twitter, derivadas dos dados, revelam mais complexidade locacional do que os procedimentos baseados em rendas médias e setores censitários sugerem. Ao mesmo 10
Para fins de confronto e referência com nosso estudo anterior, o salário mínimo no Brasil em 2010 foi de R $ 510,00.
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tempo, é possível identificar padrões de agregação entre usuários de renda similar. Talvez ironicamente, o mapa dos usuários digitais Twitter parece nos aproximar mais da cidade real. Uma última questão metodológica envolve a representatividade do Twitter frente à população do Rio de Janeiro – por exemplo, como saber se teremos todos as classes sociais e faixas de renda que compõem a cidade proporcionalmente presentes no uso do Twitter? Primeiramente comparamos os histogramas das distribuições das médias de renda per capita dos usuários e da população do Rio em geral (figura 4, à esquerda). Embora os histogramas mostrem uma semelhança em suas curvas, há diferenças relevantes. Investigamos mais essa questão e encontramos uma correlação significativa entre a população (em seus diferentes níveis de renda) e o perfil de renda dos usuários do Twitter (figura 5, à direita). A regressão linear (linha escura) representa um R ajustado ao quadrado de 0,67, mostrando que a distribuição de renda dos usuários tem razoável grau de semelhança com a distribuição de renda da população em geral.
Distribution of users x Populations in sectors
Figure 5 – Histogramas da média de renda per capita da população do Rio como um todo e entre os 2.543 usuários do Twitter selecionados no estudo (esquerda). Em seguida, a regressão entre usuários (eixo Y) e população nos bairros do Rio (eixo X), com cores mostrando os níveis de renda (direita).
Portanto, o uso do Twitter não parece estar associado com faixas específicas de renda, como fica evidente na escala de cores do gráfico abaixo. Essa constatação empírica nos leva a descartar a hipótese de exclusão digital dentro da cidade neste universo de usuários. Outras análises gráficas esclarecem as proporções de população distribuída nas faixas de renda no Rio em comparação com os usuários do Twitter (figura 6)
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Figure 6 – Histogramas distribuição de renda na população do Rio e entre usuários do Twitter (acima); e o aumento progressivo na renda no Rio, mostrando uma grande diferença entre ricos e outros grupos de renda, e entre os usuários do Twitter (áreas cinza, abaixo). A linha vermelha mostra a variação da média de renda.
O que os mapas revelam quanto à segregação dinâmica, contida nas trajetórias dos usuários do Twitter na cidade? Notamos que a segregação residencial segue um fator importante: há uma ampla distribuição de localizações residenciais socialmente diferenciadas (figura 7).
Figura 7 – A dinâmica da segregação: usuários em azul (renda baixa), verde (média-‐baixa), amarela (renda média), laranja (média-‐alta) e vermelho (alta renda).
Faixas de renda de baixa renda e média-‐baixa apresentam considerável sobreposição, com a diferença de mais profundidade e distância em relação ao CBD nos caminhos de baixa renda. Uma diferença mais substancial aparece entre usuários de renda média-‐baixa e média, seguindo a tendência de predominância dos caminhos mais próximo ao CBD. Os trajetos de renda média-‐alta e alta confirmam esta observação. A sobreposição de todos os caminhos proporcionalmente ao volume de usuários em movimento, no último mapa da figura 6, torna visível as predominâncias das redes de cada faixa de renda. O panorama dinâmico da segregação fica assim mais evidenciado. Por outro lado, há uma forte convergência no centro da cidade e na Zona Sul, onde usuários de todas as classes terminam convergindo em uma sobreposição interessante de redes de apropriação, ainda
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que haja claramente predominâncias. Entretanto, os trajetos de usuários de rendas mais altas claramente predominam mais junto ao mar e à Zona Sul. Esta abordagem permite uma leitura precisa da extensão da sobreposição das redes de classe, a partir dos caminhos de ação dos usuários, a fim de verificar o potencial de copresença de grupos de renda, buscando mais precisão quanto a convergências e divergências entre usuários socialmente diferenciados. Os grupos que mais se sobrepõem são os de baixa e média-‐baixa rendas (1.996,10 Km). A sobreposição das movimentações dos mais pobres e dos mais ricos é substancialmente menor (112,26 Km), em que pese o menor número de usuários de alta renda e seus percursos; ao passo que entre baixa e média rendas há sobreposição de 102,81 Km. Podemos ainda verificar o quanto um grupo de renda compartilha espaços com os demais grupos em sua rotina (tabela 1). Usuários Baixa renda Média-‐baixa renda Média renda Média-‐alta renda Alta renda
Total percurso: Sobreposição: Total percurso: Sobreposição: Total percurso: Sobreposição: Total percurso: Sobreposição: Total percurso: Sobreposição:
Soma (Km) 13.695,65 2.300,22 22.605,81 2.974,04 3.929,42 528,05 6.090,69 491,62 5.784,36 381,32
% Percursos sobrepostos -‐ 17% -‐ 13% -‐ 13% -‐ 8% -‐ 7%
Tabela 1 – Nível de sobreposição entre as redes de apropriação de cada grupo social em relação aos demais.
A análise espacial mostra padrões muito distintos de relações espaciais de copresença entre atores de diferentes níveis de renda, visíveis na extensão da sobreposição das redes de movimentação na cidade. As linhas e traços vermelhos são os espaços mais prováveis para encontrarmos atores socialmente distintos (figura 8). Pareando os grupos de menor renda e os mais ricos (R1xR5 e R2xR5), os mapas mostram que a celebrada Zona Sul não é apenas uma área territorialmente segregada com a presença dominante dos mais ricos. Ela é a área de maior visibilidade mútua e copresença entre aqueles de renda mais alta e os de renda mais baixa. Usuários de rendas média-‐ baixa e alta (R2xR5) também convergem em São Conrado, Barra e Recreio, no sudoeste e oeste do Rio, no centro, e na Glória, Catete e Flamengo, no início da Zona sul. Na verdade, usuários de renda média-‐baixa (R2; veja também as redes em verde na figura 7) têm um papel social importante, criado por um alcance em seus percursos e uma mobilidade potencializada recentemente pelo aumento de renda e propriedade do veículo privado (veja Netto, 2014). Eles se sobrepõem com todos os demais grupos de renda acima ou abaixo da sua. Usuários de rendas média-‐baixa e média (R2xR3) convergem sobretudo em torno da Tijuca (início da Zona Norte, próximo ao Centro) e Jacarepaguá (entre zonas Norte e Oeste). Por sua vez, as redes de renda baixa e média-‐baixa (R1xR2) mostram forte a mais extensa sobreposição, principalmente nas Zonas Norte e noroeste. Os espaços da convergência social são encontrados nas áreas mais densas e economicamente centrais, como o centro e a Zona Sul do Rio. Estes são os espaços mais prováveis para encontrarmos alteridades no Rio de Janeiro.
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Figura 8 – Relações espaciais entre grupos de renda: a sobreposição das movimentações entre pares R1 (renda baixa), R2 (média-‐baixa), R3 (média), R4 (média-‐alta) and R5 (alta renda).
6. Conclusão: segregação e a probabilidade da interação Tendo em vista que este estudo consiste de uma proxy capaz apenas de mostrar as tendências da segregação, podemos observar potenciais de encontro mesmo dentro das trajetórias de um número limitado de usuários, o que sugere a cidade também como um lugar de convivência. O estudo sugere que a probabilidade do encontro é impregnada de espacialidade, e que diferentes espacialidades igualmente contém diferentes potenciais de interação em suas estruturas visíveis. Essas propriedades materiais da ação e seus espaços parecem ativas na passagem da ação
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individual para a copresença como fator de experiência social. A espacialidade urbana parece fazer isso de um modo não-‐mecanicista: a materialização da vida social envolve alta variabilidade no arranjo das trajetórias urbanas. A relação inerente entre mobilidade, encontro e heterogeneidade espacial abre possibilidades para a mudança constante e para a imprevisibilidade, uma relação não-‐ determinística, imersa em aleatoriedade. Contingências entram em jogo como mudanças imprevisíveis em decisões e escolhas e trajetórias, e na própria cidade, onde novas atividades e eventos surgem o tempo todo. A análise das ‘pegadas digitais das redes de classe’ parece revelar essa complexidade de um modo que a análise puramente territorial da segregação não poderia. Neste sentido, nossa abordagem destina-‐se a lançar luz sobre a complexidade da segregação, agora capturada como uma micro-‐ segregação altamente dinâmica, ocorrendo ao nível das nossas movimentações e seus espaços. As probabilidades de encontrarmos o ‘outro’ parecem distribuídas de acordo com as estruturas espaciais e temporais da ação de diferentes grupos dentro de uma cidade. Elas parecem um fator de coesão mais forte nas redes operando no interior das classes sociais, moldadas pelas diferenças de renda, mobilidade e acesso social a lugares e eventos urbanos. Os caminhos dos usuários do Twitter, mapeados no espaço-‐tempo, sugerem uma maior compatibilidade entre certos usuários – e, por extensão, um potencial maior de interação social gerada por meio de encontros. Os laços sociais em redes pessoais são formados a partir da recursividade dos encontros, de modo que redes possam surgir de forma mais coesa dentro de classes sociais do que entre elas. Incompatibilidades entre padrões de apropriação da cidade assumem a forma de diferenças nas escolhas e capacidades para acessar atividades, a supressão de certos lugares como possibilidades de apropriação, e diferenças estruturais no materialização das trajetórias urbanas dos atores no tempo. Referências Briggs, X. (2003) “Bridging networks, social capital and racial segregation in America”. Faculty Research Working Paper Series, John F. Kennedy School of Government, Cambridge, MA. Briggs, X. (2005) “Social capital and segregation in the United States” In L.Varady (ed.), Desegregating the city, Suny Press, Albany, NYBurgess, E.W. (1928) Residential Segregation in American Cities. Annals of the American Academy of Political and Social Science 140, 105–115. Fischer, C. and Y. Shavit (1995) National differences in network density: Israel and the United States. Social Networks 17.2, 129–45. Freeman, L. (1978) “Segregation in social networks”. Sociological Methods & Research 6.4, 411–429. Hansen, W.G. (1959) “How acessibility shapes land use.” Journal of the American Institute of Planners. v. 25, Issue 2. Glaeser, E. (2010) The triumph of the city: how our greatest invention makes us richer, smarter, greener, healthier and happier. New York: Penguim. Giddens, A. (1984) The Constitution of Society. Cambridge Polity Press, Cambridge. Giddens, A. (1993) Sociology. Cambridge Polity Press, Cambridge. Gonzales, M., Hidalgo, C. and Barabási, A-‐L. (2008) Understanding individual human mobility patterns. Nature 453, 479-‐ 482. Grosseti, M. (2007) Are French networks different? Social Networks 29.3, 391–404. Hägerstrand, T. (1970) What about people in regional science? Papers of the Regional Science Association 24.1, 6–21. Hillier, B. (2012) The genetic code for cities: Is it simpler than we think? In Juval Portugali, Han Meyer, Egbert Stolk and Ekim Tan (Eds) Complexity theoris of cities have come of age: an overview with implications to urban planning and design. London: Springer, pp 67-‐89. Hillier, B. and Hanson, J. (1984) The Social Logic of Space. Cambridge University Press, Cambridge. Holanda, F. (2000) Class footprints in the landscape. Urban Design International 5, 189-‐198.
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