Pela autonomia dos arquitetos

June 15, 2017 | Autor: J. Fernandes Cast... | Categoria: Arquitetura e Urbanismo
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Pela autonomia dos arquitetos

José Roberto Fernandes Castilho



Dedicado aos alunos da FCT/Unesp



A questão que me proponho responder é a de saber se engenheiros podem ser
coordenadores de curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo. A meu ver
isto não pode e não deve acontecer porque são duas profissões distintas. Há
muitos argumentos que sustentam tal entendimento.

Em primeiro lugar uma razão, digamos assim, histórica. Engenheiros e
arquitetos têm uma longa trajetória de disputas e contenciosos que culminou
com a criação do CAU – Conselho de Arquitetura e Urbanismo pela Lei nº
12.378/10, última lei sancionada pelo presidente Lula. O fundamento desta
disputa tem a ver com atribuições profissionais que são discrepantes. O
arquiteto é um profissional generalista, que deve comandar todo o processo
construtivo a partir do projeto até a pós-ocupação. Na verdade, é o
primeiro e principal "agente da edificação" porque irá definir aquilo que
vai ser levantado. Os engenheiros, por sua vez, desempenham funções
particulares neste processo, na estrutura, no sistema elétrico, hidráulico,
etc, o que não é vedado aos arquitetos. Portanto, a visão de ambos os
profissionais não coincidem.

É por tal motivo que, na França, apenas os arquitetos podem conseguir a
licença edilícia. Com efeito, a inserção harmônica da edificação no meio
urbano deve ser pensada e resolvida por eles - e só por eles. A lei
francesa de 1977 diz com todas as letras: "quem desejar empreender
trabalhos dependentes de uma licença edilícia deve recorrer a um arquiteto
para elaborar o projeto" (art. 3°). No Brasil, por motivos históricos, os
engenheiros fazem normalmente projetos edilícios quando não deveriam. Assim
como apenas os advogados têm capacidade para postular em juízo, apenas os
arquitetos deveriam ter capacidade para projetar edificações. Mas, aqui, a
lei não diz isso e os engenheiros continuam a desempenhar normalmente
funções para a quais eles não foram devidamente formados. Como disse, sua
visão do processo construtivo é parcial, pontual.

Portanto, um coordenador que não seja arquiteto não tem condições nem de
compreender as necessidades do curso e muito menos de representar os alunos
perante os órgãos competentes (CAU, IAB, etc). Arquitetos e engenheiros têm
divergências antigas, sendo certo que, por serem em muito maior número, os
engenheiros sempre saíram ganhando, sempre foram exitosos nas suas
abrangentes pretensões. Em decorrência, todas as posições assumidas pela
coordenação do engenheiro parecerão (ou serão) "viciadas" exatamente por
uma concepção equivocada da Arquitetura, que não condiz com o atual momento
da profissão, após 2010.

O segundo argumento é de ordem legal. A Resolução 51/13 do CAU/BR
estabelece, precisamente, como função privativa de arquiteto, a coordenação
de curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo (art. 2º/I/"g"). Portanto,
exatamente em razão das especificidades da profissão, o CAU - entidade
autárquica que orienta, disciplina e fiscaliza o exercício profissional -
fixou a coordenação de curso como atribuição privativa. E isto é de bom
senso porque não se imagina um fisioterapeuta coordenando um curso de
medicina, ou um sociólogo coordenando um curso de Direito, ou um matemático
coordenando uma graduação em engenharia. Deve-se haver uma necessária
adequação. A coordenação de curso existe para traçar rumos, definir
estratégias, formular planos para fortalecimento das graduações. Ora, com
um coordenador engenheiro caminha-se no sentido oposto porque se parte de
uma inadmissível ilegalidade inicial que contamina todos os atos
posteriores, levando à fragilização do ensino.

Neste sentido, cabe recordar que a Justiça já anulou concurso na faculdade
de Direito a USP porque os membros da banca não eram da área científica do
concurso. Tratava-se do concurso de professor de Direito do Comércio
Internacional e compareceram na banca uma professora das letras e outro da
economia. Ora, o candidato derrotado ingressou na Justiça e conseguiu a
anulação do concurso exatamente porque os professores daquelas áreas não
eram adequados para aparecer numa banca, não tendo quaisquer trabalhos
concernentes a ela. Da mesma forma, um engenheiro não tem a formação
adequada e a visão necessária para dirigir um curso de graduação em
Arquitetura que busque a "integração harmoniosa das atividades urbanas no
território, a valorização do patrimônio construído e do ambiente".

Caso isto se consume, o que caberá fazer? Bem, penso que estaremos diante
de uma ilegalidade que justifica a intervenção fiscalizadora do CAU para:
a) tomar providências junto à instituição de ensino e b) tomar providências
contra o engenheiro porque ele estará usurpando função exclusiva de
arquiteto. E esta usurpação pode acarretar sanções várias, como previsto
pela lei. Portanto, até 2010 havia comunicação entre as profissões de
arquiteto e engenheiro, submetidas ao mesmo conselho. Mas, depois da
criação do CAU e da disciplina normativa estabelecida pela lei e pelas
resoluções que a desdobram, isto não é mais possível – é mesmo ilegal e
inconveniente – e, se acontecer, demandará providências da autarquia na via
administrativa ou judicial. Se nada disso ocorrer, só caberá aos arquitetos
não tocar um tango argentino mas fazer uma leitura atenta do "Discurso da
Servidão Voluntária" (1574), de La Boétie...
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