Pelas luas se tiram as marés

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Pelas luas se tiram as marés Félix Rodrigues Departamento de Ciências Agrárias Universidade dos Açores Nota- Este trabalho foi desenvolvido para as Comemorações do Ano Internacional da Astronomia, 2009, promovidas pela Sociedade Portuguesa de Astronomia.

As marés resultam de um fenómeno periódico que ocorre em intervalos regulares de 12 horas e 25,2 minutos, ou então, a cada 24 horas e 50,4 minutos o mar sobe e desce duas vezes, num fluxo e refluxo das águas. Esses movimentos periódicos de elevação e abaixamento da superfície dos oceanos e mares estão relacionados com as forças gravíticas que a Lua e o Sol exercem sobre a Terra. Existem dois tipos de marés: A “grande maré” e a “pequena maré”. A “grande maré” resulta da sobreposição do efeito gravítico do Sol e da Lua, no mesmo sentido ou em sentidos opostos, sobre as águas dos oceanos. Durante a conjunção e a oposição da Lua, nas fases de Lua Nova e de Lua Cheia, a maré-alta é muito alta e a maré-baixa é muito baixa (ver figura 1).

Figura 1 – Diagrama que corresponde à Grande Maré, devida à ação gravítica do Sol e da Lua

A “pequena maré” resulta de uma situação de quadratura, ou seja, quando o Sol e a Lua formam um ângulo de 90º em relação à Terra. As marés de quadratura são moderadas e por essa razão são chamadas de marés de águas mortas ou pequenas marés (ver figura 2).

Figura 2 – Diagrama exemplificativo da “Maré morta”, quando o Sol e a Lua se encontram em quadratura, minimizando a ação gravítica sobre as águas dos mares e oceanos. No contexto que se acaba de referir, o provérbio popular português “Pelas luas se tiram as marés” traduz um princípio científico adequado. Existem outros ditados populares que também tentam descrever esse fenómeno, alguns mais correctos do que outros. Consideremos agora o ditado: “Lua empinada, maré repontada”

Esse ditado quer dizer que quando a Lua aparece a maré começa a fluir, ou seja a encher. O repontar também tem a ver como o início do fenómeno já que “repontar” significa que algo começa a aparecer, dando-se assim a entender que esse fenómeno é periódico. É particularmente interessante, no contexto em apreço, o ditado popular: “Lua fora, lua posta, quarto de maré na costa”

O tempo que medeia entre a Baixa-mar e a Preia-mar é de 6 horas e 12,6 minutos. Cada dia que passa a Lua aparece no céu cerca de uma hora mais tarde do que no dia anterior. O ditado anterior não é fácil de analisar tendo em conta apenas a periodicidade desse fenómeno, pois se a Lua despontasse sempre no mesmo quadrante do céu, tal não seria verdade. Todavia a Lua move-se a um ritmo diferente do da rotação da Terra e ocupa quadrantes do céu distintos todos os dias do mês. Aqui o “Lua fora” tem o sentido de começar a ver-se esse astro desde o lugar que se ocupa na Terra. Efectivamente quando um observador na Terra começa a ver a Lua, a maré está a encher e está sensivelmente a ¼ da altura máxima que atingirá na Preia-Mar. Quando a Lua se põe, ou seja, o observador na Terra se afasta da Lua, deixando-a de ver, a maré está também a sensivelmente ¼ da altura máxima que teve, só que em vazante. Pelo que se acabou de expor, o ditado popular referido traduz de forma muito habilidosa observações empíricas. Encontra-se ainda outro ditado popular, com um sentido próximo do anterior:

Lua posta, baixa-mar na costa.

Contém tanta veracidade como o anterior se admitirmos que a Lua está posta quando está em quadratura com o observador. Entende-se aqui “Lua posta” a situação que corresponde a imaginar a direcção Terra-Lua a fazer noventa graus com a direcção Terra-observador. Nessa situação estamos em baixa-mar. Assim sendo, também esse

ditado traduz observações empíricas que se aproximam cabalmente das observações científicas. Mais rebuscado que os ditados populares anteriormente referidos é o que afirma:

Lua nova, lua cheia, preia-mar às duas e meia

Esta situação corresponde à ilustrada na primeira figura que aqui se apresentou e pode dizer-se que corresponde efectivamente à realidade. Não se quer dizer com isso, que a Preia-Mar ocorre exactamente às duas e meia da tarde, mas sim que a preia-mar ocorre por volta dessa hora com um erro pequeno (em média 15 minutos). Em 50% dos casos de Lua Nova e Lua Cheia, a Preia-Mar ocorre pelas 14:35 ou 14:36. Essa é sensivelmente a hora a que ocorrem as marés vivas. Tradicionalmente as marés eram retiradas dos Almanaques, construídos todos os anos. A sabedoria popular tentou captar alguns princípios que aí se encontravam e transformou-os numa informação fácil e perceptível, para com isso gerir o seu dia-a-dia. A imagem que se segue (figura 3) é de um almanaque holandês de 1493 da autoria de Jakob Honiger e intitulado: “Almanach in der hochebreysten Hochen Schule zu Erffort”.

Figura 3- Almanaque holandês do século XV.

Em Portugal, a publicação mais antiga que ainda é editada todos os anos é o Almanaque Borda D’Água, que surgiu pela primeira vez em 1927. Esse almanaque contém todos os dados astronómicos e religiosos mais importantes para o povo português, bem como indicações consideradas úteis e de interesse geral. Tanto os almanaques como as previsões de marés para cada local resultam da aplicação de uma expressão matemática. Matematicamente, a altura das marés é uma função sinusoidal de amplitude variável, como se pode observar no gráfico seguinte (figura 4).

Figura 4- Comportamento periódico das marés.

A expressão que permite calcular a altura das marés toma a forma da equação 1: ℎ(𝑡) = 𝐴0 + ∑𝑛𝑖=𝑜 𝑓𝑖 𝐻𝑖 𝑐𝑜𝑠[𝜔𝑖 𝑡 + (𝑉0 + 𝑢)𝑖 − 𝑔𝑖 ]

Equação 1

onde h(t) é a altura de água no instante t, os valores wi representam as velocidades angulares das ondas constituintes, V0+u é o seu argumento inicial, isto é o argumento na maré de equilíbrio para o instante inicial da série de dados, gi, a fase num instante t, em graus, e A0 o nível médio da água do mar do local em estudo. A importância da aplicação da fórmula harmónica deve-se à sua universalidade ou seja, serve para

qualquer tipo de maré. fiHi é uma função que se ajusta à envolvente da curva anterior (gráfico) em cada local. Pelo que se acaba de expor, a sabedoria popular transformou de modo muito eficaz a relação matemática que permite prever as marés em ditados populares cientificamente correctos e de fácil comunicação. Parece existir por detrás dos provérbios populares aqui referidos uma intenção pedagógica, bem como uma didática adequada de comunicação do conhecimento científico, no que se refere ao comportamento físico das marés.

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