\"Percebam que a alma não tem cor\"

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Alma não tem cor. Música e letra de André Abujamra. Disponível em: http://migre.me/pF77m. Acesso em 29.04.2015.

Advogada, pesquisadora e consultora em Direitos Humanos, Acessibilidade e Inclusão Social. Diretora de Diversidade da Associação Brasileira de Recursos Humanos – Seccional Alagoas (ABRH/AL). Secretária de Estado Adjunta da Mulher e dos Direitos Humanos em Alagoas. Secretária Geral da Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Alagoas (OAB/AL). Especialista em Educação em Direitos Humanos e Cidadania (Ufal), Gestão de Políticas Públicas de Gênero e Raça (UnB), e Participação Democrática, República e Movimentos Sociais (UFMG).

Assistente Social e Consultora Organizacional, Diretora de Diversidade na ABRH Nacional.
Sociólogo, autor da obra Casa Grande e Senzala, publicada em 1933.

Socióloga e Consultora em Inclusão, fundadora do Instituto Amankay de Estudos e Pesquisas.
Alemã de origem judaica foi uma das filósofas políticas mais influentes do século XX.

Educador, especialista em diversidade.
"Percebam que a alma não tem cor"


Rita C.T. Mendonça

Nesse dia 28 de abril de 2015, tomei posse oficialmente como Diretora de Diversidade da Associação Brasileira de Recursos Humanos em Alagoas (ABRH/AL).
E não poderia ter sido aclamada em ocasião mais satisfatória, pois fui brindada com a oficialização do honroso convite, e comuniquei o meu desafiador aceite, durante a palestra "Valorização da Diversidade", de Jorgete Lemos, em evento promovido pela instância nacional da Associação Brasileira de Recursos Humanos, em parceria com a ABRH seccional Alagoas, com o Banco Bradesco e com a Secretaria de Estado da Mulher e dos Direitos Humanos em Alagoas (SEMUDH/AL).
Na ocasião, tivemos a satisfação de reunir empresariado, profissionais de recursos humanos, representantes da sociedade civil organizada, gestores públicos, pesquisadores, acadêmicos e os mais importantes atores sociais dessa delicada rede: as próprias pessoas aptas ao mercado de trabalho, mas marcadas pelo estigma da diferença, que lhes diminui as oportunidades.
Há duas semanas do dia 13 de maio, o Dia da Abolição da Escravatura em nosso país, convido-os para uma imersão em alguns conceitos e reflexões que nos ajudem a caminhar em direção da superação de qualquer traço de preconceito de raça que ainda que sem perceber estejamos reforçando nas oportunidades de trabalho.
Na história de nosso país, duas coisas nos orgulham: as dimensões de nosso território e a diversidade de nosso povo.
Envaidecidos por nos comunicar praticamente em uma única língua, há décadas repetimos mecanicamente que vivemos em harmonia. Repetimos a ideia, sem dar atenção se são reais as palavras que proferimos.
O conceito de democracia racial cunhado por Paulo Freyre, de que o Brasil escapou sem consequências da discriminação e do preconceito de raça, embora mereça nosso respeito por sua importância histórica, não parece que deve prosseguir sendo repetido sem questionamentos.
Nesse particular, é importante mencionar que as minorias no Brasil possuem números tão significativos que se põem em contradição com o próprio termo, que nos remete a "pequeno, diminuto, reduzido".
E é por isso que quando falamos da população negra brasileira, parece contraditório chamar de minoria as mais de 2.200 comunidades remanescentes de quilombolas e os cerca de 93,5 milhões de pessoas negras.
Quando nos referimos às minorias para tratar de questões sociais, em verdade estamos evidenciando não o número de pessoas. Minoria, nesse caso, quer se referir aos grupos específicos que por suas características enfrentam preconceito e discriminação para a realização de seus direitos humanos fundamentais, e quando essa sonegação de direitos ocorre em razão das características que os diferenciam, como é o caso da cor da pele, ou seja, os "não brancos".
Lamentavelmente, somos campeões em desigualdades, que se reforçam exatamente impregnadas em nossa diversidade humana, da qual dizemos nos orgulhar.
No Brasil, a diversidade está vinculada à desigualdade e é utilizada como elemento de submissão de grupos humanos. Percebemos isso com bastante clareza quando podemos contar com certa facilidade o pequeno número de pessoas negras em cargos de gestão, seja na área pública ou na área privada.
A raça, o gênero, a classe, a geração, a etnia e a orientação sexual são condições que entre outras nos caracterizam e infelizmente nos estigmatizam.
Em capacitação que realizei entre 19 e 23 de janeiro de 2015, para os colaboradores do Serviço Nacional da Aprendizagem Industrial em Alagoas (Senai/AL), focados em desenvolver de forma mais adequada e inclusiva o tema diversidade cultural nos espaços de educação para o trabalho, a facilitadora Marta Almeida Gil mencionou alguns exemplos de desigualdade focadas na cor da nossa pele, que nos preocupam por comprometerem de forma negativa o ambiente organizacional e, por consequência, o desenvolvimento econômico:
Dentre os 10% dos brasileiros mais pobres, 70,6% são negros;
Em setembro de 2009, um trabalhador branco ganhou em média 90,7% a mais que os trabalhadores negros;
36,3% das pessoas negras que cursam o Ensino Fundamental tem mais de 18 anos, o que revela uma trajetória escolar acidentada. Para brancos, esta proporção é de 6,1%;
É verdade que o trabalho doméstico se apresenta como importante ocupação para as mulheres (93,6%). No entanto, este resultado expõe a precariedade deste tipo de ofício. Em 2008, apenas 25,8% das trabalhadoras domésticas tinham carteira assinada, contra 41,4% dos homens em mesma função. Vale destacar que esta é a área onde se concentra a maioria da população negra.

Também é importante mencionar que quando reunimos características de diversos grupos vistos como "diferentes", o potencial de exclusão que experimentamos é multiplicado. É o que ocorre, por exemplo, com a mulher negra. E o estigma se intensifica se, além disso, ela for idosa e tiver uma deficiência, não é mesmo? É por isso que, por exemplo, num grupo de mulheres que pretendem lutar pela igualdade de gênero, precisamos estar atentos para que as que forem negras não corram o risco de serem inferiorizadas no grupo, já que são afetadas, pelo cruzamento das questões de gênero e também de raça.
E como evitar que isso ocorra, já que de plena consciência o que desejamos é um mundo de igualdade de oportunidades e de realizações, independente de nossas características?
O primeiro passo é reconhecer que a discriminação com base unicamente na cor da nossa pele existe. E não fomos nós que inventamos. Isso é secular. No entanto, quando temos essa tomada de consciência e continuamos a reproduzir esse modelo que nos leva ao atraso, a responsabilidade passa a ser nossa.
Somos iguais na nossa importância como seres humanos. Mas temos nossas particularidades e diferenças. Hannah Arendt disse que:
A pluralidade é a condição da ação humana pelo fato de sermos todos os mesmos, isto é, humanos, sem que ninguém seja exatamente igual a qualquer pessoa que tenha existido, exista ou venha a existir.

Reinaldo Bulgarelli aborda a questão de ser simultaneamente igual e diferente:
Diversidade é o conjunto de semelhanças e diferenças que caracterizam os membros da família humana. Essas características estão no corpo, na cor, raça ou etnia, no gênero, orientação sexual, idade, em ter ou não uma deficiência, entre tantas outras possibilidades. Também estão nas ideias, crenças, valores, religião, estilos de vida, maneiras de ver e agir no mundo, nacionalidade...
Somos todos absolutamente diferentes uns dos outros, assim como iguais na condição de pessoas, membros da família humana.
Essa afirmação, contida na Declaração Universal de Direitos Humanos, existe exatamente para que as singularidades possam ser respeitadas e possam se expressar dentro de um projeto de humanidade que reúne a todos.

As eleições de 2014, entre outras consequências, revelaram como convivemos mal com nossas diferenças, que de forma desnecessária foram motivos de declarações desrespeitosas e agressivas nas redes sociais e nas mobilizações de rua. Preconceitos de raça, de classe, de gênero, de origem, de geração, além da homofobia se encontram latentes em nossa sociedade, deixando claro que ainda que estejamos em pleno Século XXI e desfrutando da modernidade e dos avanços tecnológicos, ainda lidamos mal com a diversidade e ainda temos muito a avançar em nosso aprendizado de convivência com respeito às nossas diferenças.
No entanto, não há mais nenhuma dúvida de que para que possamos alcançar o desenvolvimento econômico que almejamos e merecemos, juntos precisamos nos concentrar em garantir a realização do desenvolvimento sustentável e também do não menos importante desenvolvimento inclusivo.
Não podemos mais tolerar a sonegação de direitos fundamentais da pessoa humana, tais como a saúde, a educação, o trabalho, a moradia, a segurança, a alimentação, entre outros.
E devemos tolerar a discriminação menos ainda quando constatamos que a cor da pele pode constituir, sem fundamento, fator que potencialize o risco de não se ter acesso a esses direitos que nos garantem a condição humana e nos diferencia dos demais seres vivos.
Em sua palestra, Jorgete nos relatou experiências em que precisou se desafiar e se superar porque seu potencial para o trabalho foi colocado à prova apenas com base na cor na sua pele.
O mercado de trabalho não deve ser ambiente onde nossas ideologias, convicções políticas, filosóficas e ideológicas nos pautem. Apenas a nossa formação e habilidades deveria ser consideradas no momento da realização deste que é um dos mais importantes direitos humanos fundamentais: o direito ao trabalho.
Afinal, a nossa energia, a nossa força de trabalho vem de dentro; vem da alma. E "alma não tem cor"!




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