Percepções e Sentimentos: uma análise qualitativa em relação a Copa do Mundo de 2014

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA

BRUNO NICHOLS FABIO MARTIM

Relatório qualitativo da relação entre a política e a Copa do Mundo. Trabalho final da disciplina de Métodos Qualitativos na Ciência Política, do curso de Ciências Sociais, Departamento de Sociologia e Política, Setor de Ciências Humanas, Universidade Federal do Paraná. Professora: Drª Luciana Veiga

Curitiba 2014

1. Apresentação A pesquisa qualitativa é um método não generalizante que busca através de entrevistas de profundidade ou grupos focais, diagnosticar a fundo as opções e opiniões de determinados sujeitos, a fim de divulgar resultados que demonstram a realidade do seu universo da amostra. Este trabalho utilizou-se de entrevistas de profundidade para fazer inferências a respeito do comportamento dos entrevistados com relação a suas respectivas percepções da Copa e sua repercussão em Curitiba – PR, evento que exigiu extensos processos de preparação estrutural e complexas operações para o estado brasileiro. Segundo Luciana Veiga e Sonia Gondin, verificar a perspectiva do entrevistado para a interpretação dos dados obtidos é indispensável para a aproximação da realidade social e política do mesmo. A entrevista em profundidade tem um caráter subjetivo, o que torna necessário que toda interpretação deva levar em consideração a perspectiva da pessoa analisada. Sua vida e seu mundo só podem ser entendidos a partir ‘de seus olhos’. É neste aspecto que as entrevistas em profundidade apresentam-se como mais pertinentes se se pretende aproximar da realidade social e política e das representações que o eleitor constrói dela. (VEIGA e GONDIN, 2001 pg 6)

As entrevistas de profundidade oferecem aos entrevistadores a possibilidade de associar pensamentos, conseguindo assim, produzir sondagens extensivas a respeito da opinião, valores e atitudes dos analisados. 2. Metodologia e materiais Este trabalho foi elaborado a partir das discussões e dos dados coletados na matéria de Métodos Qualitativos na Ciência Política, que atende a demanda do currículo do curso de graduação em Ciências Sociais, ministrada pela professora Drª Luciana Veiga e ofertada pelo Departamento de Sociologia e Política (DECISO), da Universidade Federal do Paraná, primeiro semestre de 2014. Nesta análise foi utilizado o método qualitativo, com entrevistas de profundidade, onde o intuito foi o de verificar quais são as percepções e os sentimentos dos entrevistados com relação a Copa Mundial de Futebol, que ocorrerá no ano de 2014, no Brasil. Os dados apresentados foram coletados pelos alunos da disciplina. Para a seleção das entrevistas foi utilizado a técnica “bola de neve”, onde os alunos conseguiam seus

entrevistados a partir de uma segunda pessoa, sendo assim, todos os analisados não se conheciam, assim como não conheciam seus entrevistadores. Os quesitos para seleção dos entrevistados foram com relação à idade, sexo, sua relação de satisfação com o governo federal atual e grau de formação. Todos esses quesitos possuíam duas divisões, sendo a idade de 18 a 34 e de 35 a 55 anos, sexo masculino ou feminino, satisfeito ou insatisfeito com o governo e sendo de até ensino médio de escolaridade ou a partir da inserção em um curso de graduação. Essa pesquisa utiliza-se apenas dos dados referentes aos entrevistados com nível superior de ensino e insatisfeitos com a gestão do governo, e de sexo/idade como demonstrados no quadro 1. QUADRO 1: Entrevistas utilizadas 18 a 34 anos

35 a 55 anos

Homem

1

1

Mulher

1

1

As entrevistas foram divididas em 4 blocos temáticos para verificar os efeitos da Copa para o cidadão individualizado e para a população, sobre a utilização do dinheiro público, os conflitos sobre os espaços e os impactos da copa na política, no entanto para essa análise fizemos o recorte para entender o comportamento dos quatro entrevistados com relação a suas percepções aos efeitos da copa na política e na eleição de 2014 que acontece no Brasil, pouco tempo após o evento para os cargos de presidente, governador, deputado estadual, deputado federal e senador. As entrevistas foram transcritas pelos próprios alunos e disponibilizadas para os demais, posteriormente os dados obtidos foram processados no software Nvivo para a elaboração da análise de conteúdo. 3. Descrição dos dados Através do estudo das entrevistas, somada a utilização do programa Nvivo com o objetivo de aprimorar o contexto analítico deste texto, dividimos o bloco temático referente as percepções dos entrevistados quanto aos efeitos da copa na política em quatro sub blocos, são eles: 4.1) Efeitos da copa na política; 4.2) Percepção dos entrevistados em relação à política e a influência – ou não – da copa sobre suas

atitudes; 4.3) Expectativa dos entrevistados em relação ao evento; 4.4) Efeitos do resultado na copa sobre as eleições de 2014. Esta descrição dos dados visa estabelecer relações entre o que fora dito pelos entrevistados de modo a colaborar, em certa medida, com o debate que se faz presente em nosso dia a dia nos mais variados âmbitos da vida social – familiar, profissional, etc. A entrevista coloca-se como ferramenta chave para quem se propõe utilizar-se de métodos qualitativos para uma determinada finalidade. De acordo com Luciana Veiga e Sonia Gondim, as entrevistas em profundidade comportam-se também de maneira subjetiva, carecendo então de um cuidado maior quanto sua interpretação Desta maneira, as qualidades da pessoa (a imagem que faz de si mesmo, como se comporta em determinadas situações concretas, quais os seus valores e como se relaciona socialmente) e sua história e suas experiências de vida (a família, a escola, a profissão etc) devem ser abordadas nas entrevistas em que se investigam atitudes e a decisão política. Dito de outro modo, as questões referentes ao cotidiano dos participantes são capazes de trazer importantes contribuições para o entendimento da percepção que possuem sobre política. (VEIGA e GONDIN, 2001 pg 5)

Ao que diz respeito ao sub bloco 4.1, “Efeitos da Copa na Política”, há um contexto de semelhança entre três dos quatro entrevistados. Segundo estes, um dos principais efeitos da Copa na Política seria a relação condizente ao chamado jogo político, onde há, segundo estes entrevistados, uma relação visando o poder, perpassando por questões como a forte oposição sobre o governo e a pressão do governo sobre os partidos da oposição, questões econômicas como captação de recursos; ou até mesmo um cenário onde há um determinado caos gerado pela política – tendo como característica uma “volta dos coronéis”, ou até mesmo a população guiando-se para a ideologia política condizente à direita: “Eu acho que teve muitos negócios que aconteceram durante essa copa, de decisão, estádio, dinheiro, como que ia fazer, politicamente muita coisa pode ter mudado, eu não sei dizer o quê. Assim, o que é visível pra mim é que todo esse caos produzido pela política do governo; a copa é só um sintoma deste caos, ela trouxe de volta os coronéis, eu que esperava que voltassem. E deu uma guinada para direita, né? O povo por causa da crise econômica deu uma guinada para a direita impressionante, você vê nas redes sociais” (Homem, insatisfeito, 18-34 anos, ensino superior)

Entretanto, o que pode-se destacar destes três entrevistados, neste sub bloco, em diferenciação ao quarto participante, diz respeito ao modo com que ambos enxergam a modalidade de efeitos que a copa traz (trará) sobre a política: enquanto os primeiros confiam essa influência num sentido estritamente político, considerando questões como disputa pelo poder entre oposição e governo, bem como as já ditas questões econômicas dentro deste jogo político, o último considera a influência gerada pela copa num âmbito mais próximo, individual, conceituando como ponto principal uma mudança de atitude da população quanto a questão dos gastos: “Eu acho que deu um alerta maior no povo, na população, quando eles começaram a fazer os, a fazer as modificações, acho que acho que até ajudou o povo a acordar mais né. Tem gente que é indiferente e acaba de ser, e o negócio da Copa veio trazer justamente como falta muita coisa, muita gente começou a ficar incomodada de ver o dinheiro indo muito para outro lugar. E acho que enquanto isso não acontecia no Brasil estava todo mundo um pouco incomodado, todo mundo sabia de tudo, mas não estava tão rebelde dessa forma né. Eu acho que foi o que ajudou muito assim, estas manifestações elas têm muito a ver com a copa”. (Mulher, insatisfeita, 35-55 anos, ensino superior)

Através da análise das entrevistas a partir da utilização do programa Nvivo, conseguiu-se obter a chamada Nuvem de palavras para este sub bloco:

(Nuvem de palavras em relação aos efeitos da copa na política). Ao se tratar do sub bloco 4.2, Percepção dos entrevistados em relação à política e a influência – ou não – da copa sobre suas atitudes, três entrevistados garantem que suas atitudes mudaram influenciados pela copa e um garante que suas atitudes não mudaram. É possível localizar, como ponto em comum entre as pessoas que afirmaram em ter suas atitudes modificadas sob influência da copa, a forma pela qual eles veem essa mutação: trata-se de um olhar em um âmbito mais humanizado, entre

relações interpessoais, com entrevistados citando as redes sociais, a revolta da população perante os gastos com o evento, bem como uma possível “percepção da roubalheira”:

“Eu acho que fiquei um pouco mais revolucionário. Eu acho que muita gente também ficou mais revolucionária. Você vê uma polarização gigante nas redes sociais, refletindo isso. Pessoas muito revoltadas, também por causa da copa”. (Homem, insatisfeito, 1834, ensino superior).

Pelo argumento negando a mudança das atitudes sob influência da copa, externa-se o discurso sobre a separação de determinados aspectos que possam causar essa mencionada influência:

“Não, porque eu sei distinguir muito bem o que é e quem é quem, esse tipo de coisa” (Homem, insatisfeito, 35-55, ensino superior).

Novamente, a partir da utilização do aplicativo Nvivo apresenta-se, a seguir, a nuvem de

palavras

para

este

sub

bloco:

(Nuvem de palavras para a percepção dos entrevistados em relação à política e a influência – ou não – da copa sobre suas atitudes). Sobre o bloco 4.3, Expectativa dos entrevistados em relação ao evento, nota-se uma divisão sobre as respostas dos entrevistados. Em dois casos, a expectativa dáse como negativa: “Eu não acho que (a copa) vai fazer diferença, assim. É um grande circo para as pessoas verem assim, só. Pro resto do mundo ver o Brasil um dia na vida, assim”. (Mulher, insatisfeita, 18-34 anos, ensino superior). “Ela (a copa) está influenciando economicamente e isso aí eu não tenho dúvida que tá tendo uma retração no mercado em função da

copa né, isso aqui a gente sabe né que durante a copa tudo vai dar uma acalmada, a economia vai dar uma desacelerada, então vai ter reflexo sim e eu não vejo positivamente isso aí”. (Homem, insatisfeito, 35-55 anos, ensino superior).

Quanto aos outros dois entrevistados, a resposta toma contornos ponderados, apontando expectativas mistas em relação ao evento em um caso. Já no último entrevistado, o contexto de dúvida impera: “Não tenho expectativas. Eu tô de um jeito que nem parece que vai acontecer! Sabe? A gente acha a Copa do Mundo tão legal, mas não só eu acho que tem um monte de gente. Eu não vejo ninguém empolgado, pela Copa, nem pra se reunir, pra gente assistir ao Jogo, não tem isso. Acho que é só uma relação de trabalho nos dias de jogos, e de não ter aula, de ter jogo, vai atrapalhar a vida escolar das crianças ainda por cima né? Não dá nem pra dizer que vai atrapalhar. Mas vai mudar, vai mudar o calendário, então eu tô vendo que não seja de todo o mal. Até de repente é bom, porque vai ter tanto. Só que assim, está sendo mexido em tudo, né? ” (Mulher, insatisfeita, 35-55 anos, ensino superior).

Através da utilização do aplicativo Nvivo, obtemos a nuvem de palavras o presente sub

tópico:

Em relação ao último sub tópico, 4.4, Efeitos do resultado na copa sobre as eleições de 2014, há uma divisão entre as opiniões dos entrevistados. Metade destes acreditam que o resultado da copa influenciará sobre o resultado nas eleições deste ano. Por sua vez, um destes pensa que não haverá qualquer tipo de influência e, por fim, o último entrevistado permanece em dúvida quanto a esta questão. O que pode ser destacado como ponto comum entre as entrevistas se dá pelo fato de acreditarem que, caso o Brasil vença a Copa do Mundo de 2014, o cenário tornar-se-ia favorável para o atual governo e, caso contrário, o cenário favoreceria a oposição:

“Dependendo do desempenho que o Brasil tiver na Copa isso aí vai influenciar, vão dizer que quem inicializou todo esse processo da vinda da Copa pra cá, o governo hoje, a situação que vem trabalhando em prol da Copa vai ter influência sim, vai ter influência para quem se deixar influenciar, tá. Eu acho que para uma boa parte vai ter sim, mas um outro grupo não vai ter influência não” (Homem, insatisfeito, 35-55 anos, ensino superior).

Têm-se, por fim, o resultado para a nuvem de palavras geradas pelo aplicativo Nvivo para o sub bloco 4.4, Efeitos do resultado na copa sobre as eleições de 2014:

4. Considerações finais A partir dos dados apresentados neste bloco do questionário pode-se afirmar que as entrevistas convergem em alguns pontos, em especial sobre o último sub tópico Efeitos do resultado na copa sobre as eleições de 2014. Vale ressaltar que parte do recorte se deu através de pessoas insatisfeitas com o governo, e isso pode ser considerado como fato que contribuiu para tal convergência. Além disso, as divergências em relação as entrevistas não se dão em sentido conotativo de antagonismo, mas sim uma divergência que segue em um outro viés dentro do mesmo tema. Sobre o primeiro sub tópico, 4.1) Efeitos da copa na política, nota-se que o ponto central da maioria das respostas dá-se em torno do jogo político – envolvendo aspectos econômicos e aspectos que dão conta sobre a busca pelo poder entre a relação “oposição x governo” - enquanto a opinião divergente faz menção a uma outra dimensão: a dimensão social, do conflito, das greves, ou seja, da insatisfação da população.

Por sua vez, o seguinte sub tópico, 4.2) Percepção dos entrevistados em relação à política e a influência – ou não – da copa sobre suas atitudes, há uma divisão quanto as opiniões: metade dos entrevistados consideram que a copa influenciou em suas atitudes. Quanto a outra metade há uma divisão entre o fator inconcluso sobre o tema e a certeza de que a copa não influenciou (influencia) tais atitudes. Seguindo, as expectativas relacionadas ao sub tópico 4.3, Expectativa dos entrevistados em relação ao evento, há uma convergência entre dois entrevistados quanto a resposta negativa quanto ao que propõe o tema, e uma divergência entre os dois outros entrevistados, em que um torna a responder de forma a optar por não ter alguma expectativa, e outro conclui que suas expectativas em relação ao evento são positivas e negativas. Por fim, no quarto e último sub tópico 4.4, Efeitos do resultado na copa sobre as eleições de 2014, dois entrevistados convergem para a conclusão de que os efeitos irão influenciar a copa, um entrevistado responde que o evento não irá influenciar no resultado das eleições, enquanto o último garante permanecer em dúvida quanto a essa resposta.

Referências VEIGA, Luciana; GONDIN, Sônia Maria Guedes. A utilização de métodos qualitativos na Ciência Política e no Marketing Político. Opinião Pública, 2001, v.7, n.1, p. 1-15.