Percepções sobre o fenômeno do controle e suas implicações em sistemas sociais humanos sob a ótica das teorias de Humberto Maturana

July 23, 2017 | Autor: José Carlos Torquato | Categoria: Gestão de Pessoas, Gestão do Conhecimento e da Inovação, Administração e Gestão Educativa
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Percepções sobre o fenômeno do controle e suas implicações em sistemas sociais humanos sob a ótica das teorias de Humberto Maturana José Carlos Gomes Torquato Universidad Mayor, Santiago, Chile

Resumo Apesar das evidências de que o mundo está mudando radicalmente, a abordagem mecanicista baseada em relações hierárquicas de comando e controle, com ênfase na norma estabelecida e na execução de planos estrategicamente desenhados para obtenção de resultados, tem perdurado, nos últimos 20 anos, como modelo de gestão para as organizações brasileiras. A partir de um olhar crítico sobre os resultados alcançados por essa abordagem, tendo como metodologia a compreensão do fenômeno a partir das experiências vivenciadas pelo próprio autor, o objetivo deste artigo é responder em que medida o controle tem contribuído para conservação das organizações e sobretudo, para o bem-estar das pessoas que as constituem. Como resultado, a partir das teorias de Humberto Maturana, evidencia-se a tendência de conservação de uma cultura que incorpora mecanismos coercitivos de estabilização por meio de uma conduta social onde impera a obediência, o controle e a competição sob pretexto de uma “eficácia produtiva”. Essa tendência, nos afasta de nossa constituição biológica como ser humano e nos alija da responsabilidade de condução da nossa própria felicidade e bem-estar.

Palavras-chave Comando e Controle. Modelos de Gestão. Teoria das Organizações. Sistemas Sociais. Biologia do Conhecer.

1 Introdução Uma coisa que sempre me causou incômodo no desenvolvimento do meu trabalho como empresário da área de planejamento e gestão, foi o tema do controle e sua efetividade, considerando os resultados desejados pelos clientes e o bem-estar das pessoas nas organizações. Percebo um paradoxo na aplicação de modelos de gestão baseado em comando e controle. De uma lado, dirigentes querem melhores resultados e criam diversos mecanismos de controle para sua aferição, de outro, esses mesmos dirigentes se surpreendem ao perceberem que tais controles não medem o que se pretendia medir e que acabam por, tão somente, restringir a autonomia de gerentes e colaboradores. De fato, desde o início do século XX, com os trabalhos na área da administração científica desenvolvidos por Taylor sobre a divisão e racionalização do trabalho, a compreensão do comportamento humano nas organizações tem sido alvo de diversos estudos por pesquisadores como Weber, Fayol, Mayo, Drucker, Maslow, Herzberg, McGregor, Deming e Argyris para citar alguns (Hickson, 2004 e Morgan, 1996). Percebe-se, nestes estudos, a 1

busca de uma proposição explicativa que compatibilize os interesses individuais das pessoas e a conservação da organização. A partir do contato com a teoria da cognição dos biólogos Humberto Maturana e Francisco Varela (1995) e sua aplicação a sistemas sociais humanos (Maturana, 1997), percebi a oportunidade de retomar minhas reflexões sobre esse tema. Afinal, a teoria de Maturana trata das bases biológicas da compreensão humana e o que se pretende com esse estudo é compreender Como percebo o fenômeno do controle nas organizações? Quais seus efeitos? Em que medida o fenômeno do controle contribui para os resultados da organização e para o bem-estar de seus componentes? Meu ponto de partida é a compreensão do fenômeno do controle a partir de mim mesmo como observador. Maturana define que “toda experiência cognitiva inclui aquele que conhece de modo pessoal, enraizado em sua estrutura biológica, motivo pelo qual a toda experiência de certeza é um fenômeno individual cego em relação ao ato cognitivo do outro”. Desta forma, pretendo elencar experiências pessoais e percepções sobre o que vejo deste fenômeno sob a ótica da Biologia do Conhecer, e o que vejo, por ser um fenômeno individual, servirá apenas com ponto de reflexão para outros observadores. Apesar deste posicionamento de reflexão pessoal vale destacar as recentes publicações de Senge (2007, 2013), Kofman (2001), Capra (1996), Weatley (2006), Bohn (2005), Hock (2001) e De Geus (1998) sobre abordagens orgânicas das organizações sociais vistas, desta forma, de maneira sistêmica e complexa. Neste trabalho pretendo, portanto, tecer algumas reflexões sobre o tema do controle em sistemas sociais humanos sob a ótica da Biologia do Conhecer de Humberto Maturana e Franciso Varela. Após esta seção introdutória, na segunda seção, descrevo algumas considerações sobre percepção e realidade a luz da biologia do conhecer. A terceira seção apresenta definição de controle para fins deste estudo e traz o relato de minhas percepções. A quarta seção apresenta reflexões sobre sistemas sociais humanos segundo Maturana e os efeitos do controle neste contexto. A quinta seção traz uma proposição de Maturana sobre as origens do controle e Na sexta e última seção, como conclusão, destaco minhas percepções pessoais e possibilidades de ampliação deste estudo.

2 Percepção, Ilusão e Realidade: uma premissa inicial da Biologia do Conhecer O título desde artigo trata de percepções sobre o fenômeno do controle e suas implicações em sistemas sociais humanos sob a ótica das teorias de Humberto Maturana. A palavra percepção foi propositalmente incluída no título para introduzir um conceito inicial da teoria de Maturana chamada Biologia do Conhecer. Maturana em seu livro A Árvore do Conhecimento diz que “tudo que é dito é dito por alguém”. Parece óbvio, mas de fato, o que se quer dizer é que existem tantas percepções de uma realidade observada quando observadores dispostos a descrevê-las no seu individual ato de observar. Não se pode portanto, falar em uma realidade externa, a priori, 2

independente das distinções de quem observa. No nosso viver e conviver, imersos na linguagem e no âmbito de nossas coerências operacionais, consideramos como válido tudo aquilo que vivemos no momento em que vivemos. Essa é uma premissa fundamental no fluir de nossas vidas que, num processo reflexivo, nos interroga se o que estamos vivendo é uma experiência real ou não. Neste sentido, Maturana complementa, que “a realidade não é uma experiência, é um argumento numa explicação. A realidade surge como uma proposição explicativa para dar conta de nossa experiência de coerências operacionais em nossa vida diária.”. Reforçando esse argumento Maturana, em seu artigo “O que é Ver?”, cita que “o fenômeno da percepção se constitui na descrição que um observador faz como uma maneira de se referir à operação de um organismo em congruência com o ambiente particular no qual ele é observado”. Faço essa premissa inicial no intuito de deixar claro que o que é dito aqui é dito por este observador-autor, a luz das minhas coerências operacionais e distinções, frutos do meu viver e conviver na linguagem, no ambiente relacional em que faço tais observações.

3 O fenômeno do Controle: relato de experiências e percepções A palavra controle veio do francês contrôle que por sua vez provém do latim medieval contrarotulus (contra+rotulus). Sua origem se dá a partir do uso, por mercadores venezianos, de um procedimento contábil de registro de suas negociações. Haviam dois rolos de papel: em um deles era feito o registro do devedor e seu débito, que em latim vulgar da época tinha a designação de rotulus, e no outro, o registro do credor e seu crédito, a que chamavam contrarotulus, que era o rolo de verificação. Este último, que passou ao francês como contrerôlle, mais tarde tomou a forma contrôle (Guegues). Segundo o novo dicionário Aurélio (Ferreira, 2009), controle é a verificação exercida sobre as atividades de pessoas ou órgãos para que estas não se desviem de normas preestabelecidas. A partir dessas conotações de uso da palavra controle, faço a seguinte proposição explicativa sobre o fenômeno observado: 1) Há um padrão externo a ser seguido. Um modelo, um parâmetro ou critério de validação que pertence a uma realidade a priori, objetiva e racional que especifica ou determina como algo deve ser feito ou como um indivíduo ou grupo deve se comportar. 2) Há um elemento que controla. Um observador ou mecanismo que verifica se a conduta do indivíduo ou grupo observado é válida em relação ao padrão estabelecido. 3) Há um indivíduo ou grupo controlado. Aquele que produz ou se comporta de uma maneira específica dentro do seu ambiente operacional no qual é observado. 4) Há o resultado da verificação do controle que pode ser válida ou não de acordo com a aderência entre a conduta observada e o padrão estabelecido. 3

5) Há o elenco de ações preventivas ou corretivas que devem ser seguidas pelo indivíduo ou grupo para que a conduta observada esteja em conformidade com o padrão estabelecido. 6) Sobre os critérios de validação é desejável que sejam amplamente conhecidos e acordados entre o observador e o indivíduo observado, de forma a torná-los legítimo para ambos. Neste ponto, gostaria de relatar algumas experiências sobre o fenômeno controle aproveitadas aqui para ancorar minhas reflexões. Experiência 1 – Aprendendo a Esquiar Na primeira vez que fui ao Chile, estive com minha família em uma estação de esqui perto de Santiago. Encantei-me observando as pessoas descendo uma montanha coberta de neve sem a menor dificuldade. Logo tratei de alugar equipamentos e tomar algumas aulas de forma a me aventurar na montanha. Um conceito que gostaria de introduzir neste ponto é o do determinismo estrutural e do acoplamento estrutural de Humberto Maturana (1995). Como seres vivos, somos sistemas dinâmicos fechados determinados por nossa estrutura. Vivemos em um acoplamento estrutural com o meio em que vivemos, conservando nossa organização e nossa adaptação na realização do nosso viver e conviver. Ora, o que eu queria era tão somente deslizar na montanha. O que Maturana tem a ver com isso? Bem, gostaria de deslizar na montanha e chegar inteiro lá embaixo. Pretendia conservar minha organização nessa aventura ou seja, descer a montanha sem me quebrar todo. No entanto, para que eu pudesse descer a montanha conservando minha organização foi necessário adaptar minha condição estrutural de forma a tornar possível deslizar na neve. Minha constituição física (determinismo estrutural) não me permitia deslizar numa montanha de neve. Não da forma que desejava. Deste modo, tive que adaptar parte da minha estrutura a partir do uso de esquis e efetuar ajustes na minha conduta para me locomover nesse novo ambiente. O meio (neve) não especificou nenhuma mudança no meu organismo, apenas gerou uma perturbação (desequilíbrio) que gatilhou em mim mudanças estruturais que me permitiram adaptar a uma nova circunstância. Da mesma forma, ao esquiar na neve, esta sofreu as perturbações da passagem do peso do meu corpo que deixaram suas marcar e, portanto, a modificaram. É nessa história de mudanças estruturais mútuas e concordantes que se configura o acoplamento estrutural e aí, mais uma vez aparece Maturana (1995), definindo ontogenia como a história das mudanças estruturais de um organismo sem que este perca sua organização. Mas nessa história, onde se encaixa o tema do controle? Durante o processo de adaptação do meu equilíbrio a nova condição que se impunha na relação organismo-nicho, ou seja, eu, o esqui e a neve, estava com meu corpo rígido, concentrado nas instruções que havia recebido sobre a sequência adequada de movimentos 4

que deveria executar para que o deslizar fosse possível. Essa tensão em seguir regras preestabelecidas (controle) sem dar muita atenção a resposta do meu corpo, me levava a uma condição de dor corporal e consequente perda de equilíbrio e queda. Tentei várias vezes seguir as regras mas sempre com um resultado não favorável. Então, já meio exausto de tanto tentar, resolvi ir pra um lugar mais isolado e seguir uma outra alternativa. Desta feita resolvi relaxar, não seguir nenhuma regra ou, simplesmente, aceitar aquelas que faziam sentido na medida em que meu corpo se movimentava de forma lenta e gradual. Com essa resolução, senti o movimento, escutei meu corpo, olhei o horizonte, senti o frio e o vento e pude compreender como se constituía esse acoplamento de novas estruturas interagindo contínua e mutuamente conservando a organização e a constante adaptação em torno de um bem-estar. Experiência 2 – Coletivo e Democracia Organizacional A segunda experiência que quero relatar é um fenômeno que jovens recém formados estão experimentando no Brasil. O movimento é conhecido em diversas instâncias pelo nome de Coletivo. É a concretização de uma rede colaborativa de jovens, das mais diversas áreas de formação, que se reúnem no intuito de trocar experiências e compartilhar idéias em torno de temas específicos. A partir dessas redes de conversação são criados projetos de interesse do grupo onde a colaboração, a criatividade, a experimentação, a autonomia, o respeito mútuo e o trabalho voluntário formam a tônica do movimento. Um exemplo desse tipo de movimento é o Coletivo PAVE – Alimentação pela Verdade, que nasceu a partir da insatisfação de três Nutricionistas quanto a forma como a alimentação e nutrição são tratadas atualmente. Uma breve narrativa sobre o que motivou a criação deste coletivo foi apresentada por minha filha de 23 anos que participa do movimento: “Acreditamos que comer é, antes de tudo, um ato político e que, portanto, devemos ter mais consciência do que estamos comendo e do impacto que este pequeno grande ato gera no mundo. Acreditamos também que ninguém se alimenta de ômega 3, cálcio e fibras. Nós nos alimentamos de alimentos. Aqueles que são plantados, cultivados, colhidos e servidos a um indivíduo ou a uma família, para que esses possam se alimentar. A alimentação é um complexo processo de transformação de natureza em gente. Por isso, queremos compartilhar esses conceitos e crenças com mais pessoas, na esperança que consigamos modificar a forma com que lidamos com o alimento. Queremos sair das barreiras da Nutrição, ampliar o olhar e a atenção sobre o sistema alimentar (produção, distribuição e consumo), tratar da comensalidade de forma mais complexa e deixar de falar as mesmas coisas para um mesmo público esperando que mudanças aconteçam.”.

Alguns outros exemplos desse movimento no Brasil e no mundo são: TED – Ideas Worth Spreading: Fundação privada sem fins lucrativos dos Estados Unidos conhecida por suas conferências na Europa, Ásia e EUA destinadas a disseminação de

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idéias. Suas apresentações são limitadas a dezoito minutos, e os vídeos são amplamente divulgados na Internet. Site http://ted.com Ossobuco – “Mais tutano em sua vida”. Organização brasileira sem fins lucrativos semelhante ao TED americano para disseminação e compartilhamento de ideias. Site http://ossobu.co 767 – Grupo de pessoas que pretendem utilizar um Boing 767-200 da extinta companhia aérea Transbrasil reciclando-o em um espaço de co-criação e inovação em Brasília-DF. Site http://setemeiasete.com.br Transparência Hacker - Coletivo que se reúne para utilizar a tecnologia para fins sociais, trabalhando com dados públicos e dados abertos governamentais para criar soluções que deem mais transparência para a sociedade e envolvimento político nas questões públicas. Site: https://groups.google.com/forum/#!forum/thackday Startup Brasília - Grupo de empreendedores digitais que se reúnem com o desejo de tornar Brasília exemplo empreendedor no país, agregando quem está iniciando no universo de startups e ajudando com educação, contatos e bons exemplos. Site: https://www.facebook.com/groups/startupbrasilia/ Pivota Brasil - Encontro de diversas comunidades (Startups, Ossobuco, 767, Transparência Hacker etc.) para criar soluções que ajudem o momento de mudança que o país está passando, com uso da tecnologia, design thinking e modelos de startups. Site: pivotabrasil.com.br Dojo de Programação (ou Coding Dojo) - O termo japonês dojo designa um espaço de treinamento, exames e encontros. Um Coding Dojo é um encontro onde um grupo de programadores se reúne para trabalhar em conjunto em um desafio de programação. Eles estão lá para se divertir, e, através de uma metodologia pragmática, melhorar suas habilidades de programação e de trabalho em grupo. Site: http://codingdojo.org/ Startup Weekend e Lean Startup Machine - Evento para dar o pontapé inicial em novas startups em um fim de semana. 54hs para realizar a validação inicial do modelo de negócios, entregar valor e criar um protótipo de solução. Site: startupweekend.org Startup Meetup - Encontro de Startups, normalmente em formato de Happy Hour, para aumentar o networking empreendedor e compartilhar conhecimento. Em alguns meetups ocorre Pitch Night ou (Speed Networking), um espaço onde os empreendedores tem 3 ou 5 minutos para apresentar suas ideias para um grupo de mentores e investidores que apostam suas "fichas virtuais" nas startups com maior potencial de sucesso. Site: http://www.meetup.com/Startups/ O que chama atenção nestes movimentos é a completa ausência de uma estrutura que ordene os trabalhos executados pelo grupo. Não há hierarquia, não há processos de controle ou pautas preestabelecidas. Os grupos se reúnem de maneira criativa e sistemática, fazem uso intenso de tecnologia e redes sociais, conversam e interagem sobre temas de mútuo interesse e coordenam ações de maneira democrática e colaborativa. Há um ambiente de 6

aceitação, equidade e mútuo respeito onde as diferenças são entendidas como necessárias complementariedades de visões de mundo. Experiência 3 – Manifestações populares no Brasil Tradicionalmente nosso país, apesar de viver um Estado democrático, não possui uma cultura política que leve as pessoas a saírem de suas casas reivindicando seus direitos. Desde o movimento civil conhecido como Diretas Já, ocorrido nos anos de 1983-84 ainda no regime militar, o qual reivindicava eleições diretas para presidente no Brasil, não se via uma força de mobilização popular como a ocorrida nos últimos dias em nosso país. O Gigante acordou. Essa é a percepção que os brasileiros têm diante da multidão que saiu às ruas em resposta aos recorrentes casos de corrupção e de má gestão do dinheiro público. O movimento, já em ebulição das redes sociais e gatilhado por um aumento das tarifas de ônibus nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, ganhou as ruas como forma de demonstrar ao poder público, o descontentamento em diversas áreas, seja no âmbito político, econômico ou social do país (Wikipédia, 2013). Sem especificamente entrar no mérito da questão, percebo como observador e cidadão brasileiro, três aspectos fundamentais nestas manifestações: 1) O momento é, de certa forma, apropriado pois, o país sedia eventos esportivos de amplitude internacional como a Copa das Confederações em 2013, a Copa do Mundo em 2014 e as olimpíadas em 2016 e isso coloca o Brasil em evidência no cenário político-econômico mundial. 2) Não há um tema específico sendo reivindicado. Há sim um descontentamento geral com o status quo e que, por meio de uma ampla e rápida comunicação proporcionada pelas redes sociais, mobilizam centenas de milhares de pessoas para saírem a rua para se manifestar. 3) Não há, por parte dos manifestantes, outorga de pessoas ou instituições que os representem. A descrença e a falta de confiança nas instituições democráticas seriam a base do argumento que rechaça a participação de representatividades ou partidos políticos. O que observo, portanto, é um conjunto de pessoas saindo às ruas, sem um tema especifico, sem lideranças e sem organização, demonstrando seu descontentamento e exercendo seu direito a cidadania num Estado democrático. Não há ordem, não há direção. Há um sentimento legítimo e coletivo de um povo que luta por justiça e bem-estar social. Nessa história, onde percebo o fenômeno do controle? O início das manifestações foi marcado por um significativo número de pessoas que protestaram principalmente nas cidades de São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro. Na sua grande maioria foram manifestações pacíficas que tiveram como resposta a indiferença dos representantes públicos e um forte e violento movimento de repressão policial. Foram 7

claras as evidências dessa repressão registradas por manifestantes e publicadas nas redes sociais e pela imprensa. Atos de vandalismo sempre estão presentes nesses movimentos populares. No entanto, os próprios manifestantes refutavam e isolavam os que queriam o confronto e o conflito. O que percebo é que o excesso da força repressiva policial (controle), com o objetivo de restringir a conduta do grupo de manifestantes, teve o efeito contrário ao desejado. Ao invés de reprimir, potencializou o movimento, trazendo mais pessoas para as ruas, mais manifestações de repúdio ao sistema e significativa cobertura da imprensa nacional e internacional (Revista Veja, 2013). A partir deste ponto, os governantes perceberam a dimensão do movimento e passaram a pautar suas agendas e decisões em torno das reivindicações populares. Experiência 4 – A aplicação de modelos de Gestão baseado em Comando e Controle Como me referi na introdução deste trabalho, ao longo da minha atividade profissional como consultor de empresas venho aplicando modelos de gestão que visam melhorar o desempenho organizacional das instituições sejam elas públicas ou privadas. As figuras a seguir representam, de uma maneira simples e esquemática, os principais modelos de gestão ou sistemas predominantes de administração como se refere Senge (2013), aplicados no Brasil nos últimos 20 anos e suas características: a) PPA - Plano Plurianual é o instrumento de planejamento governamental de médio prazo, previsto no artigo 165 da Constituição Federal do Brasil e estabelece diretrizes, objetivos e metas da Administração Pública para um período de 4 anos, organizando as ações do governo em programas que resultem em bens e serviços para a população. (Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, 2013).

Figura 1 – Plano Purianual

b) Modelo de Gestão do INDG – Instituto de Desenvolvimento Gerencial, responsável pela implementação do Choque de Gestão aplicado aos Governos de Minas Gerais e São Paulo, que visou a reversão dos quadros deficitários orçamentários, reorganização e modernização do aparato institucional desses Estados. A médio e longo prazo, o modelo contempla a 8

gestão para obtenção de resultados baseados na qualidade e na produtividade, mediante critérios de incentivos que induzam o maior comprometimento dos atores responsáveis. (Vilhena, 2006).

Figura 2 – Modelo INDG

c) BSC – Balanced Scorecard é uma metodologia de medição e gestão de desempenho desenvolvida pelos professores da Harvard Business School, Robert Kaplan e David Norton, em 1992. Amplamente utilizado em empresas privadas no Brasil o modelo passou a ser utilizado em algumas instâncias do governo brasileiro como metodologia de apoio à gestão estratégica. Esse sistema de gestão se baseia na definição de objetivos, indicadores e metas distribuídos em perspectivas numa relação de causa e feito que traduzem a estratégia empresarial dentro de um horizonte temporal. (Kaplan, 2008).

Figura 3 – Modelo BSC

d) MEG/FNQ – Modelo de Excelência em Gestão – Modelo de Gestão instituído pela Fundação Nacional de Qualidade que visa promover a melhoria da qualidade da gestão das empresas brasileiras. A FNQ mantem anualmente o Prêmio Nacional da Qualidade (PNQ) 9

o qual reconhece empresas com alto grau de excelência em gestão. Em 2012, a 21ª edição do Prêmio Nacional da Qualidade® (PNQ), reconheceu um número recorde de empresas. Foram 13 ao total, sendo 6 premiadas, o maior número desde sua primeira edição, em 1992. (FNQ, 2013).

Figura 4 – MEG/FNQ

e) PMI – Project Management Institute – O PMI é uma associação sem fins lucrativos com sede nos EUA e presença em 185 países que congrega mais de meio milhão de profissionais de gerenciamento de projetos em todo mundo. Sua missão é promover o desenvolvimento da profissão a partir da criação de padrões de gestão e da divulgação, capacitação e credenciamento de profissionais em tais modelos. (PMI, 2013).

Figura 5 – PMI

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A proposição explicativa que faço das características comuns desses modelos de gestão baseados em comando e do controle são: 1) Procuram antecipar, por meio de reflexões coletivas, o que poderá acontecer com a organização num horizonte temporal, traçando estratégias em cenários prospectivos referentes ao ambiente-nicho em que a ela opera. 2) A luz dessas estratégias são traçados objetivos, indicadores e metas distribuídos em unidades organizacionais de contribuição que devem atuar para o alcance dos resultados estipulados. 3) Ajustes organizacionais de comando e produção são feitos de forma a se obter o melhor alinhamento organizacional para que as ações sejam executadas dentro dos parâmetros estabelecidos. 4) Centrais de monitoramento e controle são ativadas para verificar se ações estão sendo executadas conforme o estipulado e alertam decisores e gestores para correção de rumos. Todos esses modelos se baseiam em princípios mecanicistas de homem-máquina, semelhante aos propostos por Taylor no início do século XX. Tais princípios têm origem na visão científica newtoniana de que o universo tente ao equilíbrio e que “nada se cria, tudo se transforma”. Acredita-se que há uma relação de causa-efeito estritamente determinista e linear, como se pudéssemos matematicamente explicar o que acontece numa organização por meio das regularidades identificadas em seu ambiente operacional. Bauer (1999), em seu livro Caos e Complexidade nas Organizações, questiona: “o que a ciência contemporânea vem demonstrando, por meio das Teorias do Caos e da Complexidade, é que tanto o equilíbrio quanto as relações lineares de causa e efeito são antes exceção do que regra no mundo dos eventos naturais, ora, por que não deveria ser no mundo dos eventos sociais?”. Desta forma, percebo grande incoerência na aplicação de tais modelos de gestão pois tentam inferir e acompanhar uma complexa dinâmica de relações pessoas-organizaçãoambiente de forma mecânica e pretidiva. Reforça esse argumento as teoria de Maturana de determinismo estrutural e acoplamento estrutural já citadas na experiência 1. As organizações são sistemas sociais compostos por seres humanos e portanto, são sistemas dinâmicos fechados e determinados por sua estrutura. O ambiente externo e interno à organização atuam gerando perturbações que apenas gatilham mudanças estruturais congruentes na relação organização-ambiente. Neste contexto, torna-se inefetivo qualquer exercício de previsão futura do que acontecerá a esta ou àquela organização dentro de seu processo evolutivo. Maturana (1995) nos apresenta o conceito da deriva natural para explicar a imprevisibilidade sobre a evolução dos seres vivos: “A evolução se parece mais com um escultor vagabundo, que passeia pelo mundo e recolhe um barbante aqui, um pedaço de lata ali, um fragmento de madeira acolá, e os junta da maneira que sua estrutura e circunstância permitem, sem mais motivos que o poder de reuni-los. E assim, em seu vagabundear vão sendo produzidas formas intricadas, compostas por partes harmonicamente interconectadas que não são produto de um projeto, mas 11

da deriva natural. Da mesma forma, sem obedecer a outra lei que não a da conservação da identidade e da capacidade de reprodução, surgimos nós.”. Essa impossibilidade de predição dos modelos de gestão baseados em comando e controle e a insistência dos dirigentes em aplicá-los em resposta ao medo face as incertezas do ambiente, geram espaços conversacionais contraditórios entre gerentes e colaboradores quando se percebe que tais controles medem o que medem e não se relacionam com as ações que são executadas no dia a dia da organização (Wheatley, 2006). Essa incoerência e a impossibilidade de se refletir sobre ela, gatilha um fenômeno conhecido por “esquizofrenia organizacional” (Kofman, 2001) que se dá pelo distanciamento entre o que é dito e o que é feito na organização. De acordo com Senge, "A percepção de que alguém ‘lá em cima’ está no controle é baseada numa ilusão - a ilusão de que alguém possa dominar a dinâmica e detalhada complexidade de uma organização a partir do topo do hierarquia" (apud Freedman 1992).

4 Reflexões sobre Sistemas Sociais Humanos e os efeitos do controle Maturana afirma em seu artigo Biologia do Fenômeno Social do livro Ontologia da Realidade (1997) que “cada vez que membros de um conjunto de seres vivos constituem, com sua conduta, uma rede de interações que opera para eles como um meio no qual se realizam como seres vivos, e no qual eles, conservam sua organização e adaptação, e existem em uma co-deriva contingente com sua participação na rede de interações, temos um sistema social”. Maturana elenca um conjunto de características, que nos ajudam a compreender as sociedades humanas, das quais destaco algumas como forma de subsidiar o desenvolvimento da reflexão que desejo propor: 1) Os sistemas sociais são constitutivamente conservadores. Ou seja, os membros de uma sociedade realizam essa sociedade com sua conduta e selecionam seus membros a partir desta mesma conduta considerada adequada para conservação sociedade. 2) Nós, seres humanos, podemos ser membros de forma simultânea de diversos sistemas sociais, mas sempre realizando condutas próprias de cada sistema social. 3) O mecanismo fundamental de interação no operar dos sistemas sociais humanos é a linguagem. Os objetos, nossos afazerem, nossa conduta, nossas reflexões, tudo o que fazemos, fazemos na linguagem. Assim, o linguajar é nosso modo de existir como seres humanos e disso resulta a produção de um mundo de ações e objetos que só tem existência e significado no domínio social em que surgem. 4) Para que exista um sistema social, deve haver uma recorrência de interações cooperativas entre seus membros, fruto do seu acoplamento estrutural contínuo e mútuo. Essa sociedade durará enquanto durar esse acoplamento estrutural. 5) Considerando que é a conduta individual de seus membros o que define um sistema social enquanto sociedade particular, as características de uma sociedade só podem mudar se mudar a conduta de seus membros. 12

6) A estabilidade de um sistema social depende de que não se interfira em seu caráter conservador. Essa estabilidade só pode ser alcançada por dois meios: a. pela consciência social, na qual se amplia as instâncias reflexivas que permitem a cada membro uma conduta em que se reconhece com legítima a presença do outro como um igual; ou b. pela rigidez de condutas, onde se restringem as instâncias reflexivas, de conversações e de críticas e se impõem de normas de conduta baseadas em relações hierárquicas de subordinação humana. De acordo com Bilhim (2006) "organização é uma entidade social, conscientemente coordenada, gozando de fronteiras delimitadas que funcionam numa base relativamente contínua, tendo em vista a realização de objetivos comuns". As organizações a que me refiro neste artigo são, portanto, sociedades humanas que respondem às características definidas por Maturana, cujos membros conservam, com sua conduta, uma recorrência de interações em torno de acordos de produção, nos quais o foco central é o resultado a produzir, e não os seres humanos que o produzem. Ora, como vimos, como sistemas sociais, as organizações só alcançam sua estabilidade por meio da consciência social ou por relações hierárquicas de subordinação. Revendo a definição de Bilhim, duas palavras nos chamam a atenção, a saber: conscientemente coordenada e objetivos comuns. Conscientemente coordenada significa estabilidade por meio de uma consciência social? Objetivos comuns implica que os objetivos foram amplamente discutidos, consensuados e legitimados pelos componentes da organização? O que se conserva em organizações cujo foco central é o resultado a produzir em detrimento dos seres humanos que o produzem? A reflexão que faço é que, ao se utilizar modelos de gestão baseado em comando e controle em sistemas sociais humanos, restringe-se a possibilidade de manter a estabilidade do sistema social a partir de uma consciência social, restando somente a estabilização a partir de mecanismos de coerção e poder. Neste sentido, Maturana (1997) ressalta que sistemas sociais baseados em hierarquia não podem ser considerados sistemas sociais pois são espaços de convivência constituídos sob a negação do outro, numa dinâmica de ordem e obediência. Peter Senge (2013), em seu livro A Quinta Disciplina, destaca oito elementos básicos sobre o que denomina “o sistema predominante de administração” nas organizações: 1. Gerenciamento por medição - Foco em medições de curto prazo - Desvalorização dos intangíveis (‘Você só pode medir 3% do que realmente importa’ – W.E. Deming) 2. Culturas baseadas na submissão - Subir na vida agradando o chefe - Gerenciamento pelo medo 13

3. Gerenciamento de Resultados - A administração estabelece objetivos - As pessoas têm responsabilidade de atingir as metas da administração (independente de elas serem possíveis…) 4. ‘Respostas certas’ x ‘Repostas erradas’ - Ênfase na solução técnica de problemas - Problemas (sistêmicos) diferentes são menosprezados 5. Uniformidade - A diversidade é um problema que deve ser resolvido - Os conflitos são reprimidos em favor de um entendimento superficial 6. Previsibilidade e controlabilidade - Administrar é controlar - A ‘santa trindade da administração’ é planejar, organizar e controlar 7. Excesso de competitividade e desconfiança - A competição entre as pessoas é fundamental para se obter o desempenho desejado - Sem as pessoas competindo entre si não há inovação 8. Perda do todo - Fragmentação - “Inovações que não se espalham” Deming (apud Senge 2013), um dos mais referenciados pioneiros do gerenciamento da qualidade, escreve na primavera de 1990 uma carta a Peter Senge a qual resume os efeitos da conservação deste “sistema predominante de administração”: Nosso sistema predominante de administração destruiu as pessoas. Elas nascem com uma motivação intrínseca, autorespeito, dignidade, curiosidade em aprender, alegria na aprendizagem. As forças de destruição começam quando somos crianças – um prêmio pela melhor roupa de Halloween, notas na escola, estrelinhas douradas – e assim por diante até a universidade. No trabalho, as pessoas, as equipes e as divisões são ranqueadas, com recompensa para os melhores e punição para os piores. A administração por objetivos, cotas, pagamento de incentivos, planos de negócios, se colocados separadamente, para cada divisão, geram perdas ainda maiores, desconhecidas e que nem para nos é possível calcular.

5 As origens do Controle – Cultura Matristica x Cultura Patriarcal Esse modo de se referir de Deming ao sistema predominante de administração me remete a necessidade de uma reflexão mais aprofundada sobre as origens do controle. Segundo Deming, as pessoas “nascem com uma motivação intrínseca, autorespeito, dignidade,

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curiosidade em aprender, alegria na aprendizagem”. Destaca ainda que “as forças de destruição começam como somos criança...”. De fato, nós seres humanos, surgimos na história da família de primatas bípedes, quando a linguagem que nos constitui deixou de ser um fenômeno ocasional e passou a ser, de geração a geração, parte central de nosso modo de viver. Emoção e linguagem, ou o entrelaçamento entre o emocionar e o linguajear, como se refere Maturana (2004) dando ênfase as coordenações de coordenações de ações que está por traz do conversar, fundou o humano, e isso se deu na conservação de um modo de viver centrado na colaboração de machos e fêmeas na vida cotidiana, no compartilhamento de alimentos, no prazer sensual recorrente e na aceitação ou outro como legítimo outro na convivência. Esse modo de viver denominado cultura1 matristica pré-patriarcal europeia, conservou transgeracionalmente uma rede de conversações em que a colaboração e o respeito mútuo deve ter sido o seu modo cotidiano de coexistência. Maturana refere-se aos povos, essencialmente agricultores e coletores, que viviam na Europa entre sete e cinco mil anos antes de Cristo. A palavra matrística é empregada com o propósito de conotar uma situação cultural na qual a mulher tem uma presença mística, que implica a coerência sistêmica acolhedora e liberadora do maternal fora do autoritário e do hierárquico. Nesta cultura, a criança nasce, se desenvolve e conserva na vida adulta um modo de vida centrado em uma cooperação não hierárquica, precisamente porque a figura feminina representava a consciência não hierárquica do mundo natural a que pertencemos os seres humanos, em uma relação de participação e confiança, não de controle nem de autoridade, e na qual a vida quotidiana é vivida em uma coerência não hierárquica com todos os seres viventes, mesmo na relação predador-presa (Maturana, 2004). Em contraponto a cultura matristica pré-patriarcal europeia, Maturana traça o perfil da cultura patriarcal, referindo-se ao modo de viver que conservamos hoje em dia. “Em nossa cultura patriarcal, vivemos na desconfiança e buscamos certeza no controle do mundo natural, dos outros seres humanos e de nós mesmos. Continuamente, falamos de controlar nosso comportamento ou nossas emoções, e fazemos muitas coisas para controlar a natureza ou a conduta dos outros, na intenção de neutralizar o que chamamos de forças anti-sociais e naturais destrutivas que surgem da sua autonomia. Em nossa cultura patriarcal, vivemos na desconfiança da autonomia dos outros e estamos nos apropriando, o tempo todo, do direito de decidir o que é legítimo ou não para eles, em uma tentativa contínua de controlar suas vidas. Em nossa cultura patriarcal, vivemos na hierarquia que exige obediência, afirmando que uma coexistência ordenada requer autoridade e subordinação, superioridade e inferioridade, poder e debilidade ou submissão, e estamos sempre prontos para tratar todas as relações, humanas ou não, nesses termos. Assim, justificamos a competição, quer dizer, um encontro de mútua negação, como a maneira de 1

Maturana (2004) refere-se a cultura como uma rede fechada de conversações que constitui e define uma maneira de convivência humana. Deste modo, cultura é, constitutivamente, um sistema conservador fechado, em que seus membros conservam, a partir da linguagem, uma conduta considerada adequada para conservação desta sociedade. 15

estabelecer a hierarquia dos privilégios sob a afirmação de que a competição promove o progresso social ao permitir que o melhor apareça e prospere.” (Maturana, 2004). Ora, se no passado conservamos um modo de viver centrado no amor, na colaboração e o respeito mútuo, como pode surgir e se conservar a cultura patriarcal centrada na apropriação, na hierarquia, na dominação e no controle hoje em dia? Maturana (2004) traça, ainda que base em estudos arqueológicos, uma hipótese do que poderia ter gatilhado essa mudança cultural: Entre os povos paleolíticos – essencialmente matristicos – que viviam na Europa há mais de 20 mil anos, alguns se tornaram sedentários, coletores e agricultores. Outros se movimentavam para o Leste até a Ásia, seguindo as migrações de manadas de animais silvestres. Tais comunidades, originalmente não pastoras, começaram a limitavam a mobilidade dos rebanhos no intuito de facilitar o acesso aos mesmos ou restringir o acesso de outros animais comensais naturais como os lobos. A atividade do pastoreio começa ser adotada não mais de forma ocasional, mas como prática cotidiana, gerando uma nova configuração no emocionar e no linguagear dessa comunidade. Como efeito, a vida pastoril estrutura, ainda que de maneira natural e sem intencionalidade, a cultura do patriarcado como maneira de viver sob uma nova forma de conversação transgeracional que suscita: 1) relações de apropriação, exclusão e controle a partir do confino e restrição de rebanhos para consumo da comunidade; 2) a configuração do inimigo lobo ou outro de traga ameaça a sua propriedade – aquele que o pastor deseja destruir para assegurar a defesa a sua posse ou território; 3) o desejo da acumulação e poder pelas coisas que proporcionavam segurança (crescimento da manada, poder e controle sobre a família e sobre a comunidade); 4) o temor pela morte como fonte de dor e perda total. A expansão da cultura patriarcal leva a um crescimento desordenado populacional gerando conflitos centrados na apropriação e acumulação de poder. Guerra, dominação política e escravidão surgem nestas circunstancias e se produzem migrações maciças em busca de novos recursos a serem apropriados. O encontro entre os povos matristicos, desprovidos do emocionar do controle e da submissão, com o povo patriarcal, em que a apropriação e a guerra fazem parte do seu viver, provocaram o completo domínio de uma cultura sobre a outra. Em resumo, Maturana demonstra que nossa forma de vida patriarcal surge do encontro das culturas patriarcal pastoril e matristica pré-patriarcal europeia como resultado de um processo de dominação patriarcal diretamente orientado para a completa destruição do matristico.

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6 Conclusão Em que medida o fenômeno do controle contribui para os resultados da organização e para o bem-estar de seus componentes? Essa era a pergunta que fazia como tema central deste artigo. Vimos que o fenômeno do controle atua, em sistemas sociais humanos, como uma força restritiva, externa, com o objetivo de limitar ou determinar a conduta de um indivíduo ou grupo. Vimos que, a partir das experiências relatadas, o modo de viver de nossa cultura patriarcal, ao incorporar mecanismos coercitivos de estabilização baseados na hierarquia, na norma estabelecida e na obediência, limita-se a autonomia e a criatividade das pessoas nas organizações em que vivem. Conserva-se um ambiente de competição que, constitutivamente, é anti-social, pois impossibilita o reconhecimento do outro como legítimo outro no seu espaço de convivência. Por outro lado, vimos, a partir do relato da experiência 2 que, quando se considera a estabilidade de um sistema social em que se amplia as instâncias reflexivas onde se conservam condutas de validação do outro num ambiente de respeito mútuo e confiança, abrem-se espaços generativos para que se cresça o humano nos humanos. Maturana (1997) cita que “o genético não determina o humano, apenas funda o humanizável”. Nossa conduta conserva o caráter do humano de nossas relações. Cabe a nós, seres humanos, criar com nossa conduta, a sociedade humana que queremos viver. Desta forma, não será a partir do controle, da competição, da dominação política ou da hierarquia que conseguiremos estabelecer um ambiente prospero para a evolução das organizações. Há de se resgatar uma conduta recorrente que estabeleça as bases de um novo habitar humano com base na colaboração e no convívio sustentável. Como sugestão de ampliação desse estudo, considero a possibilidade de criação de novos modelos organizacionais em que se elimine todo e qualquer tipo de controle hierárquico, talvez a partir de observações em grupos sociais elencados na experiência 2. Faço também o registro de uma empresa chamada WorldBlu (www.worldblu.com) da americana Traci Fento que desenvolve um modelo de gestão chamado de democracia organizacional (Revista Exame, 2013). Um estudo detalhado sobre os conceitos defendidos por ela pode ser a semente de um novo paradigma de gestão organizacional fundada no social. Registro por fim os trabalhos de Augusto de Franco que desenvolve uma teoria de cooperação com base ne Maturana.

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