Percurso de leitura: considerações em torno à Análise do Discurso como prática, teoria e maneira de olhar o mundo

August 17, 2017 | Autor: M. Salminis | Categoria: Análise do Discurso
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Análise do Discurso, 2013.
Aluna: Mailén Abril Salminis. RA: 152652

Percurso de leitura: considerações em torno à Análise do Discurso como prática, teoria, e maneira de olhar sobre o mundo.

No seguinte texto vou tentar desenvolver as questões teóricas centrais dá Análise do Discurso, exprimindo o aporte que significou a disciplina em meus conhecimentos sobre a linguagem, e também em minha visão do mundo. A partir do estudo e das leituras sobre a Análise do Discurso (seja como conjunto de considerações teóricas, como corrente de pensamento, como disciplina, como campo da linguística, etc.) é possível começar a olhar sobre a linguagem e os discursos de outra maneira. E, considerando que somos sujeitos da linguagem, e que construímos ao nosso mundo e a nós mesmos a partir dela; acho que este novo olhar se torna aplicável a nossa vida em geral, a nossa cotidianidade, a nossas relações sociais. É principalmente por isso que achei à disciplina muito interessante e necessária, tanto para nós - estudantes de Letras, futuros pesquisadores ou professores-, como para a sociedade inteira. As considerações da Análise do Discurso supõem rupturas muito fortes com tradições anteriores, com formas de conhecer já antiquadas, que se tornam arcaicas em relação às condições sociais atuais, mas que tem ficado como oficiais e dominantes na sociedade, principalmente através da função de fixação de sentidos que efetuam as instituições.
A partir das leituras feitas ao longo da disciplina, embora cada uma significou um aporte particular para mim, confirmei uma ideia geral sobre a linguagem: ela é todo o contrário a uma coisa fixa, estável, eterna, universal. A linguagem muda o tempo tudo, os sentidos são modificados constantemente, sendo determinados entre outras coisas, pelas condições de produção dos enunciados. Através da linguagem damos forma ao nosso mundo social, político, econômico, educativo, familiar, etc. Através dela nos constituímos como sujeitos, nos identificamos com a ideologia. É por isso que é necessário e urgente deixar de pensar a linguagem como uma coisa isolada das nossas práticas, do nosso pensamento, da nossa história. Ela é quem faz possíveis todas essas coisas.
Vou estruturar meu trabalho abordando em uma primeira parte os conceitos que foram mais importantes para mim no percurso da disciplina, principalmente os estudados a partir do texto de Eni Orlandi; e depois vou continuar falando dos aportes que fizeram cada um dos outros autores em particular, relacionando-os com os conceitos claves e discutindo-os.



Contextualização
Podemos definir a Análise do Discurso como um campo de estudo, surgido aproximadamente na metade do século passado, que reúne e integra três áreas do conhecimento: o marxismo, a linguística e a psicanálise. Os textos lidos ao longo do semestre trabalham com esses três espaços teóricos de diferentes maneiras, às vezes dando mais importância a um, às vezes a outro. Mas todos estão presentes ao longo do conjunto de considerações teóricas que constituem a Análise do Discurso.

A partir do marxismo, pensamos nas condições de produção dos discursos, como parte do sistema de produção social e econômica própria do capitalismo. Também tomamos dele a concepção teleológica da história, e sua relação indissociável com o discurso. Enfim, o discurso não pode se considerar como algo isolado, fora da história e do das relações sociais de produção. E uma das bases da AD sobre a história é a necessidade de desmitificá-la, de recusar a ideia de que é única, verdadeira e indiscutível. A história não é transparente, não tem um sentido fixo, senão que pode ser reinterpretada e compreendida quantas vezes se quiser. A mesma coisa acontece com o discurso. Ele vai se organizando ao longo da história em uma memória discursiva, um interdiscurso constituído por todo dizer, que se encontra subjacente em nosso pensamento, mas esquecido. A esse interdiscurso acudimos sempre - inconscientemente- para reconhecer os signos linguísticos, pôr-os em relação dialética com os discursos já existentes, e interpretá-los a partir dessa relação, onde "algo fala sempre antes, em outro lugar, independentemente", sendo "o que chamamos nosso saber discursivo" (Orlandi, 2010, p. 21). O interdiscurso então preside toda nova formulação, assim como as possibilidades da sua interpretação. E nele se constitui a historicidade própria da linguagem. Por outro lado, a Análise do Discurso adopta do pensamento marxista o materialismo, e neste caso, a importância da materialidade do discurso. Podemos pensar a linguagem como a materialidade sobre a qual se produz o sentido, e se estabelece o limite para a interpretação. "O discurso é a materialidade específica da ideologia e a língua é a materialidade específica do discurso" (Orlandi, 2010, p.17). Desse modo podemos dizer que um dos objetivos da Análise do Discurso é, partindo da materialidade, compreender o funcionamento da ideologia que o constitui, e que produz naturalizações e evidências na linguagem.

A principal noção que a AD toma da psicanálise é a do sujeito psicanalítico, que é adopta para definir ao sujeito do discurso. O sujeito psicanalítico é opaco, tem um inconsciente, e não domina totalmente o processo de significação do que forma parte e pelo qual é modelado. Isto supõe uma ruptura com outras noções sobre um sujeito centrado, intencional, que tem o controle de si mesmo e dos discursos que produz. Daí, consideramos que o sujeito inserto na sociedade é, queira ou não, eterno interpretante. Está condenado a interpretar, ainda inconscientemente, a dotar aos enunciados de sentidos, sempre instáveis. O sujeito discursivo faz significar, mas também é significado, construído pela linguagem, pelo discurso, sempre em relacao com as condições externas. Mais adiante vou me estender na questão do sujeito.
Da linguística como disciplina, a AD toma as noções sobre a língua, a linguagem, o signo linguístico, etc., mas na maioria dos casos é para refutá-las e reformulá-las. Como dissemos, o objetivo é ver a linguagem em sua materialidade significante para ser analisada, para perceber nela o funcionamento da ideologia, o trabalho dos sentidos segundo diferentes condições de produção, as relações de força que estão em jogo e que determinam ao discurso. Trabalha-se com uma linguagem que não é transparente, senão que é opaca, e tem que ser questionada e analisada para captar nela os efeitos de sentido possíveis.

Então, podemos dizer que a Análise do Discurso se compõe a partir de rupturas epistemológicas, teóricas, filosóficas. E se bem que começou a se fazer conhecida faz quase meio século, muitos dos seus pressupostos ainda acham resistência na comunidade intelectual e na sociedade em geral. Infelizmente, devemos reconhecer que a visão do mundo desde os parâmetros positivistas/naturalistas, ou desde as disciplinas do logicamente estabilizado como diria Pêcheux, continua dominando nosso imaginário social, ancorado na maioria das nossas instituições, discursos sociais, práticas, pensamentos. Uma das rupturas mais importantes que faz a AD, e que nos ajuda a pensar a equivocidade como constitutiva da língua, isto é, a possibilidade de um mesmo enunciado de ter diferentes significados; é aquela que questiona o signo linguístico de Saussure. Segundo este autor, que é reconhecido como o fundador da linguística moderna, o significado e o significante formam uma unidade indissolúvel. Como duas caras da mesma moeda. Ao invés, para a Análise do Discurso, não podemos pensar numa unidade estável, natural nem única. Aquela noção deixa fora, por exemplo, as condições de produção, que a AD considera como centrais na construção dos sentidos. Estamos o tempo tudo interpretando, criando novas significações sobre à base significante, gerando constantemente efeitos de sentido. Aqui entra em jogo a noção e cadeia significante, que é o fato de que os significantes sejam encadeados, demandando sentidos, que são construídos historicamente, embora este processo seja apagado e os sujeitos não o percebam. Os processos de interpretação são constitutivos da própria língua.

Sujeitos da linguagem
Como já mencionei, a Análise do Discurso trabalha com a consideração de um sujeito descentrado. Isto também supõe uma grande ruptura com correntes anteriores do estudo do social, e a proposta que traz é a de considerar-nos como sujeitos da linguagem, modeladores e modelados por ela. A noção contrária, a do sujeito centrado, vem da perspectiva filosófica do Humanismo, e toma como referencia única ao ser humano, como centro de toda reflexão e interpretação. Mas a Análise do Discurso toma as noções do sujeito presentes no marxismo e na psicanálise, ou seja, um sujeito inserto em determinadas condições de produção, em certas relações sociais submetidas às relações econômicas. Este sujeito não é inteiramente intencional, porque está determinado pela posição ocupada no sistema de produção. Um sujeito centrado, pelo contrario, seria intencional, saberia sempre o que vão significar seus enunciados. Este sujeito visto como centro, que é central no sistema de organização capitalista, é responsabilizado por todo, a partir da falsa ideia de que ele tem a possibilidade de escolher sempre, como se não fosse determinado por sua posição-sujeito, por suas condições de existência. Também, a condição de sujeito é inseparável da linguagem mesma, e sua função ideológica. Eni Orlandi explica em seu texto a questão da interpelação dos sujeitos pela linguagem, desenvolvida pelo teórico marxista Louis Althusser. Segundo ele, a partir dessa interpelação, nos submetemos à língua, significando nosso mundo e a nós mesmos, e nos constituímos como sujeitos da linguagem, sendo condenados a interpretar constantemente. Daí a concepção de que nos Estados Modernos os sujeitos são ao mesmo tempo livres e submetidos, determinados pela exterioridade e determinantes dela através da linguagem. Essa é nossa responsabilidade, o que nos faz sujeitos jurídicos, de direitos e deveres. É isso o que provoca nossa impressão de unidade e controle.
Esta questão do sujeito descentrado, mas que se acha a si mesmo com o controle e o domínio de tudo o que faz e produz, tem a ver com a ideia de autoria gerada em nossa sociedade. Michel Foucault, em "A ordem do discurso" recusa a conceição de autor como se vinha desenvolvendo na linguística tradicional, e fala da autoria como uma função discursiva. A AD se apropria desta ideia de autor e a estende a toda a discursividade social. "Para nós, a função autor se realiza toda vez que o produtor de linguagem se representa na origem, produzindo um texto com unidade, coerência, progressão, não contradição e fim (...). O autor produz um lugar de interpretação no meio de outros (...). O sujeito só se faz autor se o que ele produz for interpretável (...). Ele inscreve sua formulação no interdiscurso, ele historiciza seu dizer" (Orlandi, 2010, p.24). Não é autor no sentido de indivíduo centrado e intencional que produz o discurso, senão que é simples posição-sujeito, já que o sujeito discursivo pode ser pensado como uma posição entre outras, posição instável, que está determinada por sua história, as condições de produção do seu discurso, sua trajetória de vida, sua ideologia, etc., e que influi diretamente na produção de sentidos que ele faz, seja criando um discurso próprio, seja interpretando um alheio. Mas ninguém pode ocupar exatamente a mesma posição-sujeito que outra pessoa, e é por isso que se torna possível a existência de múltiplos significados frente a um enunciado particular, mesmo que cada um apareça como o único, o verdadeiro. "As palavras podem ter diferentes sentidos, de acordo com as posições ideológicas de quem as emprega" (Megrid e Capellani, 2007, p. 29).

Ideologia e formações discursivas
Outra questão central para o desenvolvimento da Análise do Discurso é a relação indissociável entre linguagem e ideologia. Refiro-me a ideologia como esse conjunto de ideias e visões do mundo que nos disponibilizam a pensar, atuar, sentir de determinada maneira, a gostar de certas coisas, a falar de um jeito ou de outro; e que ao mesmo tempo se constitui em mecanismo de produção do sentido. É importante destacar a diferença desta noção com a da ideologia como possível conteúdo dos discursos, já que para a AD não se pode dizer que uma coisa é ideológica ou não, porque todo é ideológico. A ideologia provoca um apagamento do processo interpretativo, "dá a ilusão de que sempre se pode saber do que se fala, negando o ato de interpretação no próprio momento em que ele aparece" (Pêcheux, 1990, p. 55), e também nos faz ver as próprias condições de produção como eternas e universais, pelo que provoca uma a sensação de evidência, de univocidade, de que os sentidos são fixos e estáveis. Mas palavras por si mesmas não dizem nada, os sentidos não estão colados às palavras, senão que são "construídos a cada nova formulação, relacionados às condições de produção, às formações discursivas em que os sujeitos enunciam" (Megrid e Capellani, 2007, p. 31).
Como ilustração desta questão, achei muito boa a análise feita pelas autoras recém citadas, sobre os diferentes sentidos possíveis da frase "Meu Deus! Não é possível...!" na cena do filme A Vida é Bela. A partir desta proposta de análise, podemos ver a forte ligação entre o discurso – um mesmo enunciado, dito por dois sujeitos diferentes- e suas condições externas, entre as quais se destacam neste caso as diferentes posições-sujeito de cada uma das mulheres falantes. O exemplo trabalha com um discurso amplamente conhecido e importante para a história universal, poderíamos dizer quase uma formação discursiva em se mesma. Trata-se da discursividade nazista, onde o mecanismo da ideologia como formadora de sentidos é muito forte. A identificação ou não das personagens com essa discursividade as faz ter uma ou outra interpretação da mesma frase. O exemplo também nos permite ver como, no mesmo processo oculto de fixação de sentidos dentro de uma formação discursiva, e a partir da naturalização de certas ideias, se formam os pré-construídos. Eles são noções tão naturalizadas, tão estabilizadas no imaginário social, que é impossível para as pessoas insertas nessa ideologia pensar na possibilidade de questioná-las. Neste caso se trata da ideia da superioridade racial, que é vista segundo o nazismo como uma questão natural, sem chances de ser questionada. Os pré-construídos já formam parte do nosso imaginário social, da nossa vida cotidiana. Outro exemplo surgido em aulas e que ilustra também esta situação é a evidência de que hoje, todo mundo maior de idade trabalhe, ou pense em trabalhar. Hoje não poderíamos pensar o funcionamento da sociedade –pelo menos a sociedade ocidental- sem isso. Essa evidência, entre outras, nos constitui como sujeitos, formando parte das nossas condições de produção.
Outra questão que para mim é muito importante e também interessante para analisar e compreender o funcionamento da ideologia como forma em que o sentido se produz nas sociedades modernas, é a atuação do discurso nas instituições. Elas são modeladoras e modeladas também pelo discurso. As instituições, através do mecanismo da ideologia, são participes na construção de formações discursivas, que estabelecem o que se pode ou não dizer, incluso o que se pode ou não pensar em determinado momento. Neste sentido, uma das instituições mais importantes para mim em relacao ao funcionamento do discurso, porque atua desde o inicio da vida das pessoas, gerando efeitos de sentido, interferindo em nas primeiras aquisições de conhecimento e da linguagem além da família, é a escola. E comparto a definição desta instituição que fazem Megrid e Capellani: "a escola como uma instituição, como espaço de estabilização, homogeneização e reprodução dos efeitos de sentido, atravessado pela relacao entre linguagem, ideologia e sujeito – ou melhor, posições de sujeito". (Megrid e Capellani, 2007, p. 29).
A questão do poder, das relações de força presentes em e por os discursos, nos permite ver e compreender a dominância de certos discursos sobre outros em determinado momento e lugar. A Análise do Discurso trabalha com as relações de poder simbolizadas, porque considera que não há dizer que não seja político. O poder se exerce sobre os discursos, e também através deles, como diz Michel Foucault, "o discurso é aquilo por que e pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar" (Foucault, 1996, p. 6). As relações de força atuam tanto na produção discursiva como nos processos de interpretação. Em cada conjuntura especifica, permitem a produção de certos sentidos e não outros, gerando processos ocultos de legitimação e silenciamento. As diferentes interpretações sobre um mesmo fato são igualmente possíveis, mas desigualmente realizáveis, porque as condições de produção, atravessadas pelas relações de poder, legitimam e favorecem mais a umas do que a outras. Assim como não qualquer sujeito tem direito a interpretar, não qualquer interpretação pode ser expressa. A Análise do Discurso se pergunta, então, através das análises das materialidades textuais, como é que funcionam essas relações de força em cada discurso permitindo certos efeitos de sentido e não outros. A partir desta concepção, devemos prestar atenção não só as coisas ditas diretamente nos discursos, mas também a aquilo que esta ausente. O que falta, o que não está expresso na textualidade, seja pelo silenciamento que impõe o poder, seja pela autocensura do sujeito falante; também outorga significado e provoca efeitos de sentido.

Em relação à metodologia da Análise do Discurso, a professora Eni Orlandi fala de um "batimento entre descrição e interpretação". Ela diz que a posição do analista fica no meio desses dois processos. O sujeito analista (que não devemos esquecer que é uma posição-sujeito entre outras) busca compreender os funcionamentos discursivos, e deve voltar sempre à interpretação e ver aonde ela se sustenta. Trata-se de uma descrição da própria interpretação, em confronto sempre com ela mesma e com outras possibilidades de interpretação. A autora fala também de um dispositivo teórico e um dispositivo analítico de interpretação. O dispositivo teórico é o que permite fazer uma leitura sintomática, e o analítico é o que oferece procedimentos para à explicitação do movimento de interpretação.
Outra inovação da AD é a possibilidade de pensar o discurso como acontecimento. Esta proposta é própria de Michel Pêcheux, quem se pergunta, de maneira critica, se podemos trabalhar sobre o discursos considerando-os já não só como simples estruturas, senão como acontecimentos. Ou seja, como fatos, que dão lugar a novos sentidos, que trabalham no imaginário social provocando diferentes efeitos, e dando lugar ao surgimento de novos eventos, discursivos e não. No texto sobre as posições-sujeito em A Vida é Bela, vemos que a partir de certa discursividade, se desenvolveram fatos terríveis, com uma importância enorme em nossa historia universal. Mas além desse exemplo, que é demonstrativo demais por sua enormidade, podemos perceber que o mesmo acontece o tempo tudo, em nossa cotidianidade, em nossas vidas de todos os dias. Poder perceber isso é um aporte muito grande da AD, que nos leva a trocar nosso posicionamento frente aos discursos, qualquer seja o suporte material deles. Começamos pensar neles em relação ao seu funcionamento na sociedade, a suas condições de produção e circulação, com uma historicidade própria, como uma coisa viva, que funciona provocando outras situações, outros sentidos.

Aportes de uma análise sobre a legendagem
O texto "As fronteiras da legendagem: um estudo dos efeitos de sentido nas legendas de Desmundo", de Devi Faria de Conti, traz um aporte importante a nossas considerações sobre a Análise do Discurso neste caso em relação às práticas discursiva de tradução e legendagem. A partir da leitura compreendemos que os textos traduzidos tem uma particularidade a diferença dos outros, já que seus efeitos de sentido são resultado não só da formação discursiva e as condições de produção do autor original, senão também das do tradutor. Aqui, o interdiscurso ou memória discursiva do sujeito que traduz, funciona sustentando sua prática, e isso pode provocar a mudança de sentidos no texto. Esse processo se faz mais visível ainda na tradução de textos clássicos, que vá se modificando ao longo do tempo, porque o interdiscurso e as condições de produção das novas traduções são sempre diferentes.
Outra questão interessante no texto de Faria de Conti é sobre a questão das línguas e suas mudanças. No filme analisado se problematiza a relacao do português arcaico, falado em Portugal no momento da conquista, e o português falado no Brasil. Como as línguas se modificam ao longo do tempo, é difícil a existência de critérios intralinguísticos estáveis para diferenciar uma língua de outra. Então, o autor diz que o estabelecimento de um idioma é um acontecimento mais político do que gramatical. A língua não é um objeto abstrato nem um conjunto de convenções, senão que é uma prática, indissociável do sujeito. A partir dos discursos, os membros de um determinado grupo social se reconhecem no idioma compartilhado. Então a língua deve ser considerada como um objeto histórico, porque muda, em um acompanhamento do devir histórico da humanidade.
O autor também fala de um processo recíproco de estabilização discursiva, que ocorre por meio da relação do sujeito com a língua, e que tem a ver com o conceito já mencionado de sujeição, de interpelação do sujeito pela linguagem, a partir do qual o indivíduo se tornando sujeito e submete à língua. Assim, o sujeito alimenta à língua, e ela modela ao sujeito. Faria de Conti diz que neste processo se criam efeitos de sentido particulares, que permeiam as práticas de um determinado grupo social, e o diferença dos outros. Essa é uma possível definição de idioma, ou seja, um conjunto de signos que produzem determinados efeitos de sentido em um grupo, mas não em outros. Daqui, surge-me uma reflexão. Penso que as condições de produção, que determinam os efeitos de sentido, então não têm a ver só com uma conjuntura histórica, com uma época onde imperam tais ou quais formações discursivas, senão também com o espaço geográfico, a língua falada, os aspetos sociais e culturais da comunidade que compartilha esse idioma.

A terapia fonoaudiológica sob a Análise do Discurso
O texto "Análise da afasia sob uma perspectiva discursiva", de Regina Maria Freira é outro exemplo da aplicação dos conceitos teóricos da Análise do Discurso, a um caso prático. Eu, como estudante de Letras, não conhecia muito sobre a afasia nem sobre o trabalho dos fonoaudiólogos, mas achei muito interessante este texto porque problematiza a forte dominância que ainda tem o pensamento estruturalista sobre nossa relação com a linguagem em geral, e especificamente nesta terapia, onde segundo a autora, a aplicação das metodologias da AD na análise da fala dos pacientes seria muito mais produtiva e se chegariam a melhores resultados.
A primeira crítica que Freira faz, é que na terapia fonoaudiológica se parte de uma dicotomia entre linguagem e pensamento, como se este fosse algo anterior, e a linguagem só um instrumento para expressá-lo. Nesta primeira concepção se perde a ideia do sujeito constituído em sua relação com a linguagem, e também se deixa de lado a relação de toda cognição com as condições externas, já que se pensa num pensamento interno, como se fosse independente das condições de produção, da história, da ideologia, etc. Pelo contrário, a AD propõe pensar num sujeito de natureza psicanalítica, ou seja, em uma relação indissociável com a linguagem e com a alteridade, com um outro interpretante, com a possibilidade sempre aberta à outros sentidos. É por isso que a autora considera que na mera descrição da linguagem patológica no sentido estrutural se deixam muitas coisas fora, que são significativas para a reconstrução do discurso dos pacientes. Ela propõe uma abordagem desde o ponto de vista da Análise Discursiva. É importante para a terapia fonoaudiológica a presença do outro, para que o afásico possa se constituir como sujeito frente a um outro que interpreta, que toma os significantes realizados pelo paciente, os submete a processos metaforonímicos e os resinifica, sempre em consideração e tensão dialética com as condições de produção, a historia da vida do paciente, a ideologia, etc.
Outra questão interessante aqui é pensar a autoria, como possibilidade de se constituir em sujeito nas relações de sentido, na expressão de um discurso coerente e interpretável. Na terapia se constroem esses sentidos, pelo que o trabalho do fonoaudiólogo como interpretante e guia para a significação é muito importante, mas não deve ser idealizado. Não se deve negar nem ocultar a jerarquia presente nessa relação de linguagem, nem a influencia da ideologia e das condições de produção do sujeito interpretante. Assim, se pode considerar o momento da terapia como acontecimento, ou seja, como ponto de partida de novos sentidos e novos discursos, onde a fala do paciente e a do fonoaudiólogo se definem uma à outra.

¿Estrutura ou Acontecimento? Aportes de Pêcheux à Análise do Discurso
Podemos pensar ao livro O discurso: estrutura ou acontecimento de Michel Pêcheux como uma das principais bases do acervo teórico da Análise do Discurso, já que este autor é considerado por muitos críticos como um dos fundadores da AD como campo de estudo independente. O livro presenta principalmente rupturas em relação as correntes linguísticas anteriores; e também propostas, nas que retoma as três áreas do conhecimento mencionadas ao início do trabalho, fazendo especial ênfase –segundo minha interpretação- no pensamento marxista, sobretudo pela insistência na importância da materialidade da linguagem. Assim, Pêcheux faz uma importante ruptura com o estruturalismo, não negando a concepção do discurso como estrutura, mas acrescentando a importância de considerar o acontecimento discursivo. O autor propõe entrecruzar três caminhos para estudar o discurso: o do acontecimento, o da estrutura e o da tensão entre descrição e interpretação. Para explicar a noção do discurso como acontecimento, Pêcheux diz que as diferentes formulações feitas a respeito de um mesmo enunciado começam "a fazer trabalhar o acontecimento em seu contexto de atualidade e no espaço da memória que ele convoca a que já começa a reorganizar." (Pêcheux, 1990, p. 19). Vemos que estão pressentes as ideias já mencionadas de equivocidade, contexto, memória discursiva, etc. O autor diz que existem certos "enunciados (que) remetem ao mesmo fato, mas eles não constroem as mesmas significações." (Pêcheux, 1990, p. 20). Aqui esta explicitada uma das questões mais importantes para a Análise do Discurso: a questão do equívoco, que como já dissemos, é parte constitutiva da própria língua e não uma falha ou uma raridade, como consideram outras correntes. A equivocidade então supõe a possibilidade de um mesmo discurso de se transformar em outros, de ter diferentes significados possíveis, a partir das interpretações feitas pelos sujeitos. No entanto, essas significações têm um limite presente na materialidade, não são infinitas, não se pode interpretar aquilo que não esta na materialidade do discurso. Sem a equivocidade como parte constitutiva da língua, todos os sentidos estariam fixados, não haveria espaço para a novidade, os discursos seriam simples estrutura cristalizada e não poderíamos pensá-los como acontecimentos, portanto não permitiriam a geração fatos, de novas relações de sentido, não haveria história; a existência da equivocidade na linguagem tem que ser aceita e reconhecida. No entanto, o que acho terrível de todo isto é que estas conceições da linguística tradicional que negam a existência do equivoco, ainda inundam nossa relação quotidiana com a linguagem, e são reproduzidas incansavelmente pelas instituições. Hoje, nos discursos institucionais como o da igreja, da polícia, da prisão, da medicina, da imprensa, e mais que tudo, o discurso da escola, como já falei; trabalham ignorando a presença da equivocidade, procurando a estabilização dos sentidos, tornando-se anacrônicos em relação às condiciones sociais presentes, pressupondo que a linguagem é transparente e os sentidos são evidentes. São discursos que se apresentam como verdadeiros, como os únicos possíveis, mas a partir da minha inserção na AD, posso dizer que não existe o discurso neutral, absento de ideologia, sem intenções, sem procura de certos efeitos de sentidos. E, além disso, acho que na maioria dos discursos institucionais, estas questões são parte de um processo totalmente intencional e cuidadosamente planejado, com estratégias especificas e objetivos a cumprir; a diferença do que ocorre na cotidianidade, nos pequenos discursos, onde também existe esse processo, mas gerado de maneira inconsciente. Em conclusão, comparto com as autoras do artigo sobre A Vida é Bela que "não podemos também identificar a escola (nem as outras instituições, agrego) como um lugar de neutralidade" (Megrid e Capellani, 2007, p. 34).
Em relação ao sujeito do discurso, Pêcheux começa por falar do sujeito pragmático, que tem a necessidade imperiosa de homogeneidade logica. Porém, esta homogeneidade está atravessada por uma serie de equívocos que negamos e ignoramos. Depois, o autor reconhece que além de sujeitos pragmáticos somos sujeitos da linguagem, porque nossa relação com o mundo e com nós mesmos é mediada pela linguagem, uma linguagem indefectivelmente equívoca. O mundo não se reduz ao que interpretamos dele, além de que ele é suscetível de muitas interpretações possíveis. Isto se opõe á concepção idealista do sujeito centrado, onde o homem tem o controle sobre o mundo, onde tem a possibilidade de conhecer tudo. Mas devemos lembrar que a AD trabalha com um sujeito descentrado, que não tem controle sobre o mundo, o sujeito que é ideológico o tempo tudo, que tem inconsciente, que ocupa certa posição nas relações de produção e é determinado por ela.
Outra importante aporte de Pêcheux é sobre as possibilidades e formas de conhecimento. Ele faz uma diferença entre as disciplinas logicamente estáveis - que são as que chamei até agora de correntes ou tradições positivistas/naturalistas-, e as disciplinas de interpretação que, como a Análise do Discurso ou a História, trabalham com outro tipo de real e, portanto, produzem outro tipo de conhecimentos, de saberes. O logicamente estabilizado, que está sempre invadindo todos os âmbitos da vida, faz que muitas vezes achemos inferiores ás disciplinas de interpretação, mas diz o autor que é possível produzir um conhecimento que se sustente nestas disciplinas, porque sempre tem um limite entre o que é possível e o que não é possível compreender, limite dado pela materialidade da linguagem. "Interrogar-se sobre a existência de um real próprio às disciplinas de interpretação (...) é supor que possa existir um outro tipo de real, e também um outro tipo de saber, que não se reduz à ordem das coisas-a-saber. Logo: um real constitutivamente estranho à univocidade lógica, e um saber que não se transmite, não se aprende, não se ensina, e que, no entanto, existe produzindo efeitos." (Pêcheux, 1990, p. 43).
Em relação à metodologia, à análise propriamente dita, Pêcheux fala do batimento entre descrição e interpretação. Ainda ele critica ao estruturalismo por ser puramente descritivo e deixar fora a interpretação, o autor diz que são dois movimentos necessários e simultâneos na compreensão e análise dos discursos. "Toda descrição está intrinsecamente exposta ao equívoco da língua; todo enunciado é intrinsecamente suscetível de tornar-se outro (...). Toda sequência de enunciados é, pois linguisticamente descritível como uma série (léxico-sintaticamente determinada) de pontos de deriva possíveis, oferecendo lugar à interpretação. É nesse espaço que pretende trabalhar a análise de discurso." (Pêcheux, 1990, p. 53). "Entre a descrição e a interpretação há alternância, batimento". (Pêcheux, 1990, p. 54). Por isso, finalmente Pêcheux diz que a AD, sob a perspectiva materialista-historicista deve considerar o discurso como estrutura e também como acontecimento, e não necessariamente escolher uma das duas. Para fazer a análise, ele diz que devemos "dar o primado aos gestos de descrição das materialidades discursivas (...). Abordar o próprio da língua através do papel do equívoco, da elipse, da falta, etc." (Pêcheux, 1990, p. 50). "Isto obriga a se construir procedimentos capazes de abordar explicitamente o fato linguístico do equívoco como fato estrutural implicado pela ordem do simbólico." (Pêcheux, 1990, p. 51). Para o autor a estrutura é importante, mas se só atendemos a ela, e não ao discurso como acontecimento, não podemos vislumbrar a opacidade da linguagem, sua equivocidade constitutiva. O analista deve considerar o acontecimento discursivo e assim poder fazer outras perguntas, úteis para reconstruir o processo discursivo. Os acontecimentos discursivos trazem câmbios de sentidos, inversão, modificação das relações, chance de discussões que antes não eram possíveis, etc. Um acontecimento discursivo dá lugar a formulações que são irremediavelmente equívocas, que podem ter múltiplos sentidos, e que o fazem trabalhar. Então, como diz o autor "(...) o acontecimento, no ponto de encontro de uma atualidade e uma memória" (Pêcheux, 1990, p. 17), porque ao considerar o discurso como acontecimento, aceitando a equivocidade como constitutiva da linguagem; podemos pensa-lo em relação com as condições de produção, com as posições de sujeito, as formações discursivas e ideológicas em jogo, com o interdiscurso como a memória do já dito; e detectar assim "os momentos de interpretações enquanto atos que surgem como tomadas de posição, reconhecidas como tais, isto é, como efeitos de identificação assumidos e não negados", que é finalmente o que Pêcheux propõe como o objetivo da sua posição de trabalho.

Foucault e a ordem do discurso
"A ordem do discurso" foi uma conferência depois feita texto, expressada por Michel Foucault no College de France em 1970. Como sabemos este autor não foi só um linguista, nem um autor que integrou explicitamente a corrente da Análise do Discurso como sim fez, por exemplo, Michel Pêcheux. Foucault foi um intelectual desenvolveu um trabalho intelectual muito amplo, e analisou e escreveu sobre diferentes coisas. Como já explicita a professora Eni Orlandi em seu texto, onde inclui muitas citas de Foucault, a AD toma muitas das suas considerações sobre a linguagem, o discurso, o poder, etc., e as integra a sua base teórica. Nesta conferencia, o autor expõe algumas conclusões em relação ás questões do saber e poder nos discursos. A ideia geral do texto é mostrar os procedimentos de controle e organização que operam sobre dos discursos em nossa sociedade. Um deles, talvez o mais importante, é a questão da vontade de verdade, que exerce pressão e coerção sobre os discursos. Essa vontade de verdade se apoia sobre um suporte e um conjunto de práticas institucionais, e se pode definir como o "modo como o saber é aplicado à sociedade, como ele é valorizado, distribuído, repartido e de certo modo atribuído" (Foucault, 1996, p. 11). É por isso que a vontade de verdade exerce um poder de coerção sobre os outros discursos, que recorrem a ela pedindo autorização e legitimação. Porque ela da forma a nossos saberes, nosso conhecimento, e a distinção entre o que é conhecimento o que não é. A hipótese central de Foucault nesta conferência, diz que "em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que tem por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade" (Foucault, 1996, p.5). A primeira tarefa desses procedimentos é a exclusão dos discursos que não estão "no verdadeiro", que não cumprem com as exigências da vontade de verdade de sua época, ficando no campo do falso, do que não se pode falar, do que deve ser negado e esquecido. É por isso que a pressão se exerce sobre todos os discursos, os já ditos e os que todavia não se têm produzido.
Por outra parte, Foucault diz que o discurso é um objeto de desejo, constituindo-se em algo pelo qual se luta, a através do qual se luta. Além disso, para ele os sujeitos da linguagem na verdade somos sujeitos de desejo, um desejo que nunca se satisfaze, que nunca se fecha, pelo qual estamos sempre na busca de sentidos, de interpretações, de novos objetos. Pero este desejo está ligado a um perigo, porque pode levar ao descontrole, á ruptura da ordem do discurso e, portanto da ordem social. É por isso que é necessária a existência dos procedimentos de controle, para conjurar esses poderes e perigos. A vontade de saber ou de verdade de cada época, que poderíamos falar de formação discursiva, e que define a sua vez as condições de produção; resolve em sua conjuntura determinada as funções e posições do sujeito conhecedor, os investimentos materiais necessários, as técnicas e instrumental de conhecimento. Também define a maneira de pôr em pratica o saber em determinada sociedade, o que é valorizado, distribuído, e o que não. A vontade de verdade atravessa todos os discursos, todas as práticas; mas ninguém fala dela, está oculta. É mais o menos a mesma coisa que acontece com o que chamamos de ideologia na AD, que produz um processo de apagamento dá interpretação, negando-a no momento em que ela se realiza. O discurso que se presenta como verdadeiro, não pode reconhecer a vontade de verdade que o determina; pelo qual só vemos uma única verdade, como se fosse a unívoca, fixa, estável, e ignoramos a vontade de verdade mesma, como maquinaria que exclui todo o restante, todos os discursos que tentam justificar o proibido, e definir a loucura, etc.
Se bem que Foucault expõe os exemplos do discurso literário, econômico e penal, que são, segundo ele, parte dos "grandes discursos", que estão na origem de certo numero de atos novos de palavras; os discursos do outro grupo, os pequenos, os que se falam e desaparecem, também estão atravessados pela vontade de verdade - pela ideologia, pelas formações discursivas, diríamos desde a AD-. Porque justamente, como diz o autor, estes discursos fazem referência aos outros, aos fundamentais e criadores. Os repetem, os glosam, são parte deles. Não têm outra função que dizer o que estava articulado silenciosamente já em aqueles. Dizem por primeira vez aquilo que, porém já foi dito. Foucault diz que "não nos encontramos no verdadeiro se não obedecendo às regras de uma polícia discursiva que devemos reativar em cada um de nossos discursos" (Foucault, 1996, p.22). A vontade de verdade, a través do que o autor chama de ritual, também define a qualificação que devem ter os sujeitos que falam, os gestos, os comportamentos, as circunstancias, e os signos que devem acompanhar ao discurso para que seja ouvido, lido, legitimado, e tomado como certo. Isto é, o que na AD chamamos de processo de silenciamento e legitimação, que definem quem tem direito a produzir e interpretar discursos.
Agora, em relação à problematização que me surge, e que já explicitei, enquanto ao funcionamento do discurso em nossas instituições atuais, se pode ver através da leitura de Foucault que um outro lugar onde vontade de saber exerce pressões, é na educação, no discurso pedagógico. Diz Foucault, que embora a escola ela seja o instrumento que permite o acesso aos discursos na sociedade, "é uma forma politica de manter o de modificar a adequação aos discursos, com os saberes e os poderes que implicam" (Foucault, 1996, p. 27). Então podemos dizer que a educação, enquanto discurso que abre portas a outros discursos, está também atravessada pela vontade de saber, pela ideologia, pelas formações discursivas imperantes em casa época. Mas também ela é uma instituição, então forma parte dos suportes desta vontade de saber, que se constrói nas instituições e se apoia em elas. "O que é afinal um sistema de ensino senão uma ritualização da palavra; senão uma qualificação e uma fixação dos papeis para os sujeitos que falam; (...) senão uma distribuição e uma apropriação do discurso com seus poderes e seus saberes?" (Foucault, 1996, p. 27). A educação, assim como a literatura e o sistema judicial, são para Foucault, sistemas de sujeição do discurso, poderíamos dizer, sistemas de estabilização dos sentidos, de apagamento dos processos de intepretação e da equivocidade da linguagem. Enquanto a análise proprimanete dita, o autor não expõe uma metodologia definida, mas fala da importância de questionar criticamente, fazendo visível à vontade de verdade. Para o filosofo, temos que deixar de ignorar esta questão que está presente em todas nossas praticas, e que se mantem oculta faz séculos.

Conclusões
Ao longo do trabalho fui exprimindo minhas inquietudes, e algumas conclusões e reflexões sobre os conceitos teóricos discutidos. Mas para fechar, posso dar uma olhada para trás e falar da impressão inicial, que me provocou o primeiro contato com os textos, e que significou uma ruptura muito importante em relacao aos saberes prévios que eu tinha sobre a linguagem e o discurso. E é o simples fato da heterogeneidade do discurso. Heterogeneidade em sentido amplo, que tem a ver com o fato de que os textos sejam atravessados por várias formações discursivas, sejam resinificados constantemente, postos em relacao –a maioria das vezes inconscientemente- com o interdiscurso, com a memória discursiva. No entanto, é preocupante para mim que essa questão tão simples não seja reconhecida, não digo pelos simples sujeitos sociais, mas também não pelas instituições, pelas escolas, universidades. Ainda estamos sob a dominância da ideia da unidade do texto, da noção de autor em tanto individuo que produz o discurso intencional e conscientemente e se coloca na origem dele. Estas ideias, presentes faz muito tempo em nosso imaginário social e tão difícil de mudar, têm que ser removidas, começando pelas instituições mesmas, que são as que as sustentam e reproduzem. O discurso, assim como o sujeito do discurso, são questões dispersas, cambiantes, que não se podem definir nem fixar.
Talvez pareça um pouco exagerada, mas sou totalmente sincera ao dizer que, se bem que os textos foram complicados de ler e compreender, o conhecimento das teorias e a inserção no campo da Análise do Discurso trocaram minha visão sobre a linguagem, sobre as instituições, os sujeitos, as práticas, posso dizer que sobre o mundo. Acho importante e necessário para os que temos o privilegio de estudar e conhecer esta corrente de estudo, o tê-la sempre em conta, leva-la presente em nossa relação com a linguagem e na interpretação dos discursos; tentando difundi-la, seja atuando nas instituições se podemos, seja nas simples práticas da vida cotidiana. Devemos romper com as estruturas de pensamento arcaicas que ainda nos dominam, e não permitem ver que, assim como somos construídos através da linguagem, nós construímos nosso mundo a partir dela, e portanto, podemos tentar sempre melhorá-lo, reconstruí-lo e resignificá-lo em direção a eliminar as injustiças e desigualdades sociais que, afinal, são realizadas por nós mesmos através dos discursos.


Referencias bibliográficas:
MEGID, C. M. e CAPELLANI, A. P. L. "Mas, o que não é possível? Efeitos das posições dos sujeitos em A Vida é Bela." O cinema na Escola. C. Z. BOLOGNINI (org.). Campinas: Mercado de Letras, 2007.
ORLANDI, E. P. "Análise de Discurso". Introdução às Ciências da Linguagem, Discurso e Textualidade. Campinas: Pontes Editores, 2010.
FARIA DE CONTI D. "As fronteiras da legendagem: um estudo dos efeitos de sentido nas legendas de Desmundo." O cinema na Escola. C. Z. BOLOGNINI (org.). Campinas: Mercado de Letras, 2007.
PÊCHEUX, M. O discurso: estrutura ou acontecimento. (Tradução Eni P. Orlandi). Campinas: Pontes Editores, 1990.
FREIRA R. M. "Análise da afasia sob uma perspectiva discursiva". Fonoaudiologia: recriando seus sentidos. PASSOS M. C. (org.). São Paulo: Plexus, 2002.
FOUCAULT, M. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1996. 


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