Percursos da Analogia: da Fotografia à Síntese

November 13, 2017 | Autor: Eduardo Dias | Categoria: Imagem técnica, Imagem De Síntese
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Percursos da Analogia: da Fotografia à Síntese



Eduardo Dias
Resumo: Este artigo busca identificar as relações que as técnicas
de produção da imagem mantêm com a impressão de analogia contida
nas representações imagéticas. Esta investigação partirá de uma
delimitação do conceito de analogia para em seguida questionar como
as diversas artes das imagens – fotografia, cinema, televisão e
vídeo – surgidas a partir do final do séc. XIX operam a analogia em
suas representações. Esse percurso será trilhado a fim de
interrogar as imagens de síntese, cuja natureza se destoa das
técnicas de representação do fotográfico.


Palavras-Chave: Analogia. Imagens Técnicas. Imagem de Síntese.



1. Analogia da imagem

As imagens contêm em si uma carga de informações acerca dos mundos que
representa por manter, muitas vezes, uma grande fidelidade com o referente
que está registrado. Essa aderência ao real traz em si o testemunho de um
lugar e de um momento no qual ocorreu a produção daquela imagem. A respeito
da representação na pintura, Couchot (2003, p. 29) destaca um conceito de
historia de Leon Alberti que representa o acabamento final da pintura e que
causa emoção no espectador. Dessa forma, as pinturas não são retratos fiéis
da realidade, pois passaram por uma intermediação do pintor.
Fato semelhante de agenciamento também ocorre nas imagens técnicas –
fotografia, cinema e vídeo. A produção de imagens através de dispositivos
técnicos requer uma sucessão de escolhas na produção imagética, que envolve
desde a revelação do filme até montagem e edição. Porém, essas imagens
desfrutam de credibilidade junto às imagens que retratam por não passarem
por nenhum agenciamento no instante de seu registro.
As informações do mundo contidas nas imagens possuem um aspecto comum:
a impressão de analogia. Segundo Bellour (1993, p. 217), a analogia é a
maneira de "colocar em forma o visível" e prolongar a natureza através da
representação imagética estando ligada à informação daquilo que ela
representa, porém sem se reduzir a essa representação. É o elemento que
situa aquela imagem no tempo e no espaço, revelando, através do visível e
do invisível, uma interpretação, um olhar sobre o mundo naquele instante. É
através de sua potencialidade de semelhança e de representação que o
espectador pode explorar uma imagem, vendo além daquilo que está sendo
mostrado.
A analogia produz um afastamento entre a apreensão da realidade e as
imagens, pois o análogo da imagem não é o verdadeiro, podendo ser uma
referência para a construção de uma compreensão do mundo através de
imagens, mas não pode ser encarado como o real em si. Dessa forma, o
observador desempenha um papel de interpretação no qual executa uma
operação de ligação entre as imagens e o mundo, fazendo distinções,
percebendo suas semelhanças, construindo suas definições e reconhecendo
ambas as naturezas.
Bellour (1993, p. 217) afirma que a multiplicidade de imagens é o que
nos permite definir a realidade, pois tomamos como referência um mundo
visto através dos registros imagéticos e acreditamos ser possível conhecer
o mundo dessa forma de contato. Assim, ele acredita que a profusão de
"modos de ser" das imagens permeia a vida social a ponto de definirmos o
mundo ao nosso redor e a nós mesmos a partir delas. Baudrillard (1991)
acredita que pertencemos a uma lógica da simulação, onde os modelos
precedem o fato, aprisionando-nos a uma realidade na qual não há separação
entre os pólos da simulação e verdade do mundo. A partir destas colocações,
podemos identificar a força que as imagens possuem na construção do
cotidiano da sociedade, pois ainda que não conheçamos os elementos
representados nas imagens, deduziremos uma autenticidade e veracidade aos
fatos retratados.
A respeito das técnicas de produção de imagens, Bellour utiliza a
visão de Peter Galassi, que insere a fotografia para o campo da história da
arte. Segundo Bellour (1993, p.218), Galassi afirma que "o olho se tornou
móvel, face a uma natureza doravante fragmentária e contingente, em relação
à qual a fotografia parece convocada a preencher uma função justificada".
Assim, ele desfaz o pensamento que associa a fotografia ao campo das
invenções científicas, aproximando-a de mudanças ocorridas com o
observador.
Crary (1990), por sua vez, acredita que as mudanças significativas no
campo das imagens ocorreram no início do século XIX, entre as décadas de
1820 e 1830. Essas mudanças foram provocadas pela invenção de alguns
aparatos técnicos que romperam com as convenções seculares renascentistas,
como por exemplo, o traumatoscópio, o zootrópio e o estereoscópio, sendo
este último considerado pelo autor o paradigma do séc. XIX. Ele acredita,
então, que antes da invenção da fotografia, as artes da imagem passaram por
mudanças que produziram novos tipos de imagens, redefinindo também a
posição do observador.
As técnicas mecânicas da imagem – fotografia, cinema e vídeo –
operariam uma mudança na impressão de analogia por transfigurarem-na
através dos avanços técnicos que a registram em seus suportes.
2. A Analogia Fotográfica
Durante o século XX, tivemos que aprender a lidar com a variedade de
modos de ser das imagens a partir do surgimento de diferentes técnicas de
mecanização da produção imagética. Ainda no séc. XIX, a fotografia se
estabeleceu como referência por ter sido a primeira técnica a romper com o
paradigma secular do modo de produção da pintura renascentista. Sua
importância se deve também à introdução de um aparato técnico na produção
imagética, retirando o caráter artesanal da criação de imagens, ainda
conservando sua ligação com o real.
A técnica possui um papel importante na expressão estética ao oferecer
recursos, configurar e reconfigurar os modos de produção, influenciar a
percepção, entre outros. A respeito das tecnologias de produção da imagem,
Crary (1990, p. 8) afirma que a "tecnologia é sempre uma parte concomitante
ou subordinada de outras forças"[i]. Vemos que a técnica possui papel
importante na expressão artística, porém ela não é o elemento fundamental
para a construção de um discurso imagético.
A fotografia representa plasticamente o visível no instante da captura
da imagem e comprova a existência daquilo que ela reproduz. Barthes (1998)
afirma que esta é a essência da fotografia. Ele ainda afirma que a
fotografia é a forma "co-natural" do referente real posto em frente à
câmera. Esse "certificado de presença" transforma a foto em uma "informação
descontínua da vida passada" (KOSSOY, 2001, p. 115), representando o
fragmento de um mundo que excede os limites daquela imagem. Benjamin, em
Pequena História da Fotografia (1971), atribui o conceito de aura ao
registro único de um referente distante, no qual o acaso esteja presente,
revelando uma unicidade daquela imagem decorrente da fugacidade daquele
momento. Mesmo representando um mundo recortado, a fotografia tem a
capacidade de devolver a vida àquele instante registrado, que, efêmero,
tornou-se através do suporte material o único remanescente daquele
instante.
A imagem fotográfica também possui a capacidade de recuperar pequenas
histórias implícitas nas imagens. Ao eternizar determinada ocasião, ela
conserva memórias para as pessoas que mantém uma ligação emocional com o
assunto retratado e também fornece elementos para uma interpretação livre
de memórias afetivas com a imagem. Essas memórias podem remeter ao momento
do encontro das pessoas retratadas ou à maneira como elas se relacionavam
ou ainda podem guardar na imagem simbologias maiores, como a memória de um
lugar, um monumento específico que não existe mais, bem como representar as
modas de vestuário e de penteados, para citar também exemplos comuns ao
grande grupo da sociedade.
A analogia fotográfica corresponde ao valor de índice que a imagem
carrega em si do momento passageiro de seu registro e também ao remeter à
realidade em sua representação. Na fotografia, a analogia se estabelece por
definir o mundo através dessa constante referência ao momento passado que
foi reproduzido, pois sempre implica a semelhança e o reconhecimento em
suas imagens. Por eternizar o instante em seus detalhes, a fotografia foi
vista como uma estrutura portadora e exemplificadora da analogia da imagem.
Essa característica de analogia tornou-se constitutiva de sua natureza.
3. Extensões-distensões da analogia: o movimento e a transmissão.
O surgimento do cinema no final do séc. XIX deu prosseguimento ao
processo de maquinização das imagens iniciado pela fotografia. Ele permite
o registro e a exibição da imagem através de seu dispositivo, fazendo com
que a fruição da imagem se torne dependente de uma máquina (técnica)
específica. Além disso, as imagens cinematográficas inseriram no campo
imagético o movimento, que é criado a partir da projeção de uma seqüência
de fotogramas a uma velocidade constante para que a persistência retiniana
dessas imagens produza a sensação de movimento. A respeito do poder de
atratividade das imagens do cinema, Edgar Morin afirma que
"o cinematógrafo aumenta duplamente a impressão de
realidade da fotografia, na medida em que, por um lado
restitui aos seres e às coisas seu movimento natural, e,
por outro lado, os liberta tanto da película quanto da
caixa do quinetoscópio, projectando-os sobre uma
superfície em que parecem autônomos" (MORIN, 1997, p. 31).

O autor diferencia o estado da imagem cinematográfica em relação à
fotográfica. Com isso ele atinge a questão da analogia da imagem do cinema
ao falar de sua autonomia em relação ao registro – concretização da imagem
em movimento acontece na tela – e ao suporte – elas não são mais palpáveis
nem contemplativas e sua fruição é de uma nova ordem. Por essas distinções,
o filme requer uma nova constituição da representação e da semelhança em
suas imagens, especificando a sua expressão estética através da sua
técnica.
Algumas décadas depois surgiu a televisão, que veio a se popularizar
após a II Guerra Mundial. As tecnologias de transmissão e recepção
desenvolvidas para a guerra contribuíram para o aprimoramento do novo
aparato ao serem utilizadas comercialmente no período pós-guerra. A
tecnologia da TV eliminou o tempo diferido entre a captação/registro da
imagem e sua exibição, características presentes na fotografia e no cinema.
Suas imagens são transmitidas – sobreapresentadas[ii] (COUCHOT, 2003) – ao
vivo, já que o videotape surgiria décadas depois.
As técnicas de produção introduzidas pelo vídeo permitiram ao artista
uma maior liberdade e flexibilidade das imagens. Tornou-se possível, então,
a manipulação do tempo e do espaço através de fundamentos básicos como a
transmissão ao vivo ou a edição de vídeo. Ainda que a presença dos
referentes se fizesse necessária frente às lentes das câmeras, era possível
encadear no momento da transmissão seqüência de lugares e tempos distintos
em uma mesma obra. A tecnologia do vídeo ainda permitiu que os corpos e os
objetos fossem virtualmente modificados pelas ferramentas de edição das
imagens – característica bastante comum na videoarte desenvolvida a partir
da década de 60. O filme, por sua vez, não possuía a mesma liberdade, pois
ficava restrito às trucagens entre cenas e planos.
Segundo Bellour (1993, p. 221), o cinema expandiu a analogia das
imagens ao introduzir o movimento nas imagens, reproduzindo assim a
realidade em sua forma aparentemente completa. Ao abrir mão da condensação
do mundo em uma imagem estática, o filme explora as questões da
representação e semelhança. Ele ainda constrói a metáfora da "dupla hélice"
(1993, p. 221) baseando suas observações no cinema, por este manter contato
direto com o movimento e o tempo.
A dupla hélice consiste nas ligações que as analogias do fotográfico
(recuperação indicial do momento efêmero) se unem às do cinema
(reconstituição do movimento natural). Para ele, esses dois modos de
imagens mantiveram vínculos entre si, que resultou em uma produção baseada
na exploração mútua da característica principal da outra modalidade. Em
outras palavras, nesses vínculos, o cinema explora a analogia por
referência do fotográfico e a fotografia explora o movimento
cinematográfico em suas imagens. O autor coloca a sua posição a esse
respeito afirmando que o encontro dessas duas modalidades, que acontece no
filme, desvirtua as especificidades das imagens em uma mescla que se
aproxima da desfiguração e da falta de reconhecimento das imagens.
Em cima das suas proposições sobre a fotografia e o cinema, Bellour
(1993, p. 222-3) faz considerações a respeito das imagens do vídeo. Em
relação ao fotográfico, ele considera que o vídeo é uma "mancha disforme"
que potencializa a representação, mas ao mesmo tempo o arruína. Em relação
ao cinema, ele considera que o vídeo dissolve a analogia do movimento ao
tratá-lo em tempo real, no tempo da transmissão.
Após a introdução do movimento nas imagens e de sua transmissão e
manipulação em tempo real, as questões da analogia passaram por uma
reformulação diante da diversidade de modalidades e de suas possíveis
contaminações. A analogia teve então que aprender a lidar com o dinamismo
do movimento e da atualidade da transmissão.
4. A analogia ao limite: síntese numérica e a simulação imagética
O desenvolvimento da interface gráfica nos computadores ocorrida no
final dos anos 70 e início da década de 80 permitiu que estes se
transformassem em um espaço para a convergência das mídias, pois ele
permitia, em potência, a manipulação de qualquer tipo de imagens – e também
de sons – por meio dos seus softwares. O desenvolvimento da computação
gráfica atingiu a produção de imagens por meio de dispositivos
tecnológicos, atingindo a fotografia, o cinema, a televisão e o vídeo ao
possibilitar a manipulação de todos esses tipos de imagens em softwares
específicos, que não se limitaram apenas ao tratamento das imagens e também
passaram a permitir a criação de imagens em seu ambiente técnico. Também
foram desenvolvidas técnicas de modelização em três dimensões, que
reproduzem gráfica e detalhadamente o mundo real. Esse novo tipo de imagem
totalmente numérica e sem o vestígio de um referente durante seu processo
de produção é chamado de imagem de síntese.
A criação digital de imagens se baseia em modelos de memória –
armazenados no software ou por outra fonte de informação como livros,
desenhos, fotografias, etc. –, ocorrendo em um tempo diferido entre
produção imagética e o espaço-tempo da realidade. O processo criativo
baseado na simulação desfaz a lógica referente e representação prescindindo
deste último e suas imagens a invertem ao preceder o mundo que representam
(BAUDRILLARD, 1991).
Simular o real também faz desaparecer os espaços de diferença entre o
mundo e a sua representação, pois se procura eliminar a existência de
referenciais e símbolos da realidade a serem representados. Baudrillard
(1991, p. 9-10) aponta que simular é pôr em questão a "diferença do
verdadeiro e do falso, do real e do imaginário". A esse respeito Couchot
(2003) afirma:
tudo se passa então como se a simulação numérica
engendrasse a aparição de uma outra dimensão do real, bem
diferente de uma cópia, de uma representação ou de uma
duplicação: um análogo purificado e transmutado pelo
cálculo (COUCHOT, p.173).

É através do "análogo numérico do mundo" que o autor vê como as
imagens de síntese se relacionam com os indivíduos e com aquilo que elas
representam, ao participarem de um processo de desreferencialidade ao
oferecer imagens ao mundo, alterando e questionando nossos processos de
semelhança e representação.
O olho desempenha uma função de ligação entre a representação e o
mundo, operando nos processos de reconhecimento das imagens e associação
com a realidade. É ele que irá reconhecer a impressão de analogia contida
nessa modalidade de imagem. Bellour (1993, p. 225) afirma que a síntese
potencializa a analogia ao circunscrever as imagens a um território
informacional, no qual todas as bordas da imagem podem ser moduladas a
partir da manipulação do criador e também se tornando objetos cujas
referências são eles próprios.
A imagem originada a partir da síntese numérica e baseada na
representação por simulação do mundo aparenta ter dissolvido a questão da
analogia em um afastamento entre o sentido e a semelhança. Porém a imagem
não perde sua impressão de analogia, ela a reconfigura através de um
afastamento entre o que ela representa e aquilo que ela se torna. Esse
afastamento se refere à aderência ao real que as imagens produzidas por
projeção ótica nos dispositivos possuem, testemunhando a presença dos
referentes em um espaço-tempo determinado e registrado nos suportes.
5. O caso "Eye for an eye"
O videoclipe Eye for an eye foi lançado oficialmente em 2002 pelo
coletivo britânico U.N.K.L.E. sendo o primeiro single do álbum Never, Never
Land, lançado em 2003. A direção do clipe ficou a cargo do coletivo de
design e animação Shynola e com o apoio da animadora Ruth Lingford. Este
vídeo foi desenvolvido como um curta tendo a intenção de ser lançado como
um filme ao mesmo tempo em que fosse lançado como um vídeo promocional. O
vídeo incorpora a canção homônima e possui também um trecho de uma música
do filme Fantasia, de Walt Disney, e de pinturas em 3D da banda britânica
Massive Attack.
Segundo o empresário do grupo, este videoclipe procura ser visto
primeiramente como um manifesto anti-guerra em vez de ser um sucesso
comercial. Durante a produção deste vídeo, ocorreram os atentados de 11 de
setembro de 2001 em Nova York, tornando o trabalho relevante e, segundo os
componentes do Shynola, ganhando uma nova dimensão. O vídeo foi exibido em
festivais de animação nos anos seguintes ao seu lançamento, chegando a
conquistar alguns prêmios.

FIGURA 1 – Still de Eye for an eye, U.N.K.L.E.

O vídeo foi produzido em animação tridimensional e apresenta pequenos
seres pacíficos constituídos de massa rígida (FIG. 1) vivendo em uma
espécie de paraíso constituído por flores e árvores frutíferas. Após
prólogo – música do filme Fantasia –, aparecem no céu aviões que carregam
uma espécie da mesma raça em uma altura gigantesca, aparentando fisicamente
ser uma figura materna de todos aqueles seres. A criatura é jogada ao chão
(FIG. 2) e possui pequenos encaixes para a única expressão facial existente
nos pequenos seres, que atraídos pela novidade encaixam sua "boca" nos
diversos encaixes vermelhos espalhados pelo corpo do enorme ser. A criatura
revela sua natureza perversa e suas intenções bélicas ao liberar estranhos
insetos pretos (FIG. 3) que lutam contra os pequenos seres. Após esse fato,
a guerra se instala no lugar que anteriormente se mostrava pacífico. No
final do vídeo, quando a população nativa aparenta ter sido derrotada os
seres invasores se retiram e os aviões retornam, levando a estranha e
enorme criatura embora, provavelmente para atacar outro lugar. O videoclipe
termina com a frase an eye for an eye makes the whole world blind[iii],
reiterando a intenção de manifesto pacifista do clipe. A letra da música
também faz parte deste pequeno manifesto citando a conhecida Lei de talião
"olho por olho, dente por dente" e finaliza avisando que não adianta correr
por que não é possível se esconder[iv].

FIGURA 2 – Still de Eye for an eye, U.N.K.L.E.


FIGURA 3 – Still de Eye for an eye, U.N.K.L.E.

Em um primeiro momento, os aviões que carregam a enorme criatura podem
nos remeter a imagens daqueles aviões que jogam comidas e medicamentos nos
territórios de países pobres que atravessam um momento de guerra ou de
epidemia. Porém, o prosseguimento do videoclipe nos remete à história do
Cavalo de Tróia – artefato de guerra mascarado de presente e utilizado
pelos espartanos para derrotar os troianos – no momento em que os estranhos
insetos começam a sair da grande criatura e em seguida atacam os nativos
daquele lugar. A operação se completa quando as pacíficas criaturas se
transformam nos estranhos insetos escuros, tornando-se parte daquele
exército destruidor/conquistador. O final do vídeo ainda nos traz símbolos
de uma verdadeira guerra: o líder que coopta os novos guerreiros que se
movem enfileirados em marcha como um exército, a bandeira fincada no
território conquistado, o abandono do lugar para dar prosseguimento aos
objetivos de conquista.
Por escolha dos realizadores, este videoclipe opta por um formato mais
tradicional de constituição dos elementos, inserindo uma narrativa
canônica, que possui começo, meio e fim, contando com um prólogo – a música
de Fantasia – e um epílogo – a frase ao final do vídeo, porém sua narrativa
é simplificada devido a curta duração do formato. É comum alguns
videoclipes procurarem explorar formatos de narrativa que se aproximam dos
curtas-metragens, baseando-se em poucos elementos narrativos e utilizando
uma estrutura simples para desenvolver a história, a fim de se diferenciar
sua produção das outras, dando um caráter mais elaborado àquele produto que
compõe a sua obra artística.
Em todo o clipe, as imagens nos apresentam seres que podemos fazer
correspondência deles à realidade – podemos comparar os nativos com
pequenos seres como crianças e pigmeus, comparamos os insetos a moscas – e
também fazemos comparação entre a enorme criatura a uma figura materna que
amamenta os filhos, as frutas nos remetem a cerejas, entre outras
referências contidas nas imagens. As imagens nos levam a fazer comparações
com as ações de guerra e suas estratégias e também nos remetendo à
mitologia grega.
Dessa forma, o clipe constrói uma rede de semelhanças com signos
comuns da nossa sociedade, mostrando-nos imagens realistas construídas por
síntese numérica. A impressão de analogia aqui se dá através do nosso
conhecimento do mundo e das ligações que fazemos entre as representações
operadas com o que o individuo considera que seja verdadeiro e/ou
verossímil, implicando associações entre aquelas representações e as
imagens que temos como repertório cultural.
Notas
-----------------------
[i] Tradução livre do trecho, em inglês, "[On the contrary,] technology is
always a concomitant or subordinate part of other forces."
[ii] Segundo o autor, a sobreapresentação de imagens consiste na eliminação
da distância entre a produção e a exibição de uma imagem, proporcionada
através das tecnologias de transmissão ao vivo da TV.
[iii] Em tradução livre do inglês, olho por olho faz o mundo inteiro cegar.
[iv] Letra no original em inglês, "an eye for an eye/ a tooth for a tooth/
run run run/ but you sure can't hide".
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