PEREIRA, A. K. S.; FORATO, T. C. M. Controvérsias históricas na sala de aula: o princípio da conservação da energia. In: XIV Encontro de Pesquisadores em Ensino de Física -EPEF, 2012, Maresias. Atas do XIV Encontro de Pesquisa em Ensino de Física - EPEF. São Paulo: SBF, 2012. v. 1, p. 1-9.

October 6, 2017 | Autor: T. Cyrino de Mell... | Categoria: Nature of Science, Ensino de Física, História da Termodinâmica, Princípio da Conservação de Energia
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XIV Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Maresias – 2012

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CONTROVÉRSIAS HISTÓRICAS NA SALA DE AULA: O PRINCÍPIO DA CONSERVAÇÃO DA ENERGIA HISTORICAL CONTROVERSIES IN THE CLASSROOM: THE CONSERVATION OF ENERGY PRINCIPLE Resumo Este trabalho apresenta um recorte de uma pesquisa de iniciação científica, que objetiva o desenvolvimento de uma proposta para a inserção da história e filosofia da ciência no ensino de ciências. Tal proposta metodológica inclui a construção de uma sequência de atividades didáticas, o planejamento pedagógico orientador para sua utilização, e textos para os estudantes. Exploramos aspectos pouco conhecidos sobre o desenvolvimento histórico do Princípio da Conservação da Energia, visando auxiliar no ensino da Primeira Lei da Termodinâmica, e promover a reflexão explícita sobre aspectos da natureza da ciência. O episódio histórico selecionado trata da controvérsia em torno da formulação do Princípio da conservação da energia pelo médico Julius Robert Mayer através de um problema fisiológico, e as contribuições do trabalho de Conde Rumford e de Joule. Além dos conteúdos científicos, serão destacados procedimentos metodológicos, pressupostos teóricos e a influência de fatores não científicos na ciência, que permitem entender a ciência como uma construção socio-histórica. A sequência didática voltada para a escola básica inclui o desenvolvimento de pequenos textos históricos para os alunos, visando dar apoio a diferentes atividades didáticas. Para a elaboração destes textos e atividades são utilizados os parâmetros propostos por Forato (2009), que auxiliam a transposição didática da história e filosofia da ciência para o ambiente escolar, levando em conta prescrições da historiografia e da didática das ciências. As concepções metodológicas que guiam o desenho da pesquisa apoiam-se em abordagens qualitativas de análise. O recorte aqui enfocado destaca uma síntese do episódio histórico selecionado, mostrando seu potencial para discutir os aspectos da natureza da ciência pretendidos, e um exemplo da metodologia que está sendo utilizada para desenvolver a proposta pedagógica para o ambiente educacional. Palavras-chave: História da Termodinâmica, Princípio da Conservação da Energia; Natureza da Ciência; Ensino de Física. Abstract This paper presents an outline of a scientific initiation research. The objective is through this research build a course using almost unknown aspects about the historical development of the conservation of energy principle, aimed to help on the first law of thermodynamics teaching. The selected historical episode deals with the formulation of the conservation of energy principle by the physician Julius Robert Mayer through a physiological problem, and the contributions of Count Rumford’s work. Besides the scientific content, methodological procedures, theoretical assumptions and non-scientific aspects will be highlighted, allowing understanding science as a social-historical construction. course is designed for elementary school, and includes the development of historical texts for students to assist in educational activities, for the preparation of these will be used the proposed parameters by Forato (2009), that assist in the didactic transposition of history and philosophy of

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science to school, taking into consideration requirements of historiography and science teaching. This material includes a methodological proposal for the effective integration of history and philosophy of science in the classroom. Keywords: Thermodynamic History, Conservation of energy principle, Nature of Science; Physics teaching. Introdução O papel da História e Filosofia das Ciências (HFC) no Ensino de Ciências, suas vantagens e, obviamente, seus desafios e riscos veem sendo discutidos há décadas. Matthews (1992) aponta vários benefícios na utilização tanto da história como também da filosofia e sociologia da ciência: Podem humanizar as ciências e aproximá-las dos interesses pessoais, éticos, culturais e políticos da comunidade; podem tomar as aulas de ciências mais desafiadoras e reflexivas, permitindo, deste modo, o desenvolvimento do pensamento crítico; podem contribuir para um entendimento mais integral de matéria científica, isto é, podem contribuir para a superação do mar de falta de significação que se diz ter inundado as salas de aula de ciências, onde fórmulas e equações são recitadas sem que muitos cheguem a saber o que significam; podem melhorar a formação do professor auxiliando o desenvolvimento de uma epistemologia da ciência mais rica e mais autêntica, ou seja, de uma maior compreensão da estrutura das ciências bem como do espaço que ocupam no sistema intelectual das coisas. (p. 165)

A utilização da HFC no ensino de ciências como estratégia pedagógica, e/ou sua inserção como conteúdo de uma disciplina, possibilita a superação de barreiras epistemológicas e didáticas. Pode auxiliar em questões referentes a concepções alternativas, mostrando para o aluno que um mesmo fenômeno pode ser explicado por uma teoria vigente, mas que também existem outras e que muitas vezes nem tomamos conhecimento. A HFC pode desenvolver o entendimento sobre a natureza da ciência (NDC), amenizando o caráter dogmático, muitas vezes atribuído à ciência e apresentá-la como uma construção sócio-histórica (BRASIL, 2002). Além disso, todos esses fatores contribuirão para o enriquecimento cultural do aluno. Tais questões já foram bastante discutidas e trazem poderosos argumentos para defender a importância da HFC para um entendimento mais integral da matéria científica, configurando-se uma ferramenta adequada para o ensino de conceitos, métodos e teorias (MATTHEWS, 1992; MARTINS, 2007; PEDUZZI, 2001). Mesmo havendo muitos trabalhos e pesquisas na área, as propostas de uso da HFC no ensino ainda apresentam certas deficiências. Há ainda poucos materiais de boa qualidade acessíveis aos professores da escola básica. Ademais, a literatura especializada, aponta para alguns riscos nos usos da HFC na sala de aula (FORATO et al., 2011). A História da Ciência (HC) pode ser vista por alguns professores como algo novo nas salas de aula e alguns optam por utilizá-la como estratégia pedagógica, no intuito de tornar as aulas mais interessantes, por exemplo. Ela “ilustra” as aulas e desperta a atenção dos alunos, porém na maioria dos casos, esta história é a do tipo pseudo-história (ALLCHIN, 2004). A maioria dos cursos de licenciatura, de modo geral, ainda não prepara os professores para fazerem uso adequado da HFC em sala de aula, impossibilitando, por exemplo, o reconhecimento de visões deformadas de ciência presentes nos textos (GIL PEREZ et al., 2001). É necessário a habilidade para identificar a pseudo-

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história, avaliando narrativas que possuem certas peculiaridades como: “histórias romanceadas, imagem de um cientista perfeito, experimentos cruciais, ausência de contextualização socio-histórica e cultural” (ALLCHIN, 2004). A HC, assim como outros campos do saber, é uma construção humana, sendo, portanto, influenciada por fatores históricos, sociais, econômicos, etc. Ou seja, é escrita de acordo com crenças e objetivos a serem alcançados por quem a escreve, e neste caso, podemos nos deparar com textos contendo pseudo-histórias. Dependendo da forma com que são utilizados, distorcem a natureza da ciência e do trabalho científico (FORATO et al., 2011). Além disso, levar a HFC para as salas de aula não é uma tarefa fácil, pois além dos problemas relacionados à formação dos professores, ainda existem outros empecilhos, como o excesso de conteúdo escolar, falta de tempo e diferentes metas a serem alcançadas pelos professores e instituições (MATTHEWS, 1992; GIL PEREZ et al., 2001). Sendo assim, este trabalho é parte de uma pesquisa mais ampla, que pretende apresentar uma metodologia para a inserção da HFC na sala de aula, que inclui a elaboração de uma sequência de atividades didáticas e pequenos textos para os estudantes. Objetiva-se que tal material auxilie no ensino da Primeira Lei da Termodinâmica, e ao mesmo tempo, promova a reflexão explícita sobre aspectos da NDC. A partir de uma contextualização histórica, pretende-se discutir sobre a construção de conceitos físicos envolvidos no desenvolvimento do princípio da conservação da energia, refletindo, também, sobre elementos metacientíficos. O episódio histórico selecionado trata das contribuições de Julius Robert Mayer (18141878) à formulação do princípio da conservação da energia. Objetiva-se mostrar o desenvolvimento de seu trabalho, apontando as contribuições e influências de estudos feitos por outros filósofos naturais, evidenciando que o processo de elaboração de uma teoria, não ocorre devido a insights ou a experimentos cruciais únicos, isentos de erros tanto em seus métodos, quanto em sua execução e interpretação de resultados. Outro aspecto abordado é o da influência de aspectos sociais na aceitação e escolha de teorias a serem adotadas, discutindo o fato de atribuírem, em geral, exclusivamente a Joule, a formulação do princípio da conservação da energia. O recorte enfocado por este trabalho apresenta uma breve síntese do episódio histórico e um exemplo do uso do referencial adotado (FORATO, 2009), para realizar a transposição didática da HFC para a sala de aula. O Princípio da Conservação da Energia Os livros textos para a escola básica que utilizam aspectos históricos para abordar a formulação do princípio da conservação da energia, apresentam-no de forma sintetizada, ocorrendo não raro algumas distorções, atribuindo todo o mérito de sua formulação exclusivamente a James P. Joule (1818-1889). Porém, alguns predecessores e contemporâneos de Joule contribuíram significativamente para a construção deste princípio fundamental da Física, e que hoje estão praticamente esquecidos, como médico alemão Julius R. Mayer (1814-1878) (MARTINS, 1984). Mayer passou a desenvolver o princípio da conservação da energia a partir de um problema fisiológico (MARTINS, 1984). Observou a diferença de cor entre o sangue arterial e o venoso, e apoiado na teoria de Antoine L. Lavoisier (1743-1794) sobre o calor animal, conclui a relação desta característica com as concentrações de oxigênio e gás carbônico presentes no sangue.

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Para que o corpo humano possa ser mantido a uma temperatura uniforme, o desenvolvimento de calor dentro dele deve ter uma relação quantitativa com o calor que ele perde – ou seja, uma relação com a temperatura do meio; portanto, a produção de calor e o processo de oxidação, bem como a diferença de cor dos dois tipos de sangue, devem ser globalmente menores, nas zonas tórridas do que em regiões mais frias. (MAYER, 1851, p. 325)

Após estes estudos, Mayer logo começa a pensar a respeito do calor corporal. Naquela época, já se acreditava que o calor produzido vinha dos alimentos ingeridos. Mas um animal também produz calor mecanicamente através dos órgãos, e estes dependem do calor produzido pela combustão da mesma quantidade de calor que seria ingerida (MARTINS, 1984). Assim, Mayer conclui que: O calor produzido mecanicamente pelo organismo deve manter uma relação quantitativa invariável para com o trabalho despendido em sua produção. (MAYER, 1851, p. 326)

Em 1841, Mayer já havia fundamentado suas ideias em seu trabalho “Über quantitative und qualitative Bestmmung der Kräfte” (Sobre a determinação quantitativa e qualitativa das forças) enviado para Poggendorff, editor da revista Annalen der Physik and Chemie. Entretanto, Mayer cometeu erros sobre conceitos básicos de física, pois não dominava assuntos de mecânica, tendo, assim, o seu trabalho recusado (MARTINS, 1984). Mayer escreveu uma nova versão desse trabalho e o enviou para Liegbig, da revista Annalen der Chemie and Pharmacie, e foi publicado em 1842. O que hoje conhecemos como energia, foi proposto neste artigo como um novo conceito para a época, o conceito de “força”, “algo” que pode se apresentar de diferentes formas, mantendo sua quantidade constante, seguindo o princípio da igualdade das causas e dos efeitos (cf CINDRA; TEIXEIRA, 2004). Um ano após a publicação do primeiro artigo de Mayer, Joule publica seu primeiro trabalho na revista da Academia Francesa de Ciências, relacionado praticamente ao mesmo tema do qual Mayer abordava. Em 1845, ou seja, um ano antes da publicação do segundo trabalho de Mayer, em que tratava mais detalhadamente sobre as formas de energia, a mesma revista que recusará seu trabalho publica um artigo de Joule, onde mostra os estudos da variação da temperatura produzida na compressão e dilatação dos gases e o experimento da agitação da água através de pás, que tem grande repercussão, quando então, atribuem a ele a descoberta do princípio da conservação da energia.1 Naquela época, e em outras anteriores, dava-se muita ênfase ao problema da prioridade, tentando-se descobrir quem foi o primeiro a propor uma ideia, atualmente admite-se que ocorrem descobertas múltiplas (MARTINS, 1984). Um dos predecessores de Mayer, que deu grande contribuição para a formulação da lei da conservação da energia foi Benjamin Thompson, o conde Rumford (1753-1814), que chegou a ser citado como uma das referências nos primeiros trabalhos de Joule, e, também, usado como argumento contra as publicações de Mayer. Rumford tinha grande interesse por armas e pólvora. Em meio à guerra entre os Estados Unidos e a Inglaterra, o então americano Thompson passa a servir as tropas inglesas como tenente coronel, trabalhando no aperfeiçoamento e construção de armas de fogo, tornando-se engenheiro. Thompson vai viver na Inglaterra, mas é 1

Devido à limitações de espaço, não inserimos todos os artigos publicados pelos pensadores envolvidos no recorte histórico, pois nosso objetivo com esta síntese histórica é mostrar potencialidades do episódio. As referencias completas podem ser encontradas em Martins (1984).

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acusado de vender segredos de guerra para a França, e é exilado na Baviera região que hoje é a Alemanha – onde por sua ótima atuação como engenheiro militar e administrador, ganha o título de Conde. Foi trabalhando na perfuração de canhões que Rumford deu início aos estudos sobre a natureza do calor. Perfurava cilindros metálicos com uma broca, e à medida que o orifício ia sendo cavado, a temperatura se elevava; a peça era submersa em água, fazendo com que ela fervesse. Pela teoria do calórico, achavase que o atrito entre a peça de metal e a broca fazia cortes em pequenas aparas liberando o calórico preso no metal (MEDEIROS, 2009; RUMFORD, 1798). Rumford observou que quando a broca já estava cega, e deixava de cortar o metal, as aparas não eram mais produzidas e, de acordo com essa hipótese, o calórico não poderia mais ser liberado, porém a peça continuava a aquecer. Desta forma, a teoria do calórico não conseguia explicar este fenômeno. Rumford propôs que o calor não deveria ser uma substância, e sim uma forma de movimento. O que é o Calor? Existe qualquer coisa como um fluído ígneo? Existe alguma coisa que pode ser, com propriedade, chamada calórico? Nós vimos que uma considerável quantidade de Calor pode ser excitada por Fricção entre duas superfícies metálicas e desprendido em uma corrente ou fluxo, em todas as direções, sem interrupção ou interdição, e sem sinais de diminuição ou exaustão. [...] É desnecessário adicionar que, qualquer coisa que, qualquer corpo isolado, ou sistema de corpos, pode continuamente fornecer sem limitações, não pode, possivelmente ser, uma substância material: e parece para mim ser extremamente difícil, senão impossível, formar qualquer ideia distinta de alguma coisa capaz de ser excitada e comunicada, do modo como o Calor foi excitado e comunicado nesses Experimentos, exceto se for MOVIMENTO. (RUMFORD, 1798, in MAGGIE, 1935, p. 160-161, grifos e maiúsculas no original).

Esta declaração, acompanhada por inúmeros argumentos e observações, mostrou uma deficiência na teoria do calórico, mas não foi o suficiente para derrubála, pois não havia uma teoria melhor que pudesse substituí-la. Seu trabalho ganha mais destaque posteriormente com Mayer, Joule e Hermann von Helmholtz (18211894), que fazem uso de suas observações. Todas essas controvérsias sobre a natureza do calor e o princípio da conservação da energia, brevemente mencionadas, mostram a complexidade da proposição de novas ideias, conceitos e teorias. Além de fatores intrinsecamente relacionados aos experimentos, como os pressupostos teóricos que influenciam nas observações, por exemplo, a crença, ou não, no calórico como substância, há também aspectos não científicos interferem na construção da ciência a serem explorados visando o aprendizado de conceitos científicos e sobre a NDC. Metodologias e perspectivas metodológicas Este recorte da pesquisa2 objetiva o desenvolvimento de uma proposta pedagógica para a abordagem histórica envolvendo a Primeira Lei da Termodinâmica. Pretende-se propor uma metodologia para a inserção da HFC na sala de aula, a qual inclui uma sequência de atividades didáticas (SD) (GIORDAN et al., 2011), textos para os alunos da escola básica e orientações para professores interessados em sua utilização, a ser avaliada em situação real de sala de aula. Pesquisa vinculada a um projeto de iniciação científica que inclui o desenvolvimento da proposta para o ambiente escolar, que será aplicada e analisada em uma etapa posterior. 2

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A metodologia para o estudo do episódio histórico consistiu em selecionar, primeiramente, duas fontes secundárias (MARTINS, 1984; MEDEIROS, 2009) sobre o tema escolhido da história da ciência e avaliar o potencial de seu conteúdo para discutir os conceitos de física pretendidos, bem como os aspectos da NDC. A seguir, selecionamos e estudamos as fontes primárias principais para nosso enfoque, Rumford, Mayer e Joule (in Sourcebook: MAGGIE, 1935). A metodologia para o desenvolvimento da SD, incluindo textos sobre HC, fundamenta-se em parâmetros para a transposição didática da HFC para a sala de aula, propostos em Forato (2009) e Forato e colaboradores (2012). Tais parâmetros buscam oferecer subsídios para a construção dos saberes escolares levando em conta requisitos da historiografia atual e recomendações da didática das ciências. A seção seguinte apresenta um exemplo do uso de uma parte de tais parâmetros no desenvolvimento da SD. A orientação teórico-metodológica que fundamenta esta pesquisa apoia-se em abordagens de natureza qualitativa (CARVALHO, 2006; ERICSON, 1998). Ao longo da construção da proposta, a tomada de dados é exclusivamente descritiva e têm os pesquisadores envolvidos como principais agentes de coleta. Serão documentados os relatos das dificuldades encontradas para a construção das atividades, das soluções encontradas, de que modo as orientações ou etapas presentes nos parâmetros favoreceram a criação das atividades. Além disso, serão avaliadas as circunstâncias em que houver limitações ou ausência de orientações nesse referencial teórico escolhido. Tal análise agrega contribuições desta pesquisa para a análise da eficácia do referencial teórico adotado. A controvérsia histórica na sala de aula A construção da SD envolve estudos e ações na interface entre dois campos do saber: a historiografia da história da ciência e a didática de ciências. Desse modo, optou-se por utilizar os 22 (vinte e dois) parâmetros propostos por Forato (2009, vol. 1, p.188-196) e sintetizados em Forato e colaboradores (2012), que analisaram a confluência desses distintos saberes para a construção de propostas metodológicas envolvendo a HFC no ambiente escolar. Apresentamos o uso de apenas alguns dos parâmetros e como eles orientam a elaboração da SD. 1. Estabelecer os propósitos pedagógicos para os usos da HFC no ensino: Utilizar um episódio histórico da termodinâmica para físicos envolvidos na primeira lei da termodinâmica, e epistemológicos da ciência para compreendê-la como uma histórica. Tal propósito será confrontado aos demais requisitos e todo o desenvolvimento da SD, guiando omissões e ênfases.

estudar conceitos discutir aspectos construção sócioações ao longo de

2. Explicitar a concepção de ciência adotada e os aspectos epistemológicos pretendidos: Os aspectos da NDC pretendidos esclarecem a visão de ciência que permeia a proposta: Compreender que aspectos não científicos interferem na construção da ciência. Entender que as observações dos fenômenos naturais não eram neutras, mas influenciadas por pressupostos teóricos e pela visão de mundo dos cientistas. Conhecer certos pressupostos metodológicos e conceituais que eram aceitos no do trabalho científico no século XIX, mas foram banidos da ciência atual. 3. Selecionar o tema e os conteúdos históricos apropriados:

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A história da formulação do princípio da conservação de energia é muito mais complexa do que apresentada na educação científica. Aspectos pouco conhecidos ligados às contribuições de Mayer enfatizam a influência de fatores não científicos e visões pessoais sobre o mundo natural na construção da ciência, por exemplo, estabelecendo uma equivalência entre a ideia de conservação de substâncias e conservação das causas (CINDRA; TEIXEIRA, 2004). Além disso, entender as contribuições de Rumford, Mayer e Joule permite criticar a ideia de descobertas individuais na ciência, devido apenas a insights ou a experimentos cruciais únicos. Ha ainda 19 (dezenove) parâmetros que orientam a criação da proposta. Eles abordam benefícios e riscos dos aspectos enfatizados e omitidos do episódio histórico; os obstáculos para a simplificação de conteúdos sem incorrer em distorção; a questão de pré-requisitos históricos, filosóficos, físicos e matemáticos; a criação de textos adequados aos alunos; a seleção e orientação para o uso de pequenos trechos primários; a importância de se criar atividades multiabordagens e torno de um mesmo objetivo pedagógico; e sugestões para o professor. Tais parâmetros sinalizam as dificuldades existentes no processo de transposição didática para o uso da história da ciência, e os riscos envolvidos, para superá-las ou contorná-las durante a elaboração e aplicação das atividades didáticas. Podemos nos deparar com a falta de pré-requisitos dos alunos em relação a determinados conteúdos; a complexidade em trabalhar com textos em decorrência dos alunos não terem o hábito da leitura, pois geralmente o conteúdo sobre história da ciência é colocado na forma de texto. Ainda nos defrontamos com o tempo didático disponível, já que poucas aulas são disponíveis para o ensino de ciências. Todos estes fatores devem ser levados e conta na sistematização dos conteúdos em diferentes atividades permitindo que o aluno tenha contato diversas vezes com o mesmo conteúdo, garantido, também, alcançar distintos perfis de alunos procurando o aprendizado efetivo. Na criação dos textos para os estudantes estamos buscando uma textualização adequada ao aluno da escola básica e a criação de atividades didáticas que favoreçam o envolvimento do aluno com o conteúdo, proponham questões instigantes que contribuam para o processo de ensino e aprendizagem. O produto final dessa etapa da pesquisa será a sistematização de toda a SD contendo planejamento pedagógico, textos e atividades didáticas, de modo que possa ser disponibilizado, divulgado e utilizado na educação científica. Considerações Finais Esta pesquisa está sendo desenvolvida em um projeto de iniciação científica. Uma vez definidos os objetivos pedagógicos da sequência didática e o tema histórico a ser estudado, já realizamos a primeira parte do estudo da bibliografia sobre o episódio histórico selecionado. As primeiras fontes históricas primárias (MAYER, 18513; RUMFORD, 1798; JOULE, 18504) estão sendo analisadas com apoio de Martins (1984) e de Medeiros (2009). Estamos buscando referenciais históricos que nos permitam entender melhor as visões de mundo que guiavam a observação desses três pensadores. 3

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A primeira versão do trabalho que trazia as conclusões de Mayer data de 1841, quase 10 anos antes da publicação de Joule, mas foi recusado pois trazia erros de física. JOULE, James Prescott. On the Mechanical Equivalent of Heat. Philosophical Transaction of the Royal Society of London. vol. 140, p. 61-82, 1850.

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Com relação aos resultados voltados ao produto da pesquisa, é esperado o próprio desenvolvimento do material didático em si, a ser aplicado e avaliado em sala de aula, e que visa atender a uma necessidade citada na bibliografia especializada, buscando evitar as distorções históricas presentes em materiais didáticos. A produção e avaliação de propostas concretas para o uso do HFC na sala de aula configura-se como um avanço para a linha de pesquisa. Referências ALLCHIN, Douglas. Pseudohistory and pseudoscience. Science & Education 13: 179-195, 2004. BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: ensino médio. Brasília: MEC; SEMTEC, 2002. CACHAPUZ, A.; PAIXÃO, F.; LOPES, B.; GUERRA, C. Do Estado da Arte da Pesquisa em Educação em Ciências: Linhas de Pesquisa e o caso “ciênciatecnologia-sociedade”. ALEXANDRIA Revista de Educação em Ciências e Tecnologia 1(1): 27-49, março de 2008. CARVALHO, A. M. P. Uma metodologia de pesquisa para estudar os processos de ensino e aprendizagem em salas de aula. In: SANTOS, F.M.T.; GRECA, I.M. (Orgs.) A pesquisa em ensino de ciências no Brasil e suas metodologias. Unijuí: Ed. Unijuí, 2006, p.13-48. CINDRA, J.; TEIXEIRA, O. Calor e temperatura e suas explicações por intermédio de um enfoque histórico. In: MARTINS, R. MARTINS, L, SILVA, C., FERREIRA, J. Filosofia e história da ciência do Cone Sul. 3o. Encontro. Campinas: AFHIC, 2004. CLOGH, Michael; OLSON, Joanne. Teaching and assessing the nature of science: An introduction. Science & Education 17:143–145, 2008. ERICSON, F. Qualitative research methods for science education. In: Fraser, B.J. e Tobin, K.G. (Orgs.), International Handbook of Science Education, Part One, Kluwer Academic Publishers, 1998. FORATO, Thaís Cyrino de Mello. A Natureza da Ciência como Saber Escolar :um estudo de caso a partir da história da luz. Tese de Doutorado em Educação. São Paulo: FEUSP, 2009. 2vols. FORATO, Thaís C. M.; MARTINS, Roberto de A.; PIETROCOLA, Maurício. History and Nature of Science in High School: Building Up Parameters to Guide Educational Materials and Strategies. Science & Education: 21 (5): 657-682, 2012. FORATO, Thaís Cyrino de Mello; PIETROCOLA, Maurício; MARTINS, Roberto de Andrade. Historiografia e natureza da ciência na sala de aula. Caderno Brasileiro de Ensino de Física. Florianópolis. V 28, n 1, p. 27-59, abril de 2011. GIL PÉREZ, D.; MONTORO, I. F.; ALIS, J. C.; CACHAPUZ, A.; PRAIA, J. Para uma imagem não deformada do trabalho científico. Ciência & Educação 7 (2): 125-153, 2001. GIORDAN, M.; GUIMARÃES, Y. A. F.; Massi, L. Uma análise das abordagens investigativas de trabalhos sobre sequências didáticas: tendências no ensino de ciências. In: VIIII ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS. Campinas, 2011. HOLTON, Gerald. What historians of science and science educators can do for one another? Science Education 12 (7): 603-616, oct. 2003.

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