Performatividade e subversão nas redes sociais desde a teoria de gênero de Judith Butler

June 29, 2017 | Autor: Carla De Abreu | Categoria: Feminist Theory, Social Networking, Judith Butler
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Universidade Federal da Bahia, 4 a 7 de setembro de 2015 47 - JUVENTUDES, EROTISMO, CORPOREIDADES E (DES)CONSTRUÇÕES DE GÊNERO NAS REDES SOCIAIS.

PERFORMATIVIDADE E SUBVERSÃO NAS REDES SOCIAIS DESDE A TEORIA DE GÊNERO DE JUDITH BUTLER Carla de Abreu1 Palavras-chave: identidades digitais, gêneros dissidentes, subversão Judith Butler (2007) afirma que não existe uma identidade de gênero que constitui nossos comportamentos, ao contrário, os comportamentos são nosso gênero; nestes termos, o gênero é uma construção cultural, é o que fazemos em momentos concretos e não algo universal que determina quem você é. Portanto, podemos dizer que não existe uma mulher ou homem mais "real" do que outro, o que existem são padrões de identidade com os quais estamos familiarizados através de sua repetição frequente, desta forma, a heterossexualidade continua apresentando-se como o único modo autêntico de ser, reproduzido e mantido por meio de práticas sociais reiterativas. Butler (2202, 2007) nos apresenta a noção de performatividade de gênero como um elemento construído em um universo discursivo, moldado por múltiplos discursos políticos e práticas sociais que se atravessam mutuamente. Como um ritual, a performatividade naturaliza a posição do sujeito nos grupos sociais e influencia as subjetividades, corpos e comportamentos. Mas, isso significa que estamos culturalmente determinados? Que não temos a oportunidade de escolher uma identidade e seremos sempre convocados pelos discursos reguladores das sociedades? Para Butler esta possibilidade existe, pois nenhum ato é sempre idêntico ao anterior e em cada repetição se produzem deslocamentos, se criam fissuras que permitem surgir oportunidades de transgressão e resistência. A subversão, disse a filósofa, se efetuará desde dentro dos términos da lei, mediante as opções que aparecem quando a lei se volta contra si mesma (2007, p. 196). Em outras palavras, é 1

Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Artes Visuais. [email protected]

precisamente na temporalidade da repetição onde se situa a condição de subversão, pois ninguém garante que se reproduzirão os mesmos signos ou que a repetição não se transforme em outra coisa. Para a filósofa, os sujeitos têm a potencialidade de realizar novas significações nos processos reiterativos e pluralizar suas experiências e aprendizagens, descobrindo que há muitíssimos modos de “performar” e viver a sexualidade. Estas novas significações criam fendas por onde a luz penetra e com ela a consciência das normas restritivas que limitam as identidades a velhos arquétipos que parecem não mais representar as identidades contemporâneas. Desde esta perspectiva, Butler considera que as pessoas não estão destinadas à repetição eterna dos comportamentos e nos anima a superar os modelos estereotipados, sugerindo que existem possibilidades de transformar a realidade, pois, ao fim, não somos somente reprodutores de comportamentos, mas também produtores de sentidos. Por este motivo, os atos performativos estão sempre abertos a mudanças e redefinições constantes. A temporalidade entre as interações é o lugar para o surgimento de outras possibilidades de ruptura, contestação e de invenção. É o lugar onde os sujeitos desobedientes às regras de gênero e de sexualidade hegemônicas estariam em condições de subverter as normas, pois, ao existirem fora do regime de inteligibilidade da matriz heterossexual (Butler, 2007) desestabilizam as construções identitárias, contribuindo para a produção de sujeitos que exploram os limites das categorias fixas. As redes sociais são ambientes privilegiados para explorar estes espaços interstícios, uma vez que temos a oportunidade de elaborar nossas identidades desde muitas estratégias, sem a exigência de conectá-la a um referente físico, isto é, não é necessário pressupor que o corpo físico corresponda à identidade digital, ou que necessariamente exista uma equivalência entre a identidade representada e as formas de identidade que uma pessoa mantém nos contextos presenciais, onde nem sempre é possível administrar características físicas ou estados psicológicos, tão pouco ocultar defeitos ou exaltar qualidades. Muitas pesquisas sobre as formas de atuação das identidades digitais acolheram as contribuições teóricas de Erving Goffman (2002) sobre a noção de "máscara" e a representação do "eu" para pensar as identidades digitais e a capacidade dos sujeitos de ajustarem suas autorrepresentações de acordo com os contextos sociais. Esta perspectiva sugere que as tecnologias oferecem a habilidade de retratar distintos “eus” e identidades livres dos discursos sociais que incidem em sua construção. Embora interessante, a

perspectiva de Goffman é uma visão que deve ser problematizada, especialmente nos contextos das interfaces sociais, pois, geralmente, a identidade não decide de forma independente se deve ou não agir desta ou daquela forma e, o gênero, não é uma roupa do armário que se pode pôr e tirar quando bem queira, nas palavras de Butler: Em oposição ao ponto de vista como o de Erving Goffman, que sugere um “eu” que assume e intercambia vários "papéis" dentro das complexas expectativas sociais do "jogo" da vida moderna, estou sugerindo não apenas que este “eu” é um irreparável "fora", constituído no discurso social, mas também que a atribuição de interioridade é em si mesma uma forma de fabricação da essência, publicamente regulada e sancionada (1998, p. 310)2.

Embora as redes sociais ofereçam oportunidades expansivas para desenvolver performances alternativas de gênero, a simples presença de tais oportunidades não garante a fluidez, pois a decisão de construir uma identidade hegemônica ou dissidente é pessoal e subjetiva e está atrelada aos discursos sociais. A performatividade está registrada na cultura e nas possibilidades que delimitam as atuações e, os ciberespaços, não são exceções. Nestes ambientes digitais também estamos condicionados pelas estruturas sociais que precedem os processos de subjetivação. Essa situação, talvez explique o motivo pelo qual a maioria das pessoas optam adotar identidades estandardizadas. Afinal, a performatividade discursiva também se faz presente nas redes digitais e a repetição parece ser a chave para “ocupar” esses espaços, pois coloca a identidade em uma posição hierarquicamente naturalizada nos contextos onde atua. Estas condições me motivaram a usar a perspectiva butleriana do caráter performativo e performático das identidades para pensá-las desde os contextos digitais, com a diferença que na internet é possível administrar com mais facilidade quais aspectos de si e quais são as impressões que deseja transmitir aos demais. A capacidade de autogestão da identidade faz destes ambientes lugares especiais para os sujeitos não heteronormativos, pois podem narrar suas histórias em primeira pessoa, construir-se a partir de como desejam que os outros os percebam e vejam, para dar a conhecer fatos, valores e fragmentos que formam parte importante de suas vidas. Para estes sujeitos, a possibilidade de subversão tal qual propõe Butler, é potencializada pelas ferramentas tecnológicas, pois permite elaborar performances alternativas que esfumaçam as fronteiras de gênero, questionando o que somos não como algo acabado, Tradução livre de: “En oposición al punto de vista de Erving Goffman, que plantea un yo que asume e intercambia varios "papeles" dentro de las complejas expectativas sociales del "juego" de la vida moderna, estoy sugiriendo no sólo que este yo es un irreparable "afuera" constituido en el discurso social, sino también que la adscripción de la interioridad es ella misma una forma de la fabricación de la esencia, públicamente regulada y sancionada.” 2

mas sim como processos abertos sobre os quais podemos interver (ZAFRA, 2008, p. 145). Para algumas pessoas, as redes sociais são verdadeiras fábricas de identidade, lugares de exploração e de descobertas, ambientes favoráveis para a criação de novas versões de si mesmo (WAKEFORD, 2000, p. 411) que têm a potencialidade de promover a incoerência dos gêneros binários. Celebrar a mobilidade das identidades e sugerir que podemos fabricar corpos, são algumas das formulações da teoria queer (SÁEZ, 2004; TALBURT, 2005; PENEDO, 2008), nas quais as identidades são pensadas desde as agendas sociais, culturais e políticas que problematizam as relações supostamente estáveis entre sexo, gênero e desejo sexual. A subjetividade queer nos ambientes digitais promove a incoerência dos discursos dominantes e anuncia a complexidade das muitas possibilidades performativas que o gênero pode adotar. Exemplos claros dessas performances subversivas são os perfis de drag queens, drag kings, travestis, crossdressers, transexuais, intersexuais ou transgêneros que contrariam a lógica das estruturas sociais e promovem ações contra-hegemônicas para a “desidentificação” da identidade, por meio de performances que se desenvolvem desde o confronto, a ironia ou a parodia, estratégias válidas e criativas para habitar as redes sociais. Estes novos espaços sociais também estão desempenhando um papel importante ao proporcionar estímulos para que as pessoas assumam suas identidades de gênero cada vez mais jovens (BINNIE, 2004), além de mudar radicalmente as formas de aprender e buscar informações sobre sexo, sexualidade e gênero nos grupos sociais. Para a jovem multidão não heteronormativa e com acesso à internet, os ciberespaços mudaram completamente as experiências de se engajar na cultura gay, lésbica ou transexual (EGAN, 2000), superando parcialmente as dificuldades de transpor o isolamento e as negativas dos discursos heteronormativos. As ações subversivas desestabilizam a noção dos gêneros hegemônicos por meio de um conjunto de produções textuais e visuais e de múltiplas interações com os outros sujeitos online. Para elas, gênero e tecnologia se influenciam mutuamente, formando novas articulações nas quais adotam seus próprios referentes, preferências e capacidades para assumir e negociar outras posições de masculinidade e de feminidade nos contextos das redes sociais na internet. Estas identidades usam práticas reflexivas para viver outras formas de recepção e de produção identitária, passando de simples consumidores para produtores efetivos

de novas significações. As performances alternativas de gênero apresentam-se como uma força desestabilizadora da heteronormatividade nos contextos digitais, onde a pluralidade é uma realidade que torna visível outras maneiras de experimentar novas versões de “si”, experiências que muitas vezes não são possíveis de serem vivenciadas na vida offline. Desta forma, é fácil perceber que as redes digitais estão para as normas assim como para os deslocamentos. As identidades sexualmente dissidentes, cientes destas fissuras, criam espaços de subversão que desafiam os códigos da heterossexualidade, produzindo ruídos e um mosaico de performances alternativas que contribuem positivamente para a pluralização das categorias identitárias.

Referências BINNIE, J. The globalization of sexuality. London: Sage, 2004. BUTLER, J. Actos performativos y constitución del género: un ensayo sobre fenomenología y teoría feminista. Debate Feminista, México, 8, Octubre 1998, p. 296-314. BUTLER, J. Cuerpos que importan. Sobre los límites materiales y discursivos del "sexo". Tradução de Alcíra Bixio. Barcelona: Paidós Ibérica, 2002. BUTLER, J. El Género en disputa. El feminismo y la subversión de la identidad. Tradução de Maria Antonia Muñoz. Barcelona: Paidós Ibérica, 2007. EGAN, J. Lonely gay teen seeking same. The New York Times Magazine, 2000, p. 110-113. Disponível em: . Acesso em 15.nov.2014. GOFFMAN, E. A representação do eu na vida cotidiana. Tradução de Maria Célia Santos Raposo. Petrópolis: Vozes, 2002. PENEDO, S. L. El Laberinto Queer: la Identidad en tiempos del neoliberalismo. Barcelona: Egales, 2008. SÁEZ, J. Teoría Queer y psicoanálisis. Madrid: Síntesis , 2004. TALBURT,. Introducción: contradicciones y posibilidades del pensamiento queer. In: TALBURT, S.; STEINBERG , S. R. Pensando Queer: sexualidad, cultura y educación. Tradução de Jiménez Aspizua Begoña. Barcelona: Graó, 2005, p. 25-34. WAKEFORD, N. Cyberqueer. In: BELL, D.; KENNEDY, B. M. The Cybercultures Reader. London: Routledge, 2000, p. 403-415. ZAFRA, R. Conectar-hacer-deshacer (los cuerpos). Zehar: revista de Arteleku-ko aldizkaria, San Sebastián, v. 64, 2008, p. 138-145. Disponível em: . Acesso em: 23.dez.2014. ISSN 1133-844X.

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